janeiro 18, 2005

DESCULPE,WILLIAM BONNER.

Jornal velho só serve para embrulhar peixe.

Acabo de escrever uma mentira.

Quem disse que o destino de jornal velho é se tornar embrulho de peixe na feira livre pode até ter criado uma frase pretensamente espirituosa mas nunca pisou numa redação. Não faz a menor idéia do que seja o jornalismo.

Ao contrário do que acontece com as notícias de televisão - que se evaporam no ar em questão de segundos, o que se escreve em jornal fica guardado nos arquivos privados ou nas bibliotecas públicas.

A permanência da palavra escrita pode ser uma bênção (há reportagens, artigos, crônicas e entrevistas que, por serem documentos de uma época, merecerão um dia a graça de serem relidas pelos olhos misericordiosos de um pesquisador perdido na poeira das bibliotecas) ou um castigo (a coleção de textos jornalísticos que realmente merecem o esquecimento imediato daria para embrulhar trezentas toneladas de peixe por dia. Avante, ciobas, salmões, agulhas e cações do Brasil! Nossos textos vos esperam!).

Se jornal velho não serve apenas para embrulhar peixe, para que serve, então? Uma das definições mais felizes diz que o jornal é o primeiro rascunho da História. Bingo !

O repórter faz a primeira anotação sobre o que aconteceu diante de suas retinas presumivelmente atentas. O que o repórter registrou vai se tornar matéria-prima para quem, um dia, no futuro, tentar reconstituir um instante perdido no tempo. Palmas para o jornalismo impresso. Longa vida aos jornais e às revistas !

Mas.....as coisas não são tão simples quanto parecem. A era dos computadores acaba de criar um problema tanto para os jornalistas quanto para os historiadores. Que destino terá a formidável massa de informações produzida pelo jornalismo via Internet ? Quem estocará todos esses textos ? De que maneira esse material será consultado no futuro ?

A Internet só perde para os terrenos da Companhia de Limpeza Urbana como depositária de lixo em quantidades industriais. Nunca se escreveu tanta coisa inútil. Mas a rede mundial de computadores é também uma belíssima fonte de pesquisa, um banco de dados planetário como nunca se imaginou.

Nem tudo o que circula nas telas dos monitores deve ser condenado a desaparecer.

Um historiador inglês – John Vincent, autor do livro “Na Intelligent’s Person Guide to History” – soprou as trombetas do Apocalipse : disse que a era digital oferece uma terrível ameaça à História. Com uma pitada de exagero, ele lançou um sinal de alerta : disse que o computador pode condenar a História a desaparecer. Por quê ? O que faz a História é a permanência da palavra escrita. Se, com o onipresente computador, a palavra escrita torna-se volátil, então a História pode se evaporar também. Textos que circulam na Internet podem ser perder para sempre no buraco negro dos computadores.

Pergunta-se : Quem estocará essa formidável quantidade de informação ? Quem ordenará essa Babel digital, para futura pesquisa ? Onde estará a Biblioteca de Alexandria da Era da Internet – um super-banco de dados que reúne todo o conhecimento que circula nas telas iluminadas ? A dúvida – inquietante - fica no ar.

O problema da disponibilidade de uma informação para futura pesquisa já existia no caso da televisão. Agora, agiganta-se, na era do computador. Um artigo publicado em junho de 1992 pelo New York Times já dizia: “A televisão tem um toque efêmero. Os melhores programas raramente deixam marcas nos arquivos e bibliotecas. É mais difícil localizar o script de um programa visto por milhões de pessoas do que desenterrar um obscuro artigo de revista, lido apenas por milhares”.

Se o autor do artigo publicado pelo New York Times – um certo Karl E. Meyer – tivesse dito essas palavras num programa de TV ou num site na Internet suas elucubrações teriam desaparecido no ar. Mas suas palavras foram impressas. Podem – então - ser citadas textualmente, uma década depois, por este anônimo escriba. Assim caminha a humanidade : escrevendo em papel.

Há um problema em busca de uma solução. O que foi ao ar, ontem à noite, para milhões e milhões de espectadores em horário nobre ,no Jornal Nacional, não estará acessível nas bibliotecas. Vai sumir “na poeira da estrada”, como diria Paulinho da Viola. Já estas mal traçadas linhas estarão armazenadas daqui a um século numa Biblioteca. Desculpe, William Bonner. Desculpe, Fátima Bernardes. A culpa não é minha.

O que acontece é que o que sai na tevê (ou na tela do computador) não se transforma em objeto de consulta, em fonte de informação histórica, em material acessível aos pesquisadores. Só se transformará no dia em que uma sonhada Biblioteca Planetária Digital guardar para os pesquisadores do futuro as imagens e palavras que hoje se evaporam no ar ou, no máximo, ficam estocadas em arquivos privados.

A palavra impressa ainda é a campeã absoluta de permanência. Quem resolverá este descompasso?

Enquanto esse tumulto não se resolve, não existe nada melhor do que o papel para enviar mensagens ao futuro. As frases que escrevemos num pedaço de papel podem ser tortas e precárias, como estas, mas certamente ficarão flutuando em alguma prateleira de biblioteca – quem sabe, numa remota cidade do interior - na esperança de que alguém, um dia, passeie os olhos sobre elas, exatamente como aquelas garrafas que os náufragos jogam ao mar, em busca de um impossível destinatário.

Pelo menos por enquanto , as garrafas mais duradouras sem dúvida nenhuma são feitas de papel.

Não se inventou ainda nada melhor.

Posted by geneton at janeiro 18, 2005 07:21 PM
   
   
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