setembro 05, 2009

MANOEL CYRILLO

2009. UM EX-GUERRILHEIRO DESCREVE OS DOIS GOLPES QUE NÃO FORAM FEITOS CONTRA O REGIME MILITAR : UM ATAQUE EM MASSA CONTRA AGÊNCIAS BANCÁRIAS EM SÃO PAULO E A OCUPAÇÃO DE UMA EMISSORA DE RÁDIO

O passado manda lembranças: o ano de 1969 voltou às páginas dos jornais e revistas esta semana. Motivo: num setembro como este, o embaixador americano do Brasil, Charles Elbrick , foi sequestrado por guerrilheiros que queriam forçar o regime militar a libertar presos políticos. Jamais tinha havido uma ação parecida.

2009. Procuro um dos guerrilheiros que participaram do sequestro do embaixador. Conclusão: tal como acontece com 1968, 1969 bem que pode também ser chamado de “o ano que não terminou”. Porque há sempre um acréscimo a ser feito.

Ei-lo: ao contrário do que se imaginava , o sequestro não deveria se encerrar com a libertação do embaixador. Não satisfeito, um dos cabeças do sequestro planejara outra ação espetacular – que deveria ser executada depois que o embaixador fosse solto.

O plano: guerrilheiros ligados à Ação Libertadora Nacional (ALN) iriam tomar uma emissora de rádio para divulgar um manifesto que denunciava a ingerência americana em assuntos internos do Brasil.

A guerrilha também planejou – mas não teve tempo de executar – um ataque em massa contra agências bancárias no bairro do Sumaré, em São Paulo.

O manifesto radiofônico seria escrito a partir dos papéis que o embaixador conduzia numa pasta no momento em que foi seqüestrado: relatórios que analisavam a atuação de personalidades públicas brasileiras.

Os guerrilheiros já tinham feito uma operação bem sucedida contra uma emissora de rádio, para transmitir palavras de ordem de Carlos Marighella

A ALN já tinha know-how em matéria de ocupação de emissoras de rádio: apenas três semanas antes do sequestro do embaixador, um comando da ALN ocupara a torre de transmissão da Rádio Nacional de São Paulo, localizada em Diadema. Tempos depois, a Rádio Nacional seria rebatizada como Rádio Globo.

O técnico de plantão foi obrigado a levar ao ar a gravação de um manifesto explosivo: Carlos Marighella, o líder da ALN, anunciava que, ainda naquele ano, a guerrilha chegaria ao campo. As ações urbanas seriam intensificadas: “Devemos aumentar gradualmente os distúrbios provocados pela guerrilha urbana, numa seqüência interminável de ações imprevisíveis, de tal modo que as tropas do governo não possam deixar a área urbana sem o risco de deixar as cidades desguarnecidas”.

Se a operação na rádio em São Paulo tinha dado certo, por que não repetir a façanha depois do desfecho do sequestro do embaixador ? – era o que se perguntava Manoel Cyrillo, guerrilheiro da ALN, com a autoridade de quem tinha tido participação decisiva nas duas operações.

Mas nem tudo iria sair como planejado.

Cyrillo foi um dos guerrilheiros que ocuparam a torre de transmissão para irradiar as palavras de ordem de Marighella.

Logo depois, viajara de carro para o Rio de Janeiro, para a Operação Sequestro. O comando da Ação Libertadora Nacional, em São Paulo, tinha decidido enviar para o Rio quatro pesos-pesados para participar diretamente da operação de captura do embaixador americano: Joaquim Câmara Ferreira, Virgílio Gomes de Sá, Paulo de Tarso Venceslau e Manoel Cyrillo.

Os relatórios que o embaixador transportava no dia em que foi sequestrado serviriam de base para denunciar a “ingerência americana” em assuntos internos do Brasil

Quando chegou ao cativeiro, Cyrillo teria um motivo para o que chama de “espanto”: a leitura dos relatórios que o embaixador transportava.

O guerrilheiro interpreta os papéis – até hoje – como uma prova material de que os americanos queriam meter o bedelho em assuntos internos do Brasil.

Por este motivo, imaginou um desfecho que, se executado, com certeza aumentaria a repercussão internacional do caso: a ocupação de uma emissora de rádio para leitura de um documento-denúncia.

A entrevista com o ex-guerrilheiro foi feita no Rio, como parte do trabalho de apuração do “Dossiê Gabeira”, recém-publicado.

Trechos do depoimento do guerrilheiro sobre o plano de completar o sequestro com uma investida-surpresa a uma emissora de rádio de grande audiência:
1
“A idéia de tomar uma emissora de rádio depois de terminado o sequestro do embaixador americano surgiu com um “furo de reportagem” que o embaixador nos deu: entre os papéis que estavam na pasta que ele conduzia, havia uma “bomba”, um documento a que ele atribuía um peso relativamente pequeno. Nós todos, brasileiros, até hoje não demos a importância que se deve dar a este documento. É um relatório que estudava alternativas civis para o Brasil, já que, na avaliação dos americanos, o regime militar estava seguindo por descaminhos que já não interessavam tanto à administração americana”.

2
“Diante deste “furo”, eu e Virgílio Gomes da Silva,o “Jonas”, também da Ação Libertadora Nacional, conversamos, ainda na casa onde estava o embaixador, sobre esta idéia: que tal se a gente, assim que chegar em São Paulo, fizer outra ação na rádio ? Repetiríamos o que fizemos na Rádio Nacional: botar no ar um pronunciamento em que a gente usaria palavras do embaixador”.

3
“A ação, infelizmente, não chegou a ser realizada porque, quando saímos da casa, depois de termos trocado nossos presos pelo embaixador, ao fim de toda a negociação com a ditadura, terminamos indo para um aparelho no bairro do Catete. Dormimos lá. De manhã, saímos. Ficamos sabendo, no fim do dia, que aquele aparelho tinha caído.( Cyrillo usa a expressão “o aparelho caiu” para dizer que o apartamento usado como esconderijo por ele foi invadido pela polícia. Os jornais do sábado, dia treze de setembro, menos de uma semana depois da libertação do embaixador, informavam que a polícia encontrara no apartamento 311 do prédio 180 da rua Santo Amaro,no Catete, “grande quantidade de material explosivo e de armamento“). Ficou tudo lá – inclusive o documento oficial da embaixada. O que transmitiríamos pelo rádio seriam trechos do documento que recolhemos com o embaixador”.

4
“Eu já tinha participado da tomada da rádio em São Paulo, pouco antes. Fui o “sargento” dessa ação. Nós levamos um gravador portátil. A fita que foi levada ao ar tinha sido gravada em estúdio, com locução boa. Era uma mensagem de Marighella. Nós levamos conosco um técnico em rádio que sabia fazer todas as conexões necessárias para que a gravação fosse levada ao ar. Fui do grupo operacional”.

5
“A missão era tomar de assalto a torre de transmissão da rádio. Não fomos para os estúdios: fomos, direto, para a torre de transmissão. Isso pegou a repressão de surpresa. Quando começaram a ouvir pela rádio a transmissão daquele material, os policiais foram imediatamente para a sede da emissora. Acontece que estávamos na torre, em outro município… Assim, a transmissão ficou vinte minutos no ar”.

6
“A torre tinha vigilância zero. Era um terreno enorme, vazio, com um pequeno estúdio. Só havia um técnico – que ficava ali cuidando de tudo. A ocupação ocorreu de manhã, horário de maior audiência da rádio. Pegamos o “horário nobre”. Pela manhã, havia o pico de audiência com aqueles programas que traziam notícias policiais e receitas de remédios…O documento, assinado por Marighella, anunciava o compromisso de lançamento da guerrilha rural no final daquele ano. Por esta razão, estávamos voltados para a preparação da guerrilha rural. Faríamos algo parecido depois da libertação do embaixador”.

7
“Nós estávamos preparando, também, aquela que poderia se tornar uma das últimas grandes operações de guerrilha urbana que faríamos em São Paulo : um ação de desapropriação que ocorreria em toda uma rua do setor bancário da cidade. Todos os bancos seriam desapropriados! Armas dos veículos de policiamento seriam apreendidas. Os caixas bancários, aliás, tinham sido arbitrariamente militarizados. Caixas – que eram funcionários dos bancos, civis – foram treinados pelo exército para defender os interesses do patrão – ou das seguradores. A rua ficava no Sumaré. Chamava-se Afonso Bovero. Desde aquela época, a rua tinha uma série de bancos. Fecharíamos os quarteirões em que ficavam quatro agências bancárias. Faríamos comícios-relâmpago no trecho. A ação seria de grande envergadura. O planejamento foi feito logo depois do sequestro do embaixador americano. Nós estávamos planejando, nestes últimos meses, a execução dessas expropriações”.

8
“Precisávamos de recursos para financiar nossas atividades – particularmente, a guerrilha rural -, além de fazer ações de propaganda política. Vem daí a importância do sequestro: era uma ação de propaganda política, assim como a tomada da Rádio Nacional”

“Não chegamos a escolher a rádio que usaríamos para fazer a transmissão sobre o embaixador, nestas conversas que tive com Jonas, o comandante da ação. Logo depois, o documento “caiu”. Assim, tivemos de descartar a operação. Sem o documento, não havia o que fazer”.

9
“O documento – e as análises do embaixador – significavam algo terrível para a gente, porque mostravam um grau quase ficcional de ingerência dos Estados Unidos. Nós nos acostumamos a ver coisas assim em filme ou em romance policial”

10
“A transmissão de um programa no rádio seria um belo golpe de propaganda política. Teria repercussão internacional, além de ser um acontecimento histórico: pela primeira vez, o movimento popular ia ter em mãos documentos que comprovavam este tipo de ação do governo americano. Mas o fato de não podermos ter feito a transmissão não me frustrou tanto. O que me frustou foi a gente não poder ter ido ao campo”.

Posted by geneton at setembro 5, 2009 09:41 PM
   
   
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