março 15, 2010

CORONEL KURT PESSEK

CORONEL REVELA DETALHES DO PLANO SECRETO ARMADO PARA PROTEGER TANCREDO NEVES (E EX-MINISTRO LAMENTA: POR QUE O CONGRESSO NÃO DEU POSSE A TANCREDO NEVES NO HOSPITAL DE BASE DE BRASÍLIA?)

A Globonews reexibe,nesta segunda, às onze e meia da manhã e às cinco e meia da tarde, no programa GLOBONEWS ESPECIAL, uma reportagem sobre os bastidores da transição do regime militar para o civil.

Aos que nasceram ontem: o dia 15 de março de 1985 marca, tecnicamente, o fim do regime militar. Faz exatamente vinte e cinco anos que João Batista Figueiredo, o último dos generais a presidir o Brasil, deixou o Palácio do Planalto. Ou seja: faz vinte e cinco anos que o regime militar acabou. Quem deveria ter asssumido a Presidência era o ex-governador de Minas, Tancredo Neves, eleito por um colégio eleitoral no dia 15 de janeiro de 1985. Mas quem tomou posse foi o vice-presidente eleito, José Sarney. Horas antes da posse, Tancredo foi internado às pressas no Hospital de Base de Brasília,com dores abdominais. Os médicos decidiram operá-lo imediatamente. Trinta e oito dias depois, Tancredo estava morto.

A passagem do regime militar para o civil foi marcada por intensas articulações de bastidores.

Um plano cinematográfico chegou a ser desenhado, em segredo, para proteger o candidato Tancredo Neves contra eventuais investidas de militares insatisfeitos com a transição. Eram minoria, mas inspiravam temor.

O GLOBONEWS ESPECIAL traz um depoimento de um coronel que tinha a função de abastecer o staff de Tancredo com informações recolhidas, em sigilo, junto a militares. O coronel Kurt Pessek se encarregou de armar um plano para tirar imediatamente o candidato Tancredo Neves de Brasília caso houvesse alguma escaramuça militar. O coronel decidiu que, caso houvesse uma situação de risco, Tancredo seria levado para o gabinete do então senador Severo Gomes – que tinha uma saída que dava para o estacionamento do senado. De lá, Tancredo seria levado para a rodovia que dá acesso a Unaí, onde um pequeno avião, pilotado pelo deputado Jorge Vargas, estaria à espera do candidato, para levá-lo a Uberlândia. Por fim, Tancredo seguiria,num avião maior, para Porto Alegre. Motivo: quem comandava o Exército no sul, na época, era o general Leônidas Pires Gonçalves – que já tinha aderido à candidatura Tancredo Neves à presidência. Terminou escolhido ministro do Exército.

Trechos do depoimento do coronel Kurt Pessek ao locutor que vos fala:

“Estabeleci uma rede para saber : se uma tropa saísse de um quartel, se fosse decretada prontidão na região, se houvesse qualquer movimento militar dentro daquele quadro, ou discursos de generais como Newton Cruz que, naquela época, não estava achando graça nenhuma naquela mudança para a democracia, vamos assim dizer. Se ele dissesse alguma coisa, nós desencaderíamos o plano de tal como que pegasse todo mundo de surpresa”.

“Não avisamos nada.Nem ao comandante do Batalhão nem a Porto Alegre.Por que não avisamos? Porque não queríamos de jeito nenhum que alguém soubesse”.

“Tancredo Neves ficou em dúvida sobre certos detalhes. Mas ficou satisfeito com o fato de Jorge Vargas ser o piloto do avião. Estava em dúvida sobre como é que iríamos chegar ao local. Ficoui preocupado como é que ele iria sair do Congresso. Porque todas as vezes em que ele andava tinha um cortejo atrás. Tancredo não poderia sair sem estar com um disfarce.O que ficou em dúvida foi que alguém propôs de comprarmos uma peruca para disfarçar. Achei que bastaria um chapéu,porque Tancredo não iria botar aquela peruca nunca!”.

“Os informantes eram militares – que atuando,ainda,na ativa. A maioria eram paraquedistas. Mas havia também uma minoria de não paraquedistas – que nos davam as informações sobre as tendências. Eu sabia perfeitamente como estavam as idéias nos quartéis com respeito à assunção de Tancredo”

“Nós geralmente nos encontrávamos na estação rodoviária ou no supermercado. Ficava um carrinho ao lado do outro. Os carrinhos ficavam cheios. Depois, nós os largávamos lá. Conversávamos bem à vontade. Ninguém ligava. Talvez pensassem que estávamos discutindo o preço do filé mignon. Uma reunião num lugar mais reservado – ou até mesmo num bar ou num botequim – poderia chamar atenção. Tínhamos o cuidado de não falar nada no telefone e nos encontrarmos sempre nos lugares onde houvesse mais gente,como rodoviária às seis da tarde. O principal cuidado era tudo fosse falado: não havia nada escrito. Nem podia haver. Tínhamos o máximo cuidado de só falar com Tancredo, diretamente”.

“Ninguém imaginaria que alguém viesse matar Tancredo Neves. Não havia essa hipótese. O que havia era a probabilidade de uma mudança do status quo. Qual era o status quo ? Tancredo vai assumir, o governo passa a ser civil. A ideia era esta: a salvaguarda do programa em si: ele vai assumir,sim,vai para o Rio Grande do Sul e vem escorado,aí sim.Tudo dependeria do general Leônidas”.

O presidente eleito diz ao ministro: partido forte no Brasil é o PFA, o Partido das Forças Armadas
Nossa expedição a Brasília, para gravar depoimentos para o GLOBONEWS ESPECIAL, se completou com uma entrevista com um personagem que viveu os bastidores da transição: o ex-ministro Ronaldo Costa Couto. Vinte e cinco anos depois da “mais longa das noites” – aquela em que o presidente eleito, inacreditavelmente, foi levado a um hospital, o ex-ministro lamenta: diz que toda a perplexidade e todas as dúvidas que paralisaram o país naquela noite poderiam ter sido evitadas se o Congresso tomasse uma providência simples: bastaria que uma comissão do Congresso Nacional empossasse Tancredo Neves no cargo de Presidente da República no próprio Hospital de Base. Assim, as dúvidas sobre, por exemplo, quem deveria assumir perderiam razão de ser. Não seria preciso consultar juristas na madrugada nem discutir o texto de artigos da constituição. Para todos os efeitos, Tancredo Neves estaria empossado presidente.

Trechos do depoimento de Costa Couto:

“Não tomei conhecimento desse plano de fuga ( o ex-ministro fala do plano armado pelo coronel para retirar Tancredo de Brasília, caso fosse preciso). Mas soube depois. Tancredo era um homem prevenido. Tinha realmente de tomar essas precauções.Tomei conhecimento o tempo todo dos cuidados de Tancredo com tudo o que se referia à segurança e às Forças Armadas”

” O presidente eleito temia,sim ( uma reação militar). A candidatura Tancredo Neves atravessou campo minado. Tancredo era gato escaldado. Dizia: desde o Movimento tenentista – lá nos anos vinte – parte das Forças Armadas mostra essa disposição intervencionista.Uma postura de salvadores da pátria. Isso é um perigo. Brincava: “Sempre houve no Brasil vários partidos. Mas um dos mais fortes é o PFA. Perguntei a ele: “PFA?”. E ele: É o Partido das Forças Armadas!” Doutor Tancredo cuidou com extremo zelo para que a candidatura chegasse a bom termo. Mas houve armadilhas e minas. Em algumas, quase pisamos. Havia golpistas - geralmente, radicais de direita. E continuistas – que queriam esticar o mandato do general João Figueiredo”.

“Doutor Tancredo temia muito os radicais. Sempre me dizia: “Cuidado com os radicais: os de direita, os de esquerda e até os de centro”. Dentre todos,o que mais preocupava Tancredo era Newton Cruz, comandante militar do Planalto. Achava o general Newton um homem inteligente, corajoso,mas um tanto destemperado. Tancredo sempre lembrava na votação da emenda Dante de Oliveira,em abril de 84: o general fardado,com quepe e tudo, batendo com uma vara nos carros de Brasília. Tancredo achava aquilo uma demonstração de destempero.Dizia que um general destemperado poderia alterar o curso desse processo histórico: “Temos de administrar muito bem, temos de ter extremo cuidado com isso”.

“Houve um encontro secreto de Tancredo Neves com o presidente Figueiredo – de que não posso falar. O encontro foi tão secreto que só me lembro que foi em Brasília. Uma troca importante de informações Neste caso,só no momento oportuno vou falar. Recebi um pedido de que mantivesse a discrição.E não abro mão de fazê-lo.Dei minha palavra. Vou cumpri-la”.

“Fica claro que Tancredo, no Hospital de Base de Brasília, tinha energia, tinha vontade, tinha condições de ser empossado em 15 de março de 1985. seria a solução mais simples, mais objetiva e mais tranquilizadora.O vice-presidente Sarney certamente não se oporia. Naquele momento, ele mostrou desapego ao caso. Ulysses Guimarães, naquele momento, fez a mesma coisa. Isso tranquilizaria, inclusive, o próprio Tancredo,que estava muito inseguro em relação ao futuro político,não apenas em relação à saúde. Teria evitado problemas enormes, como, por exemplo, aquela perplexidade na noite de 14 para 15 de março, quando o mundo todo começou a prestar atenção para o que acontecia no Brasil, aquela tragédia grega sem igual. Todo mundo perplexo: quais serão os rumos da Nova República ? O que é que vai acontecer com Tancredo internado ? Tudo poderia ter sido evitado”.

“Infelizmente, não nos ocorreu. Infelizmente, não. O momento era de perplexidade e de susto. A gente não tinha informações ainda de como iriam reagir as Forças Armadas, como iria se comportar o presidente Figueiredo. Havia perplexidade e informações desencontradas. Começou a circular, no meio popular, a informação de que Tancredo havia sido assassinado. Circulou também que ele tinha levado um tiro. E por isso, ele tinha sido hospitalizado. Era este o clima,era este o ambiente. Por que o Congresso não credenciou uma comissão para empossar Tancredo Neves no próprio hospital ?. Teria sido a grande solução”.

Posted by geneton at março 15, 2010 12:17 PM
   
   
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