novembro 12, 2009

OLEG IGNATIEV - PARTE 1

AVENTURAS EM MOSCOU/ PARTE 2: O TODO-PODEROSO STALIN PODE OU NÃO SER COMPARADO A UMA “ÁGUIA DAS MONTANHAS” ? COMEÇA ASSIM UM DRAMA DE FIM DE NOITE NA REDAÇÃO

Vem chegando a data do aniversário de Josef Stalin, o ditador saudado por seus seguidores como “guia genial dos povos”. Um poema laudatório sobre Stalin chega à redação do Komsomolskaia Pravda . O redator passa os olhos. Os versos laudatórios – que comparam Stalin a uma “águia das montanhas” – ganhariam destaque na edição do dia seguinte. Ignatiev não resiste à curiosidade de passar os olhos pelo poema. De repente, ocorre-lhe uma dúvida devastadora : quanto tempo vive uma “águia das montanhas” ? E se a comparação fosse absurda ? E se a águia tivesse vida curta ? O que aconteceria se o jornal comparasse o intocável Josef Stalin a um pássaro de vida curta ?

A homenagem poderia se transformar numa dor de cabeça monumental não apenas para o autor do poema, mas para a redação inteira.

A dúvida sobre se era ou não apropriado comparar Stalin a uma águia da montanha provoca pandemônio entre os jornalistas naquele fim de noite de sábado. A tentativa de encontrar um redator informado sobre o tempo de vida médio dos animais fracassa redondamente. Era improvável que um daqueles jornalistas que cumpriam expediente no fim de noite fosse capaz de calcular o tempo de vida de uma remota variedade de águia. O amor de um ou outro jornalista pelo mundo animal com certeza não chegaria a tanto. Ignatiev tem, então, a idéia salvadora : por que não procurar o diretor do zoológico de Moscou ?

O problema é que já são onze da noite. Mas, como uma das funções do jornalista é incomodar a espécie humana em horários inconvenientes, Oleg telefona para o zoológico. Nada . O diretor – é claro – já tinha ido embora. O último recurso é tentar encontrar o homem em casa,p ara tirar uma dúvida que,aos olhos do resto da humanidade, poderia parecer excêntrica, mas, para aquelas jornalistas debruçados diante de um poema laudatório a Stalin, era uma questão grave. O jornal não poderia correr o risco de cometer um sacrilégio contra o todo-poderoso. Stalin mandava e desmandava, sem oposição visível, ali ,no final dos anos quarenta.

Ignatiev pede licença, levanta-se, revira papéis amontoados numa gaveta. Parece preocupado porque não encontra o que procura, mas o ar sisudo logo dá lugar a uma expressão de alívio quando ele põe as mãos sobre uma maçaroca de folhas datilografadas. Eis o tesouro : já vertidas para o português – para uma possível publicação em Portugal, sonho que não se realizou – as memórias inéditas de Ignatiev guardam histórias que jamais seriam reveladas se o regime soviético ainda estivesse de pé.

O velho jornalista relata assim as cenas de bastidores, no texto datilografado que me confiou :

“O jornal publicava inúmeras obras servis, poéticas e em prosa, dedicadas ao “aniversário do gênio de todos os homens progressistas do mundo”. Um poema dizia “tu pairas sobre o planeta/como uma águia das montanhas”. Imagine-se como foi difícil achar o telefone de um ornitologista. Obtive o número depois de uma hora da manhã. Telefonei sem esperar qualquer êxito. Quem atendeu foi um homem de idade bastante avançada – a julgar pela voz.

-Boa noite – disse eu – desculpe o adiantado da hora,mas temos um caso excepcionalmente urgente.Falo da redação do Komsomolskaia Pravda.

-Não me interessa de onde o senhor telefona”- respondeu,num tom irritado,o meu interlocutor.”Porque um indíviduo educado não acorda uma pessoa desconhecida no meio da noite”.

-Eu estou perfeitamente de acordo,professor,mas o senhor é a única pessoa que nos pode ajudar.É o senhor que depende se o jornal sai amanhã ou não !.

-Mas o que foi que aconteceu, jovem ? – perguntou o ornitologista.

-Tenho uma única pergunta a fazer-lhe : quantos anos vive uma águia das montanhas ?” .

-Mas foi por este motivo que me despertaram no meio da noite ?”- exclamou o professor, indignado.

-Não fique zangado,professor,”- pronunciei num tom implorante.”Mas este assunto se relaciona com a política : não é uma coisa sem importância !. O senhor nem imagina o que é importante,para nós,esclarecer quantos anos vive uma águia das montanhas !.

-Por favor,não grite assim. Não sou surdo.Em primeiro lugar,águia das montanhas simplesmente não existe. As aves a que o povo dá este nome são,na realidade,águias reais. Vivem no cativeiro – quando muito – uns vinte e cinco anos. Quando à duração da vida dessa águia em liberdade,a ciência não dispõe de dados exatos a respeito. Mas pode-se supor que sejam uns trinta ou trinta e cinco anos.

Ousei,então,fazer uma pergunta :

- Diga,por favor,professor,se existe na natureza alguma espécie de águia que viva cem anos….” .

- Há lendas que dizem que os condores chegam a viver setenta anos,mas a ciência não confirma.Agora, diga-me, por favor : para que o senhor precisa dessa informação ?.

Confesso que não satisfiz a legítima curiosidade do cientista.Sequer agradeci a gentileza. Corri para avisar Margarita Ivanovna Kirklissova, vice-secretária do jornal, encarregada da correção literária do material enviado para a composição. A poesia não foi publicada. Juramos a Kirklissova que jamais relataríamos a quem quer que fosse o acontecido. Descrevo agora este acontecimento cômico – que por pouco não se tornou uma tragédia – apenas porque o prazo para que se conservem segredos se limita a vinte anos na maioria dos países !. Hoje,episódios semelhantes parecem absurdos,irreais. Mas compreendíamos perfeitamente que a publicação daquela poesia podia trazer graves conseqüências….”.

Posted by geneton at novembro 12, 2009 06:42 PM
   
   
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