julho 13, 2013

QUASE TUDO O QUE APRENDI SOBRE AQUELE VELHO SENHOR MAL-FALADO, O JORNALISMO !

Oh, Minas Gerais ! O locutor-que-vos-fala zarpou para Belo Horizonte, a convite do Projeto Sempre um Papo, para falar sobre este velho e tão mal-falado senhor, o tal do Jornalismo.
A noitada começou com a exibição de um trecho de "Garrafas ao Mar", o documentário que fiz sobre o grande repórter Joel Silveira.
Como se sabe, já sou um quase-dinossauro: entre idas e vindas, estou nessa brincadeira desde 1972, quando, "inocente, puro e besta", entrei na redação do Diário de Pernambuco. Tinha 16 anos de idade. Acabo de entrar nos 57. Faço as contas. O resultado é assustador: 41 anos de profissão !
O demônio-da-guarda me sopra, ao pé do ouvido direito: "Que coisa ! Tanto tempo pra nada !!". Sempre a postos, o anjo-da-guarda reage imediatamente, ao pé do ouvido esquerdo: " Vá tocando o barco ! Com sorte, pode ser que alguma coisa se salve!" Ouço os dois com toda atenção. Dou razão aos dois. C´est la vie.
Em suma: é inevitável que, depois de tanto tempo, a gente aprenda duas ou três coisas ao longo do caminho. Eu seria uma anta juramentada se, depois de tanto tempo, não tivesse aprendido. Por que não passar adiante ? Quem sabe, ali, na décima-terceira fileira, um estudante de Jornalismo pode se animar.
Nesta expedição a Belo Horizonte, tentei, na medida do possível, passar adiante quase tudo que consegui aprender . É aquela história: "vida aos outros legada", como diz o verso de Drummond.
Ressalva número um : nunca tive a pretensão de "pontificar" sobre o Jornalismo. Pelo contrário: faço questão absoluta de não me enquadrar no "universo mental" do jornalista clássico. Deus me livre !
1. "Jornalista clássico" é aquele sujeito que faz jornalismo para jornalistas, não para o público curioso. Joga fora - com a maior desfaçatez - assuntos interessantíssimos. Derruba matérias com a naturalidade de quem bebe água. Estou fora ! Sempre estive.
2. Prefiro ser um dissidente - ainda que minúsculo e desimportante. É melhor assim ! Pode ser divertido. Prefiro pensar e agir como leitor e como telespectador - seres, em geral, mais interessados na Grande Marcha da Vida Real do que jornalistas envenenados pela pretensão e pelo tédio.
3. Falei de encontros marcantes com "monstros" como Paulo Francis, Joel Silveira, Nélson Rodrigues, Chico Buarque, Carlos Drummond de Andrade, Glauber Rocha. O grande Paulo Francis se queixava de que o Brasil não tinha criado, ainda, a tradição de uma "prosa clara e instruída". Aqui, vigora a crença equivocada de que escrever bem é escrever difícil. É exatamente o contrário: escrever bem é escrever claro ! Se participarem do esforço para que se crie no Brasil a tradição de uma "prosa clara e instruída", os jornalistas estarão contribuindo para revogar um julgamento do próprio Francis: "Nossa imprensa: previsível, empolada, chata. Como é chata, meu Deus !".
4. Detonei algumas das pragas do jornalismo, como as entrevistas-voleibol ( aquelas em que o entrevistador passa o tempo todo levantando a bola para o entrevistado ).
5. Tratei de lição pétrea que aprendi: entrevista precisa ser - necessariamente - instrumento de prospecção e de revelação sobre o entrevistado : jamais de congratulação ! Não ! Não ! Não !
6. Chutei o balde das inacreditáveis entrevistas sem perguntas : aquelas em que o entrevistador fica fazendo afirmações diante do entrevistado. Ora, cada frase pronunciada pelo entrevistador deve - obrigatoriamente - terminar com um ponto de interrogação, pelo simples motivo de que entrevistador nasceu para fazer perguntas, não para fazer afirmações diante do entrevistado ! Ponto.
7. Reafirmei uma crença que adquiri depois de anos e anos pastando em redações: não existe assunto desinteressante; o que existe é jornalista desinteressado, um ser nocivo à profissão.
8. Declarei que jornalista que se preza não pode exercer, sob hipótese alguma, patrulhagem ideológica. Conheço jornalistas que se recusariam a entrevistar George Bush porque ele invadiu o Iraque. Conheço jornalistas que se recusariam a entrevistar Fidel Castro porque ele é um ditador comunista. Eu daria um milhão de dólares, se tivesse, para entrevistar os dois.
9. Citei uma estatística inventada, mas perfeitamente plausível : 98,7 % dos jornalistas se julgam mais importantes do que realmente são. Se todos os jornalistas que se acham gênios pulassem de uma vez só, o Brasil sofreria um terremoto de 6,9 na escala Richter.
10. Resmunguei: o texto jornalístico, empobrecido e tratado a socos, caminha, célere, para o fundo do poço. Um dia, chegará ao gugu-dadá. Não demora.
Chega. Por incrível que pareça, o Jornalismo nem é o meu assunto preferido. ( Uma língua maldosa exclamaria agora: "Imagine se fosse...") . Eu preferiria me ocupar de "A Montanha Mágica", "O Leopardo" ou de um bom verso de Maiakovski. Bons parágrafos de "A Montanha Mágica" ou "O Leopardo" valem mais do que dez tomos de jornalismo. Mas, se alguém pergunta sobre jornalismo, como em Belo Horizonte, termino falando - por experiência e por falta de talento para me ocupar de coisas de fato mais importantes.
Se eu pudesse escolher, aliás, estaria jogando futebol. Mas sou um péssimo jogador - além de tudo, fora de forma. Não sei tocar violão. Não sei nadar. Que venha o Jornalismo, então - um ofício que, a rigor, não exige grandes habilidades ou grandes talentos. Em sete dias, doze horas e vinte e cinco minutos, uma foca amestrada seria perfeitamente capaz de aprender a manusear os rudimentos do jornalismo: quem, o quê, quando, onde, por quê. Assim caminha a humanidade.
Se é tão banal, o mínimo que um jornalista pode fazer é tentar "incendiar" o jornalismo com um mínimo de devoção e interesse. É hora de acender uma vela em homenagem ao estudante rebelado que pichou no muro da universidade, na Paris de 1968: "E se a gente incendiasse a Sorbonne ?".
Jornalistas bem que deveriam pichar, em seus muros imaginários : "E se a gente incendiasse o Jornalismo ?". Ou seja: e se despejasse sobre o jornalismo lança-chamas de imaginação e vivacidade, contra o cinzento dos burocratas ?
É uma causa perdida, com quase toda certeza. Mas as causas perdidas são as melhores. Sempre foram. E para sempre serão.
Não sabia que o encontro em Belo Horizonte com Afonso Borges - o criador do Projeto Sempre um Papo - já tinha caído na rede. Pousou no You Tube.
"Cair na rede" : eis o destino de tudo o que acontece hoje com os terráqueos. Ainda bem.
Bato em retirada. Boa noite.
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Posted by geneton at julho 13, 2013 12:13 PM
   
   
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