dezembro 31, 2009

OK, VELHO POETA BUKOWSKI, PODE SOLTAR “O PÁSSARO AZUL” QUE VOCÊ TRAZ NO PEITO, PORQUE O BARCO JÁ ATRACOU NO ANO NOVO

Charles Bukowski escreveu versos bonitos e desarranjados,como “os tigres me encontraram/e eu já não me importo”.

Em apenas duas linhas deste poema chamado “Para Jane”, o velho Bukowski descreve o que poderia ser, perfeitamente, o resumo biográfico de quem chegou à idade da razão : sim, um dia os tigres terminam descobrindo nossos mais preciosos esconderijos, as unhas das feras estão roçando permanentemente a porta para forçar a entrada, mas,tudo somado, não vale a pena temê-los.

Ah, o enorme poder de síntese dos escritores de verdade…

A última linha do poema “Consumação do Pesar” é, igualmente, uma bela declaração de princípios : “Nasci para arrastar rosas pelas avenidas da morte”.

Ou:”Circulo pelas ruas a um passo de chorar/envergonhado do meu sentimentalismo e possível amor/Um homem velho e confuso/dirigindo na chuva/perguntando-se onde a boa sorte foi parar”.

O “DOSSIÊ GERAL” dá as boas vindas a 2010 com um poema pouco conhecido de Bukowski, o escritor que passou a vida cantando a extravagância em textos “sujos” e dilacerados. Se não tivesse morrido de leucemia em 1994, Bukowski poderia, quem sabe, saudar o ano dez com os versos de “O Pássaro Azul”, o poema que fecha a recém-lançada coletânea “Textos Autobiográficos” (L&PM Editores, com tradução de Pedro Gonzaga).

A cena imaginada: solitário, o poeta estaria envolto numa névoa na mesa dos fundos de um bar decadente de beira de estrada. Nós, leitores silenciosos, lançaríamos um apelo : ok, velho lobo dos bares, renda-se uma vez na vida à alegria tantas vezes estúpida e obrigatória dos dias 31 de dezembro; use a meia-noite como desculpa para soltar o pássaro azul que você diz guardar há tanto tempo no fundo do peito.

Bukowski jogaria sobre a mesa os versos que escrevera num papel já gasto:

“Há um pássaro azul em meu peito

que quer sair

mas sou duro demais com ele,

eu digo, fique aí,não deixarei que ninguém o veja.

Há um pássaro azul em meu peito que

quer sair

mas eu despejo uísque sobre ele e inalo

fumaça de cigarro

e as putas e os atendentes dos bares

e das mercearias

nunca saberão que

ele está

lá dentro.

Há um pássaro azul em meu peito

que quer sair

mas sou duro demais com ele,

eu digo,

fique aí,

quer acabar comigo ?

(…) Há um pássaro azul em meu peito que

quer sair

mas sou bastante esperto, deixo que ele saia

somente em algumas noites

quando todos estão dormindo.

Eu digo: sei que você está aí,

então não fique triste.

Depois, o coloco de volta em seu lugar,

mas ele ainda canta um pouquinho

lá dentro, não deixo que morra

completamente

e nós dormimos juntos

assim

como nosso pacto secreto

e isto é bom o suficiente para

fazer um homem

chorar,

mas eu não choro,

e você ?”

Posted by geneton at dezembro 31, 2009 01:23 PM
   
   
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