agosto 27, 2014

AS SURPRESAS DA POLÍTICA BRASILEIRA: O DIA EM QUE UM EX-PRESIDENTE BRASILEIRO REVELOU, NA CAMA DE UM HOSPITAL, POR QUE TINHA RENUNCIADO

A política brasileira, como se sabe, de vez em quando é agitada por surpresas que poderiam ter saído da imaginação fértil de um roteirista de cinema.
Um das surpresas mais espetaculares foi a renúncia de um presidente que chegara ao Palácio do Planalto como fenômeno de popularidade. Nome: Jânio Quadros.
Durante décadas, houve especulações de todo tipo sobre os motivos da renúncia.
O que pouca gente sabe é que o próprio Jânio Quadros fez ao neto, no leito de um hospital, em São Paulo, uma espécie de confissão final sobre o gesto estapafúrdio.
( Pausa para uma pequena digressão.
O incrível, o extraordinário, o inacreditável é que nossa imprensa
desconheceu solenemente a confissão - feita pelo principal personagem do drama.
Deus do céu: como o jornalismo pode ser espetacularmente burocrático, cinzento, medíocre, chato, insensível e sonolento!
Conclusão óbvia: a temível TDM ( "Tropa dos Derrubadores de Matérias ), formada por aqueles jornalistas que passam a vida jogando notícia no lixo, não descansa nunca! É pior do que a Divisão Panzer. Passa a vida se dedicando, dia e noite, à tarefa de destruir o que o jornalismo possa ter de vívido, curioso, revelador e interessante. Sempre foi assim. E assim será, até o dia do juízo final. Triste, triste, triste.
Vou morrer dizendo: o maior inimigo do Jornalismo é o jornalista. Não é algum general, algum censor, algum crítico.
Um dia, se me sobrarem engenho e arte, pretendo fazer, para meus oito leitores, uma pequena lista de absurdos cometidos, contra o Jornalismo, pelos cães ferozes da TDM. Fiz uma lista. Vou procurá-la. É inacreditável.
A cegueira diante da confissão de Jânio é um exemplo escandaloso da cegueira jornalística.
Duvido que um leitor minimamente interessado em política não lesse uma manchete do tipo "a confissão final: Jânio revela ao neto o motivo da renúncia".
Eu leria. Não sou exceção - é claro.
Se uma declaração feita por um ex-presidente sobre um dos maiores enigmas da política brasileira não é notícia, então o que será? )
Fiz minha parte, na medida do possível: gravei para o Fantástico - onde trabalhava - uma reportagem sobre a confissão do ex-presidente.
Publiquei um texto sobre o caso no nosso livro "Dossiê Brasil" (1997).
Ei-lo:
A mais sincera confissão já feita por Jânio Quadros sobre os reais motivos que o levaram a renunciar à Presidência da Republica no dia 25 de agosto de 1961 somente foi publicada em 1995, em escassas sete páginas de uma calhamaço lançado por uma editora desconhecida de São Paulo em louvor ao ex-presidente
Organizado por Jânio Quadros Neto e Eduardo Lobo Botelho Gualazzi, o livro ‘’Jânio Quadros : Memorial à Historia do Brasil’’ é, na verdade, um bem nutrido álbum de recortes sobre o homem. Grande parte das 340 páginas do livro, publicado pela Editora Rideel, é ocupada pela republicação de reportagens originalmente aparecidas em jornais e revistas sobre a figura esquisita de JQ.
A porção laudatória do livro é leitura recomendável apenas a janistas de carteirinha. O ‘’Memorial’’ traz, no entanto, um capítulo importante: a confissão que Jânio, já doente, fez ao neto, num quarto do Hospital Israelita Albert Einstein, no dia 25 de agosto de 1991, no trigésimo aniversário da renúncia.
Jânio morreria no dia 16 de fevereiro de 1992, aos 75 anos de idade. O neto fez segredo sobre o que ouviu. Somente publicou as palavras do avô quatro anos depois.
Ao contrário do que fazia diante dos jornalistas - a quem respondia com frases grandiloquentes mas pouco objetivas sobre a renúncia - Jânio Quadros disse ao neto, sem rodeios e sem meias palavras, que renunciou simplesmente porque tinha certeza de que o povo,os militares e os governadores o levariam de volta ao poder. Não levaram.
Talvez porque já pressentisse o fim próximo, Jânio admite, diante do neto, pela primeira vez,que a renúncia foi ‘’o maior fracasso político da história republicana do Pais,o maior erro que cometi’’.
A já vasta bibliografia sobre a renúncia ganhou, assim, um acréscimo fundamental, feito pelo próprio Jânio - a única pessoa que poderia explicar o enigma. Desta vez, a explicação parece clara.
Um detalhe inacreditável - que revela como as redações brasileiras são povoadas por uma incrível quantidade de burocratas que vivem assassinando o jornalismo: a confissão final de Jânio mereceu destaque zero nas páginas da imprensa brasileira,o que é estranho, além de lamentável.
A imprensa - que passou três décadas perguntando a Jânio Quadros por que é que ele renunciou - resolve deixar passar em brancas nuvens a confissão final do ex-presidente sobre a renúncia, acontecimento fundamental na historia recente do Brasil!
Tamanha desatenção parece ser um subproduto típico de uma doença facilmente detectável nas redações - a Síndrome da Frigidez Editorial. Joga-se noticia no lixo como quem se descarta de um copo de papel sujo de café . Leigos na profissão podem estranhar, mas a verdade é que há notícias que precisam enfrentar uma corrida de obstáculos dentro das próprias redações, antes de merecerem a graça suprema de serem publicadas! Isto não tem absolutamente nada a ver com disponibilidade de espaço, mas com competência e faro jornalístico.
Se a última palavra do um presidente sobre um fato importantíssimo não merece uma linha sequer em jornais e revistas que passaram anos e anos falando sobre a renúncia, então há qualquer coisa de podre no Reino de Gutemberg. Quem paga a conta, obviamente, é o leitor, a quem se sonegam informações.
O caso da confissão de Jânio sobre a renúncia é exemplar: a informação fica restrita aos magros três mil exemplares do livro do neto. E os milhares, milhares e milhares de leitores de jornais e revistas, onde ficam ? A ver navios. É como dizia o velho Paulo Francis: "Nossa imprensa: previsível, empolada, chata. Como é chata, meu Deus!".
Eis trechos do diálogo entre o ex-presidente e o neto,no hospital.As palavras de Jânio não deixam margem de dúvidas sobre a renúncia :
-‘’Quando assumi a presidência, eu não sabia da verdadeira situação político-econômica do País. A minha renúncia era para ter sido uma articulação: nunca imaginei que ela seria de fato aceita e executada. Renunciei à minha candidatura à presidência, em 1960. A renúncia não foi aceita. Voltei com mais fôlego e força. Meu ato de 25 de agosto de 1961 foi uma estratégia política que não deu certo, uma tentativa de governabilidade. Também foi o maior fracasso político da história republicana do país, o maior erro que cometi(...)Tudo foi muito bem planejado e organizado. Eu mandei João Goulart (N:vice-presidente) em missão oficial à China, no lugar mais longe possível. Assim, ele não estaria no Brasil para assumir ou fazer articulações políticas. Escrevi a carta da renúncia no dia 19 de agosto e entreguei ao ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, no dia 22. Eu acreditava que não haveria ninguém para assumir a presidência. Pensei que os militares, os governadores e, principalmente, o povo nunca aceitariam a minha renúncia e exigiriam que eu ficasse no poder. Jango era, na época, semelhante a Lula : completamente inaceitável para a elite. Achei que era impossível que ele assumisse, porque todos iriam implorar para que eu ficasse(...) Renunciei no dia do soldado porque quis sensibilizar os militares e conseguir o apoio das Forças Armadas. Era para ter criado um certo clima político. Imaginei que, em primeiro lugar, o povo iria às ruas, seguido pelos militares. Os dois me chamariam de volta. Fiquei com a faixa presidencial até o dia 26. Achei que voltaria de Santos para Brasília na glória. Ao renunciar, pedi um voto de confiança à minha permanência no poder. Isso é feito frequentemente pelos primeiros-ministros na Inglaterra. Fui reprovado. O País pagou um preço muito alto. Deu tudo errado’’.

Posted by geneton at agosto 27, 2014 01:34 PM
   
   
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