abril 29, 2004

O DIA EM QUE UM ESCRITOR RECEBEU ORDENS PARA BOMBARDEAR O PALÁCIO DO GOVERNO

Posted by geneton2 at 12:21 AM

O DIA EM QUE UM ESCRITOR RECEBEU ORDENS PARA BOMBARDEAR O PALÁCIO DO GOVERNO

Posted by geneton2 at 12:21 AM

OSWALDO FRANÇA JÚNIOR

O ESCRITOR RECEBE UMA MISSÃO :
MATAR LEONEL BRIZOLA

A Historia poderia ter tomado um rumo diferente em 1964 se tivesse havido uma resistencia igual a’ que Leonel Brizola comandou em 1961 para garantir a posse do entao vice-presidente Joao Goulart na presidencia da Republica depois da renuncia de Janio Quadros.

Com um microfone nas maos,Brizola comandara em 1961 uma campanha pela legalidade : se a presidencia estava vaga,o vice Goulart e’ que deveria assumir.Nao era o que os militares queriam.Mas foi o que aconteceu.

A resistencia legalista de Brizola em 1961 por pouco nao acaba em bombas e balas. Piloto da FAB que anos depois ficaria famoso como escritor,o mineiro Oswaldo Franca Junior recebeu,com os colegas,uma missao que,se executada,poderia resultar na eliminacao fisica do ex-governador Brizola sob um monte de escombros,num palacio bombardeado.

Oswaldo Franca Junior tinha um demonio dentro de si.Queria um exorcista.Todas as tentativas de traduzir o demonio em palavras foram frustradas.Bem que tentou,mas nao conseguiu transformar em texto a incrivel experiencia quer viveu nos tempos em que era oficial da Forca Aerea Brasileira,no comeco dos anos sessenta. Extremamente rigoroso com o que escrevia,a ponto de so aproveitar dez de cada cem paginas que produzia,Franca Junior despejou na lata de lixo as tentativas de relato da epoca. Se transformadas em livro,as confissoes do ex-primeiro tenente Franca Junior poderiam ter virado best-seller politico : basta saber que ele participou diretamente de uma operacao secreta para bombardear o Palacio onde estava o entao governador Leonel Brizola,em Porto Alegre.Franca Junior estava pronto para levantar voo num dos avioes que despejariam bombas sobre o Palacio.Nesta entrevista,ele revela com todos os detalhes como a operacao foi preparada.
Diante do gravador,Oswaldo Franca Junior relatou com desembaraco o que jamais conseguiu escrever.Uma coisa e’ certa : Franca Junior e’ seguramente o unico escritor em todo o mundo que recebeu uma ordem expressar para bombardearum palacio e matar um governador.Expulso da Aeronautica pela Ato Institucional Numero 2 como ‘’subversivo’’,Franca Junior virou corretor de imoveis,vendedor de carros usados,dono de carrocinhas de pipoca e ate’ administrador de uma pequena frota de taxi,antes de ficar conhecido nacionalmente com o romance ‘’Jorge,um Brasileiro’’ ,em 1967.
Vai falar o escritor que,como piloto,esteve a um passo de se envolver numa carnificina a mando dos superiores :
GMN : Voce e’ seguramente um caso unico de escritor que recebeu ordens expressas para eliminar um governador de Estado num bombardeio a um palacio.Voce pode revelar em que circunstancia exatamente foi dada a ordem de eliminar o entao governador do Rio Grande do Sul,Leonel Brizola ?
Franca Junior : ‘’Voce quer saber em que cinscunstancias...Eu servia no Esquadrao de Combate,em Porto Alegre.Era a unidade de combate mais forte que existia entre o Rio de Janeiro e o sul.Era o 1@ do 14@ Grupo de Aviacao.A gente usava um aviao ingles que,na FAB,recebeu de F-8.Logo depois da renuncia de Janio Quadros,em 1961,Brizola fez a Cadeia da Legalidade atraves das emissoras de radio e se entrincheirou no Palacio do Governo,em Porto Alegre.O comandante do meu esquadrao nos reuniu e disse : ‘’Nos acabamos de receber uma ordem para silenciar Brizola.Vamos tentar convence-lo a parar com esse movimento de rebeldia.Se ele nao parar com essa campanha,vamos bombardear o Palacio e as torres de transmissao da radio que ele vem usando para fazer a Cadeia da Legalidade.Vamos fazer tudo ‘as seis da manha.Vamos tentar dissuadir Brizola ate’ essa hora.Se nao conseguirmos,vamos bombardear’’. Nos ouvimos essas palavras do comandante.Todo oficial tem uma missao em terra,alem de ser piloto de esquadrao.Eu era chefe do setor de informacao.Recebi ordens de calcular o quanto de combustivel ia ser usado e quanto tempo os avioes poderiam ficar no ar.Dezesseis avioes foram armados para a operacao.Pelos meus calculos,a gente ia pulverizar o Palacio do Governo ! O armamento que a gente tinha em maos era para pulverizar o palacio.um ataque para acabar com tudo o que estivesse la’.Nao ia haver duvida.Os avioes foram armados.Nos nos preparamos.Colocamos as bombas e os foguetes nos avioes.Ficamos somente esperando chegar a hora,quando o dia amanhecesse.Mas criaram-se ai varios impasses,varios problemas serios.Durante o tempo em que ficamos esperando,nos todos sabiamos que iriamos matar muita gente. Num ataque como aquele ao Palacio,bombas e foguetes cairiam na periferia.Muitas pessoas iriam ser atingidas.Alem de tudo,Brizola estava com a familia no Palacio,cercado de gente.Havia gente armada la’,mas nao ia adiantar nada,diante do ataque que iriamos deflagrar com nosso tipo de aviao.Podia ser que um ou outro aviao caisse,o que nao impediria de maneira nenhuma o ataque e a destruicao do Palacio.E ai’ comecou o questionamento.
O militarismo tem dois alicerces basicos : a disciplina e a hierarquia.Voce nao pode mexer nesses dois alicerces.Toda a carreira,todos os valores,todo o futuro do militar e’ garantido em cima desses dois suportes.Voce,quando e’ militar,sabe exatamente o que vai acontecer com voce daqui a dez,vinte anos,baseado nessa hierarquia e nessa disciplina.Isso da’ uma seguranca e um ‘’espirito de corpo’’ bem desenvolvidos.Mas,diante de nos,os tenentes que iamos fazer o ataque,e nao estavamos incluidos nba alta cupula,apresentou-se uma incoerencia : se o presidente da Republica,chefe supremo das Forcas Armadas,renunciou,automaticamente quem deve assumir e’ o vice-presidente.Nos nos perguntavamos ali : por que o Estado Maior - que nao fica acima do Presidente da Republica - pode determinar que um vice-presidente nao pode assumir ? Entao,ha’ uma incoerencia interna na hora de obedecer auma ordem assim.Por que ? Porque aquela ordem,em principio,ja’ quebrava a hierarquia,a base do sentimento militar.Nos comecamos a pensar.Mas iamos decolar,sim,para o ataque ! Durante a noite,no entanto,houve um movimento inteligente,partido principalmente do pessoal de base.O aviao de caca so leva um pessoa,o piloto.Mas e’ necessario ter uma equipe grande de apoio no solo.E essa equipe de apoio,formada principalmente por sargentos,impediu a decolagem dos avioes.Os sargentos esvaziaram os pneus.E trocar de repente todos os peneus dos avioes de combate e’ um problema tecnico complicado e demorado.Os avioes,assim,ficaram impedidos de decolar na hora do ataque.Houve uma movimentacao.E o Exercito ajudou a controlar a divisao interna na Base Aerea.O Estado Maior mudou a ordem,para que nos nos descolassemos para Sao Paulo.E,para a viagem de Porto Alegre para Sao Paulo,os avioes nao poderiam decolar armados.Por que ? O aviao de caca e’ uma plataforma que voce eleva para transportar armamentos.Ali dentro so existe lugar para colocar combustivel e arma.O piloto vai num espaco pequeno.Entao,tiraram os armamentos dos avioes para encher de combustivel.Somente assim seria possivel chegar a Sao Paulo.O Estado Maior estava centralizando o poder de fogo para que,se houvesse um guerra civil,eles estivessem bem equipados’’.
GMN - Como militar,voce cumpriria sem discussao essa ordem de bombardear o Palacio e eliminar fisicamente o governador ?
Franca Junior : ‘’Naquelas circunstancias de Porto Alegre,eu obedeceria,sim.Obedeceria ! Um ou dois meses depois eu iria questionar.Por que ? Porque ali foi um ponto de ruptura,um divisor de aguas.Naquela crise,em que passamos a noite inteira nos preparando para bombardear o Palacio do Governo,surgiram-se varios questionamento.Somente de madrugada e’ que houve o problema da sabotagem dos avioes.Agora nem tanto,mas antes voce so era preparado para ;utar contra o inimigo externo.E de repente nos chegou aquela ordem para bombardear Brizola de uma hora para outra.Nao houve nem uma preparacao psicologica nossa.Voce,entao,comeca a se questionar : por que e’ que as pessoas estao fazendo aquilo ? Por que a realidade brasileira e’ essa ? O militar,em qualquer crise politica,nao e’ como o civil - que pode fazer a opcao sobre se vai participar ou nao.O militar e’ obrigado a participar - e de arma na mao !’’.
GMN -Voce e’ que escolheu as bombas que seriam usadas para matar Brizola ?
Franca Junior : ‘’Nao.Ajudei a verificar o volume de combustivel nos avioes.Nos iriamos usar bombas de 250 libras.E 15 foguetes.Cada aviao iria levar quatro bombas de 240 libras,alem de quatro canhoes.Eu digo : a gente ia pulverizar tudo ! O armamento que iriamos usar nao era para intimidar...’’.
GMN - Quando estava fazendo os calculos de combustivel e de armamentos,voce pensava em que ?
Franca Junior -’’O questionamento vem surgindo aos poucos.A primeira impressao e’ que tinha acontecido algo serio e nos nao tinhamos ainda acesso ‘as informacoes sobre o que havia ocorrido.Haviam,provavelmente,descoberto ligacoes de Brizola ou de um grupo grande.O bicho-papao,na epoca,eram os comunistas.Entao,eles devem ter descoberto uma trama tao diabolica e tao generalizada que estavam tomando uma atitude seria para impedir que o presidente assumisse’’.
A experiencia que vivi foi inusitada,porque voce julga que uma guerra civil pode pode surgir de um encadeamento de fatos que leva anos - mas nao de uma hora para outra,como ali : uma pessoa vem e da’ uma ordem.Se o pessoal de apoio da Base Aerea de Porto Alegre nao tivesse impedido a decolagem dos avioes,nos teriamos decolado e destruido o Palacio.Nao tenha duvida ! Isso forcosamente teria desencadeado um problema seriissimo no Brasil’’.

GMN - Pouquissimos escritores viveram,na vida real,historias com uma forca dramatica tao grande.Por que e’ que voce nunca quis descrever todos estes acontecimentos literariamente ? Por que voce despreza uma experiencia tao rica ?
Franca Junior - ‘’Nao e’ que eu despreze ! E’ diferente.Fui aviador durante anos e anos .O fato de lidar com aviacao faz com que voce adquira uma materia-prima rica,porque levam o ser humano a se desnudar e a demonstrar quem e’.E eu levei quase vinte anos para conseguir escrever uma historia que trata de aviacao.Eu tinha vontade de escrever.Quando comecava uma historia,percebia que estava tudo falso !’’.


(1987)

Posted by geneton at 12:17 AM

CENA LONDRINA : RUBEM FONSECA SE TRANSFORMA EM DEFENSOR PÚBLICO DE CHICO BUARQUE

LONDRES - O escritor Chico Buarque de Hollanda recebeu ,em Londres,um julgamento em dose dupla (primeiro,verbal;depois,por escrito) de um dos mais bem sucedidos autores brasileiros - Rubem Fonseca,o recluso autor de sucessos como ''A Grande Arte'' e ''Agosto''.
O cenário não poderia ser mais londrino : às margens do Rio Tamisa,no Royal Festival Hall,num salão de onde se podia avistar,através das grandes vidraças,a imponência do Big Ben,numa noite clara deste fim de primavera britânico. Os escritores Rubem Fonseca,Chico Buarque,João Gilberto Noll e Patrícia Melo participaram de uma sessão de leitura de trechos de seus livros. Seguida de um rápido debate com o público,a sessão foi promovida para marcar o lançamento da tradução inglesa de obras de Fonseca(''The Lost Manuscript''/''Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos),Noll(''Hotel Atlantico''),Patricia Mello(''The Killer''/''O Matador'') e Chico Buarque(''Benjamin'' e ''Turbulence'').
Diante de uma platéia que superlotou o auditório de uns cento e cinquenta lugares,Rubem Fonseca,o escritor que jamais dá entrevistas,assumiu o papel de defensor público das virtudes literárias de Chico Buarque. A reação de Fonseca foi causada pela pergunta deste correspondente - que quis saber o que é que Chico Buarque tinha a dizer aos críticos que o consideram uma espécie de ''intruso'' entre os escritores.
Bem-humorado,Chico Buarque disse que se limitaria a traduzir para o inglês a pergunta,feita em português,porque Rubem Fonseca é que iria responder. Fonseca aceitou a missão,na hora.Depois de dar uma baforada num charuto,disse,em inglês :
-Quero dizer que Chico Buarque sempre foi um escritor - a vida inteira.E é um poeta.Noventa e nove por cento dos críticos elogiaram os livros de Chico.Somente um crítico o tratou como um ''outsider''.Somente um ! Nós,escritores,consideramos Chico Buarque um escritor.Em nome de todos os escritores,quero dizer que temos orgulho de ter Chico Buarque entre nós !

O rápido discurso de Fonseca foi saudado por demorados aplausos da platéia.Célebre não apenas pela sucesso de seus contos e romances,mas também pelo horror que devota a entrevistas, Fonseca ofereceu uma surpresa à plateia que foi ver e ouvir os quatro autores brasileiros em Londres. Quem esperava ver um autor sisudo descobriu que,quando sai da ostra,o arredio Fonseca é um orador extremamente simpático e bem-humorado,capaz de arrancar risos e aplausos da platéia em meio à leitura. Ao ler,em inglês,um conto sobre um escritor que provoca paixões mortais nas amantes, Fonseca demonstrou possuir habilidades de ator,através de pausas,inflexões,silêncios e gestos que prenderam a atenção dos espectadores.
A leitura do conto de Fonseca se estendeu por quase meia hora,mas ninguém reclamou da demora.Pelo contrário. Sentado na primeira fila,Chico Buarque nem piscava,totalmente absorvido pelo espetáculo de Fonseca. Habituado a encarar grandes platéias em seus shows de musica,desta vez o tímido Chico se transformou no mais atento espectador de um inesperado show man : Rubem Fonseca,justamente o escritor que passa a vida evitando todo e qualquer contato com o público - pelo menos através da imprensa.
Vestindo um paleto marron claro,sem gravata,com barba branca e grisalha e cabeleira rala,Rubem Fonseca terminou se mostrando o mais desenvolto entre os autores na hora de fazer uma performance no palco improvisado. Terminada a leitura de trechos das obras de cada um,os autores enfrentaram uma sessão de autografos. Rubem Fonseca aproveitou a chance para dar por escrito,ao autor da pergunta sobre a reação dos críticos aos livros de Chico Buarque,um veredito de cinco palavras,datado e assinado(''Rubem Fonseca -June,1997''):

- Chico é um grande escritor.

Sentado ao lado de Chico Buarque,a quem mostrou a frase que acabara de escrever num exemplar da edição inglesa de ''Estorvo'',Rubem Fonseca estava sorridente,mas não escondia uma ponta de irritação com a citação aos críticos que questionaram o sucesso literário de Chico :

- ''Qual é,oh cara ?'' - disse a este correspondente.

Se depender da critica britânica,Rubem Fonseca não terá nenhum motivo para se preocupar com o amigo : ''Estorvo'' mereceu elogios dos críticos de jornais importantes como The Times (''A qualidade da prosa efetivamente exprime a desorientação de uma sociedade no abismo da anarquia'') e ''Independent''(''A técnica narrativa é tao imprevisível quanto um trecho de uma improvisação de jazz'').


(1997)

Posted by geneton at 12:09 AM

abril 28, 2004

WOODY ALLEN : UM ARTISTA TENTANDO ENGANAR "A NUVEM ESCURA QUE NOS ACOMPANHA O TEMPO TODO"

Posted by geneton2 at 12:27 PM

abril 24, 2004

JANET ("PSICOSE") LEIGH

Silêncio ! A vítima do assassinato mais famoso das telas vai falar


LONDRES- Um banho de chuveiro num hotel de beira de estrada. Somente a mão de um gênio poderia transformar um gesto tão banal em sinônimo de medo, suspense, terror, mistério, agonia. Alfred Hitchcock, o mestre do suspense, conseguiu. A cena do assassinato do personagem interpretado por Janet Leigh em “Psicose” já foi escolhida por críticos franceses como “a mais memorável” da história do cinema.
Filmada em setenta ângulos diferentes durante sete dias, a sequência do chuveiro dura apenas quarenta e cinco segundos, mas já rendeu quatro décadas de fama a Janet Leigh , uma atriz de sorte que parece estar sempre no filme certo na hora certa. Quando o Los Angeles Times resolveu fazer a lista das cinquenta melhores produções de todos os tempos, descobriu que Janet Leigh é a única atriz que aparece em três dos filmes mais votados : “Psicose” (Alfred Hitchcock), “Touch of Evil” (Orson Wells) e “The Manchurian Candidate” (John Frankenheimer).
“Psicose” chegou às telas em junho de 1960. A fascinação exercida por esse clássico do suspense é tanta que até hoje, nos encontros de Janet Leigh com fãs e jornalistas, “Psicose” termina sempre se transformando em assunto principal. Não há como escapar: Janet Leigh será sempre Marion Crane, a vítima de Norman Bates, o psicopata interpretado com brilho por Anthony Perkins. Aos 68 anos de idade, ex-mulher de Tony Curtis, com quem formou um dos mais badalados casais de Hollywood, mãe das atrizes Jamie Lee Curtis e Kelly Curtis, Janet Leigh resolveu escrever, em parceria com Christopher Nickens, um livro sobre a saga que viveu sob o chuveiro.
Lançado na Inglaterra pela Pavillon Books, o livro se chama, como não poderia deixar de ser, “Psicose”, (Psycho). Afastada das telas, Leigh pretende fazer carreira como romancista. Mas dificilmente a Janet Leigh romancista se livrará da sombra de Marion Crane. Nesta entrevista , Janet Leigh revela que o filme que a consagrou também lhe trouxe ameaças que até hoje se repetem – na vida real. Hitchcock não imaginaria roteiro melhor.

- Você ficou famosa como personagem da cena do assassinato no chuveiro em “Psicose”. Quando entra no chuveiro você ainda hoje se lembra da cena?

JL.: “Mas eu não tomo banho de chuveiro...”

-O motivo é o filme?

JL.: “Sim: Eu nunca tinha imaginado, antes, o quanto ficamos vulneráveis quando estamos no chuveiro. Ficamos completamente vulneráveis! Eu nunca tinha pensado neste detalhe- até ver a cena do chuveiro na tela. Hoje, prefiro não tomar banho de chuveiro. O fato de eu não poder ver o que se passa do outro lado da cortina enquanto estou tomando banho me incomoda. Prefiro usar a banheira. Ainda assim, quando estou na banheira gosto de ficar olhando para a porta. Se tomar banho de chuveiro for a única alternativa, num lugar onde não exista banheira, eu então deixo a cortina aberta. O chão fica todo molhado, mas pelo menos eu posso ver o que se passa em volta...
Para dizer a verdade, durante a filmagem da cena do crime do chuveiro não fiquei assustada, talvez porque tudo é feito aos poucos, em meio a várias repetições. Quando vi a cena editada, na versão final do filme, é que senti todo o horror daquele grito. Era como se eu estivesse sentindo cada golpe daquela faca. Fiquei aterrorizada.”

-É verdade que ainda hoje você recebe cartas e telefonemas ameaçadores?

J.L.: “É verdade. Gente estranha me manda cartas dizendo: ‘Quero fazer com você o que Norman Bates fêz com Marion no chuveiro.’ São ameaças sinistras. É terrível. Um chegou a mandar uma fita descrevendo o que queria fazer. Ainda hoje preciso de vez em quando trocar o número do meu telefone. Um dos autores de ameaças me telefonava perguntando: ‘Posso falar com Norman?’. Eu respondi: ‘Deve ter sido engano.’ A voz do outro lado insistia: ‘Não é engano. Não é do Motel Bates?’.”
-Você levou a sério alguma dessas ameaças?

J.L.: “Uma vez chamei o FBI. Um diretor amigo nosso, Mervyn Le Roy, estava nos visitando logo depois de fazer um filme sobre a história do FBI. Resolvi mostrar a ele as cartas. Imediatamente ele me sugeriu que o FBI fosse avisado. Agentes vieram à minha casa. Dois dos autores de ameaças terminaram localizados. Os agentes disseram que é difícil saber quando é que uma ameaça dessa representa um perigo real ou quando não deve ser levada a serio.”

- Uma das lendas que correm sobre “Psicose” diz que Alfred Hitchcock mandou abrir de repente a torneira de água fria durante a filmagem da cena para obter de você uma expressão de espanto...

J.L.( interrompendo): “Não, não, não. Não é verdade. Pelo contrário: Hitchcock fez questão de que a água ficasse na temperatura correta, para que eu não sentisse desconforto. Sou uma atriz. Posso demonstrar medo numa cena. Não preciso de água fria...”

- Qual foi o grande problema que você enfrentou na hora de fazer a cena no chuveiro?

J.L.: “Hitchcock queria que eu usasse lentes de contato para que, nas imagens em close, logo depois do assassinato, eu parecesse realmente morta. O oculista, no entanto, disse que as lentes só ficariam prontas em seis semanas. Não daria tempo de esperar. Tive de fazer tudo sem lente de contato.”

- O que é que mais lhe chamou a atenção em Hitchcock durante a
filmagem?

J.L.: “Fiquei impressionada com o fato de que ele jamais olhava através do visor da câmera. Perguntei por quê. Hitchcock me respondeu: ‘Não preciso olhar através do visor. Já sei onde a câmera vai ficar; já sei quais as lentes que vou usar. Então, posso saber exatamente como é que a imagem vai aparecer.’
A verdade é que ele sabia de tudo tão bem que nem precisava olhar através da câmera .
Houve também uma cena de bastidores que me impressionou. Hitchcock queria gravar um som que sugerisse uma faca ferindo o corpo. Um assistente trouxe para o estúdio vários tipos diferentes de melão. Passou, então, a cortar cada um com uma faca. De costas para o assistente, sem olhar em nenhum momento para trás, Hitchcock escolheu, pelo som de faca, qual era o tipo de melão que deveria ser usado...”

Você trabalhou com grandes diretores, como Hitchcock e Orson Wells. Que comparação fez entre os dois?

J.L.: “Tive sorte de trabalhar com talentos tão fantásticos quanto Orson Wells, John Frankheimer e Fred Zinemann. Trabalhei com os melhores. Orson Wells e Hitchcock eram o oposto um do outro. Os dois eram gênios, mas Orson Wells era mais espontâneo e improvisador, ao contrário de Hitchcock, um diretor que planejava cada take com detalhes.”

“Psicose” representou, para você, o sucesso internacional mas também um drama: você recebeu a notícia de que seria a última vez que trabalharia com Hitchcock. Por quê?

J.L.: “O que aconteceu foi que devido ao grande sucesso de “Psicose”, o próprio Hitchcock me disse que ,se voltássemos a trabalhar juntos, não importa quanto tempo depois, o público imediatamente relacionaria o novo filme a “Psicose”. Isto afetaria então, o novo filme que estivéssemos fazendo.
Eu queria trabalhar de novo com Hitchcock. Mas penso que ele estava absolutamente certo ao apontar esse risco.”

Um jornal inglês publicou há pouco que você tinha abandonado a carreira porque já estava cansada da “hipocrisia” de Hollywood. É verdade?

J.L.: “Não sei de onde tiraram esta idéia. Diminuí o ritmo de trabalho porque achei que esta seria uma atitude justa para com meu marido e minhas filhas. Passei a aceitar apenas tarefas que pudessem ser cumpridas em pouco tempo.”

Tanto tempo depois , você ainda responde a perguntas sobre a cena do assassinato no chuveiro. Você compararia esta cena com que outra, na história do cinema?

J.L.: “Não consigo pensar em outra cena que venha imediatamente à lembrança como algo tão chocante. Não consigo pensar em nenhuma. Houve, é claro, outros momentos memoráveis em filmes, mas esta cena parece ser aquela que o público se lembra- em estado de choque...”

Você teve uma carreira de sucesso, mas é sempre lembrada como a Marion Crane de “Psicose”, assim como Anthony Perkins será sempre lembrado como Norman Bates. O fato de ser lembrada por apenas um filme- e particularmente por uma cena- lhe traz algum incômodo?

J.L.: “Em nosso ofício, trabalhamos duro para criar imagens. Ser parte de uma imagem que vai ficar para sempre é algo notável. Fico orgulhosa. “Psicose” é um filme que já dura 35 anos. É o sonho de todas as atrizes.”

Você visitou o Brasil no início dos anos sessenta. Que lembrança guardou dessa viagem?

J.L.: “Visitei o Brasil duas vezes. A primeira foi em 1960. Percorri seis cidades, numa visita organizada pelo USIS, o serviço de divulgação dos Estados Unidos. Depois, participei de uma entrega de prêmios cinematográficos. Uma vez, quando estávamos a caminho da inauguração de um centro para a juventude, cruzamos com um grupo que ensaiava para o carnaval, num subúrbio do Rio de Janeiro. Todo mundo estava dançando na rua. Pedi que nosso parasse. Gosto de dança e de música. Começei a dançar. Um homem- que estava ali, no meio da rua- começou a dançar sem olhar para o meu rosto. Quando a música acabou, ele, quase ajoelhado, me olhou atentamente. Somente aí é que exclamou: Mas é Janet Leigh!...”


(1995)


Posted by geneton at 11:58 AM

abril 17, 2004

WOODY ALLEN (ENTREVISTA SEM CORTES !) : "IMORTALIDADE ARTÍSTICA É CATOLICISMO DE INTELECTUAL. QUERO A IMORTALIDADE JÁ,NO MEU APARTAMENTO !"

Posted by geneton2 at 12:26 PM

WOODY ALLEN

O diretor - que adora esportes - confessa uma paixão brasileira. Não é Pelé nem Ronaldinho : é um escritor !

LONDRES - Quando Woody Allen começa a falar, a gente sempre espera que vá soltar uma daquelas tiradas: “Eu me separei da minha primeira mulher porque ela era infantil demais. Toda vez que eu estava tomando banho na banheira ela vinha e afundava os meus barquinhos todos sem dar a menor explicação.”.

Ou então: “Não, eu nunca estudei nada na escola. Ou outros é que me estudavam.”.

A coleção de tiradas de Woody Allen traz, como marca registrada, uma auto-ironia marcada por um sentimento de inadaptação à realidade. A fantasia, repete Allen, é sempre melhor.

Cenário : uma suíte do sétimo andar do Hotel Dorchester, em frente ao Hyde Park. Não há diferença alguma entre o Woody Allen da vida real e o Woody Allen das telas. A fala é apressada. Um olhar tímido dirigido ao chão pontua o sorriso. De calça de veludo marrom e suéter verde, dá a impressão de ter alguma dificuldade para ouvir, porque se aproxima exageradamente do rosto do repórter a cada pergunta. Notório recluso, saiu de Nova Iorque às vésperas do Natal para divulgar o filme “Mighty Aphrodite” (“Poderosa Afrodite”), comédia sobre um homem que, depois de adotar um menino recém-nascido, tenta descobrir quem é a mãe da criança. Vai parar no apartamento de uma profissional do sexo. Allen faz o papel principal, como não poderia deixar de ser. .

O homem não sossega. Ainda encontra tempo para se confessar deslumbrado com um brasileiro – o “bruxo do Cosme Velho” Machado de Assis.


GMN : Todo mundo fala da “crise dos quarenta.” Agora, duas semanas depois de completar sessenta anos de idade, você já entrou em crise?

Woody Allen: “Eu me senti mal quando fiz cinqüenta anos, um tempo pouco prazeroso para mim. Fazer sessenta também não é agradável. Sempre que faço um aniversário significativo tenho um sentimento desagradável. Porque datas assim dão um tom dramático ao fato de que estou envelhecendo.”.

GMN : Fazer filmes, no fim das contas, é a melhor maneira de superar a morte – ou pelo menos ter a ilusão de que é possível?

Woody Allen: “Não há como superar a morte. O que cada um deve fazer é se esforçar bastante para se encontrar em suas tarefas seja você um diretor de cinema, um motorista de táxi, um dentista ou um professor. Se você se concentra no trabalho, não vai ficar pensando na morte. Se, pelo contrário, você não pode se concentrar, a mente vai começar a se ocupar dessa nuvem escura que nos acompanha o tempo todo. Fica difícil, então. O fato de ser diretor de cinema não nos torna menos vulneráveis...”.

GMN : Mas, nesse sentido, há sim, uma diferença entre o motorista de táxi e o diretor de cinema, porque um ator ou um realizador de certa maneira não morre: daqui a cem anos alguém poderá estar vendo Woody Allen numa tela...

Woody Allen: “Mas eu não me preocupo em atingir a imortalidade através do meu trabalho. Eu quero a imortalidade é no meu apartamento! Isso é que conta! Imortalidade artística é catolicismo de intelectual. Os católicos pensam que existe vida depois da morte. Intelectuais que eventualmente podem nem ter relação alguma com o catolicismo pensam que existe vida depois da morte através da arte. Mas os dois estão errados.”.

GMN : Se um crítico disser que você é um gênio e outro disser que você é um idiota, em qual dos dois você teria a tentação de acreditar?

Woody Allen: “Não leio nada que sai sobre mim nas resenhas. Porque tenho uma tendência de acreditar na última coisa que eu li. Se o crítico de um jornal escrever ‘esta pessoa é um gênio’, vou pensar aqui comigo: ‘Ah é? Sou gênio porque foi o New York Times que disse... ’ Se, por outro lado, alguém escrever ‘ele é um tolo; o filme não presta’, vou pensar: ‘Eu realmente fiz um filme ruim. Sou um bobo. ‘.
A verdade é que coisas assim não são reais, não têm nenhuma relevância para um projeto. O fato de dez milhões de pessoas dizerem algo sobre um filme – ‘é ótimo ou ‘é horrível’ – não significa nada. O filme, por si mesmo, anos depois é que vai ver qual é a verdade. Não há como saber, agora – tanto em relação a filmes como em relação a qualquer obra de arte. Filmes que há anos eram considerados ótimos são esquecidos depois. Transformam-se em nada. Outros filmes – que não eram tão considerados quando do lançamento – permanecem em nossas consciências. Adquirem importância. ‘As Regras do Jogo’, filme de Jean Renoir, não foi bem recebido quando apareceu. Hoje é um clássico.”.

GMN : Você pediu ao estúdio para jogar fora o filme ‘Manhattan’ quando a versão final ficou pronta, porque mão gostou do resultado. Mas ‘Manhattan’ se transformou num dos seus filmes mais elogiados. A má opinião que você tinha sobre o filme é uma prova de que você não é nem um pouco confiável como crítico?

Woody Allen: “Um diretor não é confiável quando fala sobre o próprio trabalho. O fato de um diretor declarar que detesta um filme não quer dizer nada. Igualmente, é estúpido dizer ‘os críticos são uns bobos, não sabem de nada, não entendem nada.’ Porque quem não entende, na verdade, é o diretor. Os críticos entendem, o público entende - o diretor é que não.”

GMN : Você divide os realizadores em duas categorias: os que fazem prosa e os que fazem poesia. Woody Allen faz o quê: poesia ou prosa?

Woody Allen: “Todo diretor tem filmes que adotam uma abordagem poética – e outros que utilizam a prosa. Filmes meus, como ‘Bullets Over Broadway’ e ‘Manhattan Murder Mistery’, são prosa. Já ‘Another Woman’ é poético.”

GMN : Quem é o melhor poeta da história do cinema?

Woody Allen: “Ingmar Bergman. Para mim, é o melhor. Kurosawa, com certeza, é um grande poeta. Bunnuel, igualmente. Os três são os maiores poetas.”

GMN : A poesia é superior à prosa?

Woody Allen: “Não necessariamente, porque filmes como ‘Ladrões de Bicicletas’, ‘A Grande Ilusão’ ou ‘A Regra do Jogo’ são prosa: não são poéticos. Isso não quer dizer que não sejam grandes filmes. ‘Oito e Meio’ é um filme poético, assim como ‘Persona’. Não acho, então, que uma seja superior a outra.”

GMN : Você lamenta que nem sempre exista uma correlação entre os melhores filmes de um diretor e o sucesso comercial.

Woody Allen: “É verdade! Frequentemente, não existe…”

GMN : “A Rosa Púrpura do Cairo”, um dos seus filmes favoritos, atraiu o que você chama de “pequeno público”. Você acredita então que existe uma contradição entre boa qualidade artística e mercado de massa?

Woody Allen: “É interessante o que você me pergunta. Saul Bellow articulou o conceito de artista de público pequeno e artista de grandes públicos. Fiz uma distinção entre um autor como Charles Dickens - um artista de grande público - ou James Joyce, consumido por um público pequeno. Isso é verdade também no cinema. Chaplin e Buster Keaton têm um público grande – e são artistas! Bergman e Bunnuel têm um público pequeno. Fico numa posição desconfortável, no meio do ar...Eu sinto que não sou um artista desse nível. Sou um não –artista de público pequeno...(ri)”

GMN : Mas você é considerado um diretor intelectual que atinge o mercado de massa...

Woody Allen – “Não concordo nem com uma coisa nem com outra. Não sou um intelectual. Não atinjo o mercado de massas. Meus filmes não atingem. Bem que eu gostaria. Também gostaria de ser intelectual. Mas não sou.”

GMN : Você gostaria que seus filmes tivessem a popularidade de um filme de aventuras de Indiana Jones?

Woody Allen – “Não me incomodaria. Quando lanço um filme, gosto que o público goste. Prefiro ver o público satisfeito. Mas jamais faria algo para atrair o público- como, por exemplo, mudar o filme. Quando o público gosta, fico feliz.”

GMN : Você diz que tem problemas para delimitar o terreno entre a realidade e a fantasia. É esta a razão que o levou a se tornar um realizador: tentar resolver, através do cinema, a confusão entre fantasia e realidade?

Woody Allen : “Que bom que você tocou neste assunto. O que acontece é que a realidade da vida é desagradável, difícil, dolorosa. Quando você trabalha com pintura, com poesia, com literatura, com cinema, com teatro, você pode criar uma realidade própria, sobre a qual você exerce controle: você usa os personagens de que gosta, no cenário que prefere, para fazer com que o destino de cada um se realize da maneira que você quer. É ótimo.”

GMN : Você já sentia a confusão entre realidade e fantasia antes de se tornar cineasta?

Woody Allen- “Não é bem uma confusão. A verdade é que eu sentia que a fantasia é boa. A realidade é ruim. Muitos dirão: a verdade é bela, a realidade é bonita. Fantasia, não. Mas não sinto as coisas dessa maneira. Para mim, a fantasia é que é boa. A realidade não é nem um pouco atraente.”

GMN : Uma pergunta direta e boba: por que você faz filmes?

Woody Allen – “Faço porque cresci gostando de filmes. Quando entrei no show business me pareceu que todo mundo queria fazer cinema. Parecia ser a mais expressiva forma de arte, a de maior comunicação com o público. Além de tudo, você poderia exercer um controle sobre o produto- o filme. Depois, vi que havia gente disposta a me dar dinheiro. Em filmes- como na arquitetura- você precisa de um bocado de dinheiro para realizar um projeto. As empresas, então, começaram a me dizer: ‘Você terá cinco milhões de dólares para ou dez milhões de dólares para fazer um filme.’ Nem discuti.”

GMN : Você – que é um grande fã de esporte – também gosta de futebol?

Woody Allen- “Conheço melhor o futebol americano. Gosto de todos os esportes, na verdade. Quando vou a um país, passo a acompanhar os esportes locais. Posso ver uma partida de críquete. Já fui a jogos de futebol.”

GMN : Já teve algum ídolo brasileiro, na área do futebol?

Woody Allen- (depois de uma pausa para pensar) “Ídolo brasileiro? Há pouco tempo, li Machado de Assis. Achei que é um escritor excepcional. Uma amiga me deu um livro de Machado de Assis- ‘Epitaph for a Small Winner’ (título da tradução para o inglês de ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’). Fiquei muito, muito impressionado. Dei o livro a meus amigos. Porque Machado de Assis não é bem conhecido.”

GMN : O que é impressionou tanto você no livro?

Woody Allen – “Achei Machado de Assis excepcionalmente espirituoso, dono de uma perspectiva sofisticada e contemporânea, o que é incomum, já que o livro foi escrito há tantos anos. Fiquei muito surpreso. É muito sofisticado, divertido, irônico. Alguns dirão: ele é cínico. Eu diria que Machado de Assis é realista.”

GMN : Quem lhe passou o livro?

Woody Allen- “Nem me lembro agora do nome da pessoa que me passou o livro. Apenas ela disse: ‘Você deve gostar...’ Respondi: ‘Nunca ouvi falar de Machado de Assis.’ Mas li- e gostei muito.”

GMN : Você consideraria a possibilidade de filmar ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’?

Woody Allen- “Gosto de escrever meus próprios filmes. Mas Machado de Assis é um maravilhoso momento na literatura. Dei cópias do livro para minha filha e para os meus amigos.”

GMN ; Você é um símbolo de Nova Iorque. Teria coragem de viver um dia numa cidade pequena e calma, longe de tudo?

Woody Allen- “Eu ficaria louco. Não poderia viver num lugar assim nem por dois dias- nem por um fim-de-semana. Preciso de cidades- seja Londres, Paris, Nova Iorque...Preciso de atividade, barulho, carros, restaurantes, livrarias, filmes. Sou viciado em civilização.”

GMN : Além de só gostar de cidade grande, é verdade que você detesta sol?

Woody Allen- “Adoro este tempo (olha para a janela do hotel; lá fora tudo cinzento: a chuva fina cai há umas doze horas).Gosto de Londres e Paris no inverno. Todo dia é bonito. É como um fotógrafo que gostasse de tons suaves.”

GMN : Você jamais viveria num país tropical?

Woody Allen : “Não! Não gosto de calor.”

GMN : Você não reconhece a ‘integridade’ ou a ‘credibilidade’ dessas escolhas do “melhor filme do ano.” Você quer ser visto sempre como um outsider?

Woody Allen – “Não comecei com essa história de outsider, mas ela terminou acontecendo. Vivo em Nova Iorque, Faço meus filmes. Acontece que, devido à minha personalidade e à maneira como vivo, me transformei num outsider, sem necessariamente querer ser. Eu teria disposição, se houvesse uma comunidade cinematográfica em Nova Iorque, para sair com outros diretores e amigos, almoçar com eles. Mas não tenho amigos nem diretores.”

GMN : Quando um filme como Manhattan estreou, nem em Nova Iorque você quis ficar. Igualmente, você não compareceu à cerimônia do Oscar. Agora, para divulgar o filme “Mighty Aphrodite” (“Poderosa Afrodite”), você aceita falar sobre cinema diante de um jornalista de um país distante- o Brasil. O que foi que mudou?

Woody Allen- “Geralmente não vou a cerimônias de premiação. Mas ficou caro promover e anunciar filmes. Quero, então, cooperar. Se dependesse de mim, eu faria o filme e diria: ‘Fiz; vocês que vendam.’ Mas os produtores dizem: ‘Por favor, ajude. Não podemos comprar espaço em jornais e na TV’. Eu prefiro, então, ser amigável...
Quanto aos encontros com jornalistas, não me incomodo de ter encontros assim. Eu não faria o ano todo, mas uma vez por ano, ou uma vez cada dois anos, não me incomodo de ter esses contatos, porque quero ouvir o que é que os jornalistas dizem ou que tipo de pergunta fazem.

GMN : Se você fosse convidado a escrever o verbete “Allen, Woody” numa enciclopédia, quais as primeiras palavras que você usaria para se definir?

Woody Allen- “Eu diria que Woody foi um realizador que fez filmes - alguns bons; outros não. Creio que seria um retrato exato.
Eu ficaria feliz se um dia, quando eu deixar de fazer filmes, pudesse ter feito um ou dois que fossem tão bons quanto os melhores que vi. Eu me sentiria realizado se fizesse um filme tão bom quanto ‘A Regra do Jogo’ ou ‘O Sétimo Selo’. Para mim, seria o suficiente.
Ah, eu ficaria muito feliz, sim.”.

GMN : Você já confessou que prefere os romancistas russos, como Dostoievski, porque eles se ocupam de “temas espirituais”, ainda que outros romancistas, como Flaubert, sejam ‘tecnicamente superiores’. Você- que também se ocupa de temas espirituais no cinema- gostaria de ser visto como o Dostoievski das telas?

Woody Allen- “Não necessariamente. Sou muito mais engraçado do que Dostoievski.”.

(1996)


Posted by geneton at 12:15 PM

abril 16, 2004

JOEL SILVEIRA , "A VÍBORA" , DIZ QUAL É O CÚMULO DO RIDÍCULO

Posted by geneton2 at 04:48 PM

abril 15, 2004

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE : "O JORNALISMO É UMA FORMA DE LITERATURA"

Atenção,pesquisadores de curiosidades zoológico-poéticas : o apartamento 701 do prédio número 60 da rua conselheiro Lafayette,em Copacabana,era palco diário de uma cena esquisita. Lá,um urso polar adorava falar ao telefone.
O autointitulado “urso polar” chamava-se Carlos Drummond de Andrade. Desde que virou uma quase unanamidade nacional, Drummond ergueu em torno de si uma couraça para se proteger das investidas do mundo exterior. Era o exemplo acabado do mineiro arredio. Usava uma suposta timidez – desmentida por amigos íntimos – para manter longe de si,na medida do possível,as incoveniências da celebridade,descritas nos versos amargos do poema “Apelo a Meus Dessemelhantes em Favor da Paz” :

“Ah,não me tragam originais
para ler,para corrigir,para louvar
sobretudo,para louvar (....)

Respeitem a fera.Triste,sem presas,é fera(...)

Vocês,garotos de colégio,não perguntem ao poeta
quando nasceu.
Ele não nasceu.
Não vai nascer mais.
Desistiu de nascer quando viu que o esperavam garotos de colégio de lápis em punho
com professores na retaguardada comandando :

cacem o urso polar,
tragam-no vivo para fazer uma conferência(...).


Durante décadas,Drummond fugiu dos pedidos de entrevista.Preferia repetir a resposta-padrão : tudo o que tinha a dizer estava em seus poemas e crônicas. Mas mantinha um flanco aberto : o telefone. Amigos chegaram a definir Drummond como um “ser telefônico”. Ziraldo escreveu que Drummond era “ao telefone,um derramado,com uma voz entre rouca e afunilada,meio tênue e fina,com a respiração difícil como quem tem desvio de septo”.

O “urso polar” cultivava esta pequena esquisitice : sempre que podia,fugia do contato pessoal,mas se mostrava surpreendentemente acessível a investidas telefônicas de intrusos como,por exemplo,este locutor-que-vos fala.

Um dos editores do Jornal da Globo,cultivei,pelos idos de 1986,o hábito de incomodar o poeta pelo telefone,em busca de declarações que eram transformadas,no ar,em frases que exibiam a assinatura de Drummond. O poeta jamais se esquivou de fazer rápidos comentários.A uma pergunta sobre o que pensava de uma reunião de professores de países de língua portuguesa em Lisboa para discutir uma proposta de unificação ortográfica,Drummond – tido como um dos maiores poetas já produzidos pela língua portuguesa – deu uma resposta tipicamente drummondiana :

- “Considero-me um usuário,não o proprietário da língua.Não sou filólogo,não sou professor,não sou gramático.Sou um leigo em língua portuguesa”.

Tive a chance de entrevistar outro gigante da poesia brasileira,o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto,sobre a idiossincrasia telefônica de Drummond :

- “Era uma coisa engraçada : pessoalmente,ele falava menos” – constatava Cabral. “Mas tinha uma conversa longuíssima ao telefone. Quer dizer : quanto mais longe a pessoa, mais afetuoso ele era. Tenho a impressão de que ele não gostava era do contato físico”.

O telefone terminou se transformando no caminho das pedras para a obtenção daquela que seria uma das maiores entrevistas já concedidas por Drummond. Em julho de 1987,Drummond respondeu a setenta e seis perguntas que lhe fiz por telefone,em duas sessões.Transcrita,a gravação da entrevista rendeu cerca de duas mil linhas datilografadas.

As palavras do urso polar ficam. Recolho um possível decálogo de nossa entrevista :

1.”Não tenho a menor pretensão de ser eterno.Pelo contrário : tenho a impressão de que daqui a vinte anos – e eu já estarei no cemitério São João Batista – ninguém vai falar de mim,graças a Deus.O que eu quero é paz”.


2.”A solidão em si é muito relativa.Uma pessoa que tem hábitos intelectuais ou artísticos ,uma pessoa que gosta de música,uma pessoa que gosta de ler nunca está solitária,nunca está sozinha.Terá sempre uma companhia : a imensa companhia de todos os artistas,todos os escritores que ela ama,ao longo dos séculos”.

3.”Não fiz nada organizado.Não tive um projeto de vida literária.As coisas foram acontecendo ao sabor da inspiração e do acaso.Não houve nenhuma programação.Por outro lado,não tendo tido nenhuma ambição literária,fui poeta pelo desejo e pela necessidade de exprimir sensações e emoções que me perturbavam o espírito e me causavam angústia.Fiz da minha poesia um sofá de analista.É esta a minha definição do meu fazer poético”.

4.”A popularidade nada tem a ver com a poesia.A popularidade pode acontecer.Mas um grande poeta pode também passar despercebido”.

5.”Tive apenas o desejo de exprimir minhas emoções.Eu sentia necessidade de que eles se soltassem ; era um problema mais de ordem psicológica do que de outra natureza”.

6.”O jornalismo é uma forma de literatura.Eu,pelo menos,convivi – e mil escritores conviveram- com uma forma de jornalismo que me parece muito afeiçoada à criação literária : a crônica”.

7.”O que lamento é que as novas gerações já não tenham os estímulos intelectuais que havia até trinta ou quarenta anos passados.As pessoas que sabiam escrever a língua se destacavam na literatura e nas artes em geral.Hoje em dia,há escritores premiados que não conhecem a língua natal”.

8.”Sou uma pessoa terrivelmente corajosa,porque não espero nada de coisa nenhuma”.

9.”Considero-me agnóstico.Sou uma pessoa que não tem capacidade intelectual e competência para resolver o problema infinito que é se existe ou não existe uma divindade”.

10.”Minha motivação foi esta : tentar resolver,através de versos,problemas existenciais internos.São problemas de angústia,incompreensão e inadaptação ao mundo”.

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(*) Geneton Moraes Neto é autor de “Dossiê Drummond” (Editora Globo),livro que traz a íntegra da entrevista de Carlos Drummond de Andrade,além de depoimentos de 45 personalidades brasileiras sobre o poeta.

Posted by geneton at 12:56 AM

abril 14, 2004

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE CONFESSA : " SOU UMA PESSOA TERRIVELMENTE CORAJOSA, PORQUE NÃO ESPERO NADA DE COISA NENHUMA"

Posted by geneton2 at 12:44 AM

PAULO FRANCIS , O LOBO HIDRÓFOBO , LAMENTA : "O BRASIL SÓ NÃO É RICO PORQUE NÃO QUER"

Posted by geneton2 at 12:31 AM

PAULO FRANCIS , O LOBO HIDRÓFOBO , LAMENTA : "O BRASIL SÓ NÃO É RICO PORQUE NÃO QUER"

Posted by geneton2 at 12:31 AM

UM MANÍACO MATA O SENADOR QUE IA SER PRESIDENTE : "PODEM ME MANDAR PARA A CÂMARA DE GÁS. MAS JÁ SOU FAMOSO"

Pesquisador que passou dezesseis horas interrogando agora o homem que matou Robert Kennedy nas eleições primárias de 1968 desmente a versão histórica sobre o real motivo do crime


LONDRES - Um jovem político de 42 anos de idade,pai de dez filhos,é abatido a tiros,à queima roupa,no momento em que comemorava a vitória nas eleições primárias do Partido Democrata na Califórnia - um passo importante na escalada rumo á presidência dos Estados Unidos. A temporada de eleições primárias traz de volta à lembraça a tragédia ocorrida nos primeiros minutos da quarta-feira,cinco de junho de 1968 - o dia em que um imigrante palestino chamado Sirhan Bishara Sirhran apertou o gatilho de um revolver calibre 22 a um passo de distância do senador Robert Kennedy,no hotel Ambassador,em Los Angeles.

Obcecado pela tragédia,um pesquisador americano chamado Dan E. Moldea - 46 anos,autor de três livros sobre o crime organizado - resolveu reinvestigar o atentado contra Kennedy do início ao fim.''Hoje,posso dizer que não há ninguem que saiba tanto sobre o atentado quanto eu, porque fui a única
pessoa a ouvir todas as partes envolvidas'',diz esta encarnação americana do Sherlock Holmes.''A conclusão a que cheguei é baseada apenas em fatos''.


Paciente,Moldea revirou a documentacao liberada 'a consulta publica,tracou o paradeiro de testemunhas oculares,cruzou todas as versoes possiveis.A garimpagem produziu pelo menos uma descoberta surpreendente : num gesto que,se fosse cometido no Terceiro Mundo,provocaria exclamacoes de espanto,o Departamento de Policia de Los Angeles,o celebre LAPD,simplesmente incinerou 2.41O fotos tiradas durante as investigacoes sobre o assassinato do senador. O autor da investigacao tinha tudo para acrescentar um novo capitulo à já vastissima coleção de teses paridas pela ''paranoia conspiratoria'' que corre solta quando o assunto e' Kennedy. A conclusao a que Moldea chegou,no entanto,vai decepcionar os milhoes de fas de teorias conspiratorias. Não houve complô algum.

O pesquisador que,quase tres decadas depois,resolveu fazer a investigacao final sobre o assassinato bateu na porta da Corcoran State Prison,a penitenciaria de seguranca maxima onde Sirhan cumpre prisao perpetua. Um irmao de Sirhan facilitou os contatos.O que o assassino do senador Kennedy diria hoje sobre o crime ? Vinte e sete anos atras das grades teriam produzido que mudancas na mente do homem que interrompeu a tiros o voo do senador Kennedy rumo 'a Casa Branca ?


''Eu tinha bastante admiracao por Kennedy,como um ser humano gentil que ele era'',disse o assassino do senador.''Poderia ter feito campanha politica por ele.Mas nao suportava ve-lo se preocupar com os negros ou com os despossuidos,mas nao com os palestinos.Eu me lembro de te-lo visto falando sobre o envio de cinquenta jatos(militares) para Israel.Neste momento,comecei a sentir mudanca nos meus sentimentos em relacao a ele.Antes,eu o via como um modelo'',confessa Sirhan.

Moldea faz aqui o primeiro reparo historico.A versao corrente aponta uma motivacao politica para o atentado.A investigacao agora concluida desmente :''Ao fim da minha investigacao,ficou claro que,no momento em que cometeu o atentado,Sirhan Bishara Sirhan sequer sabia das posicoes de Kennedy sobre a ajuda militar a Israel'',diz.''Nao se deve acreditar nem por um segundo que Sirhan tenha cometido o atentado para se vingar contras as posicoes de Kennedy em relacao ao Oriente Medio'',corrige o pesquisador.''Sirhan.na verdade,sempre foi um cristao que demonstrou escasso interesse em se envolver com causas ou grupos.Preferia gastar o tempo livre em corridas de cavalo''.

O HOMEM QUE MATOU ROBERT KENNEDY
TENTARA' SAIR DA CADEIA

O assassino de Robert Kennedy vai apresentar nos proximos meses 'a justica americana um novo pedido de liberdade condicional,depois de ver todos os seus pedidos anteriores rejeitados.O ultimo ''nao'' veio em l994.A Justica considera que Sirhan ''ainda nao admite a enormidade do crime que
cometeu''.
Hoje,quase tres decadas depois de ter cometido um crime que chocou o mundo,Sirhan Bishara Sirhan insiste que nao
consegue se lembrar do que aconteceu naquele inicio de madrugada no Hotel Ambassador :

-Nao me lembro de ter visto Robert Kennedy.Nao me lembro de ter atirado.Tudo o que me lembro e' que alguem me prendeu pelo pescoco.Nao me lembro de nada.Isto nao ficou na minha mente.Nao me lembro de ter pegado o revolver nem de ter dito para mim :"Vou matar Robert Kennedy''.Nao me lembro de ter sentido a adrenalina(...)'',garante Sirhan.

Moldea contesta : ''Depois do interrogatorio,cheguei 'a conclusao de que Sirhan e' capaz de fazer ou dizer qualquer coisa agora para sair da prisao,como,por exemplo,repetir que nao se lembra de nada''.


UMA ORDEM MACABRA E' REPETIDA
DOZE VEZES NUM PEDACO DE PAPEL

Depois de ouvir amigos,conhecidos,parentes e ex-patroes de Sirhan,alem de interrogar exaustivamente o proprio assassino,Moldea assegura,convicto :

-O motivo unilateral do crime foi tao somente o desejo de Sirhan de provar a ele mesmo e a todos os que o conheciam que ele tinha valor...Sirhan queria que todos soubessem quem ele era.Todos seriam forcados a reconhece-lo''.

Numa anotacao apreendida pela policia,Sirhan escreve doze vezes uma ordem macabra,num pedaco de papel.Textualmente : ''Robert Kennedy must soon die die die die die die die die die die die die''(''Robert Kennedy deve logo morrer morrer morrer morrer morrer morrer morrer morrer morrer morrer
morrer'').

Depois do interrogatorio a que submeteu o assassino,o pesquisador Moldea da' um diagnostico simples : ''Sirhan admirou Kennedy durante anos.Mas,aos seus olhos,Robert Kennedy tinha se transformado num
simbolo de tudo o que ele,Sirhan,achava que jamais iria alcancar.Como um homem que,injustamente,ja' se considerava fadado ao fracasso na vida aos vinte e quatro anos de idade,Sirhan decidiu,entao,que deveria deixar uma marca - ainda que fosse atraves de um ato tao violento e tao terrivel''.

A investigacao serviu de base para um livro
de 342 paginas chamado ''The Killing of Robert Kennedy : An Investigation of Motive,Means ans Opportunity'',recem-lancado em Londres sob elogios da imprensa inglesa. Dan E.Moldea aposta que Sirhan engendrou uma explicacao politica para o atentado - assim como o lapso de memoria - porque quer produzir atenuantes para o gesto que cometeu.O autor do atentado aposta tudo no pedido de liberdade condicional que fara' em l996.

A ultima linha do relato de Moldea e' uma afirmacao direta e taxativa :
-Sirhan Bishara Sirhan assassinou,conscientemente,o senador Robert Kennedy.E agiu sozinho.

Quando caminhou para o Hotel Ambassador no final da noite de quatro de junho de l968 com um revolver escondido no bolso,para transformar em tragedia uma eleicao primaria igual 'as que se realizam agora nos Estados Unidos,Sirhan Bishara Sirhan queria chamar a atencao do mundo para si mesmo.
Dan E. Moldea,o pesquisador que fez o papel de detetive,prefere esquecer a obsessiva alegacao de Sirhan de que nao se lembra de nada ainda hoje.Para Moldea,a chave de tudo pode estar na frase terrivel que Sirhan Bishara Sirhan disse uma vez na prisao :

- Agora eles podem me mandar para a câmara de gás.Mas já sou famoso. Consegui em um dia o que Kennedy passou a vida inteira para conseguir.


(1996)

Posted by geneton at 12:18 AM

abril 12, 2004

A RAINHA DA INGLATERRA PERGUNTA AO BRASILEIRO NO MARACANÃ : "O QUE É BICHA ?"

Posted by geneton2 at 01:13 AM

abril 09, 2004

O POETA DECRETA : "QUEIME TUDO O QUE PUDER : AS CARTAS DE AMOR, AS CONTAS TELEFÔNICAS, O ROL DE ROUPAS SUJAS , AS ESCRITURAS E CERTIDÕES " (E CONTA SEGREDOS SOBRE GRACILIANO RAMOS, DRUMMOND,MANOEL BANDEIRA,JOÃO CABRAL)

Posted by geneton2 at 12:56 PM

OSCAR WILDE : "O ESTADO DEVE FAZER O QUE É ÚTIL.O INDIVÍDUO DEVE FAZER O QUE É BELO"

"É COM O FUTURO QUE TEMOS DE TRATAR.POIS O PASSADO É O QUE O HOMEM NÃO DEVERIA TER SIDO.O PRESENTE É O QUE O HOMEM NÃO DEVE SER.O FUTURO É O QUE OS ARTISTAS SÃO"

"UM MAPA MUNDI QUE NÃO A UTOPIA NÃO É DIGNO DE CONSULTA,POIS DEIXA DE FORA AS TERRAS EM QUE A HUMANIDADE ESTARÁ SEMPRE APORTANDO.E NELAS APORTANDO,SOBE À GÁVEA E,SE DIVISA TERRAS MELHORES,TORNA A IÇAR VELAS.O PROGRESSO É A CONCRETIZAÇÃO DE UTOPIAS".

"DEVERÍAMOS SER SOLIDÁRIOS COM A VIDA EM SUA TOTALIDADE,NÃO APENAS NA DOR E NA DOENÇA,MAS TAMBÉM NA ALEGRIA,NA BELEZA,NA ENERGIA,NA SAÚDE E NA LIBERDADE. A SOLIDARIEDADE MAIS AMPLA É,NATURALMENTE,A MAIS DIFÍCIL : EXIGE MAIOR ALTRUÍSMO. QUALQUER UM PODE SE SENTIR SOLIDÁRIO NA DOR SOFRIDA POR UM AMIGO,MAS É PRECISO UMA NATUREZA MUITO SUPERIOR - A NATUREZA DE UM VERDADEIRO INDIVIDUALISTA - PARA SE SENTIR SOLIDÁRIO NO ÊXITO ALCANÇADO POR UM AMIGO"


"A ARTE NUNCA DEVERIA ASPIRAR À POPULARIDADE,MAS O PÚBLICO DEVE ASPIRAR A SE TORNAR ARTÍSTICO".

"O ESTADO DEV FAZER O QUE É ÚTIL.O INDIVÍDUO DEVE FAZER O QUE É BELO"


(OSCAR WILDE,"A ALMA DO HOMEM SOB O SOCIALISMO")

Posted by geneton at 12:47 PM

GILBERTO GIL

A HORA DE FAZER UM BALANÇO DAS UTOPIAS IRREALIZADAS


Quem ? Gilberto Gil.O quê ? Viajou. Quando : em 1967.Para onde : Caruaru. Por quê ? Queria conhecer o som torto da Banda de Pífanos. O resultado do encontro entre Gil e a sonoridade rústica da Banda pode ter mudado o rumo da MPB. Quase quatro décadas depois,Gilberto Gil confessa,nesta entrevista,que quer ser lembrado,na história da MPB,como aquele que propôs a Caetano Veloso a junção entre a Banda de Pífanos de Caruaru e os Beatles. Dessa mistura,nasceu o Tropicalismo.O resto é história.Assim que voltou de Londres,Gilberto Gil escolheu o Recife como palco de um dos seus primeiros shows pós-exílio.O disco que marcou a volta de Gil ao Brasil começa –não por acaso - com uma gravação da Banda de Pífanos de Caruaru tocando “Pipoca Moderna”. Nesta entrevista,Gilberto Gil fala da Banda de Pífanos,Londres,exílio,utopias e saudades brasileiras.

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*Qual seria a primeira frase de um livro de Gilberto Gil sobre Gilberto Gil?

Gil : “Eu, brasileiro,confesso minha culpa, meu degredo...”

*Cabelo branco é sinal de cansaço ou de sabedoria?

Gil : “Meu pai com 40 anos já tinha a cabeça toda branca.A minha não ficou toda branca. Ainda não estou tão cansado - nem tão sábio assim”.

*Você, há alguns anos, citava Jean Paul Sartre para dizer: “Já não serei um grande homem, mas serei um homem de bem”. O desejo continua?

Gil : “Com o tempo,o desejo de ser “grande homem” vai se esvaindo. Ao realizar o que é possível,a gente se defronta com as limitações.Você não vai ser o maior.Não vai ser o melhor.Vai ser simplesmente o bom (risos). Ser um homem de bem é uma bela coisa, porque significa uma auto-conciliação : você já equilibrou a noção do pecado com a noção da redenção, já se redimiu.Só precisa ficar atento ao comportamento, porque ainda pode incorrer em pecado. Afinal, as regras ainda existem.Mas o auto- equilíbrio já ficou mais bem realizado. Falo do bem não no sentido maniqueísta. O bem é uma bela utopia, realizável.O desejo de ser apenas um homem de bem me faz lembrar uma canção do Caetano Veloso, em que ele diz “sou homem comum/ninguém é comum”. Quer dizer : ser um homem de bem, ninguém é de bem. Não quero ser nada excepcional.Basta ser comum,basta ser igual a todos : um pouco bom, um pouco mau, um pouco quieto, um pouco inquieto, um pouco tudo,um pouco nada.Acho que basta. Ser grande é ser fora do comum. Para mim, basta ser um homem de bem. Sou um homem de bem, mas ninguém é de bem”.

*Que papel você atribui a Gilberto Gil no cenário da música popular brasileira na segunda metade do século XX ? Qual terá sido a maior contribuição ?

Gil : “A contribuição foi levar a Banda de Pífanos de Caruaru para a música popular. Minha maior contribuição,na verdade, foi propor a Caetano Veloso que a gente juntasse a Banda de Pífanos com a Sargeant Pepper´s Lonely Hearts Club Band (n: título do álbum dos Beatles lançado em 1967) . É uma contribuição que,no fim das contas,veio dar em Chico Science,veio dar nessas coisas todas. Minha grande conquista,na verdade, foi ter conhecido Caetano Veloso.Minha grande contribuição foi ter proposto a ele que fizéssemos essa junção,entre a Banda de Pífanos e a Sargeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band”.

*Você teve um encontro com John Lennon, em Londres, durante o exílio, você na platéia, ele no palco. Aquele show deixou uma marcas em você?

Gil : “Eu estava na platéia e John Lennon estava com Yoko Ono,no palco do Liceum,uma casa prestigiosa. Eu era amigo de Alan Watts, que hoje é do Yes e na época tocava com a Plastic Ono Band,a banda que acompanhava Lennon. Era uma véspera de natal. O show, muito interessante, tinha um ar de happening : Yoko,por exemplo,saía de dentro de um saco,o que ainda não era usual em concertos da época. Yoko tinha todo aquele trabalho de artes plásticas. Lennon tinha deixado os Beatles há pouco tempo. Por essa razão,o show foi muito marcante”.

*Tanto tempo depois da volta do exílio, o que ficou de bom e o que ficou de ruim daquela temporada em Londres?

Gil “É como se ter ido fosse necessário para voltar, tanto mais vivo de vida, vivida, dividida, pra lá e pra cá”..(Gil cita a letra de “Back in Bahia”,uma das músicas do disco que ele lançou ao voltar para o Brasil,em 1971). Ainda ontem estava pensando sobre essa música : exatamente na palavra “dividida” e no que ela queria dizer. O que diria hoje,para mim, esse sentido de dividir ? O que me dividiu? Eu me dividi mesmo ao ir para Londres ? A divisão significou uma ruptura ou tudo se dividiu como se dividem as moléculas, as células ? Tenho a impressão de que a divisão ocorreu mais nesse sentido : não houve traumas; não fiquei com marcas negativas da passagem por Londres. Aprendi a tocar guitarra em Londres,assim como foi em Londres que me tornei um “band leader” -como diria Jorge Ben na “Banda do Zé Pretinho”-,nesse sentido pop, moderno. Gosto disso. Aprendi inglês. Meu filho Pedro nasceu em Londres. Não tenho queixas”.

O exílio teve coisas boas e coisas ruins.Uma cena magnífica - que nunca esqueço - foi o dia da vitória do Brasil sobre a Inglaterra,por um a zero,na Copa do Mundo de 70.Os ingleses tinham vencido a Copa de 66.A expectativa na Inglaterra inteira era de que eles ganhassem do Brasil e partissem para o bicampeonato.Conseguimos ganhar aquela partida. Um dia depois,no bairro de Chelsea, onde eu morava, as parades estavam todas pichadas: “Rivelino Revelation”. Uma coisa maravilhosa”.

*Você nunca pensou em usar essa frase em uma música ?

Gil : “Você acaba de me dar uma idéia....”.

*Já se disse que 1968 foi “o ano que não terminou”. Qual foi o fato que você viveu em 68 que nunca pôde ou nunca quis contar?

Gil : “1968 foi um ano marcado por uma paranóia muito grande de minha parte. O ano marcava o final, o canto do cisne do tropicalismo. Vejo em 68 o ano básico das grandes indisposições com colegas que se mostraram reticentes - alguns mais do que reticentes;resistentes,mesmo,ao esforço,ao esboço e ao empenho tropicalista. Naquele ano, tive pela primeira – e última vez também – um problema sério de desavença com Caetano, exatamente no dia da apresentação do programa tropicalista que o Zé Celso Martinez Correia dirigiu”.

*A “primeira e última” desavença com Caetano Veloso foi de natureza estética?

Gil : “Fiquei com medo de me apresentar. Tinha havido um incidente com o Vicente Celestino - que veio a morrer naquela noite, durante um ensaio. Eu tinha ficado nervoso e com medo. Já vinha vivendo uma paranóia grande : o programa era sistematicamente rejeitado pelas donas-de-casa do interior de São Paulo. Recebemos cartas de prefeitos, a sociedade civil toda rebelada contra nós.Eu morria de medo daquilo tudo. Quando saímos do ensaio para voltar para casa, eu disse a Caetano: “Não estou com vontade de fazer esse programa.Não vou fazer”. Caetano,então,ficou bravo, reclamou muito comigo, a gente discutiu. Acabou me convencendo a fazer o programa”.


*Você falava no início dos anos setenta do ano 2000 na música “Expresso 2222” - regravada há pouco por João Bosco,num Song Book. O ano 2000 funcionava para você,na década de sessenta,como símbolo do futuro e divisor de águas ?
Gil : “Vários dos traços utópicos que se enxergavam no símbolo 2000 confirmaram-se ou foram definitivamente arquivados. Por exemplo : a new age,a aproximação entre a ciência e o misticismo,toda aquela perspectiva anunciada pelos hippies,pela ligação indiana,pelos Beatles e pelos beatniks,aquilo tudo de uma certa forma se confirma; em outros aspectos,se dilui definitivamente”.

*Quando se falava em futuro no Brasil, o símbolo era sempre o ano 2000. O Brasil, que sempre foi citado como o país do futuro, vai lhe dar mais alegrias ou mais tristezas nesse começo de milênio ?

Gil : “O Brasil já vem me dando um pouco mais de alegrias. O país vem se configurando definitivamente como um país real de uma sociedade real. É um país novo, proposto e criado na esteira dos descobrimentos, com toda aquela tragédia da vertente ameríndia. Igualmente,a tragédia africana também se desenvolveu aqui. Por todos esses motivos,é um país com um traço trágico muito profundo. Agora,pela primeira vez, o país vive com uma certa consciência desse traço trágico,sem aqueles arroubos de uma quimera paradisíaca que viria em algum tempo.

Hoje,o que temos é um país real - que precisa pagar todo dia pela superação de seus problemas. Há uma sombra enorme deixada pela herança européia sobre nós.Aos poucos,vai se resgatando esse traço europeu,a alma-mãe indígena e a mãe africana”

*Quando você explodiu,com Caetano Veloso, vocês representaram o vigor e a energia da juventude em busca de mudanças e de transformação do país. Qual foi a grande utopia que fracassou? Que utopia fracassada dói particularmente em você?

Gil : “A utopia brasileira que fracassou não era apenas brasileira. Era uma utopia do planeta todo, especialmente de áreas secundarizadas,aquelas em que vivem os povos chamados subdesenvolvidos : a utopia socialista, a utopia da Revolução. É uma utopia que varreu a África e a América Latina,além de se insinuar também em países europeus como a França e na Alemanha e se esboçar fortemente no Leste europeu e na China.Formaram-se duas grandes repúblicas socialistas no mundo. Houve a revolução cubana - a nossa versão tropical, cativante, interessante. Digo que essa foi a grande utopia não realizada”.

*Em 1977, você chamou os socialistas de beócios, o que provocou uma reação da esquerda na época.Já naquela época o Muro de Berlim incomodava você ?

Gil : “Eu me formei,na universidade,em 1964,justamente o ano do golpe - o momento em que desmoronou a utopia revolucionária. Era secretário de cultura do centro acadêmico da minha escola. O centro era evidentemente, dominado pelas esquerdas,assim como todos os outros centros. Havia dois ou três representantes do centro,mas, basicamente os integrantes eram de grupos de esquerda como a Ação Popular(AP ),um braço do movimento católico.
Já naquela época,nas discussões com esses colegas,eu dizia: “Não sei se essa utopia socialista é realizável; não sei se a realidade da vida humana permite que ela se instale”. Os colegas brigavam um comigo: “Você é um fracote ! ”. Sempre discuti com as esquerdas em relação a esse dado do sonho utópico : eu já desconfiava de que não dava”.

*Você prefere o professor ou o presidente Fernando Henrique Cardoso?

Gil: “Gosto muito do fato de os dois – o professor e o presidente - poderem coincidir. É uma coincidência interessante, porque Fernando Henrique é um homem que tem uma visão sobre o Brasil, sobre a América Latina e sobre o mundo.Basta lembrar dos estudos comparativos que ele fez sobre América,Europa e Brasil, sob o ponto de vista da sociedade. É uma coincidência boa o fato de o Brasil ter Fernando Henrique como presidente numa época de transição violenta por que passa a sociedade mundial.O presidente é um homem que aprendeu muito sobre como teorizar,como analisar o povo e a sociedade brasileira,nas vertentes econômicas e sociais. Agora,aprendeu a fazer política. Aprendeu mais depois que foi ministro de Itamar Franco e presidente. O Brasil nunca esteve tão bem servido”.

*Dos encontros que você teve com ele, qual foi a impressão mais marcante que ele deixou em você?

Gil : “Do que eu mais me lembro é de uma situação em que ele concordou comigo.Em 1987,1988 ,ele era senador quando se estava preparando a nova Constituição. Eu pretendia ser prefeito de Salvador.Fernando Henrique era do PMDB.Eu também. Numa visita que fiz a Brasília, estive no gabinete de Ulisses Guimarães,falei com vários deputados e senadores,acabei no gabinete do Fernando Henrique.Terminamos conversando sobre a Constituição.Eu -que, evidentemente,estava ali muito mais para aprender,porque não tinha nada a ensinar a ele – disse a Fernando Henrique : “Senador, tenho medo de que essa Constituição fique muito corporativa...”. E ele : “É mesmo!”. Para mim,aquela concordância foi sintomática e interessante.Porque -de certa maneira – a suspeita de que a Constituição fosse corporativa terminou se confirmando na presidência do próprio Fernando Henrique”.

*Você uma vez confessou que entendia por que John Lennon dizia que a dor era o “substrato básico da criação”. Se você concorda com esse raciocínio, então por que noventa e cinco por cento de suas músicas são alegres?

Gil : “Porque a alegria não leva a gente a descer aos infernos. A alegria bóia, tranqüila, fagueira,no brilho dos raios do Sol sobre a superfície das águas.O que sai desse tipo de criação é uma coisa leve.
Já a dor leva a uma profundidade que nos impressiona mais. Não é que a dor seja melhor ou mais bonita ou mais interessante. Nós é que valorizamos mais o que nasce do fundo do poço. Aquilo que tiramos lá do fundo da cacimba nos parece mais precioso. A dor é assim : obriga-nos a descer aos infernos da alma”.

*O caso mais doloroso de música que você compôs foi “Cálice”(“Pai,afasta de mim esse cálice/afasta de mim esse cálice de vinho tinto de sangue”) .Pouca gente sabe que é uma parceria de Gilberto Gil com Chico Buarque. Você diria que “Cálice” é a música mais dolorosa que você fez?

Gil : “Em “Cálice” há dois aspectos: uma dor pessoal e uma dor exterior . Sobre a dor pessoal,há outras músicas: “Drão”,por exemplo, é uma música de separação. Além de sofrer muito,eu acompanhava de perto o sofrimento de Sandra,minha mulher – de quem eu estava me separando. Já “Cálice” traduz,num nível pessoal,o sentido genérico da dor.Ali,aparece a dor numa expressão maior : era a dor do calvário, a tradução de uma dor genérica”

*Por que você não consegue cantar “Cálice” em público, quando esta é uma de suas raras parcerias com Chico Buarque ?

Gil : “Cálice” me remete à idéia de sofrimento. A música nasceu uma sexta-feira da paixão.Chico Buarque tinha ido assistir na véspera a um show meu, para a gente pensar na realização de uma música. Fiquei em casa na sexta-feira da Paixão, meditando, meditando, até que a dificuldade de fazer a música me fez lembrar do sofrimento do Cristo no Horto das Oliveiras.Tive então a idéia da primeira frase : “Pai, afasta de mim esse cálice/Afasta de mim esse cálice de vinho tinto de sangue”. Um dia depois,no sábado de Aleluia, levei a frase para a casa de Chico - que morava ali na Lagoa. Daí é que surgiu a frase que vem mais adiante : “Ver emergir o monstro da Lagoa”. Porque Chico,como eu disse,morava ali defronte. A música foi feita num período difícil,em meio à censura, à ditadura, à perseguição em cima da gente,numa louca sexta-feira da paixão”.

* “Cálice” era,portanto,mais uma dor política do que uma dor pessoal. Das músicas de Caetano Veloso,existe alguma música que desperte ciúme autoral em você?

Gil : “Há várias !”

*Qual é aquela que dá inveja em você, a que você gostaria de ter escrito?

Gil : “Coração Vagabundo”.

*Entre os seus amigos - que foram personagens importantes da cultura brasileira, como Glauber Rocha e Darcy Ribeiro - quem é que faz mais falta ao Brasil de hoje ?

Gil : “A complexidade do Brasil faz com que sejam necessários todos os ângulos de visão.Mas,hoje,sinto muito a falta de Darcy Ribeiro. Há no Brasil a sombra projetada pelo colonialismo e pela invasão européia. É terrível a supressão da mãe índia. Darcy Ribeiro é o intelectual brasileiro que foi mais fundo nessa questão”.


*Representantes ou porta-vozes de um pensamento intelectual brasileiro -como fazia Paulo Francis, por exemplo - reclamam de que a imprensa brasileira e o público dão uma importância excessiva aos músicos populares do Brasil. Em algum momento você chegou a concordar com essa opinião?

Gil : “Isso é inveja,é bobagem.O que a gente vai fazer? O destaque que os músicos populares desfrutam no Brasil é uma escolha do povo, uma escolha da alma.Diz respeito a uma carência verdadeira : o povo precisa desse ungüento. A atividade da música e da poesia popular – em que se transmitem sentimentos através das canções - é mais balsâmica do que qualquer outra coisa. Desempenha uma função curativa sobre as pessoas, maior do que outras áreas de produção cultural : maior do que os livros, maior que o cinema,maior que a novela,até.
A música continua a ser essa manifestação mais direta, mais imediata. Como é que a gente vai contrariar o público? O peso dado à música no Brasil não é uma escolha nossa, não é uma imposição,não é uma consequência da mecânica capitalista ou do processo industrial, em que se pode dizer “investiu-se mais na área dos artistas e eles ficaram mais populares”.Não é assim ! Os jogadores de futebol –por exemplo - recebem o mesmo grau de idolatria, porque o que eles fazem também preenche uma necessidade.Não se pode brigar contra esse mistério da subjetividade”.

*Suas músicas mais recentes falam de ciência. Você, como artista, considera a ciência superior à arte como instrumento de busca da verdade ou as duas podem se completar?

Gil : “As duas se completam.O físico César Lates disse que a ciência é irmã bastarda da arte.Num encontro que tivemos em Campinas,ele me disse que a sociedade dos cientistas tinha ficado aborrecida com essa declaração. Eu não chegaria a tanto : não colocaria a arte num plano de superioridade, mas,num em plano de complementaridade em relação à ciência. Parto do seguinte princípio: em toda ciência, para descobrir e conceituar qualquer coisa, você precisa da arte. Precisa cumprir processos que,no fim,são artísticos : é a arte de fazer isso,a arte de fazer aquilo.
Tudo é a “arte”: a arte de pensar, arte de fazer, arte de dizer.Talvez a arte tenha,então,uma precedência - não uma superioridade. A arte precede qualquer conquista humana. Tudo o que o homem fez foi arte : descobrir o fogo e a roda, desenhar nas cavernas, utilizar a pedra. Toda descoberta implica em arte - inclusive as da ciência. O que aconteceu foi que a ciência acabou se separando da arte : achou um nicho no cérebro,terminou se transformando numa área específica de conhecimento. Criou-se,então,a idéia de superioridade da ciência,mas acho que a arte tem um precedência em relação à ciência”.

*O futebol,tão importante na vida do brasileiro,é quase ausente na música popular.Por que a música não trata mais do futebol,já que o brasileiro gosta tanto de futebol e de música ?

Gil : “Não precisa.O futebol e a música são paixões gêmeas. Uma e outra são gêmeas no afeto e na celebração popular.Uma não precisa ficar cantando a outra”.

*Você já escreveu sobre futebol,entre outras músicas,em “Meio de Campo”,aquela que cita o jogador Afonsinho...

Gil : “Aquele Abraço” fala de futebol. Jorge Ben tem várias músicas que falam de futebol,como a que ele fez para Zico,a que fala nos goleiros,além “Fio Maravilha”.O futebol já tem tanto realce em nossa alma que a gente não precisa ficar falando dele. O povo já conhece –e muito - o espírito embriagador do futebol. A música não precisa ficar revelando esse encantamento. A missão da poesia popular talvez seja a chamar a atenção para um encantamento que ainda não esteja suficientemente explícito e revelado. Mas acho que,no caso do futebol, não existe esta necessidade : todo brasileiro entende a alma da bola, sabe tudo sobre ela”.

*Você falou sobre a resistência que houve em áreas da música popular brasileira ao projeto dos tropicalistas. Você estava se referindo especificamente ao grupo que era identificado com a Bossa Nova, na época?

Gil : “Quem resistia começava a se identificar não necessariamente com a Bossa Nova, mas com o embrião do que veio a se chamar de MPB. A música popular - que tinha passado pela Bossa Nova, pelo samba de morro, pelo Opinião, por Zé Keti, por Nara Leão, pelo Rosa de Ouro,por toda aquela recuperação de uma visão aristocrática do samba no Rio de Janeiro – era contrária, evidentemente,à nossa atitude,porque o que nós propúnhamos era uma horizontalização democrática, aberta a tudo, inclusive à música estrangeira.

Ora,a música estrangeira era vista como associada ao imperialismo, ao colonialismo.Nós,no entanto,a redimíamos. Tudo estava ligado também à resistência política. Todos estávamos ligados a uma luta política antiimperialista. Mas parecia que o movimento tropicalista era de concessão imperialista, porque deixava entrar o elemento estrangeiro, o rock, o jazz. Passávamos a reverenciar essas coisas, em pé de igualdade com as manifestações locais. Todo esse quadro causou uma complicação na cabeça da esquerda”.

*Você acha que o grande equívoco em relação ao tropicalismo foi acharem que ele era um movimento “entreguista”, numa época tão ideologizada quanto aquela?

Gil : “Sem dúvida,era um equívoco.O tropicalismo,na verdade,era uma premonição da situação em que a gente vive hoje,com a globalização e a pluralização internacionalista. Ou seja : era mais o jovem Marx do que o velho Marx. A esquerda naquela época,como se sabe,era toda o velho Marx : vivia-se a fase do socialismo institucional, leninista, já pós-marxista. Já o tropicalismo era internacionalismo juvenil do jovem Marx”.

*Durante os governos militares, havia uma grande expectativa sobre o que ocorreria no dia em que o Brasil voltasse à vida civil. Hoje, há um certo sentimento de frustração, porque expectativas não se confirmaram. Você concorda com isso?

Gil : “A projeção de expectativas foi demasiada.Projetou-se demais.De novo, parecia que o país estava precisando de um pai civil. Era como se estivéssemos abrindo mão de um pai militar para receber um pai civil. Não existe um pai salvador. Ao contrário : o que existe é um país civil dramaticamente entregue ao conjunto de suas interações,ao vazio atomístico de suas realidades.É complicado.Mas aos poucos, o quadro vai se refazendo : o país toma consciência da realidade.O Brasil é hoje um país sem dúvida mais maduro”.

*Nada é tão simples quanto parecia...

Gil : “Nada é tão simples : não se pode remeter ao governo a responsabilidade pela solução de todos os problemas. A política,ineficiente e ineficaz,é responsável por todos os males. Quando ela for super-eficaz, vai ser responsável por todas as soluções. Mas ela não adquire essa eficácia porque ss exerce no meio dos homens : o jogo dos interesses continua. Os interesses mais fortes continuam mais fortes.Tendem,portanto,a prevalecer a médio e a longo prazo sobre outros interesses - que são da maioria mas possuem menos força. De qualquer maneira,as coisas estão se equilibrando um pouco melhor. Mas o idealismo da solução ideal vem caindo por terra”.

*O que significa para você o Jomard Muniz de Britto sessentão,ele que foi um dos precursores do tropicalismo no Nordeste ?

Gil : “Quero partilhar, no contexto de minha geração,no forno do meu fogão existencial,desse pão de farinha nordestina que é Jomard Muniz de Brito.É bardo, professor, amigo, entusiasta, cultuador, fã,torcedor de todas essas coisas, torcedor do Brasil, torcedor do destino, autêntico, sonhador, apostador do sonho brasileiro, tropicalista da primeira hora. Sobre Jomard não se pode falar: ele é só aquele vozeirão.Maravilhoso”.



*Você diria que o exercício da política fez bem ou mal ao ex-vereador Gilberto Gil ?

Gil : “A gente se recupera, mas,durante mandato de vereador,naquele período todo na Bahia,comecei a desenvolver uma dor no peito.Tive que trabalhar muito, caminhar,fazer exercícios, acalmar a cabeça, a mente e o coração, para poder me livrar da dor que a política me deu.A política pode virar angina”.

*O que você diria hoje aos presidenciáveis que sonham em subir a rampa do Planalto?

Gil : “Como é que se pode inverter essa usura exagerada com que trabalha o capital selvagem no Brasil ? Qual é o segredo para dobrar esse pessoal ? O que se pode fazer para que se tenha um gesto mais generoso com essa nação e com esse povo ? Peço a eles que meditem”.


*Você já foi guru de muita gente. Quem é o guru de Gilberto Gil hoje?

Gil : “Hoje,meu guru é o silêncio. Quando consigo calar a voz do pensamento, quando consigo conciliar o som, quando consigo esquecer a poesia,a filosofia,as alegorias e os ditames da cidadania,quando consigo ter sono,dormir, me aquietar e silenciar, aí eu tenho uma espécie de mestre”.

*Você ainda é um brasileiro esperançoso ?

Gil : “Sou otimista, porque não vejo vantagem no pessimismo. A letra de uma música minha chamada “É” diz : “A violência, a injustiça e a traição ainda podem perturbar meu coração/mas já não podem abalar minha fé/porque eu sou e Deus é/e disso é que resulta toda a criação”.

(1997)

Posted by geneton at 12:30 PM

abril 07, 2004

O GRANDE GRACILIANO RAMOS ," RÚSTICO E INTRATÁVEL" , DIZ AO JOVEM POETA POR QUE NÃO LIA MARCEL PROUST : "NÃO LEIO VIADOS !"

Posted by geneton2 at 05:16 PM

abril 05, 2004

O PAULO FRANCIS DO TÂMISA LEVANTA A VOZ : A MENTALIDADE POLITICAMENTE CORRETA É UMA NOVA FORMA DE TOTALITARISMO , NASCIDA NAS UNIVERSIDADES

Posted by geneton2 at 12:17 AM

OSCAR NIEMEYER

Marque com um x a resposta certa :

( ) PESSIMISTA
( ) ESPERANÇOSO
( ) GENIAL
( ) “IGNORANTE”
( ) DINOSSAURO POLÍTICO

QUEM É OSCAR NIEMEYER ?

(AQUI,ELE RESPONDE)


O jornal inglês Daily Telegraph concedeu ao nosso personagem um título pomposo, num artigo publicado no ano passado :
Oscar Niemeyer é o “último grande arquiteto modernista visionário”.

O Oscar Niemeyer que aparece nas enciclopédias pode ser descrito como um gigante da arquitetura mas, pessoalmente,exala uma certa fragilidade.É baixo.Fala com voz contida.Declara-se olimpicamente desinteressado das glórias terrenas. É provável que a alegada modéstia esconda,na verdade,uma ponta de justificada vaidade. Arquitetos desenham casas,prédios,praças. Niemeyer concebeu uma cidade :

- "Quando chego perto de Brasília, parece um milagre.Fico pensando que seria quase impossível Juscelino ter feito aquela obra toda em três anos e meio. Hoje,para fazer um dez edifícios, levam-se três anos. Em Brasília,era preciso fazer tudo : uma cidade inteira. Aquilo foi uma cruzada que mostrou que nós,brasileiros,podemos fazer alguma coisa. Brasília foi um momento importante para o povo brasileiro".

Quando recita sobre Brasília, Niemeyer parece encarnar o título de “visionário”. Uma longa entrevista com Niemeyer,no escritório em que trabalha até hoje,pode trazer surpresas. Comunista renitente, recusa-se a aceitar o fim inexorável da União Soviética. Corre o risco de segurar o bastão de último comunista incondicional do planeta. Gilberto Freyre disse uma vez que Niemeyer,arquiteto genial,era um homem ignorante porque vivia repetindo palavras de ordem marxistas (Niemeyer dá,nesta entrevista, uma resposta mineira quando confrontado com a crítica) . A bem da verdade,diga-se que Niemeyer não é cem por cento previsível em suas declarações de princípios. Exemplo : é um pessimista que,contraditoriamente,gosta de falar em esperança. Um diálogo com ele pode ser rico e surpreendente. O ateu Niemeyer emociona-se ao descobrir,através de um amigo cientista, que o Homem e as estrelas são feitos da mesma matéria. Nem tudo é amargor na cartilha do mais célebre dos arquitetos brasileiros. Pelo contrário. Aos noventa e três anos, é um apóstolo devotado da seita dos que nunca deixaram de acreditar nesta utopia de seis letras chamada Brasil.


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O senhor transmite uma visão pessimista da vida - um certo enfado diante das coisas.Como é que se justifica tanto pessimismo num homem tão bem sucedido ?

Niemeyer : “Sou pessimista diante da idéia de que o homem ,quando nasce,já começa a morrer,como notou Jean Paul Sartre.Mas,na vida,caminhamos rindo e chorando o
tempo todo : é preciso,então,aproveitar o lado bom da vida,usufruir o melhor possível e aceitar os outros como eles são.Sempre digo : o importante é o homem sentir como é insignificante,é o homem olhar para o céu e ver como somos pequeninos. Ultimamente, no entanto ,tenho me espantado como a inteligência do homem é fantástica ! Tenho conversado sobre astronomia.Como é imprevisível o que ele
pode criar ! . Numa dessas conversas que tenho tido com um amigo sobre o cosmo, ele me explicou que o homem é filho das estrelas.A matéria é a mesma ! Então, é mais emocionante ser filho das estrelas do que ser filho da terra. Eu sempre dizia que a vida não teria sentido,o homem é filho da terra, como os outros bichos,os outros animais. Mas acho que o futuro será melhor.
Os mais inteligentes se queixam do mundo.Acham que o mundo tem prazeres e alegrias,mas a razão de a gente estar aqui é precária.Em todo caso,ninguém quer abandonar o espetáculo.
Entre os homens, a maioria é formada pelos que lutam,os que estão sofrendo,os que são humilhados. O drama do ser humano é ver o homem nascer e morrer. Ninguém quer nem pensar sobre este assunto. Os mais ricos
estão se divertindo. Não querem pensar em nada : só querem usufruir as boas coisas da vida. Os outros nem têm nem tempo para conseguir viver um pouco”.


O senhor sempre disse que via o homem como um bicho “terreno,biológico,sem mistérios”. Depois dos noventa anos de idade,esta visão de mundo mudou de alguma maneira ?

Oscar Niemeyer : “A visão do mundo,não . O pessimismo é coisa antiga – antiquíssima- que,no entanto,não leva ao niilismo. Jean Paul Sarte era pessimista : dizia que toda existência é um
fracasso. Mas ele gostava da vida. Apoiou todos os movimentos populares e progressistas de libertação. Dizia aos amigos que gostava de ter dinheiro
no bolso pra dar de esmola. Então, uma coisa - o pessimismo- não tem a ver com a outra - o niilismo. O que acho –sempre - é que o homem tem de viver dentro da verdade, saber que não é importante. A disseminação
dessa crenca levaria o homem a uma posição mais modesta. Porque o homem precisa saber que a vida é curta mesmo. Isso não quer dizer,no entanto, que a vida deva ser marcada pelo niilismo. Não ! O homem continua a sonhar, a pensar nas coisas boas - de braços dados uns com os outros”.


Se o senhor fosse chamado a escrever um verbete sobre Oscar Niemeyer numa enciclopédia, qual seria a primeira frase ?

Niemeyer : “Eu diria que é um ser humano como outro qualquer - que nasceu,viveu e morreu. Sou um homem comum – que trabalhou como todos os outros.Passou a vida debruçado sobre uma prancheta.Interessou-se pelos mais pobres. Amou os amigos e a família. Nada de especial .Não tenho nada de extraordinário.Acho ridículo esse negocio de se dar importância.Eu consegui manter,a respeito dos homens, uma posição que me tranquiliza muito : vejo os homens como uma casa,em que você pode consertar as janelas,acertar o aprumo das paredes,pintar.Mas,se o projeto inicial foi ruim,fica prejudicado. Aceito as pessoas como elas são. Todo mundo tem um lado bom e um lado ruim. O homem nasce numa loteria : é bom,é ruim,é inteligente ou não. Se a gente aceita este fato como uma condição inevitável,a gente tem de ser mais paciente com as pessoas,aceitá-las como elas são”.

O senhor escreveu : "Sempre admiramos as pessoas que são o que nós gostaríamos de ser" .Quem é que o senhor gostaria de ser hoje ?

Niemeyer : “Não vou citar ninguém.Mas gostaria de ser um sujeito normal - que tem prazer de ser útil e ajudar os mais pobres.É o mais importante na vida”.

O seu medo de viajar de avião é famoso.A que grande encontro o senhor faltou por ter medo de viajar de avião ?

Niemeyer : “Eu tinha combinado com Assis Chateaubriand de me encontrar com ele em Pernambuco . Ele foi na frente,eu iria depois.Mas ele foi -e eu não. Quando ele se encontrou comigo,dias depois,disse : " Você agiu como um verdadeiro comunista !" . Mas ele gostava de mim; nos dávamos bem. O medo de viajar de avião me atrapalhou muito.Um dia,eu estava em Brasília, JK me telefonou para que eu viesse com ele de avião para o Rio de Janeiro.Não vim. Viajei de automóvel. Houve,então,um acidente com o carro em que eu viajava. Passei quinze dias no hospital. O medo de avião não vem de nenhum raciocínio . É coisa minha mesmo. Não viajo quando não quero. Mas muitas vezes invento essa historia de medo de avião,,porque não quero viajar”.

O senhor disse que tinha uma certo " sentimento de culpa" por ter tanto medo de avião .É verdade ?

Niemeyer : “...Mas eu não gosto desse negócio de altura ! Tantas vezes voltei do caminho....Deixei de viajar.Uma vez,eu estava na Argélia.Quando chegou a hora de o avião sair - eu já tinha posto aquele balinha na boca - , eu disse : “Não vou !” . Peguei o meu colega e saí. Isso criou uma dificuldade,porque a mala já estava no avião. Mas
viajei muito. Já embarquei três vezes num Concorde ! É um sistema pra prático - que a gente tem de aceitar”.


O senhor se lembra quando foi a primeira vez em que Juscelino Kubitscheck falou ao senhor sobre o sonho de construir Brasília ?

Niemeyer : “Eu me dei com Juscelino desde o primeiro dia .O primeiro trabalho que fiz como arquiteto foi a Pampulha- a primeira obra que ele construiu.Pampulha, então, foi o
início de Brasília : a mesma pressa, a mesma correria,os mesmos problemas econômicos para fazer a obra.Quando veio a idéia de Brasília, JK foi à minha casa,nas Canoas,no Rio. Descemos junto para a cidade. Juscelino vinha dizendo : " Oscar,vou fazer Brasília !.Vai ser a capital mais bonita do mundo !" .

O senhor tem alguma dúvida sobre as circunstâncias da morte de JK ?

Oscar Niemeyer : ”Não.Nenhuma.Acho que foi um acidente”.

Qual foi o último encontro entre os dois ?

Niemeyer : “Quando Juscelino estava em Paris,estive com ele. Eu ia ao apartamento em que ele vivia.Juscelino foi uma pessoa muito importante para a vida brasileira. A construção de Brasília foi um momento de otimismo e de esperança. Brasilia foi aquele luta : a terra
vazia, tudo por começar,sem estrada,sem conforto.Mas havia entusiasmo.Havia pressão de Juscelino e de Israel Pinheiro.A meta era : terminar de qualquer maneira. O prazo foi cumprido. Brasília foi um momento estranho : vivíamos junto aos operários,freqüentávamos as mesmas coisas,as mesmas boates,com a mesma roupa.Aquilo dava uma idéia de que o mundo estava evoluindo,o tempo estava melhorando.Iria desaparecer aquele barreira de classes.Mas era um sonho.Depois,vieram os políticos,vieram os homens do dinheiro.Tudo recomeçou : essa injustiça imensa,tão difícil de reparar”.

O poeta Joaquim Cardoso vivia dizendo ao senhor que era importante visitar os observatórios para estudar o céu.É esse o motivo que o levou a se interessar por astronomia ?

Niemeyer : “ Tenho conversado,no meu escritório,com um cientista que vem falar sobre o cosmo. É um assunto que interessa a gente- principalmente quando a conversa se encaminha para a esperança e a invenção . A gente vê como tudo é
possível ! O homem ,que parece insignificante, tão
pequenino quando visto do céu, na verdade é o único elemento de inteligência no universo. Tudo é possível, então ! A gente lembra de
que há cinquenta anos não existia televisão. Agora , a gente
já admite a transposição da matéria ou que o homem possa viajar entre as estrelas. Pode até habitar outros planetas. Um mundo novo vem surgindo. E é fantástico”.

O senhor,que é um homem sem crença religiosa,em algum momento teve a tentação de acreditar em Deus ?

Niemeyer : “Venho de uma família católica - que veio de Maricá, eram fazendeiros. O meu avô foi
do Supremo Tribunal. Tínhamos missa em casa,com a presença de
vizinhos. Mas,quando saí para a vida,superei tudo isso.Vi que o mundo era injusto. Não acredito em nada. Acredito na natureza : tudo começou não se sabe quando nem como. Eu bem que gostaria de acreditar em Deus.Mas não.Sou pessimista diante da vida e do homem”.


O que o levou a não acreditar em Deus foi essa constatação de que o mundo era injusto ?

Niemeyer : “ O mundo é injusto,sem perspectiva.A indagação que a gente faz os pintores antigos já escreviam nos quadros : “De onde viemos ? O que somos ? Para onde vamos ?”. Quando eu era pequeno – tinha uns quatorze anos - já pensava na
morte. Ficava meio desesperado quando pensava que o sujeito vai desaparecer, não vai pensar mais nada. Mas a vida é assim : o que a gente deve é procurar procurar ser útil e dar as mãos”.

O senhor uma vez escreveu "minha posição diante do mundo é de invariável revolta" .Onde é que nasceu esse sentimento ?

Niemeyer : “Veio da miséria que nos cerca.Ninguém resolve. É uma luta de milhares de anos : a gente vê os mais ricos usufuindo tudo. Quando faço um projeto de um prédio público - por exmeplo- procuro fazer algo bonito. Primeiro,porque esse
é o caminho da arquitetura. Eu sei que os mais pobres não vão
usufruir nada desse edifício, mas sei que, se o edifício for bonito, os pobres vão parar e ter um momento de espanto e alegria ao ver uma coisa diferente”.


O senhor não vive na casa que o senhor projetou. Por que é que o homem Oscar Niemeyer não vive na casa que o arquiteto Oscar Niemeyer ?

Niemeyer : “Eu gostaria. Vivi lá dez anos. Lá , JK foi me procurar. Mas é longe,num lugar um pouco deserto. Nesse clima em que vivemos - com assaltos e insegurança – o pessoal prefere ficar mais no centro.A casa ficou vazia. Quase todo dia vem visitante para vê-la. Eu mantenho a casa porque é um bom exemplo de arquitetura, o
lugar é bonito”.

O senhor - que gosta de futebol - participou do concurso para escolha do projeto para a construção do estádio do Maracanã . Como seria o Maracanã de Oscar Niemeyer ?


Niemeyer : “O meu estádio seria pior. Naquele tempo,a idéia que tínhamos de arquitetura em relação a estádio de futebol era fazer uma única arquibancada do lado em que o sol não batesse na cara do espectador. Depois,ao começar a frequentar estádios,vi como era importante existir arquibancada também do outro lado. O sujeito vê o campo , vê o jogo,mas precisa ver também a alegria do estádio ! Então,um estádio circular,como o Maracanã,é a solução melhor. Passaram-se alguns, eu estava na casa de Maria Martins,em Petrópolis, quando chegou Getúlio Vargas,a quem eu nunca tinha encontrado.
Getúlio olhou para mim e disse : " Se eu tivesse ficado no governo,teria feito o seu estádio" .Tive vontade de dizer : " Era ruim. O outro projeto
era melhor" .

O senhor,como noventa e nove por cento dos brasileiros, pensou em ser jogador de futebol.O
senhor tentou a sério ?

Niemeyer : “Eu jogava bem no colégio. Eu me lembro de que um grande goleiro do Flamengo,o Amado,foi do meu tempo de colégio. Uma vez, ele veio me procurar para treinar no Flamengo. Joguei numa preliminar Flamengo e Fluminense. Fiquei espantado com o estádio cheio de gente - por causa do jogo seguinte. Eu só pensava em futebol nos meu tempo de colégio. Joguei pelo Fluminense - como atacante.Gostava de driblar” .

Diz a lenda que o senhor já teve nas mãos um pedaço da lua ,trazido por um astronauta americano.É verdade ?

Niemeyer : “Quando eu estava em Paris,andava
sempre com um grupo do qual fazia parte Ubirajara Brito,um cientista,um físico muito inteligente que tinha sido incumbido de estudar a lua,no laboratório em que trabalhava. Ubirajara Brito nos mostrou pedrinhas brancas da lua. O engraçado é que era uma pedrinha como outra qualquer. Tive vontade de ficar com uma daquelas pedrinhas...”.


É verdade que o senhor projetou uma casa para o seu motorista numa favela no Rio ?

Niemeyer : “O meu motorista mora na favela da Rocinha,em São Conrado.É um amigo : trabalha comigo há quarenta anos.Fiz uma casa para ele lá,porque me dá prazer ser útil. A gente se sente mais tranqüila quando colabora. O fato de comprar um apartamento para Luís Carlos Prestes também me agradou (N:Niemeyer deu de presente um apartamento ao líder comunista,na rua das Acácias,na Gávea,zona sul do Rio).
É como encontrar com uma pessoa na rua e dar dinheiro.De vez em quando,um colega me diz : “É besteira,não adianta nada”. Ora,eu sei que não adianta,mas estou dando um momento
de alegria para a pessoa.Não importa que ela vá usar o dinheiro para beber”.

Em termos arquitetônicos,qual foi a preocupação que o senhor teve ao desenhar a casa para o motorista,na favela ?

Niemeyer : “Ser útil ! Saber que ele agora tem um teto.O problema brasileiro é esse. O movimento que nos entusiasma hoje no Brasil é a luta pela reforma agrária. O mais impoirtante no
momento é o movimento do sem-terra. Quando o movimento começou, fiz uma espécie de estandarte para eles. Mas,já na primeira briga, o estandarte foi estraçalhado. Os integrantes do movimento vieram ao meu escritório, fizeram um pequeno comício. Isso entusiasma a
gente : mexer no mundo,mudar um pouco,acabar com essa miséria”.

Uma década depois da queda do Muro de Berlim, o senhor continua comunista.Mas o chamado “socialismo real”,feito à base se partido único e economia centralizada,ruiu.O senhor não teme ser considerado um dinossauro ?

Niemeyer : “Não. Nunca passou por minha cabeça a idéia de que o que houve na União Soviética tenha sido uma
coisa definitiva. Aquilo foi um acidente de percurso muito natural. Foram
setenta anos de luta e glória. Os soviéticos viajaram para o espaço. Marx inventou uma história fantástica,criou uma esperança nos homens.Por que pensar que tudo acabou ? Quem leu os clássicos soviéticos
sabe que eles são patriotas demais para aceitar essa humilhação”.

Quando deixou o Brasil durante um período do regime militar, o senhor disse : "Resolvi viajar para o exterior com as minhas mágoas e a minha arquitetura" .A arquitetura de Oscar Niemeyer todo mundo conhece.Quais eram as mágoas ?

Niemeyer : “O clima no tempo do governo Médici ficou ruim. Tive de ir para fora. Os que queriam me paralisar me deram a oportunidade de mostrar no exterior a minha arquitetura. Era o que eu precisava. Mas o exílio – até quando é voluntário – é muito duro.Você tem de aproveitar os momentos de calma para se divertir; a vida exige. Mas há momentos de pessimismo e
de saudade. Você fica comovido com uma palavra ,uma coisa qualquer que lembrasse o Brasil, lembrasse a família,lembrasse o que estava acontecendo aqui : aquele miséria imensa,aquela perseguição. A gente se sentia infeliz, queria voltar. Mas a vida é assim. Quando cheguei ao Brasil, fui direto ao quartel. Perguntaram numa sala fechada : "Doutor Niemeyer,o que é que vocês querem ? " . Eu disse "Queremos mudar a sociedade" .O policial que me perguntava disse ao crioulinho que batia a maquina :"Escreve aí : ”Mudar a sociedade !”" . Ele –então - olhou para trás e disse : "Vai ser difícil.....”. Eu até achei graça. O que a gente queria era mudar a profissão daquele homem - por exemplo - ,para que ele tivesse um ofício melhor. A ignorância é que contribui para a manutenção do clima de injustiça – que não se modifica”.

O senhor uma vez chorou ao ouvir uma música de Ataulfo Alves.A música faz o senhor chorar ainda hoje ?

Niemeyer : “A música me trazia lembranças de casa, lembranças de amigos.Além de tudo, é bom chorar : às vezes,é preciso”.

O que é,então,que faz o senhor chorar hoje ?

Niemeyer : “Qualquer sentimento de pesar ou de saudade; um amigo que desaparece. Uma vez,eu estava subindo para o escritório quando um garoto,pobrezinho,veio vender uns
biscoitos. Dei um dinheiro para ele. Peguei o elevador. Quando cheguei aqui em cima , a miséria daquele garoto parecia que era a miséria do mundo. Fiquei tão perturbado que mandei chamar o garoto. Aqui combinamos que ele sairia da rua para estudar. A cozinheira logo achou que ele poderia ficar na casa dela por uns dias.O menino ficou
uma semana,mas,depois, fugiu outra vez.Coisas assim é que deveriam incomodar todo mundo.
Sempre digo : o sujeito para ser feliz tem de ter saúde e dinheiro,mas tem de ser burríssimo, porque pode viver como um bicho. Mas,desde que olhe em volta e veja que existe tanta gente sofrendo, a vida fica mais amarga.”

O senhor sempre combateu os conservadores. Qual foi o brasileiro mais reacionário que o senhor já conheceu ?

Niemeyer : “São tantos....Mas nunca me indispus por questões de divergência política. Tive amigos integralistas. Achava que eles estavam equivocados. Com certeza, eles pensavam a mesma coisa de mim . Mas podíamos conviver perfeitamente. O importante é que haja liberdade para que cada um pense o que quiser. A gente luta pelas coisas em que acredita.Mas o tempo muda as coisas. Eu nasci protestando; vou protestar a vida inteira. O sujeito vem,me pede um protesto,eu às vezes assino sem nem ler direito.Nunca esteve tão ruim, mas a gente precisa ter esperança. Podem ter vendido tudo, a violência pode ter assumido níveis nunca visto antes,mas tem de existir esperança. É preciso brigar,discutir,tomar posição de acordo com o que a situação exige : que todos fiquem contra”.

Todo mundo tem um museu imaginário na cabeça. Qual é a grande obra do museu imaginário de Oscar Niemeyer ?

Niemeyer : “Sempre digo que a arquitetura não é o mais importante para mim. O importante é a vida, os amigos. Mas a grande obra é aquela em que a gente sente um momento de esperança,como aconteceu em Brasília. A gente achava que o mundo iria mudar ; o
preconceito de classe iria desaparecer . Momentos de esperança é que são
importantes”.


Que comentário o então presidente Juscelino Kubitscheck fez ao senhor,ao ver Brasília tomando forma ?

Niemeyer : “Uma noite,quando estava sozinho no Palácio,Juscelino me chamou para conversar. Ficava divagando sobre as metas que iria cumprir. Já eram duas horas da manhã quando saímos. Juscelino nos acompanhou até o lado de fora do Palácio do Alvorada. Como era noite,o Palácio,branco,se destacava na escuridão.Juscelino,então,me pegou pelo braço e me disse : "Que beleza!". O trabalho era duro,dia e noite,mas ele nos entusiasmava com o liberdade que nos dava para que fizéssemos o que bem entendíamos.Era um momento de otimismo.Um dia, ele me telefonou : "Você tem problema de dinheiro.Eu queria que você fizesse,pela tabela do Instituto de Arquitetos,os projetos do Banco do Brasil e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico”. Eu disse : “Não faço; sou funcionário”. Indiquei amigos que fizeram.Mas o convite de Juscelino mostra que ele se preocupava com a gente : estava querendo ser solidário. Tive a chance de lidar com pessoas que me compreendiam e me aceitavam.
Agora,por exemplo,tenho o apoio do prefeito de Niterói - que fez um museu na cidade. Fará outras obras. Pediu-me para projetar um Centro de Convenções em Niterói - um prédio para três mil pessoas. A gente tem de trabalhar,a vida obriga. Além de tudo,o sujeito,na minha
idade,não pode ficar parado : precisa ficar atento. Ou então finge que é
moço,diz besteira,sacanagem....”.

Por que é que o senhor resolveu aprender a tocar cavaquinho ?

Niemeyer : “ Eu frequentava o Clube de Regatas Guanabara.Tinha amigos lá. Os nomes eram engraçados. “Gastão Vida de Cão” era um sujeito que apareceu no clube com
um violão; não tinha trabalho,não tinha onde morar : ficou morando lá. Tinha o “Siri Buceta” (ri). A gente então ficava no Clube brincando e tocando violão . Saquarema era o roupeiro. Jacobina,campeão brasileiro de natação, era músico. Sempre gostei desse negócio de música. Em Brasília,tinha Lelé, Marçal. É um momento de descanso. Eu sabia tocar umas coisas de violão,mas já esqueci muito”.


É verdade que existe uma fita em que o senhor toca com Tom Jobim ?

Niemeyer : “Uma vez,na brincadeira, gente viu se eu o acompanhava Tom Jobim....Era fantástico,assim como Chico Buarque,
Vinícius de Morais. Darcy Ribeiro era um companheiro bom : vivo,inteligente,seguro. Quando veio o golpe,ficou firme no
Palácio, na tentativa de resistir. A vida às vezes faz a gente mais otimista quando gente boa se revela cheia de qualidades.”

Gilberto Freyre disse numa entrevista que o senhor era um arquiteto genial, mas era muito ignorante,porque passou a vida repetindo chavões marxistas. Críticos asssim incomodam o senhor ?

Niemeyer : “Não.Eu li Casa Grande & Senzala e gostei.É um livro mui to bem escrito. Gilberto Freyre era um
grande escritor...”

....Mas como é que o senhor recebia essas críticas ?

Niemeyer : “Cada um pensa o quer quer.Nunca conversei com ele. Eu me lembro de ter me encontrado uma vez –corrida- em Pernambuco”.

É verdade que houve uma festa com a participação do senhor,o compositor Ari Barroso,o pintor Di Cavalcanti,arquitetos estrangeiros que tinham vindo ver o projeto de Brasília e seis mulheres ?

Niemeyer (irritado) – “Conversa assim não é para entrevista....É lógico que às vezes acontecem essas coisas. De sacanagem todo mundo gosta. É o que salva a gente.....(pausa). E essa sua pergunta me chateou.....Uma vez,veio um sujeito aqui para fazer uma
entrevista. Fez uma pergunta e eu disse : acabou a entrevista....(nova pausa). Vamos em frente...”.

Quais serão os próximos projetos ?

Niemeyer : “Fiz um projeto que me interessou para Londres : um hotel situado a cem metros de altura. Aqui no Brasil, tenho dois projetos que me ocupam com todo interesse : o Centro Cultural de Brasília,que o governador Roriz pensa em
realizar,para completar o eixo monumental.É importante para Brasília porque o cartão de visita da cidade é chegar e ver os palácios- o Eixo Monumental. O projeto para a Prefeitura de Niterói é ambicioso,com igreja,catedral,teatro. O terreno fica de frente para o mar : é bonito,um espetáculo de arquitetura. Os prédios vão ter uma unidade.

Quando a arquitetura é bem feita, é facil de compreeender.A arquitetura é verdadeira quando é fácil. A minha arquitetura é assim : feita com a preocupação da beleza . Quer ser bonita, ser lógica
e,princiupaslmente,ser inventiva. Quem vai a Brasília pode gostar
ou não do Palácio.Mas não pode dizer é que viu antes coisa parecida.
Quem é que fez um Congresso com aquelas cúpulas ? Quem é que fez as colunas do Palácio do Planalto ? Aquilo é invenção,é arquitetura”.

O senhor nunca abriu mão do sentimento de beleza na arquitetura ?

Niemeyer : “O caminho da arquitetura é esse : a arquitetura tem de ser bonita. Se é mais justa,é ainda melhor. A arquitetura que faço é livre - de acordo com o clima do país -,um pouco ligada às velhas igrejas de Minas Gerais,numa relação com o passado.Mas é discriminatória,o que é outro problema.Se a gente
quiser fazer uma arquitetura que chegue ao povo,não é um problema de arquitetura : é um problema de revolução. Porque é verdade que só os ricos é que usufruem”.

Em que momento das vida o senhor adquiriu a certeza de que a arquitetura precisa ser bonita – e não apenas funcional ?

Niemeyer : “Tive pouca influência de Corbusier. Mas fui influenciado por ele no dia em que ele me disse : arquitetura é invenção. Eu saí procurando esse caráter inventivo da arquitetura. Quando eu me lembro da Pampulha ou de Brasília,vejo que eu fazia as formas mais diferentes.Perguntaram a mim o que significava.Eu tinha de ficar dando explicações. É como digo : os mais pobres não usufruem. Mas,quando a arquitetura é bonita, os pobres podem parar e ter aquele momento de prazer ao ver algo diferente”.

O senhor hoje mudaria a concepção dos Palácios de Brasília ?
Niemeyer : “Não. Naquele momento,foi o que me ocorreu: eu quis fazer uma arquitetura mais leve,os prédios como se estivessem apenas tocando chão.Joaquim Cardoso entendia e se esmerava,para fazer o mais fino possível. Quando fui para a Europa,eu já estava preocupado com a engenharia do meu país,para mostrar que nós não somos bobos. A gente sabe das coisas”.

Diante de suas obras obras,Darcy Ribeiro disse que que o senhor é o único brasileiro que será lembrado daqui a quinhentos anos.O senhor concorda ?

Niemeyer : “Darcy Ribeiro era amigo.E os amigos dizem tudo”.

O senhor conseguiria definir o Brasil numa só palavra ?

Niemeyer : “Esperança. É o que a gente tem de ter”.

(2000)

Posted by geneton at 12:05 AM

abril 02, 2004

JOEL SILVEIRA, O ÚLTIMO GRANDE DINOSSAURO DA IMPRENSA, DECRETA : "O CÚMULO DO RIDÍCULO, BEIRANDO O GROTESCO, É UM MARMANJO GORDO E BARRIGUDO TOCANDO CAVAQUINHO "

Posted by geneton2 at 01:04 PM

abril 01, 2004

LEDO IVO


O poeta dá o conselho : "Seja como os lobos : more num covil e só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados.Viva e morra fechado como um caracol.Diga sempre não à escória eletrônica".


Caçadores de belos versos,tremei de arrependimento : quem nunca leu um poema de Ledo Ivo,por preguiça,desinformação ou enfado,deve se penitenciar deste crime de lesa-literatura o mais rapidamente possível.

Um exemplo ? É difícil encontrar uma declaração de princípios tão bela quanto "A Queimada" :

"Queime tudo o que puder :
as cartas de amor
as contas telefônicas
o rol de roupas sujas
as escrituras e certidões
as inconfidências dos confrades ressentidos
a confissão interrompida
o poema erótico que ratifica a impotência
e anuncia a arteriosclerose

os recortes antigos e as fotografias amareladas.
Não deixe aos herdeiros esfaimados
nenhuma herança de papel.

Seja como os lobos : more num covil
e só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados.
Viva e morra fechado como um caracol.
Diga sempre não à escória eletrônica.

Destrua os poemas inacabados,os rascunhos,
as variantes e os fragmentos
que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas.
Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha.
Não confie a ninguém o seu segredo.
A verdade não pode ser dita".

O que o velho lobo terá a dizer a um repórter forasteiro que for procurá-lo no covil ? Aos cartógrafos empenhados em mapear as rotas da poesia brasileira neste início de século,diga-se que o lobo vive num apartamento do sétimo andar de um prédio da rua Fernando Ferrari,no bairro de Botafogo,Rio de Janeiro. Ao contrário do que os versos podem fazer supor,o homem não é uma fera de garras afiadas.

Ei-lo : sentado numa poltrona da sala,o lobo Ledo vai fazer,a pedido do repórter,uma expedição ao País da Memória diante do gravador ligado. O cenário que circunda o Covil do Lobo é um convite à inspiração. Quando quer descansar a retina das mazelas do mundo,o lobo Ledo precisa caminhar apenas cinco passos. É a distância entre a sala e a extremidade da varanda deste apartamento.Lá fora,a beleza escandalosa de um céu sem nuvens pinta de azul a vista da praia de Botafogo. A localização do apartamento é invejável. Parece ter sido escolhida a dedo por um poeta.Uma confidência lítero-hidráulica : do banheiro do apartamento do lobo é possível vislumbrar a imagem do Cristo Redentor de braços abertos sobre a Guanabara.Não é para qualquer um.

O poeta posa para as fotos na varanda. Parece ligeiramente incomodado pela lente da máquina. O sorriso aberto transmuta-se numa expressão repentinamente carrancuda um décimo de segundo antes do clique da máquina.
As lembranças dos ídolos que povoam os corredores do Museu das Admirações de poeta vão se sucedendo,aos borbotões : com os gestos agitados de quem fala para uma platéia invisível,o pequenino Ledo Ivo reconstitui,com frases precisas,momentos marcantes da convivência com Carlos Drummond de Andrade,Graciliano Ramos,Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto,gente que virou verbete obrigatório nas enciclopédias.

Justiça se faça : aos setenta e oito anos de idade,Ledo Ivo já colheu as glórias daquele país que Ariano Suassuna chama de "o Brasil oficial" : a Academia Brasileira de Letras concedeu-lhe,por unanimidade,a cadeira número 10,no não tão distante ano de 1986. Mas o "Brasil real",aquele que passa ao largo dos salões acadêmicos,não conhece Ledo Ivo tanto quanto o poeta merece. Dificilmente o Lobo seria reconhecido na rua. Não é lido tanto quanto deveria ser. Aos caçadores de pérolas,recomenda-se a leitura da última pepita da mina do lobo Ledo : "O Rumor da Noite",publicado recentemente pela Nova Fronteira.

O Ledo Ivo que responde com entusiasmo ao precário questionário do repórter é um homem afável. O poeta que desponta nas entrelinhas dos versos é um lobo solitário,um ermitão que prefere ver a humanidade à distância. A ode à solidão - que ele já escrevera nos versos definitivos do poema "A Queimada" - repete-se no não menos belo "A Passagem" :

"Que me deixem passar - eis o que peço
diante da porta ou diante do caminho.
E que ninguém me siga na passagem.
Não tenho companheiros de viagem
nem quero que ninguém fique ao meu lado.
Para passar,exijo estar sozinho,
somente de mim mesmo acompanhado.
Mas caso me proíbam de passar
por seu eu diferente ou indesejado
mesmo assim eu passarei.
Inventarei a porta e o caminho
e passarei sozinho".

O Lobo é um apóstolo confesso da beleza.Reage com compreensível enfado à faina dos que preferem criar teses sobre a poesia :

- Sou um esteta porque nunca li tratados de estética - disse,num volume autobiográfico há anos esgotado ("Confissões de um Poeta").

Quando começa a falar do assunto que lhe consome todas as energias - a criação literária -,o alagoano Ledo Ivo vai alinhando as frases com a precisão de um ourives e a rapidez de uma metralhadora giratória. É incapaz de fazer concessões a vulgaridades gramaticais na hora de construir uma sentença. O lobo Ledo aparentemente concede à linguagem falada o mesmo cuidado que devota à linguagem escrita.O Português agradece,comovido. O poeta já confessou que sente abalos sísmicos em suas florestas interiores ao ouvir confrades pronunciarem impropriedades como "de maneiras que....". Se alguém cometer o sacrilégio de misturar "tu" com "você" diante do lobo,certamente escapará de uma admoestação,porque o homem é afável,mas cairá vinte pontos no conceito do poeta.

O Recife ocupa um extenso capítulo na memória afetiva do lobo - que deu de presente à cidade um poema escrito na juventude (“Amar mulheres,várias/Amar cidade,só uma – Recife”). Um detalhe : temeroso de despertar ciúmes bairristas em seus conterrâneos alagoanos, Ledo Ivo jamais incluiu o poema em homenagem ao Recife em seus livros. O cântico de amor à cidade estaria inédito até hoje,se não tivesse sido divulgado por amigos do poeta.

Tradutor de Rimbaud e Dostoiévski,o lobo Ledo carrega,pelas décadas afora,as marcas da infância em Maceió :

"Na tarde de domingo,volto ao cemitério velho de Maceió
onde os meus mortos jamais terminam de morrer
de suas mortes tuberculosas e cancerosas
que atravessam as maresias e as constelações
com as suas tosses e gemidos e imprecações
e escarros escuros
e em silêncio os intimo a voltar a esta vida
em que desde a infância eles viviam lentamente
com a amargura dos dias longos colada às suas existências
monótonas.
(...) Digo aos meus mortos : Levantai-vos,
voltai a este dia inacabado
que precisa de vós,de vossa tosse persistente e de vossos gestos enfadados
e de vossos passos nas ruas tortas de Maceió.
Retornai aos sonhos insípidos
e às janelas abertas sobre o mormaço. Na tarde de domingo,entre os mausoléus
que parecem suspensos pelo vento
no mar azul
o silêncio dos mortos me diz que eles não voltarão.
Não adianta chamá-los.No lugar em que estão,não há retorno

Apenas nomes em lápides.Apenas nomes.E o barulho do mar".



A nostalgia do tempo irremediavelmente sepultado nos velhos calendários marca não apenas os melhores poemas de Ledo Ivo,mas também
suas confissões autobiográficas :

- Sou um sobrevivente na passagem entre o dia e a noite.Onde estão as figuras de antigamente - em que estrelas,em que túmulos se esconderam ? Gari implacável,a vida varre os sonhos dos homens e,na praça vazia,vagam os fantasmas dos fracassos dissimulados e dos gordos perjúrios.Sozinho na grande cidade que engole as promessas dos homens,vejo-me passar de repente no jovem poeta desconhecido que atravessa o meu caminho.Deixo de ser eu mesmo para ser,por um instante,o jovem poeta sem nome. Que ele seja fiel à sua promessa de agora,eis o que peço.Que ele seja uma dessas criaturas para as quais nada é perdido,segundo a lição de Henry James.Mas a quem dirigir esse pedido ? Os deuses inexistentes não me ouvem.À vida cega e surda ? Ao mar longínquo e mudo ? O jovem poeta Ledo Ivo dilui-se na sombra da tarde.E anoitece”.

Graciliano Ramos,João Cabral de Melo Neto,Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira vão entrar em cena agora como verbetes vivos da imaginária enciclopédia do Lobo Ledo.
Gravando !

PRIMEIRA ESTAÇÃO : O DURÃO GRACILIANO RAMOS CHORA AO SE DESPEDIR DA VIDA

GMN : A imagem de Graciliano Ramos, como homem seco e intratável,corresponde à verdade ?
Ledo Ivo : “Graciliano Ramos era rústico e intratável. Nascemos no mesmo estado. Quando menino,como primeiro da turma no grupo escolar,fui apresentado a Graciliano,na época secretário de Educação. Pôs a mão carinhosamente na minha cabeça. Quando ele publicou “Vidas Secas”, eu,”menino prodígio” em Maceió,escrevi,em 1938,um artigo sobre o livro. Aquilo passou. Quando vim para o Rio, fazer vestibular de Direito, minha mãe me disse “vá visitar Heloísa” - a mulher do Graciliano Ramos,àquela altura,aos cinquenta anos de idade,uma figura importante na literatura brasileira. Durante nossa conversa,ele abriu uma gaveta e disse : “Quando publiquei “Vidas Secas” em Alagoas,só uma pessoa falou do meu livro : um menino de 14 anos.....”.
A relação de Graciliano Ramos com Alagoas era de amor e ódio,porque ele tinha saído do Estado de cabeça raspada,jogado no porão de um navio. É curiosíssimo como duas pessoas tão diferentes como eu e Graciliano Ramos puderam se relacionar. Devo ter aprendido com ele muitas coisas,como,por exemplo,a correção lingüística que,dizem,existe em minha prosa.
Graciliano Ramos era,sim,uma pessoa rústica.Em toda a literatura brasileira,ele só tinha três, quatro admirações,além de Machado de Assis, a quem considerava um negro metido a inglês : José Lins do Rego,Rachel de Queiroz e Jorge Amado. Em poesia,admirava Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, por ordem do Partido Comunista (risos).
Notei,na casa de Graciliano Ramos,um livro de poesia autografado,fechado e intocado. Toda vez que eu ia à casa de Graciliano,dizia a ele : “Você deveria abrir esse livro ! ”. E ele : “Já falei com Heloísa várias vezes para abrir esse livro, mas essa mulher…” (risos) .
Era como se competisse à Heloísa Ramos a função de abrir o livro.Se não me engano,era um volume das poesias completas de Augusto Frederico Schmidt”.

GMN : De toda essa convivência com Graciliano Ramos, a melhor herança foi a obsessão com a correção gramatical ?
Ledo Ivo: “A herança - pungente - é ver que a glória de Graciliano é uma glória póstuma. O que aprendi com Graciliano Ramos foi ter fidelidade ao ofício de escritor. Quem era Graciliano Ramos quando convivi com ele ? Um grande escritor,mas ainda não plenamente reconhecido - essa é que é a verdade. Os livros que ele lançara estavam esgotados. José Olympio não reeditava. Em conversas íntimas,Graciliano chamava José Olympio de “esse filho da puta - que vive editando Lourival Fontes e Getúlio Vargas.....” (N: Lourival Fontes era o chefe do Departamento de Imprensa e Propaganda durante a ditadura Vargas) . O que eu via ali,em Graciliano, era a amargura de um homem que foi tirado do ninho natal – Alagoas. Note-se que três livros de Graciliano foram escritos em Alagoas : “Caetés”, “São Bernardo” e “Angústia” . Se ele não tivesse saído de Alagoas, ficaria como uma coisa misteriosa. Por quê? Por que será que em um pequeno Estado,como Alagoas, um sujeito escreveu três grandes romances ? Depois é que veio a experiência carcerária – a única coisa que o Rio,a metrópole,deu a ele. Graciliano vivia de pequenos “bicos literários”,vivia corrigindo textos alheios. Trabalhava como revisor.
Qual foi,então,a grande impressão que Graciliano Ramos me deu ? A fidelidade ao ofício,algo que se viu também em Machado de Assis. São escritores que não esperavam nenhuma recompensa, porque a própria obra seria a recompensa. Graciliano não pensava em Academia,não pensava em prêmios literários,não pensava em glória. Eu trabalhava em jornal naquela época. Jamais Graciliano Ramos ou José Lins do Rego me pediram que publicasse uma nota sobre eles.
GMN : O desleixo com a glória imediata foi,então,uma atitude que o senhor herdou de Graciliano Ramos ?
Ledo Ivo : “Uma característica de Graciliano Ramos -que me orgulha- é a pobreza. Era um escritor que andava de ônibus. Vivia-se num Brasil diferente.Naquele tempo, só Carlos Drummond de Andrade tinha um carro - oficial. Os outros eram Augusto Frederico Schmidt e Jorge de Lima. Eram os três escritores que tinham carro ! Um negócio impressionante,porque todo mundo andava de bonde ou de ônibus. Não havia feriado. A José Olympio ficava aberta aos sábados até seis horas da tarde. Era um mundo diferente,o da vida literária, marcada pela existência de suplementos literários.
Mas havia ,em Graciliano Ramos,um detalhe que me impressionava : o problema da formação literária. Eu ficava impressionado com o fato de que a formação literária de Graciliano Ramos era – de certa maneira - muito reduzida. Baseava-se nos brasileiros Machado de Assis e Aluísio Azevedo – um autor de quem ele gostava -,no português Eça de Queiroz e nos russos Tolstói, Dostoievski e Gorki. Com esse pequeno mundo de leitor, Graciliano Ramos fez uma uma obra grandiosa. Nunca leu Marcel Proust,por exemplo. Quando eu perguntava por que,ele dizia : “Não leio veados ! ” (risos).
Quando o visitei pela última vez,no hospital,ele chorou,porque sabia que ia morrer. Enquanto chorava,falava -e muito – sobre a mãe.O hospital ficava aqui ao lado,onde hoje é este edifício (Ledo aponta para fora do apartamento).
Aquele foi nosso último encontro,porque eu estava de partida para Paris. Fui me despedir. Graciliano estava esquálido.De vez em quando,falava coisas desconexas. Contava que a mãe,quando casou,levou as bonecas para casa – um negócio curioso.
O choro de Graciliano ficou como uma lembrança marcante,porque já trazia a saudade da vida. Eu senti ali que,por mais que ele dissesse que odiava a vida,ele,na verdade,amava viver. O que matou Graciliano foi um câncer no pulmão. Era um fumante de cigarros Selma.Só escrevia bebendo cachaça. Jorge de Lima também morreu de câncer no pulmão,mas nunca fumou.
Os homens não morrem de doenças : morrem de morte”.

SEGUNDA ESTAÇÃO : O POETA ESPERA
HÁ SESSENTA ANOS PELO LEITOR

GMN : O senhor escreveu em suas memórias : “Vivo escrevendo, mas o trágico é que escrever não é viver”. Com que freqüência,então,o senhor tem a sensação de estar substituindo a vida pela escrita?

Ledo Ivo: “É um drama comum a todo e qualquer escritor este sentimento de que estamos vivendo,sim,mas essa vida se destina somente a acumular experiências para a obra literária. Já a quase totalidade das pessoas se limita a viver,porque não dispõe de linguagem. Trago um mistério inicial em minha biografia : por que logo eu,numa família de onze,revelou a vocação e o destino para a escrita,numa família que não tinha pendores literários ? Sempre tenho a impressão de que toda a vida de um escritor é estuário onde se acumula a matéria que se transformará em obra literária.
O escritor é,então,uma pessoa condenada não a viver,mas a escrever.
Fausto Cunha - grande crítico,que notou,em minha procedência literária,a influência de poetas malditos como Rimbaud,Verlaine e Baudelaire – me disse : “O grande erro de sua vida é que você não morreu aos vinte anos.Se tivesse morrido moço,teria deixado “Ode e Elegia”, “As Imaginações”, e “Acontecimento do Soneto”. Então, seria um poeta como Castro Alves ou Casemiro de Abreu !.Vida longa atrapalha a biografia !”.
João Cabral me disse a mesma coisa. Eu respondi : “Prefiro ser o Victor Hugo das Alagoas – o poeta que vive até os oitenta anos !”. Prefiro o mistério dos poetas que,como Drummond e Manuel Bandeira,tiveram uma vida longa e uma obra igualmente longa”.


GMN : Ariano Suassuna - que foi homenageado no carnaval aqui no Rio - disse que já tinha recebido a homenagem do “Brasil oficial”, ao entrar para a Academia Brasileira de Letras e estava recebendo ali,no sambódromo,a homenagem do que ele chama de “Brasil Real”. O senhor – que já foi homenageado pelo “Brasil Oficial” ao ser recebido por unanimidade na Academia Brasileira de Letras - sente falta do reconhecimento do “Brasil Real”,,já que não é tão conhecido como poeta como deveria ?
Ledo Ivo: “O poeta inglês John Mansfield diz que já viu o azarão no jóquei ganhar o prêmio, já viu flor brotar da pedra, já viu coisas amáveis feitas por homens de rosto feio. “Eu também espero” – diz ele. Confesso que o problema do reconhecimento vasto não me preocupa. A vida literária se faz pela diversidade e pela multiplicidade. Não se sabe se o escritor de pouco público de hoje será o escritor de grande público de amanhã.
Um escritor pode ser obscuro e desconhecido hoje e famoso e glorioso amanhã. Você pode também estar dentro da literatura e um dia ser expulso ! São coisas que não me preocupam. O que me preocupa é a criação literária. Já que sou uma criatura dotada de linguagem, quero me exprimir. Mas sei que uma obra só se completa com a existência do outro. Há sessenta anos estou esperando por esse leitor.
Um dia ele haverá de aparecer”.
GMN : O poema “A Queimada” – aquele que fala do lobo no covil - é uma declaração de princípios de que o escritor deve ser,no fim das contas,um solitário ?
Ledo Ivo: “O escritor deve ser um solitário solidário.A verdade,como digo no poema,não pode ser dita”.

GMN : O senhor reclama daqueles escritores que só brilham em congressos....
Ledo Ivo: “Oswald de Andrade – de quem fui muito amigo até brigarmos – me procurou,magoado,porque tinha sido expulso do Partido Comunista.Os comunistas,então, não o deixaram participar do Congresso dos Escritores de São Paulo. Eu disse a ele: “É besteira ! . Nietzsche nunca participou de um congresso de escritores” (risos)…

GMN: Por que o senhor diz que detesta escritores que consideram a criação poética “um suplício” ? .
Ledo Ivo: “Tenho horror desses camaradas que passam o tempo todo dizendo que gemem e suam na hora de escrever. A minha criação literária é uma felicidade. Quando escrevo, parece que as coisas já vêm prontas,organizadas subconscientemente. Pensa que “capino” o meu texto. Mas o mjeu texto vem espontaneamente.Não tenho nenhuma simpatia por escritores que cortam. A minha simpatia maior é pelos escritores que acrescentam !.
João Cabral uma vez me disse que passava noites acordado, com angústia. Eu dizia “Você só diz que passa noites acordado para ver se me causa inveja, mas não causa não!”.
GMN : Ao contrário do que dizia Carlos Drummond de Andrade,escrever não é “cortar palavras”, mas acrescentar ?
Ledo Ivo: “Um escritor francês disse que o bom escritor é aquele que “enterra uma palavra por dia”. Para mim,o bom escritor é o que desenterra uma palavra por dia ! . Porque o escritor lida com um patrimônio lingüístico. De vez em quando o brasileiro ressuscita palavras esquecidas”.
GMN : Por que afinal de contas o senhor não inclui em seus livros o tão citado poema sobre o Recife ?
Ledo Ivo: Em primeiro lugar, porque os alagoanos protestariam. Eu tinha dezesseis anos quando escrevi o poema .
“Amar mulheres,várias
amar cidade,só uma – Recife.
E assim mesmo com as suas pontes
E os seus rios que cantam
E seus jardins leves como sonâmbulos
E suas esquinas que desdobram os sonhos de Nassau”

O poema reflete a descoberta do Recife por um alagoano. Porque Recife tem um lado cosmopolita – que me impressionou muito. O meu pai era pernambucano. A família Ivo é pernambucana. Eu era considerado meio pernambucano por ser ligado ao grupo do crítico Willy Lewin,nos anos quarenta.Recife foi a cidade de minha primeira formação literária. Fazíamos poemas nas mesas do Lafayette,numa época de boemia. O poema sobre o Recife ficou desaparecido até 1947,quando chegou às mãos de Mauro Mota – que o publicou no Diário de Pernambuco (ou terá sido no Jornal do Commercio). O destino de um poema é curioso. A gente escreve um poema; ele ganha vida própria,começa a circular.
Guardo a lembrança de um conselho que Joaquim Cardozo me deu : ele dizia que eu deveria ser um poeta alagoano,assim como ele era um poeta pernambucano. O sentimento do berço tinha grande importância para ele”.

TERCEIRA ESTAÇÃO : DRUMMOND,O GRANDE POETA SECRETO,ENTRA EM CENA
GMN : Qual é a grande lembrança que o senhor traz da convivência com Carlos Drummond de Andrade ?
Ledo Ivo: “O que me impressionou em Drummond, já no primeiro encontro, foi um certo “fechamento” interior. Não se entregava. Era como se vivesse insulado em si mesmo. Há em Drummond algo que é “intransmissível”. Tive essa sensação de intransmissibilidade.
Eu levei meus primeiros poemas para Drummond,no gabinete em que ele trabalhava,no prédio do Ministério da Educação,no centro do Rio. Depois que leu, ele até chamou a atenção de outros escritores para mim. Em seguida,vieram as rusgas,porque havia divisões políticas naquele tempo.
A coisa mais impressionante que Drummond me disse foi num de nossos últimos encontros. Um certo poeta brasileiro - de quem não quero dizer o nome - proclamou-se herdeiro de Drummond. Quando me encontrei com ele, disse: “Como é que vai o herdeiro?” . E ele : “O herdeiro de um poeta é o poeta diferente do modelo. O meu herdeiro será um poeta inteiramente diferente de mim : é esta a lição da poesia”.
O herdeiro de Olavo Bilac foi Mário de Andrade.Os herdeiros são os diferentes. São até os adversos : não são os assemelhados. É a grande lição de Drummond que ficou em mim : ele não espera ter um clone como herdeiro. (risos) O que Drummond esperava era o “anti-clone”.

GMN : Nesse primeiro encontro, o senhor - que viria a se considerar um lobo no poema “A Queimada” - teve a sensação de que o Drummond era o “urso polar”,como ele disse que era num dos poemas ?
Ledo Ivo: “Tive essa sensação. Drummond tinha uma vida amorosa muito escondida - que depois,infelizmente, foi violada pela imprensa.
Eu via,em Drummond,um grande poeta secreto. Naquela época, 1940, Drummond não tinha a notoriedade que ganhou depois. O próprio Manuel Bandeira pensava que o grande poeta brasileiro daquela época fosse Augusto Frederico Schmidt. Porque o Schmidt enrolava todo mundo (risos). Schmidt até pensou em fazer um poema sobre a descoberta do Brasil,mas depois Drummond veio com a Rosa do Povo e acabou com a festa”.

QUARTA ESTAÇÃO : MANUEL BANDEIRA ENSINA QUE O
POETA PRECISA SER CULTO


GMN : O que ficou da amizade com Manuel Bandeira ?
Ledo Ivo: “Minha ligação com Manuel Bandeira foi profunda. De todos os poetas, talvez o que mais me tenha marcado e ensinado foi Manuel Bandeira. Quando eu era menino, mandei poemas para ele. Recebi de volta um cartãozinho em que ele tocou em um ponto que ainda hoje permanece na poesia: “Há muita magia verbal em seus poemas”.
Depois percebi que, para mim, a operação poética é como se fosse um encantamento da linguagem – uma magia. Sou um poeta que acha que a poesia é o uso supremo da linguagem.Bandeira fez esta descoberta em meu momento inicial. Deu-me lições perenes : por exemplo,a de que o poeta deve ser um intelectual culto. Só a cultura tem condições de abrir caminhos. Ao poeta,não basta apenas ter talento e vocação. Por que o poeta deve ser realmente um homem culto ? Porque a poesia é um sistema milenar de expressão. É preciso conhecer os mestres. A criação poética não é,portanto,um problema só de sensibilidade. É um problema de cultura. Somente o vasto conhecimento da poesia e da literatura é que permite ao poeta exprimir-se.
A fidelidade à literatura deve ser o emblema do escritor. Devemos continuar segurando o estandarte. Vivemos um tempo de mudanças. Somos uma civilização de massas, uma civilização eletrônica, uma civilização consumista. Tudo alterou a posição do escritor e do poeta no Brasil.
Já não temos aqueles poetas populares de que Drummond foi o último grande exemplo.O poeta vive hoje em uma época de anonimato. Os ícones são diferentes,os gurus são outros. A linguagem literária hoje compete com a linguagem eletrônica, o CD-Rom, o cinema,o disco . Mas,há alguma coisa que só a poesia tem condições de dizer. A poesia,então,existirá sempre,como linguagem específica,porque só ela pode dizer,sobre a condição humana,algo que não pode ser dito de nenhuma outra maneira. O cinema e a televisão lidam de uma maneira diferente”.
GMN : O poeta, então, deve se resignar a ser anônimo, nesse mundo dominado pela fama e pela mídia eletrônica?

Ledo Ivo: “A função do poeta na sociedade é escrever poemas.A notoriedade é secundária”.
GMN : O senhor tem uma certa sensação de deslocamento por ser um poeta em uma sociedade que não dá tanto valor aos poetas?
Ledo Ivo: “Pelo contrário ! Para mim, seria inconcebível ter aparecido antes ou ter aparecido depois. Como poeta ,surgi no momento certo.Tenho um grande sentimento da minha contemporaneidade.O mundo atual habita os meus poemas.A função do poeta é,também,celebrar o mundo em que vive. Não tenho nostalgia pelo passado. Não gostaria de ter nascido no passado,assim como não gostaria de ter nascido no futuro”.

QUINTA ESTAÇÃO : JOÃO CABRAL DÁ
DE PRESENTE A LEDO UM EPITÁFIO
EM FORMA DE POESIA

GMN : Do que o senhor ouviu de João Cabral de Melo Neto, qual foi a grande lição ?
Ledo Ivo: “João Cabral me deu a lição da diferença entre os poetas.Cada poeta é diferente.As estéticas dos poetas são até inconcebíveis. Como são diferentes os caminhos para fazer a mesma coisa ! . O que mais me impressiona em João Cabral é ele ser saudado sempre como “o poeta da razão”, no Brasil. Para mim, João Cabral de Melo Neto é o poeta da “anti-razão”,o poeta da obsessão, o poeta das coisas ocultas,o poeta das coisas sibilinas, herméticas. A poesia que ele deixou é complexa,mas se abre para o grande acesso popular, o que é curioso.
Uma vez,João Cabral me disse: “Nós estamos fazendo uma obra literária. Procuramos fazer uma obra literária o maior possível.De repente, lá em Nova Iguaçu ,a essa hora, anonimamente, alguém pode estar fazendo a obra com que nós sonhamos”.
GMN : Para o senhor - que se considera “um homem de muitas perguntas e quase nenhuma resposta” - qual é a grande pergunta, a grande perplexidade que até hoje o atormenta ?
Ledo Ivo: “A perplexidade é estar no mundo – com todas essas perguntas que se acumulam; o fato de ser transitório; a existência e não-existência de Deus; o problema da condição humana. Vivo num mundo em que quase não há resposta.Não sei onde começo e onde termino. Sequer sei se existo,no sentido de ter uma existência nítida,com fronteiras definidas.Talvez o meu mundo seja o mundo da ambigüidade.
Drummond chamou a minha poesia de
”múltipla”. É uma frase que ilumina mais uma existência poética do que muitos rodapés. Quando publiquei “Confissões de um Poeta”, Hélio Pellegrino me telefonou para dizer que ficou impressionado com o clima de procura que há em todo o livro. Como era psicanalista e poeta,Hélio Pellegrino disse que minha descoberta estava exatamente nessa procura.
Vivo nessa perpétua indecisão.O que me impressiona é que essa procura tenha durado tanto; não tenha acabado ainda”.
GMN : Há em seus textos uma certa obsessão com a finitude.Qual foi o primeiro espanto que o senhor teve diante da morte?
Ledo Ivo: “Venho de uma família numerosa. Tenho um irmão que morreu, o chamado “anjinho”, aquele que morre novo.Outro irmão meu chamado Éber, morreu aos oito anos. Numa família nordestina,numerosa,a morte vive sempre rodeando as pessoas.Quando menino, eu gostava de visitar cemitérios. Mas censuro a morte ! .Como sou uma criatura do aqui e do agora,fico impressionado com a morte,porque ela faz com que a gente já não esteja aqui”.
Talvez venha da infância o sentimento de que a vida é provisória e instantânea.É um relâmpago. Além de tudo,há o mistério da existência : por que será que uns morrem cedo,outros morrem tarde e outros não morrem nunca ? “.
GMN : O senhor faz,em um de seus textos,uma referência a uma caminhada solitária pelas alamedas do Cemitério São João Batista.O que é que o senhor estava fazendo no cemitério ?
Ledo Ivo: “Devo ter ido me despedir de um amigo.Não fui para visitar o cemitério. O engraçado é que João Cabral escreveu o meu epitáfio em versos que ele nunca incluiu em livro. O que João queria era fazer um livro só de epitáfios de amigos. Terminou não fazendo.
João foi um grande amigo meu,mas tínhamos temperamentos diferentes. Enquanto ele ia para um lugar, eu ia para outro. Nunca nos encontramos - nem esteticamente. Dizia que eu falava muito; achava que só a morte é que me reduziria ao silêncio.
O epitáfio que João Cabral criou para mim é este :

“Aqui repousa
Livre de todas as palavras
Ledo Ivo,
Poeta,
Na paz reencontrada
de antes de falar
E em silêncio,o silêncio
de quando as hélices
param no ar “.

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(2001)

Posted by geneton at 12:54 PM