julho 04, 2011

EVANDRO CARLOS DE ANDRADE 10

ENTREVISTA COM EVANDRO CARLOS DE ANDRADE -10 (FINAL) : E O CHEFE DA REDAÇÃO CONSPIRAVA COM MILITARES, POR TELEFONE, CONTRA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Um novo trecho da entrevista inédita com o jornalista Evandro Carlos de Andrade – que morreu há exatamente dez anos, em junho de 2001, quando ocupava o cargo de diretor da Central Globo de Jornalismo :

Encerrada a breve aventura de estréia jornalística na redação do Correio Radical, no início dos anos cinqüenta, Evandro Carlos de Andrade desembarcou no Diário Carioca . Em pouquíssimo tempo,viraria chefe, por obra e graça de um convite de Pompeu de Sousa. Teve a sorte de estar “no lugar certo na hora certa” : as inovações estilísticas adotadas pelo Diário da Carioca são tidas, hoje,como um momento marcante no processo de modernização da imprensa brasileira.

“Dos jornais da época em eu estava iniciando a carreira, no Rio, qual era o mais charmoso, o mais irreverente, o mais irresponsável, o mais politiqueiro ? O Diário Carioca” , responde Evandro. “Pompeu de Sousa, chefe da redação, era um conspirador político permanente : toda noite, ficava horas a fio conspirando com oficiais da Aeronáutica contra o presidente Getúlio Vargas – pelo telefone ! O clima era esse quando cheguei à redação. Mas o Diário Carioca era, sobretudo, um jornal que renovou a linguagem jornalística”.

“Duas pessoas exerceram, na redação do Diário Carioca, influência direta sobre mim. Com Paulistano, o chefe de reportagem, aprendi sobretudo como se apura um jornalismo popular, porque me ocupava de assuntos policiais e sindicais. Luís Paulistano viria, depois, a ser o assessor de imprensa de Roberto Silveira, governador do Estado do Rio. Teve uma morte horrível : era um ocupantes do helicóptero do governador – que bateu numa árvore e pegou fogo assim que decolou do Palácio para uma viagem de inspeção a área inundadas numa enchente no norte do Estado,em fevereiro de 1961. Paulistano não morreu na hora. Ficou cego, todo queimado, sofreu dores atrozes até morrer – dias depois. O resto do meu aprendizado foi com Pompeu de Sousa, porque ele é que imprimia uma personalidade ao Diário Carioca. A propriedade do jornal podia ser de Horácio de Carvalho – e era. Mas, para nós, jornalistas, o Diário Carioca era de Pompeu. Anos depois, quando eu estava no Globo e Pompeu cumpria um mandato de senador em Brasília, ele me ligou para reclamar contra qualquer coisa : estigmatizava com ênfase os procedimentos da “grande imprensa” até que eu o aparteei : “Mas Pompeu, não há nada que eu faça que não tenha aprendido com você !”.

“Pompeu era um grande conspirador político. Mas não se pode imaginar, hoje, o chefe da redação conspirando para derrubar um governo, metido com militares da Aeronáutica –que iam à redação do Diário Carioca tratar de tirar Getúlio Vargas do poder. É uma cena hoje impensável. Aqueles militares que queriam derrubar Getúlio estavam se aproximando de Carlos Lacerda. Quando, em agosto de 54, houve o atentado contra Carlos Lacerda na rua Toneleros, os militares da Aeronáutica tomaram a frente das investigações no Galeão. Passamos, então, a chamar Pompeu de “Presidente da República do Galeão” porque ele tinha uma influência incrível”.

“Qual foi a marca que a convivência com Pompeu de Sousa na redação do Diário Carioca deixou em mim ? Pode ter sido a seguinte : a recusa em levar as coisas muito a sério. Diferentemente de Pompeu,o chefe de reportagem Luís Paulistano levava tudo muito a sério. Talvez por essa razão, tenha sido levado a sofrer e a beber. Minha formação inicial, como repórter, se deu com Paulistano. Quem me comandava era ele – que tinha o hábito de descer da redação para beber cachaça na rua. Primeiro, entornava um pouco da bebida para o “santo”. Depois, ao engolir a cachaça, fazia aquela caretona horrorosa. Eu, que sempre detestei cachaça, era incapaz de acompanhá-lo no ritual. Entre os jornalistas, bebia-se muito naquela época. Tinha-se que beber – o que, para mim, era horrível, porque eu abominava a bebida. Beber, no meu caso, era um sacrifício. Mas Paulistano ,meu chefe, me chamava. Todo dia, eu testemunhava -umas seis,sete vezes - aquela cena : o meu chefe de reportagem bebendo cachaça. Quando a noite se acabava, lá íamos nós para o restaurante Colombo, onde os jornalistas se reuniam , na alta madrugada, depois do fechamento dos jornais”.

“Aprendi ali ,naquele início de carreira, no Diário Carioca, a não levar a sério sobretudo as estrelas e os figurões. Vi que se deve – sempre - ver o figurão apenas como um ser humano que as circunstâncias empurraram para uma determinada posição. E só”.

Posted by geneton at julho 4, 2011 03:09 AM
   
   
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