dezembro 19, 2011

VENENO PURO: DIPLOMATAS ESCREVEM EM RELATÓRIOS SECRETOS TUDO O QUE NÃO DIZEM EM VOZ ALTA( MAS, UM DIA, O SEGREDO ACABA )

O vazamento sistemático de documentos confidenciais produzidos por diplomatas foi uma das sensações de 2010. O responsável: o site Wikileaks.

O que o Wikileaks faz é antecipar a publicação de documentos confidenciais que,um dia, seriam divulgados, em parte ou na íntegra, pelos governos que os produziram.

Todo ano, o governo britânico libera, à sanha de repórteres e pesquisadores, documentos secretos que passaram décadas protegidos pelo sigilo.

Já enfrentei longas jornadas na sede do Public Record Office, em Londres, em busca de documentos venenosos sobre o Brasil.

Não saí de mãos abanando.

Vasculho meus arquivos não tão implacáveis.

Eis uma amostra da colheita:

Quem ? Lindolfo Collor ? “Político ambicioso e inescrupuloso, Sem dúvida, lembra desagradavelmente os políticos nefandos que a Revolução de 30 pretendia varrer do mapa”. O escritor e diplomata Gilberto Amado ? “Nordestino típico,baixo e feio. Excessivamente mal-educado”. Lourival Fontes,o braço direito de Getúlio Vargas na área da propaganda ? “Aboslutamente detestável. Corcunda, zarolho,interesseiro e impopular”. O chanceler Oswaldo Aranha ? “Bem conhecido pelas atenções que dá a mulheres fora do ambiente doméstico”. O general Goes Monteiro, chefe do Estado Maior das Forças Armadas ? “Um tremendo bebedor”. O general Flores da Cunha,”o mais poderoso político do Rio Grande do Sul” ? “Inescrupuloso”, “um jogador inveterado”. O deputado,senador, ministro e governador baiano Otávio Mangabeira ? “Um mulato de família pobre que enriqueceu através da política”. Assis Chateaubriand, o fundador do império jornalístico dos Diário e Emissoras Associados ? “Personalidade perigosa e intrigante”. O duas vezes ministro da Viação e Obras Públicas José Américo de Almeida ? Descobriu tanta maracutaia no Ministério que ficou incapaz de “distinguir o que é bom e o que é mau”. O jornalista Herbert Moses, presidente da Associação Brasileira de Imprensa ? “Um homenzinho parecido com um macaco”. Luís Carlos Prestes ? “Um revolucionário profissional”. O marechal Cândido Rondon ? “Proprietário de enormes extensões de terra no interior, particularmente em Goiás e Mato Grosso, que adquiriu por meios dúbios e desonestos”. O ministro Félix Pacheco ? “Aumentou enormemente a fortuna pessoal graças às suas transações com o Banco do Brasil para a compra do Jornal do Brasil”. O ex-presidente da República Epitácio Pessoa ? “Sempre pronto, em troca de vantagens, a colocar seus grandes conhecimentos jurídicos a serviço de corporações britânicas em dificuldades com as leis brasileiras”. Amaral Peixoto ? “Sua maior credencial para a fama deve-se ao fato de que namora com uma das filhas do presidente”. O general Eurico Gaspar Dutra ? “Não muito inteligente. Cão de guarda”. O ex-ministro Francisco Sá ? “Conseguiu encher os bolsos confortavelmente” quando no governo. Francisco Campos, o ministro da Justiça que inventou um arremedo de Constituição para a ditadura do Estado Novo ? “Um fanático totalitário. Personalidade de temperamento arrogante e desagradável”. O conde Matarazzo ? “Tirava proveito da legislação protecionista para “vender seus produtos a preços elevados”. Os brasileiros ? “Vivem macaqueando todos os modismos materiais ou intelectuais”.

Não sobra pedra sobre pedra. Diatribes desse calibre renderiam uma pilha de processos de injúria,calúnia e difamação se um dis tivessem chegado ao conhecimento dos personagens atingidos. Não chegaram. Jamais chegarão. A maioria dos personagens já virou nome de rua, em qualquer capital brasileira que se preze. O veneno impresso em letra de forma não foi cometido por nenhum panfletário interessado em reduzir a pó a elite política brasileira. Não. O autor deste manual de iconoclastia política foi,quem diria, o Senhor Embaixador do Reino Unido da Grã-Bretanha no Brasil, aquele mesmísssimo diplomata que,nos salões oficiais, brindava com salamaleques figuras que eram arrasadas nos relatórios secretos despachados para Londres. Os relatórios passaram meio século trancados nos arquivos do governo britânico, longe do alcance de aventureiros dedicados à tarefa de bisbilhotar os segredos da diplomacia de Sua Majestade. Somente depois de esgotado o veto de cinquenta anos imposto à divulgação dos documentos é que foi possível saber o que a diplomacia britânica pensava dos brasileiros, numa época em que Londres era o endereço da sede de um império. Os papéis secretos expõem julgamentos que jamais um embaixador pronunciaria em voz alta, sob pena de causar embaraços diplomáticos, políticos, éticos e, até, jurídicos.Mas o que é a diplomacia, se não esse jogo de dissimulações em que elogios mútuos são desmentidos em relatórios secretos ? Tudo o que a diplomacia inglesa pensava – mas não dizia em voz alta – sobre figurões desta República era cuidadosamente alinhavado em relatórios secretos que cruzavam o mar para se aninhar nos gabinetes do Foreign Office, o ministério das Relações Exteriores do Reino Unido da Grã-Bretanha. Ali, depois de digeridos, eram despachados para o Public Record Office, a repartição encarregada de guardar todos os papéis que o governo inglês considera dignos da posteridade. O mecanismo guarda um lado cruel: julgamentos arrasadores sobre figuras públicas brasileiras jamais foram desmentidos, simplesmente porque não podiam ser divulgados. Quem mereceu adjetivos pouco abonadores nos documentos secretos morreu sem direito a réplica. Hoje, “para todos os efeitos”,esses papéis ganharam status de documentos históricos.

Meu mergulho no mar de documentos secretos produzidos tanto pelo governo britânico quanto pelo governo americano terminou rendendo dois livros, ambos (feliz ou infelizmente) já esgotados ,mas encontráveis em sebos : “Nitroglicerina Pura” ( de onde retirei o texto publicado acima) e “Dossiê Brasil”. Fiz “Nitroglicerina Pura” em parceria com aquele que era considerado o maior repórter brasileiro: Joel Silveira. Fiquei encarregado de mergulhar nos papéis em Londres e em Washington. Joel produziu um texto memorialístico sobre a escuridão da ditadura do Estado Novo.

A divulgação de documentos secretos do governo britânico obedece a uma escala de vetos de duração variada. Há documentos que sofrem um veto de vinte e cinco anos. O veto pode se estender a cinquenta anos ou,até, a cem. Depende do teor de nitroglicerina que os documentos carregam.

O Wikileaks subverte as regras do sigilo oficial. Vive de vazamentos. Em alguns casos, desnuda, hoje, o que seria desnudado daqui a meio século.

O que será que os relatórios confidenciais terão dito sobre a Era Lula ? Fazia tempo que a política brasileira não produzia um personagem tão improvável e tão surpreendente. Com que palavras os diplomatas estrangeiros o retrataram em documentos que só serão divulgados daqui a décadas ?

Posted by geneton at dezembro 19, 2011 12:38 PM
   
   
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