abril 29, 2004

OSWALDO FRANÇA JÚNIOR

O ESCRITOR RECEBE UMA MISSÃO :
MATAR LEONEL BRIZOLA

A Historia poderia ter tomado um rumo diferente em 1964 se tivesse havido uma resistencia igual a’ que Leonel Brizola comandou em 1961 para garantir a posse do entao vice-presidente Joao Goulart na presidencia da Republica depois da renuncia de Janio Quadros.

Com um microfone nas maos,Brizola comandara em 1961 uma campanha pela legalidade : se a presidencia estava vaga,o vice Goulart e’ que deveria assumir.Nao era o que os militares queriam.Mas foi o que aconteceu.

A resistencia legalista de Brizola em 1961 por pouco nao acaba em bombas e balas. Piloto da FAB que anos depois ficaria famoso como escritor,o mineiro Oswaldo Franca Junior recebeu,com os colegas,uma missao que,se executada,poderia resultar na eliminacao fisica do ex-governador Brizola sob um monte de escombros,num palacio bombardeado.

Oswaldo Franca Junior tinha um demonio dentro de si.Queria um exorcista.Todas as tentativas de traduzir o demonio em palavras foram frustradas.Bem que tentou,mas nao conseguiu transformar em texto a incrivel experiencia quer viveu nos tempos em que era oficial da Forca Aerea Brasileira,no comeco dos anos sessenta. Extremamente rigoroso com o que escrevia,a ponto de so aproveitar dez de cada cem paginas que produzia,Franca Junior despejou na lata de lixo as tentativas de relato da epoca. Se transformadas em livro,as confissoes do ex-primeiro tenente Franca Junior poderiam ter virado best-seller politico : basta saber que ele participou diretamente de uma operacao secreta para bombardear o Palacio onde estava o entao governador Leonel Brizola,em Porto Alegre.Franca Junior estava pronto para levantar voo num dos avioes que despejariam bombas sobre o Palacio.Nesta entrevista,ele revela com todos os detalhes como a operacao foi preparada.
Diante do gravador,Oswaldo Franca Junior relatou com desembaraco o que jamais conseguiu escrever.Uma coisa e’ certa : Franca Junior e’ seguramente o unico escritor em todo o mundo que recebeu uma ordem expressar para bombardearum palacio e matar um governador.Expulso da Aeronautica pela Ato Institucional Numero 2 como ‘’subversivo’’,Franca Junior virou corretor de imoveis,vendedor de carros usados,dono de carrocinhas de pipoca e ate’ administrador de uma pequena frota de taxi,antes de ficar conhecido nacionalmente com o romance ‘’Jorge,um Brasileiro’’ ,em 1967.
Vai falar o escritor que,como piloto,esteve a um passo de se envolver numa carnificina a mando dos superiores :
GMN : Voce e’ seguramente um caso unico de escritor que recebeu ordens expressas para eliminar um governador de Estado num bombardeio a um palacio.Voce pode revelar em que circunstancia exatamente foi dada a ordem de eliminar o entao governador do Rio Grande do Sul,Leonel Brizola ?
Franca Junior : ‘’Voce quer saber em que cinscunstancias...Eu servia no Esquadrao de Combate,em Porto Alegre.Era a unidade de combate mais forte que existia entre o Rio de Janeiro e o sul.Era o 1@ do 14@ Grupo de Aviacao.A gente usava um aviao ingles que,na FAB,recebeu de F-8.Logo depois da renuncia de Janio Quadros,em 1961,Brizola fez a Cadeia da Legalidade atraves das emissoras de radio e se entrincheirou no Palacio do Governo,em Porto Alegre.O comandante do meu esquadrao nos reuniu e disse : ‘’Nos acabamos de receber uma ordem para silenciar Brizola.Vamos tentar convence-lo a parar com esse movimento de rebeldia.Se ele nao parar com essa campanha,vamos bombardear o Palacio e as torres de transmissao da radio que ele vem usando para fazer a Cadeia da Legalidade.Vamos fazer tudo ‘as seis da manha.Vamos tentar dissuadir Brizola ate’ essa hora.Se nao conseguirmos,vamos bombardear’’. Nos ouvimos essas palavras do comandante.Todo oficial tem uma missao em terra,alem de ser piloto de esquadrao.Eu era chefe do setor de informacao.Recebi ordens de calcular o quanto de combustivel ia ser usado e quanto tempo os avioes poderiam ficar no ar.Dezesseis avioes foram armados para a operacao.Pelos meus calculos,a gente ia pulverizar o Palacio do Governo ! O armamento que a gente tinha em maos era para pulverizar o palacio.um ataque para acabar com tudo o que estivesse la’.Nao ia haver duvida.Os avioes foram armados.Nos nos preparamos.Colocamos as bombas e os foguetes nos avioes.Ficamos somente esperando chegar a hora,quando o dia amanhecesse.Mas criaram-se ai varios impasses,varios problemas serios.Durante o tempo em que ficamos esperando,nos todos sabiamos que iriamos matar muita gente. Num ataque como aquele ao Palacio,bombas e foguetes cairiam na periferia.Muitas pessoas iriam ser atingidas.Alem de tudo,Brizola estava com a familia no Palacio,cercado de gente.Havia gente armada la’,mas nao ia adiantar nada,diante do ataque que iriamos deflagrar com nosso tipo de aviao.Podia ser que um ou outro aviao caisse,o que nao impediria de maneira nenhuma o ataque e a destruicao do Palacio.E ai’ comecou o questionamento.
O militarismo tem dois alicerces basicos : a disciplina e a hierarquia.Voce nao pode mexer nesses dois alicerces.Toda a carreira,todos os valores,todo o futuro do militar e’ garantido em cima desses dois suportes.Voce,quando e’ militar,sabe exatamente o que vai acontecer com voce daqui a dez,vinte anos,baseado nessa hierarquia e nessa disciplina.Isso da’ uma seguranca e um ‘’espirito de corpo’’ bem desenvolvidos.Mas,diante de nos,os tenentes que iamos fazer o ataque,e nao estavamos incluidos nba alta cupula,apresentou-se uma incoerencia : se o presidente da Republica,chefe supremo das Forcas Armadas,renunciou,automaticamente quem deve assumir e’ o vice-presidente.Nos nos perguntavamos ali : por que o Estado Maior - que nao fica acima do Presidente da Republica - pode determinar que um vice-presidente nao pode assumir ? Entao,ha’ uma incoerencia interna na hora de obedecer auma ordem assim.Por que ? Porque aquela ordem,em principio,ja’ quebrava a hierarquia,a base do sentimento militar.Nos comecamos a pensar.Mas iamos decolar,sim,para o ataque ! Durante a noite,no entanto,houve um movimento inteligente,partido principalmente do pessoal de base.O aviao de caca so leva um pessoa,o piloto.Mas e’ necessario ter uma equipe grande de apoio no solo.E essa equipe de apoio,formada principalmente por sargentos,impediu a decolagem dos avioes.Os sargentos esvaziaram os pneus.E trocar de repente todos os peneus dos avioes de combate e’ um problema tecnico complicado e demorado.Os avioes,assim,ficaram impedidos de decolar na hora do ataque.Houve uma movimentacao.E o Exercito ajudou a controlar a divisao interna na Base Aerea.O Estado Maior mudou a ordem,para que nos nos descolassemos para Sao Paulo.E,para a viagem de Porto Alegre para Sao Paulo,os avioes nao poderiam decolar armados.Por que ? O aviao de caca e’ uma plataforma que voce eleva para transportar armamentos.Ali dentro so existe lugar para colocar combustivel e arma.O piloto vai num espaco pequeno.Entao,tiraram os armamentos dos avioes para encher de combustivel.Somente assim seria possivel chegar a Sao Paulo.O Estado Maior estava centralizando o poder de fogo para que,se houvesse um guerra civil,eles estivessem bem equipados’’.
GMN - Como militar,voce cumpriria sem discussao essa ordem de bombardear o Palacio e eliminar fisicamente o governador ?
Franca Junior : ‘’Naquelas circunstancias de Porto Alegre,eu obedeceria,sim.Obedeceria ! Um ou dois meses depois eu iria questionar.Por que ? Porque ali foi um ponto de ruptura,um divisor de aguas.Naquela crise,em que passamos a noite inteira nos preparando para bombardear o Palacio do Governo,surgiram-se varios questionamento.Somente de madrugada e’ que houve o problema da sabotagem dos avioes.Agora nem tanto,mas antes voce so era preparado para ;utar contra o inimigo externo.E de repente nos chegou aquela ordem para bombardear Brizola de uma hora para outra.Nao houve nem uma preparacao psicologica nossa.Voce,entao,comeca a se questionar : por que e’ que as pessoas estao fazendo aquilo ? Por que a realidade brasileira e’ essa ? O militar,em qualquer crise politica,nao e’ como o civil - que pode fazer a opcao sobre se vai participar ou nao.O militar e’ obrigado a participar - e de arma na mao !’’.
GMN -Voce e’ que escolheu as bombas que seriam usadas para matar Brizola ?
Franca Junior : ‘’Nao.Ajudei a verificar o volume de combustivel nos avioes.Nos iriamos usar bombas de 250 libras.E 15 foguetes.Cada aviao iria levar quatro bombas de 240 libras,alem de quatro canhoes.Eu digo : a gente ia pulverizar tudo ! O armamento que iriamos usar nao era para intimidar...’’.
GMN - Quando estava fazendo os calculos de combustivel e de armamentos,voce pensava em que ?
Franca Junior -’’O questionamento vem surgindo aos poucos.A primeira impressao e’ que tinha acontecido algo serio e nos nao tinhamos ainda acesso ‘as informacoes sobre o que havia ocorrido.Haviam,provavelmente,descoberto ligacoes de Brizola ou de um grupo grande.O bicho-papao,na epoca,eram os comunistas.Entao,eles devem ter descoberto uma trama tao diabolica e tao generalizada que estavam tomando uma atitude seria para impedir que o presidente assumisse’’.
A experiencia que vivi foi inusitada,porque voce julga que uma guerra civil pode pode surgir de um encadeamento de fatos que leva anos - mas nao de uma hora para outra,como ali : uma pessoa vem e da’ uma ordem.Se o pessoal de apoio da Base Aerea de Porto Alegre nao tivesse impedido a decolagem dos avioes,nos teriamos decolado e destruido o Palacio.Nao tenha duvida ! Isso forcosamente teria desencadeado um problema seriissimo no Brasil’’.

GMN - Pouquissimos escritores viveram,na vida real,historias com uma forca dramatica tao grande.Por que e’ que voce nunca quis descrever todos estes acontecimentos literariamente ? Por que voce despreza uma experiencia tao rica ?
Franca Junior - ‘’Nao e’ que eu despreze ! E’ diferente.Fui aviador durante anos e anos .O fato de lidar com aviacao faz com que voce adquira uma materia-prima rica,porque levam o ser humano a se desnudar e a demonstrar quem e’.E eu levei quase vinte anos para conseguir escrever uma historia que trata de aviacao.Eu tinha vontade de escrever.Quando comecava uma historia,percebia que estava tudo falso !’’.


(1987)

Posted by geneton at abril 29, 2004 12:17 AM
   
   
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