junho 26, 2010

O PASSADO MANDA LEMBRANÇAS : ARGENTINA EXIBE NOMES DE DESAPARECIDOS E DE “REPRESSORES”. E UM DEBATE DIVIDE OPINIÕES: COMO ENCARAR A HERANÇA DOLORIDA DOS “ANOS DE CHUMBO”?

A Globonews reexibe neste domingo, às 17:05, no DOSSIÊ GLOBONEWS, uma reportagem especial que o locutor-que-vos-fala gravou em Buenos Aires sobre os desaparecidos políticos argentinos.

Anotações da expedição portenha:

A ditadura militar argentina durou de março de 1976 a dezembro de 1983.

Mas, na prática, ainda não terminou.

O motivo: a discussão sobre o que fazer com a herança ( sangrenta ) dos “anos de chumbo” argentinos ainda divide opiniões, corações e mentes.

Os que acham que não se deve simplesmente esquecer o passado estão ganhando a batalha.

Um exemplo : depois de polêmicas de todo tipo, Buenos Aires ergueu, às margens do Rio da Prata, o “Parque da Memória” : lá, quatro enormes muros de pedra exibem o nome dos desaparecidos políticos.

Calcula-se entre dezoite e trinta mil o número de desaparecidos nos sete anos de ditadura. Os nomes de oito mil e setecentos desaparecidos e a idade de cada um já estão gravados em pedra, para sempre. A lista parece interminável.

O local escolhido para a construção dos muros não é casual: depois de anestesiados, prisioneiros políticos eram jogados de avião no Rio da Prata, nos chamados “voos da morte”.

Sem meias palavras, uma placa na entrada no Parque avisa que aquele é um monumento “às vítimas do terrorismo de Estado”.

O Parque não ficou pronto ainda : das dezessete esculturas que lembrarão os desaparecidos, cinco já foram instaladas.

Uma polêmica parecida envolveu as discussões sobre o que fazer com um prédio que virou sinônimo de infâmia : a sede da Escola de Mecânica da Armada (Esma).

O que aconteceu ali, no prédio de número 8.300 da Avenida do Libertador, é indescritível : os relatos comprovam que a Esma foi transformada numa espécie de campo de concentração de prisioneiros políticos durante a ditadura argentina.

A estatística é macabra : calcula-se que – dos cinco mil prisioneiros levados para a Esma – somente cerca de duzentos e cinquenta saíram vivos.

Não por acaso, o endereço virou sinônimo de infâmia.

Hoje, depois de um grande debate sobre o que fazer com o prédio que foi cenário de tanto horror, a Esma ganhou um novo nome : Espaço para a Memória e para a Promoção e Defesa dos Direitos Humanos.

O governo federal, a prefeitura de Buenos Aires e organizações de direitos humanos tomam conta do lugar.

A transformação da Esma num grande centro de memória é um capítulo importante de um debate sobre como tratar a herança da ditadura.

O governo de Raul Alfonsín – o primeiro civil a ocupar a presidência depois do fim do regime militar – baixou duas medidas polêmicas:

a Lei do Ponto Final fixava em trinta dias o prazo para que fossem apresentadas denúncias contra militares envolvidos em tortura: a partir daí, não se poderia fazer nada.

A Lei da Obediência Devida dizia que militares envolvidos em atrocidades não poderiam ser punidos porque estariam apenas cumprindo ordens superiores.

As leis do Ponto Final e da Obediência Devida foram anuladas pelo Congresso Nacional argentino em 2003 e declaradas inconstitucionais pela Suprema Corte em 2005.

Agora, a justiça obriga envolvidos em atrocidades a participarem de audiências públicas.

Um dos mais célebres carrascos da Esma, o ex-tenente Alfredo Astiz, teve de depor, sob os gritos de manifestantes que conseguiram lugar na sala do tribunal.

A área da Esma é do tamanho de dezessete campos de futebol.

Já do lado de fora, um aviso: “Aqui, funcionou o Centro Clandestino de Detenção e Extermínio durante a ditadura militar que assaltou os poderes do Estado de março de 1976 a dezembro de 1983″.

Esculturas exibem fotos e nomes de prisioneiros que, depois de entrarem na Esma, jamais foram vistos de novo.

A palavra “vida” foi esculpida na grade. Numa das entradas, um painel expõe os nomes de militares e civis envolvidos em tortura.

São chamados de “repressores” e apontados como autores de “centenas de delitos cometidos na Escola de Mecânica da Armada durante a última ditadura militar”.

O mais célebre é ele – o ex-tenente Astiz, que era capaz de se infiltrar em reuniões de parentes de desaparecidos para fazer novas prisões e sequestros.

Uma sala da Esma guarda,hoje, fotos das Mães da Praça de Maio, as mulheres que exigiam do governo notícias de seus filhos desaparecidos.

O lugar mais temido dentro da Esma era o Cassino dos Oficiais. Quem passasse pela guarita que dava acesso ao Cassino estava, na prática, condenado à morte. O prédio de três andares tinha cinco salas que eram usadas para todo tipo de tortura. Presos eram submetidos a afogamento. Motocicletas pilotadas por oficiais passavam por cima de prisioneiros deitados nos corredores.

As celas ficavam no subsolo. Uma alameda ganhou um nome irônico: “Caminho da Felicidade”.

Dali saíam os presos que, depois de receberem anestesia, eram levados para aviões da Força Aérea e jogados no Rio da Prata ou no Oceano Atlântico.

Quando não eram mortas, as prisioneiras grávidas eram levadas a uma maternidade clandestina que funcionava na Esma.

Os recém-nascidos eram adotados por militares ou entregues a outras famílias – que nem sempre sabiam de onde eles tinham vindo. As mães – militantes políticas – eram eliminadas em seguida.

A expedição ao território deste pesadelo argentino terminaria com um encontro marcante : com o pai de três desaparecidos políticos. É um advogado e escritor de oitenta e dois anos.

A seguir.

Posted by geneton at junho 26, 2010 11:10 AM
   
   
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