dezembro 31, 2013

E O "PÁSSARO AZUL" LEVANTA VOO DE NOVO

Trinta e um de dezembro. Cadê aquele post antigo sobre
Bukowski ? Ei-lo, republicado:
Charles Bukowski escreveu versos bonitos e desarranjados, como “os tigres me encontraram / e eu já não me importo”.
Em apenas duas linhas deste poema chamado “Para Jane”, o velho Bukowski descreve o que poderia ser, perfeitamente, o resumo biográfico de quem chegou à idade da razão : sim, um dia os tigres terminam descobrindo nossos mais preciosos esconderijos, as unhas das feras estão roçando permanentemente a porta para forçar a entrada, mas, tudo somado, não vale a pena temê-los.
Ah, o enorme poder de síntese dos escritores de verdade…
A última linha do poema “Consumação do Pesar” é, igualmente, uma bela declaração de princípios : “Nasci para arrastar rosas pelas avenidas da morte”.
Ou: ”Circulo pelas ruas a um passo de chorar/ envergonhado do meu sentimentalismo e possível amor/ Um homem velho e confuso/ dirigindo na chuva/ perguntando-se onde a boa sorte foi parar”.
Bukowski passou a vida cantando a extravagância em textos “sujos” e dilacerados. Se não tivesse morrido de leucemia em 1994, poderia, quem sabe, saudar o ano novo com os versos de “O Pássaro Azul”, o poema que fecha a coletânea “Textos Autobiográficos” (L&PM Editores, com tradução de Pedro Gonzaga).
A cena imaginada: solitário, o poeta estaria envolto numa névoa na mesa dos fundos de um bar decadente de beira de estrada. Nós, leitores silenciosos, lançaríamos um apelo : ok, velho lobo dos bares, renda-se uma vez na vida à alegria tantas vezes estúpida e obrigatória dos dias 31 de dezembro; use a meia-noite como desculpa para soltar o pássaro azul que você diz guardar há tanto tempo no fundo do peito.
Bukowski jogaria sobre a mesa os versos que escrevera num papel já gasto:
“Há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo, fique aí, não deixarei que ninguém o veja.
Há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas eu despejo uísque sobre ele e inalo
fumaça de cigarro
e as putas e os atendentes dos bares
e das mercearias
nunca saberão que
ele está
lá dentro.
Há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo:
fique aí,
quer acabar comigo ?
(…) Há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
Eu digo: sei que você está aí,
então não fique triste.
Depois, o coloco de volta em seu lugar,
mas ele ainda canta um pouquinho
lá dentro,
não deixo que morra
completamente
e nós dormimos juntos
assim
com nosso pacto secreto
e isto é bom o suficiente para
fazer um homem
chorar,
mas eu não choro,
e você ?”

Posted by geneton at 12:52 PM

E O "PÁSSARO AZUL" LEVANTA VOO DE NOVO

Trinta e um de dezembro. Cadê aquele post antigo sobre
Bukowski ? Ei-lo, republicado:
Charles Bukowski escreveu versos bonitos e desarranjados, como “os tigres me encontraram / e eu já não me importo”.
Em apenas duas linhas deste poema chamado “Para Jane”, o velho Bukowski descreve o que poderia ser, perfeitamente, o resumo biográfico de quem chegou à idade da razão : sim, um dia os tigres terminam descobrindo nossos mais preciosos esconderijos, as unhas das feras estão roçando permanentemente a porta para forçar a entrada, mas, tudo somado, não vale a pena temê-los.
Ah, o enorme poder de síntese dos escritores de verdade…
A última linha do poema “Consumação do Pesar” é, igualmente, uma bela declaração de princípios : “Nasci para arrastar rosas pelas avenidas da morte”.
Ou: ”Circulo pelas ruas a um passo de chorar/ envergonhado do meu sentimentalismo e possível amor/ Um homem velho e confuso/ dirigindo na chuva/ perguntando-se onde a boa sorte foi parar”.
Bukowski passou a vida cantando a extravagância em textos “sujos” e dilacerados. Se não tivesse morrido de leucemia em 1994, poderia, quem sabe, saudar o ano novo com os versos de “O Pássaro Azul”, o poema que fecha a coletânea “Textos Autobiográficos” (L&PM Editores, com tradução de Pedro Gonzaga).
A cena imaginada: solitário, o poeta estaria envolto numa névoa na mesa dos fundos de um bar decadente de beira de estrada. Nós, leitores silenciosos, lançaríamos um apelo : ok, velho lobo dos bares, renda-se uma vez na vida à alegria tantas vezes estúpida e obrigatória dos dias 31 de dezembro; use a meia-noite como desculpa para soltar o pássaro azul que você diz guardar há tanto tempo no fundo do peito.
Bukowski jogaria sobre a mesa os versos que escrevera num papel já gasto:
“Há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo, fique aí, não deixarei que ninguém o veja.
Há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas eu despejo uísque sobre ele e inalo
fumaça de cigarro
e as putas e os atendentes dos bares
e das mercearias
nunca saberão que
ele está
lá dentro.
Há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo:
fique aí,
quer acabar comigo ?
(…) Há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
Eu digo: sei que você está aí,
então não fique triste.
Depois, o coloco de volta em seu lugar,
mas ele ainda canta um pouquinho
lá dentro,
não deixo que morra
completamente
e nós dormimos juntos
assim
com nosso pacto secreto
e isto é bom o suficiente para
fazer um homem
chorar,
mas eu não choro,
e você ?”

Posted by geneton at 12:52 PM

dezembro 23, 2013

....E A VERGONHA DE SER BRASILEIRO BATE À PORTA DE NOVO

Cenas que acontecem longe de tudo e de todos: duas estudantes caminhavam pelo acostamento de uma rodovia em Tabira, no sertão de Pernambuco. Iam a uma casa de festa - ajudar no trabalho de decoração do "baile de formatura" da escola em que estudavam. Uma se chamava Andreza Thaylane Ferreira dos Santos. Tinha 18 anos. A outra, Rosália Medeiros Oliveira. Idade: dezenove anos. As duas morreram atropeladas. O motorista do carro que as atingiu - Hedson Thiago da Silva - estava bêbado, segundo a polícia. Fugiu do local. Não tentou prestar socorro. Terminou preso. O que acontecerá com ele?
( a notícia, no site do Jornal do Commercio - do Recife:
http://goo.gl/os45Oy )
Corta. Uma menina de doze anos - Maria Eduarda Araújo da Silva - morreu depois de ter sido baleada na cabeça, em meio a um tiroteio entre policiais e traficantes, na favela Para-Pedro, em Colégio, na zona norte do Rio de Janeiro. Um menino de sete anos também foi baleado de raspão na cabeça. Escapou. Descobrirão quem cometeu o crime?
Thaylane, Rosália, Maria Eduarda: três tragédias pré-natalinas. Nestas horas, não há como esconder a vergonha de ser brasileiro.

Posted by geneton at 12:59 PM

"NUNCA CONFIE NUM CAFAJESTE!"

Quando criança, Peter O `Toole viveu a cena inesquecível.
O pai, Patrick, botou O`Toole em cima de um móvel. Disse a ele: "Pode pular! Eu seguro você. Confie em mim !".
O menino claro, não hesitou: pulou lá de cima do móvel, certo de que o pai iria ampará-lo antes que ele caísse no chão.
O pai se afastou. Resultado: o pequeno Peter se esborrachou no piso da sala.
Olhou para o pai, assustado. Ouviu, então, a lição definitiva:
"Nunca confie num cafajeste !".
( a história aparece no livro "Hellraisers: The Life And Times Of Burton, Harris, O'Toole & Reed").

Posted by geneton at 12:57 PM

GRANDE PETER O'TOOLE

Grande Peter O´Toole: "O único exercício que pratico é caminhar entre os caixões dos amigos que faziam exercícios".
Recusou o título de Sir. Dizia que Hollywood era "administrada por porcos".
Num certeiro obituário assinado por Luís Antônio Giron, a revista Época desta semana reproduz uma declaração de princípios de O`Toole: "Sou feliz por agarrar na mão do infortúnio".
Já não se fazem O´Tooles como antigamente.
Que diferença das peruas siliconadas, atores botoxados e cabeças de vento que povoam as telas e as revistas de celebridades....
Aliás: Kate Blanchett cintila em "Blue Jasmine", o novo filme de Woody Allen. É a perfeição em forma de atriz. Se ela não ganhar o Oscar, é melhor que fechem logo aquela joça.
E Kristen Wiig na "Vida Secreta de Walter Mitty"?
Como diria aquele locutor esportivo, "linda, linda, linda!".
Se ela não ganhar nada por este filme, quero meu dinheiro de volta!
http://www.youtube.com/watch?v=inn0N2drKP0

Posted by geneton at 12:57 PM

DATA MÓVEL

O mundo seria um lugar bem melhor se o Natal e o ano novo fossem comemorados num só dia - numa data móvel que pegasse todo mundo de surpresa.
Num ano, cairia em 30 de junho. Em outro, em 15 de setembro - e assim por diante. Todo mundo só seria avisado na véspera. Vinte e quatro horas depois, o novo ano começaria, sem estardalhaço.
Assim, os publicitários não teriam tempo de fazer anúncios com criancinhas para comover o bolso dos consumidores, as ruas não ficariam tão lotadas, não haveria - jamais - qualquer espécie de mensagem de fim de ano, os restaurantes não seriam invadidos, todos, pela gritaria da "festa da firma" - enfim, o planeta seria um território mais habitável e menos barulhento.
É pena que o Projeto Reveillon-e-Natal-em-Data-Surpresa seja, a essa altura do campeonato, inviável no Planeta Terra.
Quem sabe, um dia, em Marte....

Posted by geneton at 12:56 PM

dezembro 13, 2013

COPACABANA

Copacabana é um caso raro de bairro que comete, já na entrada, erro crasso de português. Loja "Só a Rigor", na avenida Princesa Isabel, exibe, na fachada, crase escandalosa no "a". É assim há décadas.
Quando é vão criar a profissão de revisor de placas, cartazes e anúncios? O bicho ia ficar rico de tanto trabalhar. E o que dizer do anúncio da New Ótica - no rádio e na TV - que diz, com todas as letras, "O óculos", no singular? Fica sempre a dúvida: quanto a agência de publicidade terá cobrado para dar esse soco na pobre da língua portuguesa ? Vergonha alheia....

Posted by geneton at 01:07 PM

CURSO BÁSICO DE DETETIVE

Curso básico de detetive: jamais confie em quem diz "imagina" quando você diz "obrigado". É gente capaz de palitar dente em mesa de restaurante.

Posted by geneton at 01:03 PM

PAUSA PARA COMERCIAL

E,agora, pausa para "comercial" : nova edição do nosso livro DOSSIÊ 50 - além da íntegra das entrevistas com todos os onze jogadores brasileiros que enfrentaram o Uruguai no dia 16 de julho de 1950, no Maracanã - traz um acréscimo: o depoimento do "carrasco" uruguaio Ghiggia, gravado em 2013.
Como se dizia antigamente, o livro é encontrável "nas boas casas do ramo".
Além da edição em papel - lançada pela Editora Maquinária -, o DOSSIÊ 50 ganhou uma edição digital: o e-book foi lançado pela
e-galáxia.
Aqui:
http://blog.e-galaxia.com.br/a-tragedia-de-1950/

Posted by geneton at 01:03 PM

CURSO BÁSICO DE DETETIVE

Curso básico de detetive: jamais confie em quem desenha aspas no ar com os dedos. É gente capaz de envenenar merenda de orfanato.

Posted by geneton at 01:03 PM

CURSO BÁSICO DE DETETIVE

Curso básico de detetive: jamais confie em quem só chama o parceiro de "amor". É gente capaz de cantar em karaokê.

Posted by geneton at 12:59 PM

CURSO BÁSICO DE DETETIVE

Curso básico de detetive: jamais acredite em quem usa, já usou ou pensa em usar bandana. São serial killers potenciais.

Posted by geneton at 12:59 PM

dezembro 11, 2013

FALTAM SÓ 48O HORAS!

Calma! Calma! Calma! Faltam só 480 horas para que dezembro desapareça na poeira do tempo e leve, com ele, esse velho cortejo de horrores: shoppings superlotados de marmanjos de bermudas e matronas tagarelas sacando seus cartões de crédito endividados, árvores de natal inventadas pelo departamento de marketing de bancos, anúncios "emotivos" na TV, gente falando aos berros nos "almoços da firma" em restaurantes lotados, as piadas mais infames do planeta nas brincadeiras de "amigo oculto", gente de branco empunhando taças de champagne quente na noite barulhenta do reveillon, enfim, "o horror,o horror, o horror".
Já disse aqui: em meio aos alvoroços de dezembro, somente uma cena se salva - a expressão de surpresa e alegria no rosto de uma criança diante de um presente. That´s all.
Faltam só 480 horas! Não é tanto.

Posted by geneton at 01:07 PM

O COMPANHEIRO DE VIAGEM DE JOEL SILVEIRA NOS OLHA COM CAVANHAQUE E CARA SÉRIA

Revistas antigas são baús inesgotáveis de pérolas. Numa Fatos & Fotos Gente de 1978, encontro uma entrevista de Joel Silveira a Renato Sérgio.
O grande repórter Joel descreve uma viagem que fez, a serviço dos Diários Associados, aos confins do Acre, nos anos quarenta:
"Naquele tempo, para alguém chegar ao Acre, tinha de usar aqueles aviões pata-choca, como chamavam (...) Um dia, tomei o diabo de um avião desses. O negócio era tão sinistro que eu levava um vidrinho de cachaça. Ia bebendo para aguentar a desgraçada da viagem. Claro que acabava ficando de porre. Nesses aviões, entrava de tudo: freira, médico, galinha, tudo. Pois eu estava sentado, tranquilo, no lado da janela. De repente, acordo, olho de lado: E quem está sentado ali? Um bode...Pensei: "Estou vendo coisas. É melhor parar de beber...mas, antes, vou tirar mais uma soneca...". Quando acordei novamente, olhei para o lado, estava lá o bode. Pensei: "...Mas é bode mesmo! Era. Amarradinho ali, com aquele cavanhaque, aquela cara séria...".
Por algum motivo, associei o bode companheiro de viagem de Joel Silveira ao ano de 2014. Por ora, 2014 é um bode de cavanhaque -olhando para a gente com cara séria.
Cedo ou tarde, ele haverá de sorrir.

Posted by geneton at 01:06 PM

dezembro 10, 2013

"HUMOR" BRASILEIRO: TORTURADORES ENTOAVAM BORDÃO DE CHACRINHA ENQUANTO DAVAM CHOQUE EM PRISIONEIROS

( NESTE SÁBADO, ÀS 21: 05, NO DOSSIÊ GLOBONEWS )
O que é que Chacrinha pode ter a ver com uma sessão de tortura?
Isso: enquanto rodavam a espécie de manivela que produzia choques nos prisioneiros durante os interrogatórios, torturadores entoavam o bordão que Chacrinha usava no programa de TV para chamar os comerciais: "Roda, roda, roda e avisa!".
A entrevista completa do ex-guerrilheiro Cid Benjamin - que participou diretamente do sequestro do embaixador americano - vai ao ar neste sábado,às 21:05, no DOSSIÊ GLOBONEWS.
Vale ver: nesta entrevista, ele foge do óbvio ao falar, por exemplo, sobre os torturadores.

Posted by geneton at 11:44 AM

PAUSA PARA UMA PERGUNTA DE CAETANO VELOSO: "DE QUE VALE A VIDA SE NÃO RESPONDEMOS AO ESCÂNDALO QUE É EXISTIRMOS COM GESTOS IGUALMENTE EXTREMOS ?"

A pergunta de Caetano Veloso aparece numa folha já quase amarelada de um jornal nada antigo ( é de outubro de 2011 ): "De que vale a vida se não respondemos ao escândalo que é existirmos com gestos igualmente extremos, como a fé inabalável em Deus, a dedicação obsessiva a uma pessoa, uma arte, uma causa? Se é para aumentar a altura do monte de lixo que se produz em arte, música, poesia - sem falar em organizações políticas, hábitos de vida, regras morais - melhor seria o retiro do asceta, o suicídio dos que se sentem desgraçados, a loucura do que abandona o comércio com seus semelhantes, o niilismo do Homem do Subterrâneo, a alegria terrível do homem-bomba".

Posted by geneton at 11:39 AM

dezembro 09, 2013

GUERRILHEIROS APLICAM GOLPE TEATRAL PARA "EXPROPRIAR" DÓLARES DE DEPUTADO FEDERAL!

Neste sábado, às 21:05, o DOSSIÊ GLOBONEWS exibe entrevista completa com ex-guerrilheiro que descreve, com detalhes, golpe teatral armado contra um deputado federal que guardava, em casa, uma fortuna em dólares.
Guerrilheiros ligaram para o deputado dizendo que eram repórteres interessados em fazer, para uma revista, uma reportagem sobre a pinacoteca que ele mantinha em casa.
O deputado caiu na conversa: abriu as portas do apartamento, na avenida Atlântica, no Rio.
Resultado: os guerrilheiros saíram de lá um gordo reforço financeiro para a guerrilha.
É uma das histórias do DOSSIÊ deste sábado, às 21:05, com o ex-guerrilheiro Cid Benjamin.

Posted by geneton at 11:45 AM

TESTE DE EMPREGO

Um teste simplíssimo de emprego: se o candidato a jornalista dissesse "o óculos", com o artigo no singular, em vez de "os óculos", seria convidado a voltar no ano que vem.
Saber o que é singular e o que é plural é o básico dos básicos para um jornalista - ou deveria ser. Mas, na vida real, todos sabem, as coisas não são assim.
A Última Flor do Lácio é diariamente trucidada, estapeada, pisoteada, enforcada e esmurrada nas redações deste imenso país. O enterro sairá em breve.

Posted by geneton at 11:44 AM

dezembro 08, 2013

DA SÉRIE ENTREVISTAS IMPROVÁVEIS : GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ DESCOBRE O DISCRETO MISTÉRIO DAS MATINÊS NO CINEMA

O cansaço deixou marcas no rosto de Gabriel García Márquez: os olhos estão vermelhos, os cabelos desgrenhados clamam por um pente, a camisa branca exibe marcas de suor nas axilas. São 11 e 45 da noite.
Se pudesse escolher, ele estaria dormindo o quarto sono agora. Mas o Prêmio Nobel é homem de palavra. Cumpre a promessa feita horas antes : depois de passar a tarde inteira falando a estudantes de cinema sobre os segredos da criação literária - como se os talentos da imaginação pudessem ser transmitidos numa sala de aula - ele chega sozinho à recepção deste hotel de terceira categoria em Havana. Desaba o peso do corpo sobre uma poltrona vagabunda. Acende um charuto. Aceita com um meneio de cabeça a oferta do garçom : um copo de água mineral.
GGM acha que qualquer tempo concedido a repórteres é puro desperdício - mas aceitara dar uma entrevista desde que o assunto não fosse literatura. Por imposição do entrevistado, o único tema permitido em nossa conversa seria o mais improvável e aparentemente mais desimportante de todos os assuntos por ventura merecedores de menção num diálogo com um prêmio Nobel de Literatura : o fascínio que as matinês de cinema exercem sobre ele até hoje.

Como todo grande escritor conquista o direito de exercitar pequenas excentricidades sem precisar dar explicações aos intrusos, GGM também determinou com antecedência o número de perguntas: somente seis. Nada além. Número cabalístico ? Jamais se saberá. Não pude perguntar. Não era este o assunto da entrevista.
Eis as descobertas de Gabriel García Márquez sobre as matinês:
1.Por que o senhor considera as matinês tão fascinantes ?
"À hora da matinê - uma palavra francesa metida a empurrões no castelhano - ,no interior dos cinemas, respira-se uma atmosfera lúgubre. Parece que os passos ressoam menos no piso atapetado, mas a verdade é que os que assistem à sessão das três procuram, inconscientemente, passar despercebidos. "É o sentimento de culpa da matinê", já disse alguém, definindo dessa maneira a atmosfera de mistério e clandestinidade que têm os cinemas às três da tarde"
2.O que é que diferencia, então, o frequentador de matinês dos das outras sessões ?
"Um cinema à hora da matinê se parece a um museu. Ambos têm um ar gelado, uma quietude funerária. E, entretanto, é a hora preferida dos verdadeiros cinéfilos. O verdadeiro cinéfilo vai ao cinema sempre sozinho. Senta-se invariavelmente nas laterais da sala. Não mastiga chiclete nem come qualquer tipo de guloseima. Não lê jornais nem revistas, pois permanece nas nuvens, concentrando a tela com ar de concentrada estupidez até começar a projeção"
3.Pelo que o senhor conseguiu observar no escuro, como é que este cinéfilo se comporta depois de iniciado o filme ?
"Desaperta o cinto, desamarra os cordões dos sapatos e o nó da gravata e trata de apoiar os joelhos ou pôr os pés no espaldar da poltrona dianteira. Cinco minutos depois de começada a a projeção, pode estourar uma bomba no cinema que o verdadeiro cinéfilo não se dará conta"
4.Mas não é possível que as matinês sejam povoadas somente por cinéfilos fanáticos. Quem é, então, que faz companhia a eles ?
"Vai também à matinê aquele a quem o cinema não tem a menor importância. É muito provável que a clientela das matinês diminuiria sensivelmente se os colégios secundários fossem fechados. Os estudantes que comumente vão ao cinema em grupos não têm outro interesse além de se refugiar em lugar seguro enquanto as aulas passam".
5.O fato de estudantes se refugiarem nas matinês para escapar das aulas explica o ar de estranha clandestinidade dessas sessões de cinema ?
"Como todos nós o fizemos alguma vez, é também muito provável que essa seja a origem do "sentimento de culpa" e da sensação de clandestinidade de que nós, adultos, padecemos na matinê. Devido a esse pequeno público, um cinema às três da tarde é o lugar mais seguro para um encontro escondido, para os amores secretos - por qualquer motivo - e para fugir a uma obrigação inadiável".
6.Qual foi a melhor definição que o senhor já ouviu sobre as matinês ?
" ``Quando tiver um problema sem solução, vá à matinê´´, dizia, há algum tempo, o gerente de uma importante empresa ao chefe de relações públicas : na quarta-feira da semana seguinte, eles se encontraram à saída de uma matinê".
Meia noite e meia. Gabriel García Márquez disfarça o bocejo, mas, dois minutos depois, emite um suspiro de cansaço e impaciência, como a dizer que chega, basta, já tinha dito o que queria sobre o mistério das matinês, um assunto mais importante do que todas as inúteis teorias literárias. Despede-se com um aperto de mão pouco convincente. Desaparece no penumbra de um corredor de hotel mal iluminado nesta noite de julho em Havana.
***************************
(*) PS: Tanto os encontros com Gabriel García Márquez em Havana quanto as perguntas da entrevista são imaginários: um exercício de realismo mágico amador. Mas as divagações de GGM sobre as matinês são verdadeiras : foram extraídas do texto "Por que você vai à matinê ?", publicado no livro "Textos Andinos" (Editora Record)

Posted by geneton at 11:46 AM

dezembro 05, 2013

LÍDER DA REBELIÃO DE MAIO DE 68 EM PARIS ENCERRA CARREIRA NO PARLAMENTO, PREPARA GRANDE EXPEDIÇÃO PELO BRASIL EM 2014 E DÁ CONSELHO AOS JOVENS: “SE VOCÊ SÓ TIVER DUAS POSSIBILIDADES, ESCOLHA UMA TERCEIRA!”

Daniel Cohn-Bendit (Foto Cristina Aragão.jpg
Daniel Cohn-Bendit: expedição por terras brasileiras em 2014, durante a Copa, para flagrar o país longe dos estádios (Foto: Cristina Aragão)

Quando era maio no mundo, em 1968, Daniel berrava pelas ruas de Paris.

Anarquista, aluno da Universidade de Nanterre, Daniel Cohn-Bendit comandou a rebelião dos estudantes que ocuparam o prédio da Faculdade de Sociologia, em protesto contra a prisão de seis colegas. Em poucos dias, virou líder do levante dos estudantes contra o velho mundo, a velha vida, os velhos professores, os velhos governantes, o velho tédio.

Filho de judeus alemães fugidos do nazismo, Daniel Cohn-Bendit cuspia fogo. Comandou uma passeata de um milhão de estudantes e operários. Virou “Dani, le Rouge” – Dani, o Vermelho.

Naqueles dias, os muros de Paris eram cadernos de anotações onde os estudantes rebelados gravaram com spray os mandamentos da utopia:

“Eles compram tua felicidade. Roube-a!”

“A sociedade é uma flor carnívora”

“O tédio chora”

“Tome meus desejos como realidade, porque eu acredito na realidade dos meus desejos”

“A humanidade só será feliz no dia em que o último burocrata for enforcado nas tripas do último capitalista”

“A imaginação no poder”

“É proibido proibir”

“E se a gente incendiasse a Sorbonne?”

“Professores: vocês nos fazem envelhecer!”

“Corra, camarada: o velho mundo está atrás de você!”

Daniel ganhou do jornal “Le Monde” o título de “o principal porta-voz do movimento de maio de 1968, o mais vivo, o mais inteligente”.

Expulso da França no último dia daquele maio pelo governo do general De Gaulle, terminou voltando à pátria dos pais, a Alemanha, onde, nos anos seguintes, se engajou nos movimentos alternativos até virar militante do Partido Verde.

Daniel Cohn-Bendit cumpriu mandatos como deputado verde no Parlamento Europeu. Agora, aos 68 anos de idade, anuncia que vai deixar o Parlamento. Mas nem de longe pensa em “depor as armas”.
A curto prazo, os projetos de Cohn-Bendit envolvem diretamente o Brasil: como se quisesse mostrar que nunca é hora de pendurar as chuteiras, o líder da rebelião de maio de 1968 decidiu que vai – literalmente – botar o pé na estrada, no Brasil, durante a Copa do Mundo de 2014.

A bordo de uma van, Cohn-Bendit fará uma grande viagem pelo país. Vai registrar, com uma equipe de filmagem, o que acontecerá no país durante a disputa da Copa. Pretende produzir uma espécie de diário audiovisual.

O ex-líder da rebelião dos estudantes nem chegará perto dos estádios. Chama o entorno dos estádios de “Fifa Land” – o Território da Fifa. Bendit quer se encontrar com personagens de um outro país – o Brasil real.

O resultado da expedição de Cohn-Bendit pelas estradas brasileiras vai virar filme – um documentário com lançamento previsto para o final de 2014. A van que Cohn-Bendit dirigirá pelo Brasil afora já foi batizada: ganhou o nome de “Sócrates”. É uma homenagem ao ex-jogador da seleção brasileira – que era amigo de Cohn-Bendit desde os tempos da Democracia Corinthiana, nos anos oitenta. O próprio Sócrates – morto em dezembro de 2011 – tinha transmitido a Cohn-Bendit o desejo de participar da expedição rodoviária.

Numa viagem ao Brasil, para preparar a grande expedição rodoviária que fará a partir de junho de 2014 por terras brasileiras, Daniel Cohn-Bendit falou ao Dossiê Geral, horas antes de embarcar de volta à Alemanha:

1.Como é que você se define hoje, politicamente?

Daniel Cohn-Bendit: “Sou, politicamente, um social-ecologista. Ou seja: um ecologista com engajamento social. E um batalhador pelos direitos humanos”.

2.O que a palavra utopia significa para você hoje?

Daniel Cohn-Bendit: “A gente ainda precisa de utopia. Mas é algo cada vez mais difícil. Minha geração teve uma série de utopias erradas – que não funcionaram. Não é questão de encontrar algo. Algumas vezes é uma questão de dizer “é preciso regular a globalização”. Isso é utopia, mas é uma necessidade. A utopia, portanto, é sempre algo que a gente tem de fazer, ainda que se saiba que é algo difícil de realizar”

3.Depois do fim das ideologias, a política perdeu o apelo que tinha sobre os jovens?

Daniel Cohn-Bendit: “Um dos grandes problemas é que os jovens não acreditam que a política muda as coisas. É o mesmo que acontece com a globalização. As grandes indústrias – e coisas assim – fazem o mundo. Os jovens já não acreditam nos políticos. O problema com a política, hoje, é que os políticos não dizem a verdade. Não dizem: “Não sei” ou “é difícil”. Os políticos sempre fingem que sabem para onde iremos caminhar ou como iremos. Não é verdade. É esta a razão por que os jovens dizem aos políticos: “Já não acreditamos em vocês”.

4.Você era “Dani, o Vermelho”. Depois, “Dani, o Verde”. Hoje, você é Dani o quê?

Daniel Cohn-Bendit: “Dani, o razoável….Não! Sou ainda verde. Uma vida sustentável ainda é uma necessidade. Eis aí uma utopia. Ainda acredito que a gente tem de mudar nossa maneira de viver. Porque nosso ritmo de vida é muito rápido. Os verdes – com um projeto social e ecológico – são uma necessidade”.

5.Eu sei que você não gosta de dar conselhos, como um avô – mas se um jovem pedisse a você um conselho político, o que é que você diria, em primeiro lugar?

Daniel Cohn-Bendit: “Tente encontrar seus próprios caminhos! Em segundo: o planeta corre perigo, em consequência de nosso modo de vida. Pense no que você pode fazer pelo planeta – não apenas no que os outros podem fazer por você”.

6. Há ainda, então, lugar para otimismo hoje? Como você sabe, depois do fim do socialismo, tantos disseram “ah, não quero mudar o mundo: vou tomar conta de mim mesmo…”

Daniel Cohn-Bendit: “Há um ditado judaico que diz: “Se você só tiver duas possibilidades, escolha sempre a terceira!”. Isso é otimismo.

7.E é o conselho que você dá?

Daniel Cohn-Bendit: “Sim!”

Foto Geneton.jpg
Um conselho aos jovens, baseado num ditado judaico: "Se você só tiver duas possibilidades, escolha uma terceira!" (Foto: Geneton Moraes Neto)

Posted by geneton at 03:35 AM

dezembro 03, 2013

CERTEZA

Certeza: o simples fato de o Brasil estar discutindo, a sério, no Século XXI, se biografias devem ou não ser submetidas a "aprovação" prévia de biografados é um indício claríssimo e indesmentível de que o país vive no Século X. Mas há uma luz no fim do túnel: daqui a duzentos anos, tenho certeza, o Brasil entrará gloriosamente no Século XXI ! Ainda bem.

Posted by geneton at 11:46 AM