julho 25, 2014

AVISO AOS JORNALISTAS - NOVATOS OU DINOSSAUROS: ACENDAM UMA VELA EM LOUVOR A ELA: NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO ESPANTO

Oração da Nossa Senhora do Perpétuo Espanto - "padroeira" dos jornalistas:
"Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, rogai por nós.
Que eu possa manter os sentidos atentos para perceber o novo
e a memória viva para preservar o passado.
Senhora do Perpétuo Espanto, aconselha-nos.
Que me espante aquilo que é espantoso,
que eu ignore o que é banal
e valorize o que que tem valor.
Senhora do Perpétuo Espanto, iluminai-nos.
Que meu coração sofra com o sofrimento do meu irmão,
alegre-se com sua alegria e inquiete-se com sua indiferença.
Senhora do Perpétuo Espanto, nos dê forças.
Que eu encontre a palavra certa para dividir minhas dores
medos e alegrias, pois a arte requer comunhão.
Senhora do Perpétuo Espanto, guiai-nos;
Que eu saiba mais ver do que aparecer,
mais ouvir do que falar.
Senhora do Perpétuo Espanto, rogai por nós.
Que eu tenha a ira para não aceitar o inaceitável,
a tolerância para perdoar o que merece perdão
e a sabedoria para distingui-los.
Senhora do Perpétuo Espanto, rogai por nós.
Que eu creia sempre no valor da verdade
e esteja atento para o perigo das certezas.
Senhora do Perpétuo Espanto, rogai por nós.
Que, aonde houver certezas, eu leve a dúvida.
Senhora do Perpétuo Espanto, protegei-nos".

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Eu poderia dizer que a história da Oração a Nossa Senhora do Perpétuo Espanto é esta:
Aconteceu no século XVII: era uma vez um peregrino que foi acusado de ser um saqueador.
A acusação logo se espalhou por Florença: de acordo com o "Notícias Florentinas", o forasteiro que dizia estar procurando, na cidade, um exemplar da Bíblia de Gutemberg que tinha sumido de uma biblioteca da Baviera era, na verdade, um impostor - um reles saqueador que atacava viajantes noturnos.
A notícia publicada pelo jornal, no entanto, não passava de um boato, nascido numa roda de bêbados que frequentavam diariamente uma taverna vagabunda, numa transversal da Piazza della Signoria.
Por azar, o peregrino tinha estado na taverna, uma semana antes, em busca de pistas sobre o exemplar perdido na Bíblia. As perguntas que ele fez aos frequentadores da taverna deram origem ao boato absurdo. Publicada a notícia, ele foi escorraçado por frequentadores - bêbados e sóbrios - quando voltou à taverna. Teve de fugir, às pressas, em busca de um lugar minimamente seguro para se abrigar.
Terminou acolhido por monges da igreja de Santa Maria Novella. Ficou escondido por uma noite no chão do confessionário - onde ninguém poderia vê-lo.
Quando, pela manhã, os monges o procuraram, para tentar entender aquela fantástica teia de boatos, delírios e incompreensões, ele tinha sumido para sempre - mas deixou, no chão do confessionário, o rascunho do que viria a ser a Oração a Nossa Senhora do Espanto.
Os monges, a princípio, não deram importância especial ao manuscrito, mas, diante da onda de boatos sobre o peregrino, resolveram guardar aquelas anotações no cofre da igreja, porque elas poderiam ser úteis numa possível investigação. O caso foi logo esquecido.
Duzentos anos depois, no início do Século XIX, uma comissão de notáveis do Instituto do Patrimônio Histórico de Florença foi encarregada de avaliar o conteúdo do cofre - mantido sob a guarda de gerações sucessivas de monges. O manuscrito foi minuciosamente estudado.
O estabelecimento do texto definitivo da oração exigiu um grande esforço de calígrafos, convocados para decifrar uma grafia marcada por letras trêmulas, rabiscos aparentemente sem sentido e palavras superpostas umas às outras.
Terminado o trabalho de decifração, os calígrafos asseguraram ao Instituto do Patrimônio Histórico de Florença que conseguiram traduzir o original com cem por cento de fidelidade. É provável que o peregrino tenha escrito a oração durante as horas de insônia, no chão do confessionário, à luz de um candeeiro, o que explicaria os solavancos na grafia.
Jamais se soube do nome do peregrino - mas ele nos presenteou com este pequeno mas valiosíssimo legado: a Oração que escreveu sobre quais devem ser os credos do jornalista.
Nossa Senhora do Perpétuo Espanto deveria ser entronizada nas redações como guia e padroeira dos jornalistas - que, todo dia, antes de sair de casa, deveriam fazer um juramento íntimo: jamais deixar de se espantar diante do Grande Espetáculo da Vida. Porque este Espetáculo - que acontece, neste exato momento, nas ruas, nas favelas, nas florestas, nos parlamentos, nos palcos, nos desertos, nos sertões, nos estádios - pode ser, sim, espantoso, surpreendente e arrebatador. Movidos por este credo, os jornalistas poderão oferecer aos leitores, ouvintes, telespectadores e internautas um jornalismo igualmente espantoso, surpreendente e arrebatador - e não um jornalismo burocrático, chato, vaidoso, cinzento, sonolento, pretensioso e sem graça. Pronto. Falei.
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A história da Oração a Nossa Senhora do Espanto poderia ser descrita assim - se eu fosse um candidato a roteirista ou ficcionista. Não sou. Em nome da fidelidade aos fatos, então, devo confessar que a história da Oração é muitíssimo mais prosaica.
Num depoimento que gravei para o documentário que o cineasta Jorge Furtado estava fazendo sobre jornalismo ( "O Mercado de Notícias", a ser lançado nas próximas semanas ), lembrei que um escritor americano chamado Kurt Vonnegut uma vez citou, num livro, uma santa que jamais existiu: Nossa Senhora do Perpétuo Espanto.
Propus, no depoimento, que ela fosse eleita padroeira dos jornalistas, pelo que o nome evoca: espanto, espanto, espanto. É o que os jornalistas jamais deveriam perder. Mas, lastimavelmente, perdem - com espantosíssima frequência.
Jorge Furtado simpatizou com a Nossa Senhora do Perpétuo Espanto. Num momento de grande inspiração, escreveu a Oração. Não satisfeito, mandou imprimir "santinhos" com o texto - que será distribuído aos espectadores do documentário.
Pedi que Jorge lesse o texto da Oração para a plateia que assistiu, esta semana, a uma sessão especial do filme, no Midrash Centro Cultural, no Leblon.
(estavam no auditório lotado Caetano Veloso e o jornalista Jânio de Freitas).
Nossa Senhora do Perpétuo Espanto foi entusiasticamente aplaudida.
Bom sinal. Que tenha, então, vida longa.
Tomara que Nossa Senhora do Perpétuo Espanto inspire jornalistas - novatos ou dinossauros - a "mais ver do que aparecer", a "mais ouvir do que falar", a "não aceitar o inaceitável", a "sofrer com o sofrimento do próximo", a "inquietar-se com a indiferença", a "ignorar o que é banal" , a "manter os sentidos atentos para perceber o novo" e a "memória viva para preservar o passado".
Se conseguir espalhar inspiração, ela merecerá que as chamas de mil velas ardam em louvor a ela nas redações do Brasil.

Posted by geneton at julho 25, 2014 12:08 PM
   
   
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