agosto 26, 2014

LEMBRANÇAS DE UM AGOSTO TRÁGICO: O DIA EM QUE A PRINCESA DIANA MORREU UMA "MORTE AMERICANA" - DENTRO DE UM CARRO, A TODA VELOCIDADE, PERSEGUIDA POR FOTÓGRAFOS

Revejo anotações feitas sobre os primórdios da Globonews:
Azar: quando a notícia de que a Princesa Diana tinha morrido num acidente de carro em Paris chegou à Inglaterra, na madrugada de um domingo de agosto de 1997, eu estava no sétimo sono. Pior: estava de folga. Desastre: nem em casa eu estava!. Tinha viajado para um fim de semana em Blackpool.
Quando acordei, no domingo, cedo, para não perder a hora do café do manhã, liguei a TV. Quase caio para trás quando vi a notícia estampada numa tarja, no pé do vídeo: “Diana morta em acidente em Paris”. Todas as emissoras tinham suspendido a programação normal. Lá embaixo, no salão de café, vi gente chorando enquanto ouvia, paralisada, as notícias vindas de Paris. Comoção nacional.

Pude ouvir, na secretária eletrônica de casa, recados razoavelmente desesperados deixados na madrugada do sábado por editores da Globonews à procura do correspondente de férias...Assim que liguei para a redação do Rio, fui imediatamente “plugado” para o ar. Pude dar as primeiras impressões sobre a tragédia.
De volta a Londres, fiz, para o Jornal das Dez, uma reportagem apressada diante do Palácio de Buckingham. A cena era comovente: as calçadas diante do Palácio estavam literalmente tomadas por centenas, milhares de buquês de rosas. A Inglaterra nunca tinha visto uma demonstração tão ostensiva de luto coletivo. .
Mas nada se comparava às cenas que aconteceriam no sábado seguinte, dia do enterro de Diana.
Parece que estou vendo tudo de novo.
Não há outro pensamento possível: fico ruminando sobre o absurdo da vida ao ver o caixão passar a dois passos de onde estou, numa alameda nas proximidades do Palácio de Buckingham, numa manhã de setembro. Dias atrás, a Princesa Diana, linda, ilustrava a capa de uma revista numa foto deslumbrante em preto e branco. Agora, a Princesa é um corpo – invisível – desfilando diante de uma multidão de súditos em estado de choque. Crianças pregam nas árvores folhas de papel com mensagens e desenhos que a Princesa jamais verá.
Os príncipes William e Harry caminham em companhia do pai, o Príncipe Charles, herdeiro direto do trono, logo atrás do caixão. De vez em quando, o Príncipe Charles faz movimentos quase imperceptíveis com a cabeça, como se agradecesse a presença da multidão.
Cabisbaixos, seus dois filhos não tiram os olhos do chão.
A multidão não emite um ruído sequer. Só se ouvem dois ruídos. Um é o som do trote dos cavalos que transportam a carruagem fúnebre. O outro é o badalo compassado do sino da Catedral de Westminster. Com intervalos regulares, o sino enche a manhã de um som solene, triste, trágico.
A visão da multidão em silêncio, o som compassado do trote dos cavalos e o toque estranhamente assustador do sino da Catedral dão à cena ares de uma tragédia shakespeariana.
Perto dali, uma cena inacreditável: um bêbado trajando luto pronuncia palavras incompreensíveis diante da estátua de Charles Chaplin, na Leicester Square.
São onze da manhã. A conversa do bêbado com Carlitos completa a sucessão de cenas absurdas naquele setembro inesquecível.
Que segredos o bêbado terá confiado ao Vagabundo?
Enterrada a Princesa, tive a chance de entrevistar, em regime de emergência, um historiador brilhante, para o programa “Milênio”. Chamava-se David Starkey. É um dos maiores especialistas na história da realeza britânica. Fez uma biografia de Henrique VIII, o rei que mandava matar as mulheres.
Durante a semana que se passou entre o acidente em Paris e o enterro da Princesa, David Starkey brilhou nas tevês britânicas ao analisar o impacto da tragédia sobre a opinião pública.
O que diferenciava Starkey do exército de especialistas que desfilavam pelas vídeos das TVs, pelas páginas dos jornais e pelas ondas dos rádios era a originalidade de suas observações.
Terminou encontrando tempo para nos receber – a mim e ao cinegrafista Paulo Pimentel - em casa. Deu um show de verve, ironia e erudição. Comportou-se como um aristocrata chocado com demonstrações de “vulgaridade” registradas durante as homenagens à Princesa.
Os telespectadores do “Milênio”, assim como nós, devem ter ficado deliciosamente chocados com a metralhadora giratória do historiador. Starkey ficou indignado – por exemplo – com o fato de Elton John, um cantor pop, ter sido convocado para cantar na Catedral de Westminster nos funerais das Princesa. Logo ali, na Catedral, tida como “Casa de Deus, Casa dos Reis”....
O historiador via no convite a Elton John uma concessão intolerável ao mau gosto popularesco. Num toque final de ironia, ele disse que Elton John cantando na Catedral era um ato de mau gosto tanto quanto seria ver Luciano Pavarotti soltando seus trinados no funeral da Princesa. A única diferença é que a careca de Luciano Pavarotti era visível. Já Elton John – notou Starkey – trata de esconder a calvície com uma "peruca indecente".
O melhor comentário do historiador irritado foi sobre o cenário da morte da Princesa. Starkey disse que, ao fazer concessões ao circo da fama, a Princesa já tinha deixado há tempos de encarnar as virtudes da “realeza britânica”.
Diana estava, nas palavras do historiador, levando uma vida “americana”. Ao morrer a bordo de um automóvel, a toda velocidade, perseguida por fotógrafos numa madrugada de Paris, ela morreu uma “morte americana”.
Brilhante.

Posted by geneton at agosto 26, 2014 01:36 PM
   
   
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