maio 10, 2010

NEWTON CRUZ

OS BASTIDORES DO REGIME MILITAR : GENERAL NEWTON CRUZ DESCREVE O DIA EM QUE SAIU DE BRASÍLIA PARA O RIO PARA DESMONTAR UM NOVO ATENTADO QUE MILITARES ESTAVAM TRAMANDO DEPOIS DO RIOCENTRO

Aos fatos : o ex-chefe da agência central do SNI e ex-comandante militar do Planalto, general Newton Cruz, nos deu detalhes de uma operação secreta que ele protagonizou para evitar que militares radicais cometessem, no Rio de Janeiro, um novo atentado, depois do que tinha ocorrido no Riocentro.

Um detalhe: o próprio Newton Cruz ficou nacionalmente conhecido como “linha-dura”. Mas, neste caso, ele atuou para “apagar um incêndio”. Os autores do frustrado atentado cometido no Riocentro – militares ligados ao DOI do I Exército, no Rio de Janeiro - queriam dar uma nova demonstração de força contra a abertura política ( A entrevista completa do general foi exibida no DOSSIÊ GLOBONEWS no sábado. Vai ser reprisada neste domingo, às 17:05; na segunda, às 15:05 e na terça, às 11:05).

O general se deslocou de Brasília para o Rio, numa missão que, segundo ele, extrapolava suas atribuições, já que cabia a ele chefiar a agência central do SNI – não participar de um “empreitada” como aquela. O diálogo com dois dos homens que tramavam um novo atentado ocorreu num quarto de hotel do Leme, no Rio de Janeiro. O então chefe da agência central do SNI diz que fez uma advertência aos dois : se executassem o que estavam tramando, seriam denunciados.

Um bastidor : quando procurei o ex-chefe da agência central do SNI para uma entrevista, duas semanas antes do natal, a primeira resposta foi “não”. Cordial ao telefone, disse que já não queria se envolver em” confusão”. Aos 85 anos, viúvo, estava na casa da filha, na zona oeste do Rio. Enfrentara problemas de saúde. A audição já não era tão boa. Agradeceu o “interesse” mas, em outras palavras, pediu que eu batesse em outra porta. Não bati. Tentei de novo uma, duas, três vezes. Disse que ele tinha sido citado em outras entrevistas que eu tinha feito sobre o fim do regime militar. A última investida deu resultado. O general me disse :”Você é insistente !”. Respondi que sou, claro. Queria ouvi-lo. O tom firme da voz do general indicava que continuava “enérgico”. A entrevista ficou marcado para as onze da manhã de uma quarta-feira.

Houve momentos tensos. Com o calor na sala e o pequeno refletor usado pelo cinegrafista Evilásio Carneiro foram suficientes para que o general ficasse banhado de suor. A camisa ficou visivelmente molhada. A assistente de produção Rosamaria Mattos, estagiária da Globonews, fez as vezes de “maquiadora” : precisou enxugar a testa do general “n” vezes com lenços de papel. Houve momentos tensos, em que o general levantou a voz para marcar posições. Devolveu perguntas ao repórter. Recorreu à ironia quando achou necessário. A estagiária deve ter ficado compreensivelmente “assustada” com a entrevista. De qualquer maneira, eu estava apenas – e exclusivamente – para perguntar, não para fazer discursos, emitir julgamentos ou me exibir diante da câmera sob as vistas do general – que entrou para o “imaginário coletivo” como exemplo acabado do militar linha-dura. É o que tentei fazer.

Terminada a entrevista, a equipe desligou o equipamento. O cinegrafista, os dois técnicos e a assistente de produção desceram na frente. O general me acompanhou até a porta do elevador. Aquele silêncio constrangido que sempre acomete os que ficam diante da porta de um elevador foi quebrado pelo general que, para minha surpresa, depois de ter se exaltado tantas vezes durante a entrevista, começou a cantar uma velha canção : “Falam de Mim” ( a letra diz “falam de mim/mas quem fala não tem razão/ um rapaz como eu/ não merece ingratidão”). Quando cheguei à TV, recorri ao São Google, para descobrir de quem era a música. Era de um homônimo de Noel Rosa.

Vou confessar : meu primeiro pensamento foi “ah, meu Deus do céu, se a câmera estivesse ligada aqui eu ia fazer uma imagem antológica : Newton Cruz, o general linha-dura, cantando !”. A essa altura, o equipamento já estava desligado, no carro. Trocamos umas palavras. O general ficara satisfeito com a entrevista. Eu disse a ele o que sinceramente penso : “Como personagem jornalístico, o senhor me interessa tanto quanto, por exemplo, Luís Carlos Prestes, a quem, aliás, entrevistei várias vezes. Jornalista existe para fazer pergunta. Não faço “patrulhagem ideológica” nem no senhor nem em Prestes. Minha opinião pessoal não interessa. Quero sair daqui com uma notícia”. O general me disse que nunca tinha falado tão claramente sobre a operação que fez para desmontar um novo atentado que militares tramavam no Rio. Em resumo, ele me deu uma notícia : militares estavam tramando,sim, um novo atentado no governo Figueiredo.

Um dia depois, telefonei para checar dados. Perguntei se ele sabia o título da música que cantou para mim na porta do elevador, no fim da visita. Não, o general não sabia. Mas deve ter notado que, no fundo, o que eu queria era gravar a performance do general Newton Cruz cantando. Perguntou, sem meias palavras, se eu queria gravar ali, naquela hora, por telefone. É claro que sim. A gravação foi feita. O general “linha-dura” cantou de novo! A gravação da performance musical foi usada no final da entrevista levada ao ar pela Globonews : um diálogo marcado por momentos ríspidos terminou, quem diria, com Newton Cruz cantando.

Mas o que terminou com a música tinha começado assim:

Toca o telefone na agência central do SNI, em Brasília : um agente – que estava no DOI-CODI do I Exército, no Rio de Janeiro, avisa que um grupo estava indo para o Riocentro com uma bomba
Horas antes do atentado no Riocentro, o senhor recebeu um telefonema de um militar avisando que uma bomba iria explodir lá.Por que é que o senhor não se dirigiu imediatamente para o Riocentro?

Newton Cruz: “Não,não,não,não. Meu Deus do céu. Primeiro: o Riocentro é no Rio. Eu estava em Brasília. “Imediatamente” não podia ser, nem que eu viesse de avião. Não é nada disso. Eu estava no meu gabinete de trabalho, na Agência Central do SNI. Ficava até tarde. Trabalhava feito um desesperado. Trabalhava de noite. Não tirava férias. Não fazia nada. Cheio de papel. Sempre fui muito centralizador. Sempre fui responsável, eu,pessoalmente – e também garantir que cumpram aquilo que digo,como mando fazer. Eu estava no meu gabinete, já à noite, quando um oficial meu – da Agência Central do SNI – me disse: “Chefe, recebi um telefonema lá do Rio de Janeiro, de fulano de tal, analista de nossa agência, que disse o seguinte: tinha ido ao DOI do I Exército para fazer contato,saber se tinha alguma novidade e se informar…”. Somos órgão de informação. Era um homem da nossa seção de operações. “Quando chegou lá, ele se assustou, porque viu um grupo reunido cuja ideia era partir para o Riocentro. E ele ficou assustado.Falou: ”Como é isso?”. O oficial da agência do Rio de Janeiro tentou influenciar: ”Vocês não podem fazer isso, ir pra lá!”. E eles: “Mas nós vamos! ”. A ideia desse grupo não era matar ninguém: era moda aquele negócio de bomba em banca de jornal. Era pegar uma bomba – uma bombazinha – e jogar lá fora, nas imediações. Era um ato de presença: “Nós estamos aqui.Vocês estão aí, no evento de comemoração do primeiro de maio.Nós estamos aqui!”. Não era para matar ninguém. Era um grupinho. Não era nada comandado por ninguém de cima. Eram eles mesmos, por conta deles.

Quando este oficial soube, se assustou: “Não podem fazer isso lá”. Faz o seguinte: “Vai, mas joga a bomba mais afastada”. Ele avisou isso. E saiu com o grupo: foi junto, para assegurar a bomba fora, para não incomodar ninguém, porque eles estavam com gosto de sangue na boca. Sangue,não. Sangue nada: era jogar bomba. Eu falei: “Mas não há meio de parar?”. E ele: “Não,porque eles já saíram”. Quando eu soube, este grupo já tinha saído. E a bomba foi lançada meio afastada, na proximidade da casa de força. Não adiantava nada, porque se apagasse, o gerador daria eletricidade. Não ia incomodar ninguém. Ele agiu com a cabeça, para evitar. Muito bem. Eu não podia fazer mais nada. Paciência. Fui para casa. Quando cheguei em casa – e liguei a televisão – é que soube da bomba que tinha explodido. O que é que foi ? Os dois que foram lá – o capitão e o sargento – por conta própria, fora daquele grupo – para o estacionamento.E a bomba explodiu no colo do sargento. É o que houve”.

Quando soube que haveria um atentado no Rio centro, o senhor não deveria ter comunicado imediatamente até ao presidente da República ?

Newton Cruz: “Não,não,não…”

O senhor não considerou grave ?

Newton Cruz: “Falei com quem ? Com o meu chefe – o chefe do SNI,Octávio Medeiros – que tinha gabinete junto do Figueiredo. Eu – como chefe da agência central – não tinha nenhum contato direto com Figueiredo…”

Mas num situação dessas….

Newton Cruz: “Não tinha importância nenhuma…”

Poderia ter causado uma tragédia….

Newton Cruz: “Ele foi procurado por Medeiros – que disse a história a ele. Figueiredo soube o que aconteceu”.

Naquela noite ?

Newton Cruz: “Não sei se na noite. Porque a noite era de madrugada. Ou no dia seguinte, não sei. Para mim, tinha acabado. Transmiti para o meu chefe e acabou”

O senhor transmitiu para o general Octávio Medeiros antes ou depois de ver a notícia na TV?

Newton Cruz: “Depois da TV. Eu morava do lado de Medeiros. Nossa casa era junto uma da outra,na Península dos Ministros. Não podia fazer nada! Não podia fazer nada naquela hora ! Nada! Não tinha o que fazer ! Não tinha o que fazer. Não podia fazer nada! Não havia o que fazer”

O senhor se arrepende de não ter tentado fazer alguma coisa ?

Newton Cruz(levantando a voz): “Tentar o quê ?”

Telefonar para o general Medeiros para mobilizar…

Newton Cruz: “Medeiros ia fazer o quê ?”

Mobilizar alguém para interceptar…

Newton Cruz: “Interceptar quem ?”

Os militares que estavam indo para o Riocentro….

Newton Cruz: “Eles não sabiam de militar que estava indo para o Riocentro. Não sabia nem para onde eles foram. Não sabiam nem onde ia ser jogada a tal bomba. Era nas proximidades. Não sabiam onde era. Que história é essa ? É impossível. Nesta ocasião, nem celular havia….

E mais o seguinte: tempos depois, recebi a informação de que havia um grupo,no DOI, tentando fazer uma coisa parecida.Não era problema meu. Eu tinha só de informar.

O grupo ia fazer algo parecido onde ?

Newton Cruz: “Em algum lugar. Algo da mesma natureza”

Uma bomba num local público ?

Newton Cruz: “É….Não sei onde”.

O senhor deve saber. Não quer dizer ?

Newton Cruz: “Estou dizendo que não sei. Estou contando. Não conto pela metade. Conto tudo que sei. Quando conto, conto o que sei. Quando não quero contar, não falo. Então, falei: “Não é possível! Isso não pode!”.

Pela primeira vez, saí de minha função dentro do SNI: “Vou pessoalmente acabar com isso!”.Pedi à agência do Rio um encontro com dois elementos do DOI-CODI. Fui ao Rio de Janeiro e me encontrei num hotel “.

Onde foi ?

Newton Cruz: “O hotel ficava no Leme. Eu me encontrei com um tenente da Polícia Militar e um sargento (do Exército). Falei: ”Aconteceu isso assim assim em relação ao Riocentro. Eu tive informações de que vocês estão pensando em coisa parecida. Vou dizer uma coisa a vocês: vão lá e digam aos seus companheiros que vocês estiveram comigo e se acontecer qualquer coisa parecida com isso eu vou denunciar!” (levanta a voz). Digam a eles!”. Nâo houve mais nada. Acabou com bomba. Isso ninguém sabe”.

O general guardou silêncio sobre a reunião ocorrida num quarto de hotel no Leme, no Rio de Janeiro, com dois militares que estavam tramando o novo ataque
O senhor chegou a produzir algum documento escrito sobre esta ameaça de um novo atentado no Rio ?

Newton Cruz: “Não.Nunca falei sobre isso”

Chegou a produzir algum documento internamente no SNI ?

Newton Cruz: “Não.Porque, se eu fizesse, estaria sendo falso em relação aos dois que falaram comigo”.

Por que é que só agora o senhor decidiu fazer esta revelação ?

Newton Cruz: “Já falei na intimidade”.

Não: publicamente….

Newton Cruz: “Porque saiu agora. Não sei por quê. Ah, por quê ? Porque agora falei, de repente…”.

Quanto tempo depois do Riocentro haveria este outro atentado ?

Newton Cruz: “Eu estava na agência central do SNI até 1983. Se o atentado foi em 1981, foi logo depois…”

Como é que esta informação de que haveria um novo RioCentro chegou ao senhor ?

Newton Cruz: “Não vou dizer a você! Pronto. Porque acho que, profissionalmente, não posso dizer”

Mas é uma revelação grave que o senhor faz: a de que poderia haver um outro Riocentro no governo Figueiredo.

Newton Cruz: “Eu resolvi o fato. Falei do fato. Não posso falar sobre informante. Você, jornalista, fala o que um informante diz a você pedindo sigilo ?”

Não.

Newton Cruz: “Permita-me ser igual a você!”.

O senhor comunicou este fato ao presidente Figueiredo ?

Newton Cruz: “Com Medeiros (chefe do SNI), falei de minha ida ao Rio. Eu ia ao Rio e não vou dizer a meu chefe ? Eu disse!”.

Que cuidados o senhor tomou na hora de ter esta conversa no hotel ?

Newton Cruz: “Nenhum. Entrei no quarto, já preparado,sentei lá. Pedi um uísque para mim e um uísque para os informantes e conversei com eles. Pronto”.

Que reação esses dois oficiais tiveram quando o senhor disse que eles não poderiam cometer este ato ?

Newton Cruz :” Você pode tirar sua conclusão porque depois nunca mais houve bomba em lugar nenhum”.

Mas eles contraargumentaram ?

Newton Cruz: “Não. Ficaram quietinhos. Fiz cara feia para eles, certamente. Ficaram com medo de minha cara…”.

Que sensação o senhor tem por ter evitado este outro atentado ? É de alívio ?

Newton Cruz: “Fiquei feliz da vida, claro. Achei que tinha um propósito – e o propósito foi cumprido. Fiquei feliz da vida. A pergunta acho que não tem sentido ( irônico): ah, fiquei triste….Queria que acontecesse…Ora…”

Posted by geneton at maio 10, 2010 11:57 AM
   
   
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