setembro 14, 2015

FALA, PAULO FRANCIS!

"Tempos atrás, uma pesquisa de Harvard descobriu que os jornalistas eram tidos, em estima pública, abaixo de massagistas e um pouco acima dos ladrões de galinha. Acho que os ladrões de galinha deviam protestar. A função da imprensa é ajudar os poderes da Terra a dirigirem o povo. Em países ditos socialistas, canta as glórias do socialismo. Em países ditos democráticos, as glórias do sistema" - disse o grande Paulo Francis, num momento de intenso entusiasmo sobre a atividade jornalística ( o texto completo do artigo franciscano pode ser lido na coletânea Diário da Corte, encontrável em livrarias ou, mais provavelmente, nos bons sebos ).


Ainda:
"Procuro tratar todo mundo com respeito e cordialidade, mas não quero intimidades"
"Aos cinquenta anos, sofro do que se chama accidie, um desinteresse por praticamente todos os temas a que dedico minha atenção"
"Todo mundo tem o direito de se portar como um debilóide até os trinta anos".
Duas vezes por semana, às quintas e aos domingos, sinto falta dos textos que Paulo Francis publicava nos jornais. Ninguém precisava concordar com o que ele dizia, é claro. Mas é raríssimo, ainda hoje, encontrar texto tão fluente e tão agradável quanto o de Francis. O prazer da leitura era imbatível. Tive a chance de conhece-lo. Era um dos meus ídolos jornalísticos desde os tempos do Pasquim. Tentei me comportar bem: diante da fera, evitava cenas de tietagem explícita - coisa que não pega bem em quem tenta fazer jornalismo. Gravei entrevistas com ele. Há anos e anos planejo juntar este material num livreco: a transcrição de entrevistas, impressões, cenas, uma ou outra confidência.
"Nossa imprensa: previsível, empolada, chata. Meu Deus, como é chata!" - escreveu, uma vez. Disse tudo. Chata, chata, chata. É só comparar a nossa imprensa com a inglesa, por exemplo. A única reação possível é repetir Nélson Rodrigues: chorar lágrimas de esguicho no meio-fio.
É inacreditável que Paulo Francis esteja morto já há dezoito anos - uma eternidade. Eu era correspondente do Globo em Londres. Tinha estado com ele fazia pouco tempo. Quando liguei para a redação, no Rio, para tratar do envio de uma matéria qualquer, o funcionário encarregado de receber material dos correspondentes disse: "Estão dizendo que Paulo Francis morreu...". Rebati: "É boato. Só pode ser".
Não era. O próprio Francis uma vez escreveu: "A morte é uma piada. A vida é uma tragédia. Mas, dentro de nós, mesmo no maior desespero, há uma força que clama por coisas melhores. Os artistas estão sempre aí nos lembrando disso. Existe um paraíso, pois Beethoven ou Gauguin já nos deram mostras convincentes. É inatingível permanentemente, mas devemos ser gratos pelas sobras que nos couberem”.
O Brasil perdeu, nas últimas décadas, peças que não tiveram reposição. Jamais terão. Figuras como Nélson Rodrigues, Glauber Rocha, Carlos Drummond de Andrade, Darcy Ribeiro, Paulo Francis. O molde se quebrou.
Pobre Brasil. Mas, para não perder o hábito, não custa repetir: "Dentro de nós, mesmo no maior desespero, há uma força que clama por coisas melhores".
Boa noite.

Posted by geneton at setembro 14, 2015 11:55 AM
   
   
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