junho 15, 2013

ARIANO SUASSUNA 3

ARIANO SUASSUNA LUTA PARA NÃO TRAIR “DEUS, O DESERTO E A POBREZA”, SONHA COM O DESPOJAMENTO E CAMINHA PARA PERDOAR OS ASSASSINOS DO PAI
Ariano Suassuna 2.jpg
Ariano, em casa, depois da gravação da entrevista: um esforço para perdoar os assassinos do pai (foto: Geneton Moraes Neto)

A Globonews leva ao ar neste sábado, às 21:05, com reprise amanhã, às 17:05, entrevista com Ariano Suassuna – que completa 86 anos de idade neste domingo.

Ariano Suassuna uma vez escreveu:

“A grande fonte de sofrimento de minha vida é o fato de constatar que ela contradiz aquilo em que mais profundamente acredito, o remorso de saber que, por covardia e também por medo de ferir aqueles a quem amo, toda a minha vida é uma traição a Deus – ao Deserto e à pobreza que constitui meu sonho secreto”.

Disse tudo: uma vida despojada, ascética, livre de vaidades vãs, dedicada aos tormentos e alegrias da Criação, protegida das tentações do conforto medíocre e desapegada da obsessão estúpida pela riqueza material. Eis aí um belo projeto.

Ah, o Deserto !

A contradição entre o sonho de uma vida despojada e a realidade mesquinha do dia-a-dia é a “grande fonte do sofrimento” do escritor Ariano Suassuna.

Perguntei a ele sobre esta contradição, na entrevista gravada para o DOSSIÊ GLOBONEWS.

Suassuna citou o grande exemplo de Leon Tosltoi, um de suas admirações, igualmente devotado ao sonho do despojamento. Já no fim da vida, Tolstoi fugiu de casa para se tornar um caminhante solitário – uma última e desesperada tentativa rumo ao sonho do despojamento absoluto. Viveu intensamente a contradição entre o deserto e a fartura. Abatido por uma pneumonia, terminou morrendo, numa estação ferroviária, durante a “fuga”. Belo destino: a morte numa estação, em busca de uma quimera.

Guardadas as proporções, o escritor Ariano vive contradição parecida : como deixar que a quimera do despojamento não se estilhace, não se dilacere, não seja engolida pelas urgências do cotidiano ? É missão para uma vida inteira. Ainda bem.

O escritor Ariano Suassuna não é tão lido quanto deveria. Aos não iniciados, recomenda-se um mergulho nas páginas do “Romance D´a Pedra do Reino”. Depois de anos sem reedições, o livro ganhou, não faz tempo, uma nova edição da José Olympio. É obra literária de gênio.

A defesa intransigente que faz de um Brasil que não se conforme em ser uns “Estados Unidos de terceira categoria” transformou Ariano em personagem de incompreensões e julgamentos rasteiros.

Eu me arrisco a dizer : para a,ém de bate-bocas imediatos, o que vai ficar é a qualidade literária de um livro como o “Romance d´a Pedra do Reino”.

A entrevista ao DOSSIÊ GLOBONEWS é pontuada pela leitura de trechos da Pedra do Reino, feita por um grande ator chamado Cláudio Jaborandy.

Trechos do grande livro:

“Meu Deus sertanejo ! Minha onça malhada, meu divino jaguar de sangue, fogo e pedras preciosas ! Eu não creio em nada ! Vinde inflamar meu sangue com aquele dom de fogo chamado fé, mesmo que vossa fé venha a me queimar, como a ventania deste meu reino sagrado e sangrado, o espinhara, o sertão incendiário e abrasador”.

“Ah, esses negociantes e usurários do mundo ! Querem nos moldar à imagem deles, a nós, povos morenos dos países quentes, nós, os ardentes, os que ainda temos a capacidade de ser felizes, de fruir a vida, num mundo em que isso vai ficando cada vez mais raro!

Eu gostaria que eles nos deixassem fruir da nossa vida, que eles consideram suja, e enfrentar nossa morte, que consideram irracional !

Ficassem por lá, com sua riqueza amontoada por séculos de trabalho estúpido e tenaz, com seu poderio acumulado em máquinas e dinheiro, com seus ideais puritanos de higiene e virtude! Mas não ! Eles precisam vender seus produtos, para acumular mais dinheiro!

Então, procuram nos corromper para nos dominar, sob o pretexto de que somos uns adolescentes bárbaros, que é preciso conter e dominar com rédea curta, senão atrapalham e sujam a ordem do mundo!

“Esses povos de comerciantes, os mais tristes do mundo, nascidos e criados entre o frio, o escuro e a severa infelicidade dos ideais puritanos, querem impingir suas receitas a nós, povos morenos, criados ao sol ! Como é que poderão, nunca, nos entender ?”.

A dor de ver a quimera do despojamento irrealizada não é a única fonte de sofrimento do escritor.

Quando tinha apenas três anos de idade, em 1930, Ariano Suassuna perdeu o pai – assassinado a tiros, pelas costas, por um pistoleiro de aluguel, no centro do Rio de Janeiro. Motivo: disputas políticas.

João Suassuna, o pai de Ariano, tinha sido “presidente da Paraíba”, cargo que corresponde, hoje, ao de governador. Deixou nove filhos, todos crianças.

Oitenta e três anos depois, Ariano Suassuna diz, na entrevista, que caminha para perdoar os assassinos do pai. Ainda não chegou ao perdão, mas já consegue rezar por eles.

Em belo depoimento, Suassuna dá uma explicação teológica para a difícil caminhada rumo ao perdão. Não é fácil. Nunca foi.

Um trecho da entrevista:

A morte do seu pai – que foi assassinado nos anos trinta em disputas políticas, quando o senhor ainda era criança, foi um acontecimento decisivo na vida do senhor. O senhor conseguiu tratar e superar literariamente o trauma da ausência do pai ?

Ariano Suassuna: “Isso é uma tentativa constante, na minha vida. Finalmente, estou conseguindo, depois dos oitenta anos. Procurei sempre. Tenho muito cuidado, com medo de ser hipócrita, porque perdoar é uma coisa muito difícil. Digo perdoar mesmo – sinceramente. Passei muito tempo sem conseguir perdoar. Ultimamente, me veio uma ideia que me consolou um pouco: a de que estou chegando perto. Se não perdoei os assassinos do meu pai, estou chegando perto.

Sou um sujeito religioso, como você sabe. Tenho algumas ideias que nem sei se são autorizadas ou ortodoxas. Por exemplo: acredito na existência do demônio. Mas não acredito na condenação eterna do demônio. Se o demônio fosse condenado, esta seria uma pena absoluta. E, para mim, absoluto só Deus. Se o demônio não fosse perdoado, ele estaria, assim, sendo mais importante do que o Cristo. Tenho impressão de que, no fim dos tempos, o demônio será perdoado a pedido da Misericordiosa, a Compadecida, a Deus. Acho que o demônio vai ser perdoado.

Acredito no inferno. Há coisas que precisam ser pagas no inferno,mas não acredito que o inferno seja eterno. Cheguei a essa conclusão: para mim, o inferno é a parte mais pesada do purgatório. Depois de muito tempo, me perguntei o seguinte: se os assassinos do meu pai estiverem no inferno – e se depender de mim para eles saírem -, eu autorizo. Queria que eles saíssem. Estou chegando perto do perdão. Atualmente, ainda estou mais perto, porque, depois que descobri que eu os soltaria, passei a rezar por eles”.

O senhor diz que, depois dos oitenta anos, chegou perto de perdoar os assassinos do seu pai. O que é que falta, então ?

Ariano Suassuna : “Falta que eu sinta, em relação a eles, aquilo que sinto em relação à minha mulher, meus filhos, meus netos e meus amigos. Ainda não senti. Eu queria não ter raiva – e ser capaz de sentir, até, uma imensa piedade e um amor verdadeiro por eles. É o que o Cristo pediu que a gente tivesse: amar seus inimigos”.

O senhor em algum momento teve o impulso de procurar o assassino do seu pai para perguntar a ele, pessoalmente, por que ele cometeu este crime ?

Ariano Suassuna: “Minha mãe tinha medo de que a gente tivesse algum sentimento de vingança. O ambiente no sertão levava muito a isso. Perguntavam-me : “Como é ? Quando crescer, vai vingar o pai ? “. Ouvi isso várias vezes. Mamãe, com medo, não só ritirou a gente do sertão da Paraíba, como nos convenceu de que o assassino do meu pai tinha morrido. Só quando adulto, já casado e pai de filho, é que vim a saber que o executor da morte estava vivo – morando no Rio de Janeiro.

Perguntei a ela: “Minha mãe, por que você não me disse ? “. E ela: “Não disse para vocês não ficarem com essa ideia de vingança”. Uma das lembranças que tenho da infância é um morador da fazenda, grande amigo de papai, ajoelhado aos pés da minha mãe pedindo para ela deixar que ele matasse o assassino. Mamãe não deixou.

Os Pessoas fizeram a meu pai a acusação de ser o mandante do assassinato de João Pessoa. João Dantas foi o executor, mas o mandante teria sido meu pai. Isso é uma coisa que hoje, na Paraíba, até os partidários de João Pessoa sabem que não é verdade. Você pode ver, facilmente: meu pai era um sertanejo. Se ele quisesse mandar matar João Pessoa, ele tinha, só na fazenda do pai dele, trinta pessoas que se disporiam a matar ! Meu pai ia mandar um primo legítimo da mulher, formado em Direito, advogado do Banco do Brasil ?

Quem conhece o mínimo da biografia de João Dantas sabe que ele não é homem de ser mandado por ninguém. Não ocorre hoje, na Paraíba, a ninguém que meu pai tivesse mandado matar. Meu pai sabia que ia ser assassinado: escreveu uma carta, para minha mãe e para nós, no dia oito de outubro de 1930 – e foi asssasinado no outro dia, de manhã. Dizia que esperava ser assassinado. Pedia que ninguém vingasse. Disse: não se tornem assassinos por minha causa !

Se você já viu uma última confissão, você reconhece o tom. E ele dizia: podem assegurar a nossos filhos que sou inteiramente inocente no caso de morte de João Pessoa” ( a carta dizia: “Se me tirarem a vida os parentes do presidente João Pessoa, saibam todos os nossos que foi clamorosa injustiça. Não sou responsável pela sua morte nem de pessoa alguma neste mundo. Não alimentem, apesar disso, ideia ou sentimento de vingança contra ninguém. Recorram para Deus. Para Deus, somente.Não se façam criminosos por minha causa“).

Ariano Suassuna 3.jpg
O Ariano Suassuna criança – de apenas três anos – guardou que lembrança do pai ?

Ariano Suassuna : “A última vez que vi meu pai foi no cais do Recife. A gente veio trazer meu pai , para ele ir ao Rio – onde foi assassinado. Só me lembro desse momento: ele já no navio, mamãe me apontando. Eu não via. De repente, enxergei: meu pai estava emoldurado pela janela do navio – dando com a mão. Aquela foi a última vez que o vi”.

Posted by geneton at junho 15, 2013 11:15 PM
   
   
Copyright 2004 © Geneton Moraes Neto
Design by Gilberto Prujansky | Powered by Movable Type 3.2