novembro 30, 2015

RELATO COMPLETO DO MEU PRIMEIRO, ÚNICO E, PROVAVELMENTE, ÚLTIMO ENCONTRO COM WOODY ALLEN

Woody Allen chega aos oitenta anos neste primeiro de dezembro de 2015. Reviro meus arquivos, não tão implacáveis, à procura da transcrição da entrevista que fiz com o homem.
Tive a chance de entrevistá-lo longamente numa suíte do sétimo andar do Hotel Dorchester, diante do Hyde Park, em Londres. É uma dessas situações surrealistas que a gente vive no exercício do jornalismo: a chance de interrogar um cineasta de fama mundial.
Quando Woody Allen começa a falar, a gente sempre espera que vá soltar uma daquelas tiradas: “Eu me separei da minha primeira mulher porque ela era infantil demais. Toda vez que eu estava tomando banho na banheira ela vinha e afundava os meus barquinhos todos sem dar a menor explicação”. Ou então: “Não, eu nunca estudei nada na escola. Ou outros é que me estudavam”.
A coleção de tiradas de Woody Allen traz, como marca registrada, uma auto-ironia marcada por um sentimento de inadaptação à realidade. A fantasia, repete Allen, é sempre melhor. A entrevista aconteceu assim: um belo dia, você recebe um telefonema em casa. A produtora de um filme de Woody Allen oferece de mão beijada uma entrevista com o homem. Você comparece ao local na hora marcada. Não movi uma palha para conseguir o “furo de reportagem”. Só tive o trabalho de pegar o metrô. Nem sempre os repórteres suam a camisa.

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A antessala estava entulhada de jornalistas estrangeiros. Woody Allen vai recebê-los em grupos de cinco. O assessor cronometra as mini-entrevistas coletivas. Com sorte, cada um terá tempo de disparar umas duas perguntas à celebridade. De vez em quando, o estúdio resolve fazer um agrado a um jornal ou a uma emissora de tevê. Oferece uma entrevista exclusiva porque sabe que, assim, o espaço será maior. É tiro e queda. Eu era, na época, correspondente do Globo em Londres.
A assessora de imprensa me puxa para um canto: diz que Woody Allen falará “a sós” comigo. A megera faz uma recomendação e um pedido. A recomendação: não devo fazer fotos, para não incomodá-lo. O pedido: que eu ficasse calado. Eu não deveria dizer aos outros jornalistas que tinha sido agraciado com a chance de fazer uma entrevista exclusiva com o homem. A mulher me faz um sinal discreto. Já posso entrar na suíte. Fico sozinho, à espera do astro.
Lá vem o bicho. A assessora tinha escoltado Woody Allen até a porta. Depois, desapareceu. Woody Allen caminha sozinho em minha direção, na suíte quilométrica. A pele de mister Allen exibe uma palidez de cera ( pergunto a meus botões : há quantos anos ele não toma um bom banho de sol ?. Mas intelectual não vai à praia : intelectual faz filmes, pelo menos no caso de Woody Allen. Adiante, como para confirmar as suspeitas, ele diria que jamais se habituaria a morar numa cidade ensolarada. Gosta é de chuva, tempo nublado, engarrafamento, livraria, loja de disco, bons restaurantes, barulho, enfim, todas essas pequenas delícias e horrores que formam a civilização).
Primeira impressão pessoal: não há diferença alguma entre o Woody Allen da vida real e o Woody Allen das telas. A fala é apressada. Um olhar tímido dirigido ao chão pontua o sorriso. Quando solta uma frase engraçada, para dizer, por exemplo, que quer a imortalidade aqui e agora – e não nas cinematecas, daqui a um século -, ri um riso tímido, entrecortado por suspiros. De calça de veludo marrom e suéter verde, dá a impressão de ter alguma dificuldade para ouvir, porque se aproxima exageradamente do rosto do repórter a cada pergunta. Fico pensando: ou o Woody Allen das telas imita o Woody Allen da vida real ou é o Woody Allen da vida real que imita o Woody Allen das telas. Porque um é a cópia do outro.
O bê-a-bá do jornalismo diz que entrevista boa é aquela que traz pelo menos uma declaração inesperada. Se tivessem o despudor de dizer em voz alta o que intimamente esperam dos entrevistados, os repórteres repetiriam algo como “senhor, fazei com que este desgraçado me confie pelo menos um segredo!”.
Quando ouvi Woody Allen dizer que adorava acompanhar “qualquer tipo” de esporte em tevês de quartos de hotel, imaginei que estava a ponto de colher uma bela pepita. Bastaria perguntar qual era o brasileiro que ele admirava. Com certeza, ele citaria uma de nossas estrelas dos gramados. Mas não. Woody Allen me surpreendeu: o brasileiro que ele mais admira é…..Machado de Assis!
Uma nota pós-entrevista: encerrada a gravação, faço algo que não costumo fazer. Tiro de dentro de um envelope uma máquina fotográfica. Pergunto a Woody Allen se ele se incomodaria se eu fizesse uma foto. “Não, nenhum problema!”, ele diz. Neste momento, a assessora – que tinha me dito que eu não fizesse fotos - entra na suíte, para avisar que o tempo estava esgotado. Quando vê que empunho uma máquina, a mulher me lança um olhar que faria um guarda de campo de concentração parecer um animador de festa infantil. É óbvio que ela tinha sido mais realista que o rei.
Ao contrário do que ela tinha dito, Woody Allen não se incomodaria em ser fotografado, pelo menos ali. Cometi, então, um sacrilégio. Passei a máquina para as mãos da megera. Pedi a ela que fizesse uma foto: o entrevistador ao lado de Woody Allen. Como não poderia ser indelicada diante da estrela Allen, a megera nos clicou. Woody Allen lança um olhar levemente inquisidor para a lente da câmera. Já o entrevistador-que-vos-fala é o desastre fotográfico habitual, um amontoado desconjuntado de ossos, músculos e espantos. Nada de novo, portanto: o de sempre. A foto passou anos no fundo de uma gaveta, para preservar os olhos de internautas sensíveis. Fiz uma busca. Terminei encontrando a foto que a assessora não queria que fosse tirada. Voilà.
Eis o que interessa - a entrevista:
GMN : Fazer filmes, no fim das contas, é a melhor maneira de superar a morte – ou pelo menos ter a ilusão de que é possível?
Woody Allen: “Não há como superar a morte. O que cada um deve fazer é se esforçar bastante para se encontrar em suas tarefas seja você um diretor de cinema, um motorista de táxi, um dentista ou um professor. Se você se concentra no trabalho, não vai ficar pensando na morte. Se, pelo contrário, você não pode se concentrar, a mente vai começar a se ocupar dessa nuvem escura que nos acompanha o tempo todo. Fica difícil, então. O fato de ser diretor de cinema não nos torna menos vulneráveis…”.
GMN : Mas, nesse sentido, há sim, uma diferença entre o motorista de táxi e o diretor de cinema, porque um ator ou um realizador de certa maneira não morre: daqui a cem anos alguém poderá estar vendo Woody Allen numa tela…
Woody Allen: “Mas não me preocupo em atingir a imortalidade através do meu trabalho! Quero a imortalidade é no meu apartamento! Isso é que conta! Imortalidade artística é catolicismo de intelectual. Os católicos pensam que existe vida depois da morte. Intelectuais que eventualmente podem nem ter relação alguma com o catolicismo pensam que existe vida depois da morte através da arte. Mas os dois estão errados”.
GMN : Se um crítico disser que você é um gênio e outro disser que você é um idiota, em qual dos dois você teria a tentação de acreditar?
Woody Allen: “Não leio nada que sai sobre mim nas resenhas. Porque tenho uma tendência de acreditar na última coisa que eu li. Se o crítico de um jornal escrever ‘esta pessoa é um gênio’, vou pensar aqui comigo: ‘Ah é? Sou gênio porque foi o New York Times que disse… ’ Se, por outro lado, alguém escrever ‘ele é um tolo; o filme não presta’, vou pensar: ‘Eu realmente fiz um filme ruim. Sou um bobo`.
A verdade é que coisas assim não são reais, não têm nenhuma relevância para um projeto. O fato de dez milhões de pessoas dizerem algo sobre um filme – ‘é ótimo ou ‘é horrível’ – não significa nada. O filme, por si mesmo, anos depois é que vai ver qual é a verdade. Não há como saber, agora – tanto em relação a filmes como em relação a qualquer obra de arte. Filmes que há anos eram considerados ótimos são esquecidos depois. Transformam-se em nada. Outros filmes – que não eram tão considerados quando do lançamento – permanecem em nossas consciências. Adquirem importância. ‘A Regra do Jogo’, filme de Jean Renoir, não foi bem recebido quando apareceu. Hoje é um clássico”.
“O fato de um diretor dizer que detesta um filme não quer dizer nada”
GMN : Você pediu ao estúdio para jogar fora o filme ‘Manhattan’ quando a versão final ficou pronta, porque não gostou do resultado. Mas ‘Manhattan’ se transformou num dos seus filmes mais elogiados. A má opinião que você tinha sobre o filme é uma prova de que você não é nem um pouco confiável como crítico?
Woody Allen: “Um diretor não é confiável quando fala sobre o próprio trabalho. O fato de um diretor declarar que detesta um filme não quer dizer nada. Igualmente, é estúpido dizer ‘os críticos são uns bobos, não sabem de nada, não entendem nada.’ Porque quem não entende, na verdade, é o diretor. Os críticos entendem, o público entende – o diretor é que não.”
GMN : Você divide os realizadores em duas categorias: os que fazem prosa e os que fazem poesia. Woody Allen faz o quê: poesia ou prosa?
Woody Allen: “Todo diretor tem filmes que adotam uma abordagem poética – e outros que utilizam a prosa. Filmes meus, como ‘Bullets Over Broadway’ e ‘Manhattan Murder Mistery’, são prosa. Já ‘Another Woman’ é poético.”
GMN : Quem é o melhor poeta da história do cinema?
Woody Allen: “Ingmar Bergman. Para mim, é o melhor. Kurosawa, com certeza, é um grande poeta. Bunuel, igualmente. Os três são os maiores poetas.”
GMN : A poesia é superior à prosa?
Woody Allen: “Não necessariamente, porque filmes como ‘Ladrões de Bicicletas’, ‘A Grande Ilusão’ ou ‘A Regra do Jogo’ são prosa: não são poéticos. Isso não quer dizer que não sejam grandes filmes. ‘Oito e Meio’ é um filme poético, assim como ‘Persona’. Não acho, então, que uma seja superior a outra.”
“Sou um não-artista de público pequeno”
GMN : Você lamenta que nem sempre exista uma correlação entre os melhores filmes de um diretor e o sucesso comercial.
Woody Allen ( interrompendo ): “É verdade! Frequentemente, não existe…”
GMN : “A Rosa Púrpura do Cairo”, um dos seus filmes favoritos, atraiu o que você chama de “pequeno público”. Você acredita então que existe uma contradição entre boa qualidade artística e mercado de massa?
Woody Allen: “É interessante o que você me pergunta. Saul Bellow articulou o conceito de artista de público pequeno e artista de grandes públicos. Fiz uma distinção entre um autor como Charles Dickens – um artista de grande público – ou James Joyce, consumido por um público pequeno. Isso é verdade também no cinema. Chaplin e Buster Keaton têm um público grande – e são artistas! Bergman e Bunnuel têm um público pequeno. Fico numa posição desconfortável, no meio do ar…Eu sinto que não sou um artista desse nível. Sou um não–artista de público pequeno…(ri)”
GMN : Mas você é considerado um diretor intelectual que atinge o mercado de massa…
Woody Allen – “Não concordo nem com uma coisa nem com outra. Não sou um intelectual. Não atinjo o mercado de massas. Meus filmes não atingem. Bem que eu gostaria. Também gostaria de ser intelectual. Mas não sou.”
“A realidade da vida é desagradável, difícil e dolorosa. Mas você pode criar uma realidade própria”
GMN : Você gostaria que seus filmes tivessem a popularidade de um filme de aventuras de Indiana Jones?
Woody Allen – “Não me incomodaria. Quando lanço um filme, gosto que o público goste. Prefiro ver o público satisfeito. Mas jamais faria algo para atrair o público- como, por exemplo, mudar o filme. Quando o público gosta, fico feliz.”
GMN : Você diz que tem problemas para delimitar o terreno entre a realidade e a fantasia. É esta a razão que o levou a se tornar um realizador: tentar resolver, através do cinema, a confusão entre fantasia e realidade?
Woody Allen : “Que bom que você tocou neste assunto. O que acontece é que a realidade da vida é desagradável, difícil, dolorosa. Quando você trabalha com pintura, com poesia, com literatura, com cinema, com teatro, você pode criar uma realidade própria, sobre a qual você exerce controle: você usa os personagens de que gosta, no cenário que prefere, para fazer com que o destino de cada um se realize da maneira que você quer. É ótimo.”
GMN : Você já sentia a confusão entre realidade e fantasia antes de se tornar cineasta?
Woody Allen- “Não é bem uma confusão. A verdade é que eu sentia que a fantasia é boa. A realidade é ruim. Muitos dirão: a verdade é bela, a realidade é bonita. Fantasia, não. Mas não sinto as coisas dessa maneira. Para mim, a fantasia é que é boa. A realidade não é nem um pouco atraente.”
GMN : Uma pergunta direta e boba: por que você faz filmes?
Woody Allen – “Faço porque cresci gostando de filmes. Quando entrei no show business me pareceu que todo mundo queria fazer cinema. Parecia ser a mais expressiva forma de arte, a de maior comunicação com o público. Além de tudo, você poderia exercer um controle sobre o produto- o filme. Depois, vi que havia gente disposta a me dar dinheiro. Em filmes- como na arquitetura- você precisa de um bocado de dinheiro para realizar um projeto. As empresas, então, começaram a me dizer: ‘Você terá cinco milhões de dólares para ou dez milhões de dólares para fazer um filme.’ Nem discuti.”
“Não me incomodo de ter encontros assim, com jornalistas – uma vez por ano”
GMN : Você não reconhece a ‘integridade’ ou a ‘credibilidade’ dessas escolhas do “melhor filme do ano.” Você quer ser visto sempre como um outsider?
Woody Allen – “Não comecei com essa história de outsider, mas ela terminou acontecendo. Vivo em Nova Iorque, Faço meus filmes. Acontece que, devido à minha personalidade e à maneira como vivo, me transformei num outsider, sem necessariamente querer ser. Eu teria disposição, se houvesse uma comunidade cinematográfica em Nova Iorque, para sair com outros diretores e amigos, almoçar com eles. Mas não tenho amigos nem diretores.”
GMN : Quando um filme como Manhattan estreou, nem em Nova Iorque você quis ficar. Igualmente, você não compareceu à cerimônia do Oscar. Agora, para divulgar o filme “Mighty Aphrodite” (“Poderosa Afrodite”), você aceita falar sobre cinema diante de um jornalista de um país distante- o Brasil. O que foi que mudou?
Woody Allen- “Geralmente não vou a cerimônias de premiação. Mas ficou caro promover e anunciar filmes. Quero, então, cooperar. Se dependesse de mim, eu faria o filme e diria: ‘Fiz; vocês que vendam.’ Mas os produtores dizem: ‘Por favor, ajude. Não podemos comprar espaço em jornais e na TV’. Eu prefiro, então, ser amigável…
Quanto aos encontros com jornalistas, não me incomodo de ter encontros assim. Eu não faria o ano todo, mas uma vez por ano, ou uma vez cada dois anos, não me incomodo de ter esses contatos, porque quero ouvir o que é que os jornalistas dizem ou que tipo de pergunta fazem.
GMN : Se você fosse convidado a escrever o verbete “Allen, Woody” numa enciclopédia, quais as primeiras palavras que você usaria para se definir?
Woody Allen- “Eu diria que Woody foi um realizador que fez filmes – alguns bons; outros não. Creio que seria um retrato exato.
Eu ficaria feliz se um dia, quando eu deixar de fazer filmes, pudesse ter feito um ou dois que fossem tão bons quanto os melhores que vi. Eu me sentiria realizado se fizesse um filme tão bom quanto ‘A Regra do Jogo’ ou ‘O Sétimo Selo’. Para mim, seria o suficiente.
Ah, eu ficaria muito feliz, sim.”.
“Sempre que faço um aniversário significativo, tenho um sentimento desagradável. Datas assim dão um tom dramático ao fato de que estou envelhecendo”
GMN : Você já confessou que prefere os romancistas russos, como Dostoievski, porque eles se ocupam de “temas espirituais”, ainda que outros romancistas, como Flaubert, sejam ‘tecnicamente superiores’. Você- que também se ocupa de temas espirituais no cinema- gostaria de ser visto como o Dostoievski das telas?
Woody Allen- “Não necessariamente. Sou muito mais engraçado do que Dostoievski”.
GMN : Todo mundo fala da “crise dos quarenta.” Agora, depois de completar sessenta anos de idade, você já entrou em crise? ( a entrevista foi feita duas semanas depois do aniversário de sessenta anos de Woody Allen, em dezembro de 1995)
Woody Allen: “Eu me senti mal quando fiz cinqüenta anos, um tempo pouco prazeroso para mim. Fazer sessenta também não é agradável. Sempre que faço um aniversário significativo, tenho um sentimento desagradável. Porque datas assim dão um tom dramático ao fato de que estou envelhecendo”.
“Quando vou a um país, passo a acompanhar os esportes locais”
GMN : Você – que é um grande fã de esporte – também gosta de futebol? ( faço a pergunta certo de que ele vai cobrir de glórias o futebol brasileiro. Quebro a cara pela primeira vez).
Woody Allen- “Conheço melhor o futebol americano. Gosto de todos os esportes, na verdade. Quando vou a um país, passo a acompanhar os esportes locais. Posso ver uma partida de críquete. Já fui a jogos de futebol.”
GMN : Já teve algum ídolo brasileiro, na área do futebol? ( aqui, tenho certeza de que ele citará nossos craques. Quebro a cara pela segunda vez).
Woody Allen- (depois de uma pausa para pensar) “Ídolo brasileiro? Há pouco tempo, li Machado de Assis. Achei que é um escritor excepcional. Uma amiga me deu um livro de Machado de Assis- ‘Epitaph for a Small Winner’ (título da tradução para o inglês de ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’). Fiquei muito, muito impressionado. Dei o livro a meus amigos. Porque Machado de Assis não é bem conhecido.”
GMN : O que é impressionou tanto você no livro?
Woody Allen – “Machado de Assis é excepcionalmente espirituoso, dono de uma perspectiva sofisticada e contemporânea, o que é incomum, já que o livro foi escrito há tantos anos. Fiquei muito surpreso. É muito sofisticado, divertido, irônico. Alguns dirão: ele é cínico. Eu diria que Machado de Assis é realista.”
GMN : Quem lhe passou o livro?
Woody Allen- “Nem me lembro agora do nome da pessoa que me passou o livro. Apenas ela disse: ‘Você deve gostar…’ Respondi: ‘Nunca ouvi falar de Machado de Assis.’ Mas li- e gostei muito.”
GMN : Você consideraria a possibilidade de filmar ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’? ( Jogo a cartada final, na esperança de que ele vá me revelar em primeiríssima mão que planeja levar às telas um autor brasileiro.Quebro a cara pela terceira vez).
Woody Allen- “Gosto de escrever meus próprios filmes. Mas Machado de Assis é um maravilhoso momento na literatura. Dei cópias do livro para minha filha e para os meus amigos.”
GMN : Você é um símbolo de Nova Iorque. Teria coragem de viver um dia numa cidade pequena e calma, longe de tudo?
Woody Allen- “Eu ficaria louco. Não poderia viver num lugar assim nem por dois dias- nem por um fim-de-semana. Preciso de cidades- seja Londres, Paris, Nova Iorque…Preciso de atividade, barulho, carros, restaurantes, livrarias, filmes. Sou viciado em civilização.”
GMN : Além de só gostar de cidade grande, é verdade que você detesta sol?
Woody Allen- “Adoro este tempo (olha para a janela do hotel; lá fora tudo cinzento: a chuva fina cai há umas doze horas).Gosto de Londres e Paris no inverno. Todo dia é bonito. É como um fotógrafo que gostasse de tons suaves.”
GMN : Você jamais viveria num país tropical?
Woody Allen : “Não! Não gosto de calor.”
GMN: Você prefere planos longos. É este o segredo que o leva a conseguir realizar um filme por ano?
Woody Allen: "Usar planos longos é mais fácil, mais rápido e mais barato. Além de tudo, os atores preferem. Quando a gente usa planos longos, os atores fazem tudo de uma vez só. Não precisam se preocupar em se ajustar a nada que tenha sido filmado anteriormente. Para mim, o que conta é a rapidez. Se tenho uma cena que ocupa cinco páginas de script, faço tudo num plano só. Outros diretores passariam o dia inteiro filmando. Para dizer a verdade, a razão principal por que filmo planos longos é que não tenho paciência".

Posted by geneton at 01:15 PM

"A ARTE É JOGAR BOLA" - DISSE O SAMBISTA. ENTÃO, "TUDO EM CIMA NOVAMENTE" COM A "TORCIDA CAMPEÃ"

Fui uma vez na vida ao Sambódromo do Rio de Janeiro para ver o desfile das escolas de samba. Ano: 1986. Recém-chegado ao Rio, fui matar a curiosidade de ver o espetáculo "ao vivo e a cores". Valeu o ingresso. Vi um show de bola.
Desde então, em toda Copa do Mundo eu me lembro da cena bonita: a Beija-Flor fazia um desfile em homenagem à paixão brasileira pelo futebol. Desabou um temporal daqueles logo antes do desfile. Ensopado, todo de branco, Joãozinho Trinta - o que apostava na alegria - comandava a festa.

Era ano de Copa. Os versos cantados por Neguinho da Beija Flor falavam em "sonho triunfal", saudavam a "torcida campeã", celebravam "os heróis da nossa Seleção", diziam "tudo em cima novamente" e terminavam com uma conclamação: "Vai na Copa e faz um carnaval".
Debaixo da chuva, ex-craques da Seleção acenavam para a torcida - que delirava, num Sambódromo temporariamente transformado num Maracanã para celebrar a alegria do futebol. Bonito, bonito, bonito.
Eu me lembro de ter visto Carlos Alberto - o capitão da seleção campeã de 70 - e Jairzinho desfilando em cima de carros alegóricos sob aplausos gerais. Era um pequeno momento de glória e congraçamento entre craques e a torcida - exatamente o que acontece, numa escala maior, é claro, em cada jogo de Copa do Mundo.
Confesso: eu - que sempre acompanhei à distância o espetáculo do samba - tive, ali, uma recaída braba de "brasilidade". Ali estavam, irresistíveis, duas belíssimas manifestações populares brasileiras: o samba e o futebol. Devo ter pensado, numa crise de patriotada: em que outro lugar se vê algo assim? Logo eu - tão íntimo de samba quanto um marciano recém-desembarcado no planeta.
Ficaram na memória: a chuva desabando sobre o Sambódromo; a arquibancada cantando em peso "Brasil, Brasil, Brasil canta forte e explode de alegria/ o mundo é uma bola/ girando/ girando / em plena euforia / (...) com os heróis da nossa seleção vibrantes com o grito popular"; craques que pareciam saídos de álbuns de figurinhas acenando para a torcida; o som da bateria explodindo no ar; Joãozinho Trinta erguendo os braços para levantar a torcida.
Um verso do samba-enredo resumia tudo, valia por dez teses sobre o caráter nacional: "A arte é jogar bola". Não por acaso, em tempos de Copa do Mundo sempre me lembro do que vi ali, naquela noite.
A "arte" de "jogar bola" é uma contribuição brasileira à alegria.
A Seleção vai bem na Copa de 2014? É claro que não.
Se ficar de fora, aliás, não será o fim do mundo.
Mas não sou "espírito de porco". Quando o Brasil entra em campo, como daqui a pouco, é hora de lembrar o coro da arquibancada do Sambódromo:
"Tudo em cima novamente / oh, torcida campeã".
Aqui, o samba enredo que celebra o futebol:

Posted by geneton at 01:09 PM

novembro 29, 2015

SOMOS TODOS VÍTIMAS DA SÍNDROME DE WOODY ALLEN

O exercício do jornalismo uma vez me deu a chance de gravar uma longa entrevista exclusiva com Woody Allen, na suíte de um hotel de frente para o Hyde Park, em Londres ( nestes próximos dias, voltarei ao assunto ). A entrevista foi feita para jornal.
Eu me lembro especialmente de uma declaração. Lá pelas tantas, ele disse que, assim que terminava um filme, começava imediatamente a fazer outro, porque, se não fosse assim, passaria a olhar obsessivamente para uma nuvem escura que flutua à altura de nossos ombros e nos acompanha por toda parte: a morte. Em outras palavras, ele dizia que os filmes podem até ser dispensáveis, mas precisam ser feitos, porque impedem que os olhos passem o tempo todo fixados na tal nuvem escura.
Tenho esta sensação quando entro numa livraria. Noventa e sete por cento dos livros são dispensáveis. O mundo existiria sem eles. Mas os autores precisam escrevê-los. Noventa e oito por cento dos filmes são dispensáveis.O mundo existiria sem eles. Mas os diretores precisam fazê-los. Noventa e nove por cento das coisas que se vêem em tevê são dispensáveis. O mundo existiria sem elas. Mas alguém precisa faze-las.
Em resumo: somos todos vítimas da Síndrome de Woody Allen.
Ainda bem.

Posted by geneton at 01:07 PM

novembro 28, 2015

DOSSIÊ GLOBONEWS: A PALAVRA DO PERSONAGEM DE UM DRAMA QUE CHOCOU O MUNDO: O ATAQUE AO ALOJAMENTO DOS ATLETAS ISRAELENSES NAS OLIMPÍADAS DE MUNIQUE

O DOSSIÊ GLOBONEWS traz, neste domingo, às 15:30,
o depoimento do personagem de um drama que chocou o mundo: o ataque de um comando terrorista palestino contra o alojamento dos atletas israelenses, nas Olimpíadas de Munique, em 1972 - uma cartada ousadíssima, surpreendente e, no fim, trágica.
A Alemanha queria transformar aquelas Olimpíadas nos "jogos da paz". A segurança na Vila Olímpica foi relaxada: os policiais alemães não portavam armas, por exemplo.
Uma cena marcante aconteceu na abertura dos jogos: o estádio aplaudiu os atletas israelenses - que participavam de um evento mundial justamente no país que, apenas três décadas antes, tinha sido cenário do horror nazista.

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Ninguém imaginava, mas o cenário estava aberto para uma tragédia.
Ao tentar libertar os atletas israelenses tomados como reféns, a polícia alemã cometeu uma série incrível de erros.
Um é inacreditável: as tevês estavam transmitindo, ao vivo, o desenrolar do sequestro. Dentro do alojamento dos atletas israelenses, os terroristas palestinos puderam ver, pela tevê, a movimentação dos agentes alemães que, no teto do prédio, preparavam a invasão. Deram o ultimato. A invasão foi abortada.
( se tal trapalhada tivesse sido cometida aqui no Brasil, certamente viraria piada mundial ).
Depois, numa série de trapalhadas no aeroporto, a operação para libertar os reféns israelenses terminou em carnificina: todos foram mortos.
A tragédia de Munique não terminou aí. O governo israelense autorizou uma operação secretíssima: os terroristas palestinos responsáveis pelo massacre seriam caçados onde estivessem. A maioria foi eliminada, em operações cinematográficas. A operação vingança foi batizada de "Ira de Deus". Não por acaso, terminou virando filme: o excelente "Munique", dirigido por Steven Spielberg.
Tive a chance de entrevistar, em 2007, em Munique, um dos agentes alemães diretamente envolvidos na tentativa de salvar os atletas israelenses tomados como reféns nas olimpíadas. Chama-se Heinz Hohensinn. A entrevista vai ao ar agora, em reapresentação, no Dossiê Globonews.
Num momento da entrevista, o agente alemão comete um gesto surpreendente: ficou ajoelhado - com as mãos em gesto de oração - diante repórter. Disse que estava repetindo, exatamente, o gesto de um dos terroristas palestinos: capturado em meio à carnificina no aeroporto, o terrorista implorou ao agente alemão para não ser morto. Não foi.
( o cenário era de horror puro: quando viram que tinham caído numa emboscada armada pela polícia alemã, os terroristas palestinos metralharam os atletas israelenses - que estavam algemados uns ao outros, dentro de um helicóptero. Depois, jogaram uma bomba. Os atletas morreram queimados e metralhados ).
Os "jogos da paz" foram marcados pelo derramamento de sangue.
Jim McKay, apresentador de um programa esportivo na rede americana ABC, disse uma frase marcante ao anunciar a tragédia de Munique:
"Quando eu era criança, meu pai me dizia que nossos melhores sonhos e nossos piores pesadelos raramente se realizam. Nossos piores pesadelos se realizaram esta noite. Todos os reféns foram mortos".
O agente alemão, na entrevista:

Posted by geneton at 01:20 PM

DOSSIÊ GLOBONEWS: A PALAVRA DO PERSONAGEM DE UM DRAMA QUE CHOCOU O MUNDO: O ATAQUE AO ALOJAMENTO DOS ATLETAS ISRAELENSES NAS OLIMPÍADAS DE MUNIQUE

O DOSSIÊ GLOBONEWS traz, neste domingo, às 15:30,
o depoimento do personagem de um drama que chocou o mundo: o ataque de um comando terrorista palestino contra o alojamento dos atletas israelenses, nas Olimpíadas de Munique, em 1972 - uma cartada ousadíssima, surpreendente e, no fim, trágica.
A Alemanha queria transformar aquelas Olimpíadas nos "jogos da paz". A segurança na Vila Olímpica foi relaxada: os policiais alemães não portavam armas, por exemplo.
Uma cena marcante aconteceu na abertura dos jogos: o estádio aplaudiu os atletas israelenses - que participavam de um evento mundial justamente no país que, apenas três décadas antes, tinha sido cenário do horror nazista.

Ninguém imaginava, mas o cenário estava aberto para uma tragédia.
Ao tentar libertar os atletas israelenses tomados como reféns, a polícia alemã cometeu uma série incrível de erros.
Um é inacreditável: as tevês estavam transmitindo, ao vivo, o desenrolar do sequestro. Dentro do alojamento dos atletas israelenses, os terroristas palestinos puderam ver, pela tevê, a movimentação dos agentes alemães que, no teto do prédio, preparavam a invasão. Deram o ultimato. A invasão foi abortada.
( se tal trapalhada tivesse sido cometida aqui no Brasil, certamente viraria piada mundial ).
Depois, numa série de trapalhadas no aeroporto, a operação para libertar os reféns israelenses terminou em carnificina: todos foram mortos.
A tragédia de Munique não terminou aí. O governo israelense autorizou uma operação secretíssima: os terroristas palestinos responsáveis pelo massacre seriam caçados onde estivessem. A maioria foi eliminada, em operações cinematográficas. A operação vingança foi batizada de "Ira de Deus". Não por acaso, terminou virando filme: o excelente "Munique", dirigido por Steven Spielberg.
Tive a chance de entrevistar, em 2007, em Munique, um dos agentes alemães diretamente envolvidos na tentativa de salvar os atletas israelenses tomados como reféns nas olimpíadas. Chama-se Heinz Hohensinn. A entrevista vai ao ar agora, em reapresentação, no Dossiê Globonews.
Num momento da entrevista, o agente alemão comete um gesto surpreendente: ficou ajoelhado - com as mãos em gesto de oração - diante repórter. Disse que estava repetindo, exatamente, o gesto de um dos terroristas palestinos: capturado em meio à carnificina no aeroporto, o terrorista implorou ao agente alemão para não ser morto. Não foi.
( o cenário era de horror puro: quando viram que tinham caído numa emboscada armada pela polícia alemã, os terroristas palestinos metralharam os atletas israelenses - que estavam algemados uns ao outros, dentro de um helicóptero. Depois, jogaram uma bomba. Os atletas morreram queimados e metralhados ).
Os "jogos da paz" foram marcados pelo derramamento de sangue.
Jim McKay, apresentador de um programa esportivo na rede americana ABC, disse uma frase marcante ao anunciar a tragédia de Munique:
"Quando eu era criança, meu pai me dizia que nossos melhores sonhos e nossos piores pesadelos raramente se realizam. Nossos piores pesadelos se realizaram esta noite. Todos os reféns foram mortos".
O agente alemão, na entrevista:

Posted by geneton at 01:20 PM

novembro 27, 2015

LEMBRANÇAS SOLTAS DO VERÃO DA ANISTIA EM PERNAMBUCO. UM MENINO DE QUATORZE ANOS ESPERAVA PELA VOLTA DO AVÔ - MIGUEL ARRAES

Julho de 1979. Repórter da sucursal do Recife do jornal o Estado de S.Paulo, o locutor-que-vos-fala faz, para a revista Istoé, uma reportagem especial sobre os preparativos para o retorno do mais célebre dos exilados pernambucanos: o ex-governador Miguel Arraes de Alencar. Fui à casa do escritor Maximiano Campos, na rua Conde de Irajá, no bairro da Torre, para ouvi-lo sobre o grande dia - que se aproximava. Maximiano era genro de Arraes.
Ficara decidido que, assim que desembarcasse no Recife, o ex-governador iria para a casa de Maximiano - escolhida como cenário da primeira e concorridíssima entrevista coletiva que Arraes daria em solo pernambucano.

Já conhecia Maximiano - romancista, poeta, contista, irmão de um cronista brilhante chamado Renato Carneiro Campos. Escaldado com a hostilidade da imprensa, Maximiano me sussurrou, com aquele ar meio desconfiado: "Tomara que a matéria não seja contra o Velho....". Não era. A reportagem pretendia retratar a enorme expectativa gerada - com razão - pela volta de Arraes a Pernambuco, nas asas da anistia.
Uma foto da família foi tirada para ilustrar a reportagem. Um filho de Maximiano e Ana Arraes assistia à movimentação com olhos claros e atentos. A legenda da foto, publicada na edição de primeiro de agosto de 79 na ISTOÉ, identifica o menino de quatorze anos - neto de Arraes. Chamava-se Eduardo Campos. Deve ter sido a primeira "notícia" sobre ele. Quem sonharia que um dia ele se candidataria a presidente da República?
O próprio Arraes chegaria a ser citado como possível candidato a presidente. Terminaria reconduzido, por duas vezes, pelo voto direto, em 1986 e em 1994, para a mesmíssima cadeira de onde tinha sido retirado pelo golpe militar.
Eduardo Campos viraria herdeiro político do ex-governador. Fez o que se chama de "carreira meteórica". Estava na pista apostando em voos altíssimos - que poderiam levá-lo, provavelmente em 2018, ao Palácio do Planalto - até que embarcou naquele Cessna Citation, prefixo PR AFA, às 9:20 do dia treze de agosto de 2014 no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.

PS: Miguel Arraes voltaria ao Recife no dia dezesseis de setembro de 1979. O pequeno avião que o trouxe do Crato pousou na pista do aeroclube, na zona sul do Recife, às 10:55 da manhã. Era um domingo. Os que o esperavam invadiram a pista - temerariamente. Poderia ter ocorrido um acidente - mas o entusiasmo era maior.
A cena foi emocionante: quando saiu do avião, Arraes ergueu o braço direito num primeiro aceno para aquela aglomeração de parentes, amigos, ex-auxiliares, gente que ele não via desde que fora obrigado a deixar o país, enxotado pelos militares que o derrubaram. Logo depois, começou a chuviscar naquele domingo pernambucano..
Ouvi claramente quando - com lágrimas nos olhos - Arraes repetia aos amigos que o abraçavam depois de quinze anos, ao pé da escada do avião: "Não chore! Não chore! Isso não é hora". A frase abria a reportagem que fiz para o jornal do dia seguinte. "Não chore. Isso não é hora".

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Posted by geneton at 01:38 PM

LEMBRANÇAS SOLTAS DO VERÃO DA ANISTIA EM PERNAMBUCO. UM MENINO DE QUATORZE ANOS ESPERAVA PELA VOLTA DO AVÔ - MIGUEL ARRAES

Julho de 1979. Repórter da sucursal do Recife do jornal o Estado de S.Paulo, o locutor-que-vos-fala faz, para a revista Istoé, uma reportagem especial sobre os preparativos para o retorno do mais célebre dos exilados pernambucanos: o ex-governador Miguel Arraes de Alencar. Fui à casa do escritor Maximiano Campos, na rua Conde de Irajá, no bairro da Torre, para ouvi-lo sobre o grande dia - que se aproximava. Maximiano era genro de Arraes.
Ficara decidido que, assim que desembarcasse no Recife, o ex-governador iria para a casa de Maximiano - escolhida como cenário da primeira e concorridíssima entrevista coletiva que Arraes daria em solo pernambucano.

Já conhecia Maximiano - romancista, poeta, contista, irmão de um cronista brilhante chamado Renato Carneiro Campos. Escaldado com a hostilidade da imprensa, Maximiano me sussurrou, com aquele ar meio desconfiado: "Tomara que a matéria não seja contra o Velho....". Não era. A reportagem pretendia retratar a enorme expectativa gerada - com razão - pela volta de Arraes a Pernambuco, nas asas da anistia.
Uma foto da família foi tirada para ilustrar a reportagem. Um filho de Maximiano e Ana Arraes assistia à movimentação com olhos claros e atentos. A legenda da foto, publicada na edição de primeiro de agosto de 79 na ISTOÉ, identifica o menino de quatorze anos - neto de Arraes. Chamava-se Eduardo Campos. Deve ter sido a primeira "notícia" sobre ele. Quem sonharia que um dia ele se candidataria a presidente da República?
O próprio Arraes chegaria a ser citado como possível candidato a presidente. Terminaria reconduzido, por duas vezes, pelo voto direto, em 1986 e em 1994, para a mesmíssima cadeira de onde tinha sido retirado pelo golpe militar.
Eduardo Campos viraria herdeiro político do ex-governador. Fez o que se chama de "carreira meteórica". Estava na pista apostando em voos altíssimos - que poderiam levá-lo, provavelmente em 2018, ao Palácio do Planalto - até que embarcou naquele Cessna Citation, prefixo PR AFA, às 9:20 do dia treze de agosto de 2014 no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.

PS: Miguel Arraes voltaria ao Recife no dia dezesseis de setembro de 1979. O pequeno avião que o trouxe do Crato pousou na pista do aeroclube, na zona sul do Recife, às 10:55 da manhã. Era um domingo. Os que o esperavam invadiram a pista - temerariamente. Poderia ter ocorrido um acidente - mas o entusiasmo era maior.
A cena foi emocionante: quando saiu do avião, Arraes ergueu o braço direito num primeiro aceno para aquela aglomeração de parentes, amigos, ex-auxiliares, gente que ele não via desde que fora obrigado a deixar o país, enxotado pelos militares que o derrubaram. Logo depois, começou a chuviscar naquele domingo pernambucano..
Ouvi claramente quando - com lágrimas nos olhos - Arraes repetia aos amigos que o abraçavam depois de quinze anos, ao pé da escada do avião: "Não chore! Não chore! Isso não é hora". A frase abria a reportagem que fiz para o jornal do dia seguinte. "Não chore. Isso não é hora".

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Posted by geneton at 01:38 PM

novembro 26, 2015

INTERVALO MUSICAL: JOHN LENNON POR LOU REED

Pérola rara: o grande Lou Reed cantando "Mother", uma das mais belas canções de John Lennon, durante um concerto em homenagem ao ex-beatle, em Liverpool.
Lennon canta a versão original de "Mother" com voz rascante, dilacerada, sofrida. A versão de Reed é o extremo posto: transforma "Mother" numa espécie de balada tristonha. As duas versões - a de Lennon e a Reed - batem forte.
Em um post antigo, arrisquei uma tese: Lennon conseguiu resumir, em apenas um verso de "Mother", tomos e tomos das obras completas de Freud: "Mãe, não vá embora / Pai, volte para casa":

( aqui, o original - de Lennon: https://goo.gl/IZw21d )

Posted by geneton at 01:20 PM

novembro 24, 2015

E ANASTÁSIA GRITOU EM VÃO

Numa navegação pela internet, tropeço numa das melhores canções da música pop: "Sympathy For The Devil", clássico dos Rolling Stones.
A letra, fantástica, fala de situações em que o "demônio" estava rondando:
"Eu estava por perto quando Jesus Cristo teve seus momentos de dúvida e de dor ( ...) / Eu apareci em São Petersburgo quando vi que era hora de mudança / matei o czar e seus ministros / Anastásia gritou em vão / Eu gritei: quem matou os Kennedys? - quando, no fim das contas, fui eu e você / (...) Prazer em conhecer você / Espero que você tenha adivinhado meu nome...".
Bateu de repente uma lembrança de quando eu tinha meus dezesseis, dezessete anos, na cidade do Recife. Ouvia os Rolling Stones & Beatles & Jimmy Hendrix & Janis Joplin & Joe Cocker & Eric Clapton no meu velho toca-discos Philips.
Tentava entender as referências da letra de "Sympathy for the Devil".
Anastásia, como se sabe, era uma das filhas do último czar russo. Toda a família foi executada, a tiros e facadas, de madrugada, no porão de um casarão, por uma "patrulha" bolchevique. Quando morreu, Anastásia tinha dezesseis anos.
A família real russa achou que iria partir para o exílio, mas o comando da revolução, por temer, num primeiro momento, que a monarquia fosse restaurada, decidiu pela execução. E as ordens - secretíssimas - foram cumpridas.

A tragédia da família Romanov é descrita com detalhes num bom livro lançado no Brasil há pouco tempo: "Os Últimos Dias dos Romanov", reportagem histórica de Helen Rapapport.
O czar Nicolau II, a czarina Alexandra e os cinco filhos do casal – Anastasia, Olga, Maria, Tatiana e Alexander - foram trucidados.
Décadas depois, quem diria, Anastásia seria lembrada numa letra dos Rolling Stones.
Anastásia Nikolaevna Romanova gritou em vão:

https://goo.gl/S3QhU

A letra completa:
Please allow me to introduce myself
I'm a man of wealth and taste
I've been around for a long, long years
Stole many a man's soul and faith
And I was 'round when Jesus Christ
Had his moment of doubt and pain
Made damn sure that Pilate
Washed his hands and sealed his fate
Pleased to meet you
Hope you guess my name
But what's puzzling you
Is the nature of my game
I stuck around St. Petersburg
When I saw it was a time for a change
Killed the czar and his ministers
Anastasia screamed in vain
I rode a tank
Held a general's rank
When the blitzkrieg raged
And the bodies stank
Pleased to meet you
Hope you guess my name, oh yeah
Ah, what's puzzling you
Is the nature of my game, oh yeah
(woo woo, woo woo)
I watched with glee
While your kings and queens
Fought for ten decades
For the gods they made
(woo woo, woo woo)
I shouted out,
"Who killed the Kennedys?"
When after all
It was you and me
(who who, who who)
Let me please introduce myself
I'm a man of wealth and taste
And I laid traps for troubadours
Who get killed before they reached Bombay
(woo woo, who who)
Pleased to meet you
Hope you guessed my name, oh yeah
(who who)
But what's puzzling you
Is the nature of my game, oh yeah, get down, baby
(who who, who who)
Pleased to meet you
Hope you guessed my name, oh yeah
But what's confusing you
Is just the nature of my game
(woo woo, who who)
Just as every cop is a criminal
And all the sinners saints
As heads is tails
Just call me Lucifer
'Cause I'm in need of some restraint
(who who, who who)
So if you meet me
Have some courtesy
Have some sympathy, and some taste
(woo woo)
Use all your well-learned politesse
Or I'll lay your soul to waste, um yeah
(woo woo, woo woo)
Pleased to meet you
Hope you guessed my name, um yeah
(who who)
But what's puzzling you
Is the nature of my game, um mean it, get down
Woo, who
Oh yeah, get on down
Oh yeah
Oh yeah!
(woo woo)
Tell me baby, what's my name
Tell me honey, can ya guess my name
Tell me baby, what's my name
I tell you one time, you're to blame

What's my name
Tell me, baby, what's my name
Tell me, sweetie, what's my name

Posted by geneton at 01:20 PM

novembro 23, 2015

DIZEM QUE O CD VAI ACABAR

Dizem que o CD vai acabar. Pode ser. Passo numa loja. Compro o CD "Alma Lírica Brasileira" - de Mônica Salmaso. Que voz. Que beleza. Que repertório. "Melodia Sentimental", "Cuitelinho", "Promessa de Violeiro" ,"Mortal Loucura" e "Valsinha" são pérolas raras. Que outra coisa uma artista pode querer, além de produzir beleza?
Vai aqui "Valsinha" , antídoto certeiro contra os horrores da vida real:

Posted by geneton at 01:25 PM

novembro 20, 2015

"FOSTE HERÓI EM CADA JOGO"

É bonito ver o Botafogo levantar o título de campeão da Série B num estádio chamado Mané Garrincha. A estrela solitária brilha de novo. Que hino bonito!
E o Sport Clube do Recife só não foi campeão da série A porque houve, claro, uma conspiração da CBF, CIA, KGB, Antônio Carlos Magalhães, George Bush, Roberto Marinho, Ernesto Geisel e Leonid Brejnev para impedir. Assim fica difícil. Mas 2016 vem aí!

Posted by geneton at 01:28 PM

novembro 19, 2015

VERÃO

Tevê ligada. Aparece um anúncio infame de cerveja com um personagem chamado "Verão" - uma perua siliconada. Imagino que "Verão" seja um aumentativo de Vera ou algo assim. Que espirituoso! Um bando lamentável de marmanjos faz trocadilhos com a perua. Os publicitários que criaram tal anúncio imaginam, com toda certeza, que a idade mental do consumidor é de menos um. Ou seja: abaixo da linha da idiotice completa. Tecnicamente abstêmio, tomo a decisão de jamais, sob hipótese alguma, consumir a tal marca de cerveja ( a bem da verdade, outros anúncios de cerveja não ficam atrás em matéria de estupidez). Por via das dúvidas: tevê desligada. Pego um livro. Carlos Drummond, aqui me tens de regresso.

Posted by geneton at 01:28 PM

novembro 16, 2015

A PRAGA RELATIVISTA É O GRANDE MAL DESTE POBRE COMEÇO DE SÉCULO

Conclusão óbvia: instalou-se neste começo de século um inacreditável, um onipresente, um indefensável, um tristíssimo relativismo político e cultural.
O Mal do Relativismo se manifesta assim: alguém fala da estupenda roubalheira na Petrobrás. Logo aparece uma voz para relativizar: "E o PSDB?". Se alguém fala de algum malfeito do PSDB, imediatamente aparece um relativista para perguntar: "E o PT?". Se alguém lamenta o massacre em Paris, um relativista trata de levantar a voz: "E não vão falar do desastre ambiental em Minas?". E vice-versa. Deus do céu....
Em suma: jamais o debate político esteve tão miseravelmente depauperado. É "o horror, o horror, o horror".
Diante do festival de argumentos relativistas, só há uma saída:
o estridente silêncio do cansaço.
Um dia, quem sabe, a Praga Relativista dará lugar a um "sistema de pensamento" menos primário.
O pior é que os praticantes do relativismo nem sabem, mas, na prática, terminam providenciando uma "justificativa" para todo mal.
Ah, tempos medíocres....

Posted by geneton at 01:28 PM

novembro 09, 2015

PERGUNTA DE UTILIDADE PÚBLICA: QUANDO É QUE SAI A PRÓXIMA NAVE PARA MARTE?

....E ele, o inefável, o terrível, começa a dar seus primeiros sinais. Não há como fugir de suas garras: dezembro vem aí!
Já há sinais inequívocos no ar. Uma das cenas típicas do Inferno Dezembrino já se insinua no horizonte. O grande cantor Roberto Carlos aparecerá no vídeo cantando pela trilionésima vez os primeiros e paupérrimos versos da insuportável "Emoções". Uma plateia de "estrelados" fará "êêêêêêêê!".
Os corredores de shoppings começarão a ficar superlotados de sujeitos de bermudas e mulheres afogadas em pacotes, ambos empanturrados de cartões de crédito.
"Festas da firma" se multiplicarão em restaurantes e ambientes assemelhados. Risadas histéricas vibrarão no ar.

Jingles chatíssimos triturarão nossos tímpanos religiosamente por semanas a fio.
Bancos e outras instituições benemerentes inundarão os intervalos comerciais e as páginas de revistas e jornais com anúncios fofos. "Celebridades" risonhas pedirão para você consumir, comprar, comer alguma coisa - seja lá o que for.
Meu demônio-da-guarda começa a me sussurrar ao pé do ouvido, discretamente, com voz baixa mas firme, a pergunta inevitável: "Quando é que sai a próxima nave para Marte? Quando é que sai a próxima nave para Marte? Quando é que sai a próxima nave para Marte?".
Prometo a ele que descobrirei o mais rápido possível dia e horário da próxima partida. Pagarei adiantado por um bom lugar ali, na última fileira. E, assim, minhas retinas fatigadas e meus tímpanos ficarão - quem sabe - livres do tétrico espetáculo dezembrino.
Vai dar certo. Ah, é claro que vai dar. Sempre deu.

Posted by geneton at 11:45 AM

novembro 07, 2015

A ESPERANÇA: AINDA HÁ NEURÔNIOS NO PLANETA. NÃO É POSSÍVEL QUE NÃO HAJA!

Constatação inútil, antiga e verdadeira: os publicitários devem imaginar
( com alguma razão ) que nós, consumidores, formamos um imenso bando de panacas que serão irremediavelmente convencidos a comprar alguma coisa - desde que recomendada por um rostinho conhecido que foi pago a peso de ouro para fazer de conta que o tal produto é a oitava maravilha do mundo...
Sempre foi assim. E será pelos séculos futuros. Mas uma dúvida íntima agita meus mares anteriores tempos da idade da pedra:
Não, não resisto à tentação de imaginar: haverá de fato um ser
bípede, vertebrado e racional capaz de sair correndo para comprar alguma coisa simplesmente porque alguém conhecido - seja lá quem for - recitou duas ou três frases escritas por publicitários ou posou para uma foto?
Meu demônio-da-guarda me sopra: "No way! Não é possível que exista! Eu me recuso a acreditar. Ainda tenho um milímetro de fé na espécie humana!".
Fiz o cálculo: a possibilidade de o locutor-que-vos-fala comprar alguma coisa sugerida por ventríloquos de publicitários é igual a zero vezes zero vezes zero vezes zero.
Registre-se esta curiosidade: quando quer parecer afirmativo, meu demônio-da-guarda recorre, ridiculamente, a expressões em inglês. Fica gritando: "No way! No way! No way!".
O bicho terminou me influenciando. Quando pergunto a mim mesmo se os consumidores seriam tão inocentes, tão influenciáveis e tão estúpidos, saio pela rua repetindo em voz baixa enquanto picho meus muros imaginários: "No way! No way! No way! Não é possível que sejam! Ainda há neurônios no planeta!".

Posted by geneton at 11:45 AM

novembro 05, 2015

EM QUEM VOCÊ VOTARIA NA ELEIÇÃO DO MAIOR IMBECIL DO SÉCULO?

Se houvesse uma eleição direta para eleger o maior imbecil do século, eu votaria de bom grado no gênio que um dia criou "musiquinhas" que servem como toque nos telefones celulares.
Depois que a primeira foi criada, a praga se multiplicou, se disseminou e se instalou no planeta.
Além de votar, eu faria campanha, distribuiria panfletos, mobilizaria eleitores.
Mas não, jamais haverá tal eleição! O imenso exército de gênios imbecis continuará criando impunemente as tais musiquinhas nos laboratórios internéticos da vida. E meu demônio-da-guarda continuará para todo o sempre me soprando, ao pé do ouvido: "Bem que eu disse! Bem que eu sempre digo! Bem que eu sempre vou dizer! A humanidade é inviável!".

Posted by geneton at 11:47 AM