novembro 30, 2014

LEI DA EXCLUSÃO MÚTUA

Artigo primeiro: se Deus existisse, não existiriam aquelas "festas de fim de ano".
Artigo segundo: se Deus existisse, não existiriam adolescentes.
Artigo terceiro: se Deus existisse, não existiriam jornalistas.
Artigo quarto: Deus existe ( é o que dizem). Festas de fim de ano, adolescentes e jornalistas também. Eis aí uma grande, intrincada e insolúvel contradição.
Três vezes por dia, pergunto, inutilmente, aos céus: "Como é possível? Como é possível? Como é possível? ".
Um silêncio de pedra é a resposta.
Continuarei tentando desvendar o enigma.

Posted by geneton at 10:29 AM

O CARRO DE TRÊS MILHÕES DE REAIS

Dou uma folheada numa revista. Lá aparece, entre os "presentes de Natal", um carro de três milhões de reais- um "Prosche Híbrido 918 Spyder" ( o ridículo da situação começa pelo nome do carro ).
Sim: três milhões. O texto diz que já há três compradores. Sim: três compradores - gente supostamente bípede, supostamente vertebrada, supostamente racional. Ou seja: que pertence à espécie humana, a mesmíssima que um dia gerou Ludwig van Beethoven, Mozart, Chopin, Miguelângelo e Shakespeare.
Meu demônio-da-guarda se agita, solta uma labareda e me faz uma pergunta, ao pé do meu ouvido, num tom de voz surpreendentemente baixo e contido: "Você sabe quantos neurônios deve ter alguém que é capaz de pagar três milhões por um carro? Aliás, nem precisaria chegar a tanto: cem mil já é um absurdo....".
Arrisco: "Três neurônios - no máximo, no máximo, no máximo, na melhor das hipóteses !".
E ele: "Acertou! Demorou, mas finalmente você acertou alguma coisa! Parabéns! Agora, pelo bem da humanidade, trate de se recolher novamente ao silêncio. É o melhor que você faz, é o melhor que você sempre fez! ".
Agradeço o cumprimento e cumpro a ordem: trato de me recolher a um silêncio obsequioso.

Posted by geneton at 10:29 AM

novembro 29, 2014

O ENTREVISTADO É CHAMADO DE "ANTIPÁTICO", "ARROGANTE" E "INTOLERANTE". E REAGE À ALTURA! ERA ASSIM O "ABERTURA" : REPRISE DO PROGRAMA DE 1979 VAI AR NESTE DOMINGO, ÀS 23:30, NO CANAL BRASIL ( COM PARTICIPAÇÕES DE FLÁVIO CAVALCANTI, JOÃO SALDANHA E GLAUBER

Um programa em que um entrevistado podia eventualmente ser chamado de "antipático, arrogante, intolerante e vaidoso". Em troca, qualifica as perguntas de "estúpidas e grosseiras". Tensão no ar!
( Que diferença de tantas entrevistas congratulatórias que infestam o jornalismo brasileiro....).
O programa se chamava Abertura. O entrevistado, neste caso, foi Flávio Cavalcanti, apresentador de TV que durante anos foi campeão de audiência ( e de polêmicas )
A entrevista completa vai ao ar neste domingo, às 23:30, no Canal Brasil, dentro da série de reprises do Abertura - programa que marcou época entre 1979 e 1980.
Flávio Cavalcanti não é a única atração da reprise:
João Saldanha, ex-técnico da seleção brasileira, entra em campo nesta reprise do Abertura não para falar de futebol, mas para analisar o pacote de medidas econômicas tomadas pelo governo.
E, por fim, Glauber Rocha dá sinal de vida, ao entrevistar a própria mulher - Paula Gaitán.
O elenco é uma pista do que era o Abertura: um programa em que havia espaço para todos os matizes políticos. João Saldanha e Flávio Cavalcanti estavam em campos radicalmente opostos. E a graça do programa era justamente esta: a de promover, nos tempos de descompressão do regime militar, um desfile de personalidades tão díspares quanto - por exemplo - Saldanha e Flávio Cavalcanrti ou Nélson Rodrigues e Miguel Arraes.
Durante treze domingos, o Abertura voltará ao ar: a chance rara de rever um momento interessantíssimo da vida brasileira. O país começava a respirar ares democráticos depois de anos e anos de sufoco.

Posted by geneton at 10:30 AM

novembro 28, 2014

O CURTA "A FLOR DO LÁCIO É VADIA" ENTRA EM CARTAZ NA TELA DA INTERNET (OU: "O BRASIL JÁ FOI PORTUGUÊS, JÁ FOI HOLANDÊS, JÁ FALA INGLÊS: NÃO É DE VOCÊS!".1978 MANDA LEMBRANÇAS, EM SEIS MINUTOS! )

http://goo.gl/OnuoO5
O texto do filme, premiado no Festival de Cinema do Recife de 1978:
"O Brasil um dia foi um sonho de Maurício de Nassau – só que não deu certo. Numa manhã de sol, embriagado pelo cheiro dos canaviais, o príncipe da Companhia das Índias Ocidentais foi à janela do palácio e declamou para o povo:
“Eu vos prometo que esta república, criada pela fusão do gênio holandês com o temperamento brasileiro, será o paraíso abaixo do equador. Não haverá fome nem pobreza. Todos poderão entrar e sair deste território. O homem aqui será livre! Glória a ti, ó boi voador, símbolo do milagre que vamos gerar neste país”.

Glória a ti, ó boi voador. O Brasil, três séculos depois, iria andar a cavalo. Não há poesia na miséria, não há paraíso abaixo do equador, nem alegria geral nem seja o que for.
Tristes trópicos. Almas líricas, paisagens coloridas, crepúsculos barrocos e barrigas vazias. Tristes trópicos de barrigas vazias!
O milagre brasileiro! Ruínas, ruínas....A cordialidade nacional! Ruínas, ruínas...O Brasil pandeiro! Ruínas, ruínas...A morenice tropical! Ruínas, ruínas...A história viva! Ruínas, ruínas...E a fome relativa, lenta e gradual. Relativa, lenta e gradual! Ruínas, ruínas, ruínas....
Pensar: o cinema comporta discursos. Citar: a câmera é um objeto que mente. Lembrar: Calabar já foi brasileiro, Zumbi já foi brasileiro. O Brasil já foi português, já foi holandês, já fala inglês – não é de vocês. Dizer: o Brasil é um país que sente saudade do futuro. Não é brincadeira: é no duro.
Dormem agora, nesse instante, índios saqueados, operários famintos, favelados, banidos, deserdados.
Atenção para o refrão: o Brasil da Rede Globo não confere com o original! E o Super-8 é fogo: a cura do ócio dos filhos da nova classe média – mas nem sempre. Tente de novo. Fique de olho na tela. A esperança é a última que nasce – na certa.
Onde anda o Super-8 no coração do Brasil? Onde anda o Palhaço Degolado nos canaviais da pernambucália?
Tristes trópicos de batuques, preguiça, lirismo e barrigas vazias. O cinema comporta discursos, desde que o país se chame Brasil.
Dançar sobre as ruínas, dançar sobre as ruínas, dançar sobre as ruínas!"

Posted by geneton at 01:39 PM

novembro 27, 2014

AQUI, "UM FILME PANFLETÁRIO, A FAVOR DO FUTEBOL": ENTRADA FRANCA! A PERNAMBUCÁLIA MANDA LEMBRANÇAS

A quem interessar possa: houve, entre a segunda metade dos anos setenta e o início dos anos oitenta, uma espécie de movimento de cinema Super-8 no Recife. Era - quase - a única maneira de fazer filmes, em meio à falta de condições e ao sufoco geral.
O locutor-que-vos-fala participou do movimento. Vai postar, nos próximos dias, nove curtas, num canal criado no Youtube.
Os monitores dos computadores se transformaram em telas - inclusive para nossos velhos e precários "filmecos", como diria Amin Stepple. Ainda bem! De outra maneira, os filmes poderiam sumir na poeira da estrada.
Em cartaz: "Esses Onze Aí" - feito em parceria com Paulo Cunha, hoje um ativíssimo professor de cinema. Tema do filme: o futebol. Vai começar a partida:

Posted by geneton at 10:33 AM

novembro 24, 2014

UM TIME DE ESCRIVÃES ANOTA TUDO, NO PORTÃO DE ENTRADA DO INFERNO E DO CÉU

É impossível comprovar, mas sempre tive a impressão de que, nos portões de entrada do céu e do inferno, há um batalhão de escrivães que vão anotando, com todo o cuidado, tudo o que cada um dos terráqueos fez aqui no planeta. Ao lado, há um espaço em que eles registram os pontos acumulados ou perdidos por cada um. Quando chegar o dia do Juízo Final, eles fecham a conta e dão o resultado.
Por exemplo :
quem um dia posou para uma revista de celebridade perde automaticamente 14.385 pontos.
Se a foto foi tirada em frente a uma mesa de "café da manhã", 112.345 pontos a menos.
Se a pose foi feita numa cama, 634.688 pontos negativos.
E assim por diante.
Os pontos perdidos são irrecuperáveis.
Fiz esta utilíssima divagação enquanto folheava uma dessas revistas, na fila de espera do barbeiro.
Que coisa...

Posted by geneton at 10:32 AM

novembro 23, 2014

O QUE O ENTÃO LÍDER SINDICAL LUÍS INÁCIO DA SILVA, O "LULA METALÚRGICO", TINHA A DIZER DURANTE UMA GREVE DE OPERÁRIOS DO ABC PAULISTA? ENTREVISTA COMPLETA VAI AO AR HOJE, NO CANAL BRASIL, NO INÍCIO DA TEMPORADA DE REPRISES DE UM PROGRAMA HISTÓRICO: O "ABE

Aviso aos navegantes: o Canal Brasil inicia, neste domingo, às onze e meia da noite, uma grande "viagem no tempo". Durante treze semanas, o canal reprisará edições do histórico programa Abertura, originalmente levado ao ar nos idos de 79/80 pela TV Tupi. O Brasil vivia tempos de "descompressão". O programa aproveitava todas as brechas.
O elenco que, a partir deste domingo, desfila no Abertura é "da pesada": Glauber Rocha, João Saldanha, Lula, FHC, Nélson Rodrigues, Chico Buarque, Paulo Francis, Darcy Ribeiro, Miguel Arraes, Leonel Brizola, Caetano Veloso, Ulysses Guimarães, Ziraldo, Antônio Callado, Plínio Marcos, Fausto Wolff, Flávio Cavalcanti, Barbosa Lima Sobrinho, Luiz Carlos Barreto, Walter Clark.
A primeira reprise traz duas atrações. Primeira: uma entrevista completa com o então líder sindical Luís Inácio da Silva, gravada em estúdio durante uma greve de operários no ABC paulista. O que o Lula sindicalista tinha a dizer? Segunda: uma performance de Glauber Rocha - que terminou se tornando uma das grandes estrelas do Abertura.

Posted by geneton at 10:32 AM

novembro 22, 2014

AQUI, "UM FILME PANFLETÁRIO, A FAVOR DO FUTEBOL": ENTRADA FRANCA! A PERNAMBUCÁLIA MANDA LEMBRANÇAS

A quem interessar possa: houve, entre a segunda metade dos anos setenta e o início dos anos oitenta, uma espécie de movimento de cinema Super-8 no Recife. Era - quase - a única maneira de fazer filmes, em meio à falta de condições e ao sufoco geral.
O locutor-que-vos-fala participou do movimento. Vai postar, nos próximos dias, nove curtas, num canal criado no Youtube.
Os monitores dos computadores se transformaram em telas - inclusive para nossos velhos e precários "filmecos", como diria Amin Stepple. Ainda bem! De outra maneira, os filmes poderiam sumir na poeira da estrada.
Em cartaz: "Esses Onze Aí" - feito em parceria com Paulo Cunha, hoje um ativíssimo professor de cinema. Tema do filme: o futebol. Vai começar a partida:

Posted by geneton at 10:33 AM

AQUI, "UM FILME PANFLETÁRIO, A FAVOR DO FUTEBOL": ENTRADA FRANCA! A PERNAMBUCÁLIA MANDA LEMBRANÇAS

A quem interessar possa: houve, entre a segunda metade dos anos setenta e o início dos anos oitenta, uma espécie de movimento de cinema Super-8 no Recife. Era - quase - a única maneira de fazer filmes, em meio à falta de condições e ao sufoco geral.
O locutor-que-vos-fala participou do movimento. Vai postar, nos próximos dias, nove curtas, num canal criado no Youtube.
Os monitores dos computadores se transformaram em telas - inclusive para nossos velhos e precários "filmecos", como diria Amin Stepple. Ainda bem! De outra maneira, os filmes poderiam sumir na poeira da estrada.
Em cartaz: "Esses Onze Aí" - feito em parceria com Paulo Cunha, hoje um ativíssimo professor de cinema. Tema do filme: o futebol. Vai começar a partida:

Posted by geneton at 10:33 AM

AQUI, "UM FILME PANFLETÁRIO, A FAVOR DO FUTEBOL": ENTRADA FRANCA! A PERNAMBUCÁLIA MANDA LEMBRANÇAS

A quem interessar possa: houve, entre a segunda metade dos anos setenta e o início dos anos oitenta, uma espécie de movimento de cinema Super-8 no Recife. Era - quase - a única maneira de fazer filmes, em meio à falta de condições e ao sufoco geral.
O locutor-que-vos-fala participou do movimento. Vai postar, nos próximos dias, nove curtas, num canal criado no Youtube.
Os monitores dos computadores se transformaram em telas - inclusive para nossos velhos e precários "filmecos", como diria Amin Stepple. Ainda bem! De outra maneira, os filmes poderiam sumir na poeira da estrada.
Em cartaz: "Esses Onze Aí" - feito em parceria com Paulo Cunha, hoje um ativíssimo professor de cinema. Tema do filme: o futebol. Vai começar a partida:

Posted by geneton at 10:33 AM

novembro 21, 2014

E SE AS EMPREITEIRAS DENUNCIADAS FOREM FINALMENTE DECLARADAS INIDÔNEAS E IMPEDIDAS DE PARTICIPAR DE CONCORRÊNCIAS PÚBLICAS PELOS PRÓXIMOS ANOS? ( O PEDIDO JÁ FOI FEITO )

E uma notícia importante, importantíssima, "importantaça", nesta sexta-feira: o Ministério Público pediu ao Tribunal de Contas da União que as oito empreiteiras envolvidas nas denúncias de corrupção em obras públicas sejam declaradas "inidôneas".
Como se sabe, é tudo mega-empresa. Ganham bilhões para executar obras públicas.
Se forem declaradas inidôneas, as empreiteiras ficarão proibidas de participar de concorrências para execução de obras federais pelos próximos anos. Ia ser uma punição estrondosa.
O noticiário diz que, depois do escândalo, um tema voltou a ser considerado: o fim do veto à participação de empreiteiras estrangeiras em concorrências públicas brasileiras. Hoje, como se sabe, empreiteiras estrangeiras não podem atuar no Brasil.

Um problema sério: uma mudança na legislação dependeria do Congresso. E as empreiteiras nacionais, como se sabe, derramam milhões financiando as campanhas de deputados e senadores
( além de presidentes, prefeitos e governadores, claro ). Quantos deputados, quantos senadores votariam contra o interesse das empreiteiras? É "esperar para ver" - se o tema for mesmo levado adiante.
Em meio ao atual vendaval, duas medidas históricas poderiam ser tomadas. Primeira: proibir, sim, as empreiteiras comprovadamente corruptas ( ou corruptoras ) de participar de concorrências públicas por anos e anos e anos. Segunda: abrir o mercado para empreiteiras estrangeiras ( é claro que haveria risco de outras bandidagens - mas só nos resta esperar que a ladroagem histórica não vá se repetir ).
O país espera que deputados e senadores sintonizados com a famosa "voz rouca das ruas" levantem estas duas bandeiras - pra valer. Ou seja: castigo financeiro para empreiteiras corruptoras e fim do "cartel" .
99% da população estariam a favor. Afinal, como qualquer bebê de seis meses sabe, o dinheiro embolsado por corruptos e corruptores no festival de superfaturamentos não cai do céu: vem do bolso do contribuinte - o pagador de impostos.
Uma notícia publicada nos jornais deve ter causado uma justificadíssima onda de indignação: quando tentava reaver dinheiro, a Justiça descobriu que contas bancárias de altíssimos executivos de empreiteiras tinham sido zeradas ou exibiam saldos irrisórios nos últimos dias. Conclusão óbvia número um: quem deve teme. O dinheiro foi transferido para algum abrigo "seguro".
Conclusão óbvia número dois: eis aí o que se chama de "escracho".
http://goo.gl/dhNcXP

Posted by geneton at 10:36 AM

E SE AS EMPREITEIRAS DENUNCIADAS FOREM FINALMENTE DECLARADAS INIDÔNEAS E IMPEDIDAS DE PARTICIPAR DE CONCORRÊNCIAS PÚBLICAS PELOS PRÓXIMOS ANOS? ( O PEDIDO JÁ FOI FEITO ). E SE O BRASIL ABRIR AS PORTAS PARA AS EMPREITEIRAS ESTRANGEIRAS, PARA ACABAR COM O "

E uma notícia importante, importantíssima, "importantaça", nesta sexta-feira: o Ministério Público pediu ao Tribunal de Contas da União que as oito empreiteiras envolvidas nas denúncias de corrupção em obras públicas sejam declaradas "inidôneas".
Como se sabe, é tudo mega-empresa. Ganham bilhões para executar obras públicas.
Se forem declaradas inidôneas, as empreiteiras ficarão proibidas de participar de concorrências para execução de obras federais pelos próximos anos. Ia ser uma punição estrondosa.
O noticiário diz que, depois do escândalo, um tema voltou a ser considerado: o fim do veto à participação de empreiteiras estrangeiras em concorrências públicas brasileiras. Hoje, como se sabe, empreiteiras estrangeiras não podem atuar no Brasil.

Um problema sério: uma mudança na legislação dependeria do Congresso. E as empreiteiras nacionais, como se sabe, derramam milhões financiando as campanhas de deputados e senadores
( além de presidentes, prefeitos e governadores, claro ). Quantos deputados, quantos senadores votariam contra o interesse das empreiteiras? É "esperar para ver" - se o tema for mesmo levado adiante.
Em meio ao atual vendaval, duas medidas históricas poderiam ser tomadas. Primeira: proibir, sim, as empreiteiras comprovadamente corruptas ( ou corruptoras ) de participar de concorrências públicas por anos e anos e anos. Segunda: abrir o mercado para empreiteiras estrangeiras ( é claro que haveria risco de outras bandidagens - mas só nos resta esperar que a ladroagem histórica não vá se repetir ).
O país espera que deputados e senadores sintonizados com a famosa "voz rouca das ruas" levantem estas duas bandeiras - pra valer. Ou seja: castigo financeiro para empreiteiras corruptoras e fim do "cartel" .
99% da população estariam a favor. Afinal, como qualquer bebê de seis meses sabe, o dinheiro embolsado por corruptos e corruptores no festival de superfaturamentos não cai do céu: vem do bolso do contribuinte - o pagador de impostos.
Uma notícia publicada nos jornais deve ter causado uma justificadíssima onda de indignação: quando tentava reaver dinheiro, a Justiça descobriu que contas bancárias de altíssimos executivos de empreiteiras tinham sido zeradas ou exibiam saldos irrisórios nos últimos dias. Conclusão óbvia número um: quem deve teme. O dinheiro foi transferido para algum abrigo "seguro".
Conclusão óbvia número dois: eis aí o que se chama de "escracho".
http://goo.gl/dhNcXP

Posted by geneton at 10:36 AM

E SE AS EMPREITEIRAS DENUNCIADAS FOREM FINALMENTE DECLARADAS INIDÔNEAS E IMPEDIDAS DE PARTICIPAR DE CONCORRÊNCIAS PÚBLICAS PELOS PRÓXIMOS ANOS? ( O PEDIDO JÁ FOI FEITO ). E SE O BRASIL ABRIR AS PORTAS PARA AS EMPREITEIRAS ESTRANGEIRAS, PARA ACABAR COM O "

E uma notícia importante, importantíssima, "importantaça", nesta sexta-feira: o Ministério Público pediu ao Tribunal de Contas da União que as oito empreiteiras envolvidas nas denúncias de corrupção em obras públicas sejam declaradas "inidôneas".
Como se sabe, é tudo mega-empresa. Ganham bilhões para executar obras públicas.
Se forem declaradas inidôneas, as empreiteiras ficarão proibidas de participar de concorrências para execução de obras federais pelos próximos anos. Ia ser uma punição estrondosa.
O noticiário diz que, depois do escândalo, um tema voltou a ser considerado: o fim do veto à participação de empreiteiras estrangeiras em concorrências públicas brasileiras. Hoje, como se sabe, empreiteiras estrangeiras não podem atuar no Brasil.

Um problema sério: uma mudança na legislação dependeria do Congresso. E as empreiteiras nacionais, como se sabe, derramam milhões financiando as campanhas de deputados e senadores
( além de presidentes, prefeitos e governadores, claro ). Quantos deputados, quantos senadores votariam contra o interesse das empreiteiras? É "esperar para ver" - se o tema for mesmo levado adiante.
Em meio ao atual vendaval, duas medidas históricas poderiam ser tomadas. Primeira: proibir, sim, as empreiteiras comprovadamente corruptas ( ou corruptoras ) de participar de concorrências públicas por anos e anos e anos. Segunda: abrir o mercado para empreiteiras estrangeiras ( é claro que haveria risco de outras bandidagens - mas só nos resta esperar que a ladroagem histórica não vá se repetir ).
O país espera que deputados e senadores sintonizados com a famosa "voz rouca das ruas" levantem estas duas bandeiras - pra valer. Ou seja: castigo financeiro para empreiteiras corruptoras e fim do "cartel" .
99% da população estariam a favor. Afinal, como qualquer bebê de seis meses sabe, o dinheiro embolsado por corruptos e corruptores no festival de superfaturamentos não cai do céu: vem do bolso do contribuinte - o pagador de impostos.
Uma notícia publicada nos jornais deve ter causado uma justificadíssima onda de indignação: quando tentava reaver dinheiro, a Justiça descobriu que contas bancárias de altíssimos executivos de empreiteiras tinham sido zeradas ou exibiam saldos irrisórios nos últimos dias. Conclusão óbvia número um: quem deve teme. O dinheiro foi transferido para algum abrigo "seguro".
Conclusão óbvia número dois: eis aí o que se chama de "escracho".
http://goo.gl/dhNcXP

Posted by geneton at 10:36 AM

novembro 18, 2014

E O BRASIL PEDE, COM VOZ TRÊMULA E ASSUSTADA: "QUERO MEU DINHEIRO DE VOLTA! QUERO MEU DINHEIRO DE VOLTA!"

Os jornais de hoje trazem um número assustador - para dizer o mínimo. Um contrato de uma empreiteira - a Odebrecht - com a Petrobrás estava orçado em 825 milhões de dólares. Depois das denúncias de superfaturamento, o orçamento caiu para 481 milhões. Ou seja: 344 milhões de dólares eram superfaturados.
Todas, todas, todas as grandes empreiteiras estão envolvidas neste maga-escândalo. Não é novidade, todo mundo já cansou de saber: empreiteiras estão envolvidas em 99,8% de escândalos em que há dinheiro público. Sempre estiveram. O Grande Festival de Superfaturamentos parece que nunca saiu de cartaz.
( Nem faz tanto tempo: fiz uma longa entrevista com o senador Pedro Simon, em Brasília. Lá pelas tantas, ele lamentou, com aquele ar dramático: todas as tentativas de criar uma CPI de verdade - capaz de fazer uma grande devassa nos contratos de empreiteiras com os governos - eram sistematicamente barradas pelo Congresso. Não por acaso, é claro, as empreiteiras derramam, historicamente, bilhões de reais financiando campanhas eleitorais em todos os níveis ).


Uma pergunta fica no ar: quem confia, hoje, na lisura das centenas, milhares de contratos firmados entre empreiteiras e governos?
Nunca seria tarde para começar uma devassa histórica. O Brasil economizaria bilhões de dólares. Ou seriam trilhões?
O certo é que - lastimavelmente - esses contratos milionários são tão confiáveis quanto uma nota de três reais. Basta ver o número publicado pelo jornal, um caso entre tantos: depois de uma mera revisão, um contrato da Odebrecht com a Petrobrás caiu de 825 milhões para 344 milhões ( de dólares!). E o dinheiro que os delatores vão devolver ao Estado já chega a meio bilhão de reais. Isso é somente "a ponta do iceberg", como se diz. Quantos e quantos bilhões não foram embolsados para sempre, ao longo dos anos?
O pior é que o dinheiro que some no ralo não cai do céu, é claro: todo mês, religiosamente, sai do bolso do pobre do contribuinte - nós todos!.
E, em meio ao grande festival, acossado por todos os lados e saqueado pelos piratas do dinheiro público, o Brasil pede, com voz trêmula e assustada: "Quero meu dinheiro de volta! Quero meu dinheiro de volta! Quero meu dinheiro de volta!".

Posted by geneton at 10:38 AM

novembro 17, 2014

EVIDÊNCIA MATEMÁTICA: A DIFERENÇA ENTRE UM CORRUPTO, UM CORRUPTOR E UM BANDIDO É IGUAL A............ZERO!

Faz pouco tempo - era o começo de outubro - o locutor-que-vos-fala perguntava, aqui, por que diabos nunca ninguém tinha visto um corruptor algemado. Parecia algo distante. Se, ao final de todo este escândalo trilionário, corruptores e corruptos forem para a cadeia, quem vai sair ganhando - finalmente! - é um personagem que cansou de ser saqueado, vilipendiado e assaltado: ele, o Brasil...
A rápida "meditação" de outubro, aqui republicada:
E O BRASIL ESPERA PELO DIA DE VER UM CORRUPTOR ALGEMADO! É TÃO BANDIDO QUANTO O CORRUPTO!
Por fim: a coluna de política do Globo de hoje traz uma notícia que, se confirmada, é importantíssima. Diz que o ministro do STF encarregado do escândalo da Petrobrás pretende partir pra cima das empreiteiras e empresários corruptores. Não ficará apenas nos corrompidos. Se corruptores forem finalmente desmascarados e punidos, o Brasil dará um imenso passo adiante. O dinheiro que engorda as contas bancárias dos corruptos - todo mundo sabe - é público. Ou seja: é do povo. E, antes de chegar ao bolso dos corruptos, foi surrupiado pelos corruptores - em forma de superfaturamentos escandalosos em obras públicas, por exemplo. O que o corruptor faz é dividir com o corrupto o resultado do assalto à mão desarmada ao pobre do contribuinte. Por que nunca ninguém viu um corruptor algemado? Eis aí uma das dez mil perguntas brasileiras que atravessam as décadas sem resposta....

Posted by geneton at 10:39 AM

EVIDÊNCIA MATEMÁTICA: A DIFERENÇA ENTRE UM CORRUPTO, UM CORRUPTOR E UM BANDIDO É IGUAL A............ZERO!

Faz pouco tempo - era o começo de outubro - o locutor-que-vos-fala perguntava, aqui, por que diabos nunca ninguém tinha visto um corruptor algemado. Parecia algo distante. Se, ao final de todo este escândalo trilionário, corruptores e corruptos forem para a cadeia, quem vai sair ganhando - finalmente! - é um personagem que cansou de ser saqueado, vilipendiado e assaltado: ele, o Brasil...
A rápida "meditação" de outubro, aqui republicada:
E O BRASIL ESPERA PELO DIA DE VER UM CORRUPTOR ALGEMADO! É TÃO BANDIDO QUANTO O CORRUPTO!
Por fim: a coluna de política do Globo de hoje traz uma notícia que, se confirmada, é importantíssima. Diz que o ministro do STF encarregado do escândalo da Petrobrás pretende partir pra cima das empreiteiras e empresários corruptores. Não ficará apenas nos corrompidos. Se corruptores forem finalmente desmascarados e punidos, o Brasil dará um imenso passo adiante. O dinheiro que engorda as contas bancárias dos corruptos - todo mundo sabe - é público. Ou seja: é do povo. E, antes de chegar ao bolso dos corruptos, foi surrupiado pelos corruptores - em forma de superfaturamentos escandalosos em obras públicas, por exemplo. O que o corruptor faz é dividir com o corrupto o resultado do assalto à mão desarmada ao pobre do contribuinte. Por que nunca ninguém viu um corruptor algemado? Eis aí uma das dez mil perguntas brasileiras que atravessam as décadas sem resposta....

Posted by geneton at 10:39 AM

novembro 13, 2014

SOCORRO! ESTÃO TENTANDO ACABAR COM O SOTAQUE NORDESTINO! ESTÃO CHAMANDO "ÓLINDA" DE "ÔLINDA"! ESTÃO CHAMANDO "PÉRNAMBUCO" DE "PÊRNAMBUCO"! ESTÃO CHAMANDO "SÉRTÃO" DE "SÊRTÃO"! ESTÃO CHAMANDO "PÉTRÓLINA" DE "PÊTRÔLINA"! QUEM INVENTOU ESSA DESGRACEIRA?

Rápida navegação pelo Recife. "Missão": participar de uma mesa na Fliporto, domingo, sobre as entrevistas com Ariano Suassuna, ao lado de Vladimir Carvalho - grande documentarista - e Samarone Lima, poeta e ex-assessor de Suassuna. Faço as contas, reviro velhos recortes: vejo que a primeira entrevista que fiz com Ariano Suassuna foi publicada em 1974 no Diário de Pernambuco. 1974! Lá se vão quarenta anos de perguntas e respostas. Repórter já não tão iniciante aos dezoito anos de idade, "persegui" Ariano Suassuna por corredores da Universidade, naquele final de 1974, em busca de uma declaração para uma matéria que tratava da deturpação do famoso "espírito do Natal". Deve ser dura a vida de intelectuais convocados a dar opinião sobre tudo e sobre todos. Assim caminha ( ou caminhava ) o jornalismo.

Um rápido comentário sobre uma "praga" que vem se disseminando em TODAS as emissoras de TV de Pernambuco ( não tive tempo de ouvir, mas não duvido que a erva daninha já tenha chegado ao rádio, também ): em nome não se sabe de quê, estão assassinando o sotaque nordestino! Já tinha ouvido falar sobre este atentado, mas, agora, com os ouvidos minimamente apurados, constatei o lamentabilíssimo e risível absurdo.
Que é o seguinte: uma das características mais marcantes do falar nordestino é, sempre foi e será a pronúncia aberta das vogais. Aqui, a gente não diz "côração": diz "córação". Não diz "môrena". Diz "mórena". E assim por diante. Quem é daqui não diz "Ôlinda". Nunca, jamais, sob hipótese alguma. Nativos dizem "Ólinda". Sempre dirão. Ainda bem.
Pois bem: numa triste "macaqueção" de outros sotaques, tidos - talvez - como mais "civilizados" ( Deus do céu...), o que é que se ouve aos borbotões em TVs e rádios? Gente daqui pronunciando coisas que, a ouvidos nordestinos, como os deste locutor-que-vos-fala, soam falsas, artificialíssimas e francamente absurdas: "Ôlinda" em vez de "Ólinda"; "Pêrnambuco" em vez de "Pérnambguco"; "Pêtrôlina" em vez de "Pétrólina", "sêrtão" em vez de "sértão"; "Rêcife" em vez do pernambucaníssimo "Ricife".
O pior é que meios de comunicação cometem esta "macaqueação" em massa - mas cem por cento da população continuam pronunciando as vogais como sempre pronunciaram, nos últimos e nos próximos séculos: com as vogais abertas, é claro.
Bastaria fazer uma pesquisa: não existe um só habitante de "Ólinda" que chame a cidade de "Ôlinda" - mas as TVs e, talvez, as rádios chamam. E o que dizer de "sêrtão"? Deus do céu, Deus do céu, Deus do céu.
O locutor-que-vos-fala não é especialista em fonética, em linguística, em sotaques - mas ninguém precisa ser doutor no assunto para constatar este Festival de Pronúncias Absurdas.
Qual é o objetivo deste ataque em massa contra o sotaque nordestino? Por que diabos passaram a achar que pronunciar as vogais com o som aberto "pega mal"? Deixo no ar a dúvida: a que se deve esta praga? Quem foi o gênio que achou que "pega mal" dizer "Ólinda"? É complexo de inferioridade? É imitação pura e simples? Ninguém vai fazer nada contra?
Que se lance uma campanha ( inútil, é claro ) pela volta das vogais abertas e em defesa do sotaque nordestino - urgente, já!
Tudo devia ser tão natural: cada um deve falar - simplesmente - como se fala no lugar onde nasceu ou se criou. É assim em qualquer lugar do mundo. Mas, não....
O locutor-que-vos-fala estará de bom grado na primeira barricada que se erga em defesa das vogais nordestinas!

Posted by geneton at 10:40 AM

SOCORRO! ESTÃO TENTANDO ACABAR COM O SOTAQUE NORDESTINO! ESTÃO CHAMANDO "ÓLINDA" DE "ÔLINDA"! ESTÃO CHAMANDO "PÉRNAMBUCO" DE "PÊRNAMBUCO"! ESTÃO CHAMANDO "SÉRTÃO" DE "SÊRTÃO"! ESTÃO CHAMANDO "PÉTRÓLINA" DE "PÊTRÔLINA"! QUEM INVENTOU ESSA DESGRACEIRA?

Rápida navegação pelo Recife. "Missão": participar de uma mesa na Fliporto, domingo, sobre as entrevistas com Ariano Suassuna, ao lado de Vladimir Carvalho - grande documentarista - e Samarone Lima, poeta e ex-assessor de Suassuna. Faço as contas, reviro velhos recortes: vejo que a primeira entrevista que fiz com Ariano Suassuna foi publicada em 1974 no Diário de Pernambuco. 1974! Lá se vão quarenta anos de perguntas e respostas. Repórter já não tão iniciante aos dezoito anos de idade, "persegui" Ariano Suassuna por corredores da Universidade, naquele final de 1974, em busca de uma declaração para uma matéria que tratava da deturpação do famoso "espírito do Natal". Deve ser dura a vida de intelectuais convocados a dar opinião sobre tudo e sobre todos. Assim caminha ( ou caminhava ) o jornalismo.

Um rápido comentário sobre uma "praga" que vem se disseminando em TODAS as emissoras de TV de Pernambuco ( não tive tempo de ouvir, mas não duvido que a erva daninha já tenha chegado ao rádio, também ): em nome não se sabe de quê, estão assassinando o sotaque nordestino! Já tinha ouvido falar sobre este atentado, mas, agora, com os ouvidos minimamente apurados, constatei o lamentabilíssimo e risível absurdo.
Que é o seguinte: uma das características mais marcantes do falar nordestino é, sempre foi e será a pronúncia aberta das vogais. Aqui, a gente não diz "côração": diz "córação". Não diz "môrena". Diz "mórena". E assim por diante. Quem é daqui não diz "Ôlinda". Nunca, jamais, sob hipótese alguma. Nativos dizem "Ólinda". Sempre dirão. Ainda bem.
Pois bem: numa triste "macaqueção" de outros sotaques, tidos - talvez - como mais "civilizados" ( Deus do céu...), o que é que se ouve aos borbotões em TVs e rádios? Gente daqui pronunciando coisas que, a ouvidos nordestinos, como os deste locutor-que-vos-fala, soam falsas, artificialíssimas e francamente absurdas: "Ôlinda" em vez de "Ólinda"; "Pêrnambuco" em vez de "Pérnambguco"; "Pêtrôlina" em vez de "Pétrólina", "sêrtão" em vez de "sértão"; "Rêcife" em vez do pernambucaníssimo "Ricife".
O pior é que meios de comunicação cometem esta "macaqueação" em massa - mas cem por cento da população continuam pronunciando as vogais como sempre pronunciaram, nos últimos e nos próximos séculos: com as vogais abertas, é claro.
Bastaria fazer uma pesquisa: não existe um só habitante de "Ólinda" que chame a cidade de "Ôlinda" - mas as TVs e, talvez, as rádios chamam. E o que dizer de "sêrtão"? Deus do céu, Deus do céu, Deus do céu.
O locutor-que-vos-fala não é especialista em fonética, em linguística, em sotaques - mas ninguém precisa ser doutor no assunto para constatar este Festival de Pronúncias Absurdas.
Qual é o objetivo deste ataque em massa contra o sotaque nordestino? Por que diabos passaram a achar que pronunciar as vogais com o som aberto "pega mal"? Deixo no ar a dúvida: a que se deve esta praga? Quem foi o gênio que achou que "pega mal" dizer "Ólinda"? É complexo de inferioridade? É imitação pura e simples? Ninguém vai fazer nada contra?
Que se lance uma campanha ( inútil, é claro ) pela volta das vogais abertas e em defesa do sotaque nordestino - urgente, já!
Tudo devia ser tão natural: cada um deve falar - simplesmente - como se fala no lugar onde nasceu ou se criou. É assim em qualquer lugar do mundo. Mas, não....
O locutor-que-vos-fala estará de bom grado na primeira barricada que se erga em defesa das vogais nordestinas!

Posted by geneton at 10:40 AM

novembro 09, 2014

O EX-COMUNISTA JORGE AMADO VÊ, ATORDOADO, AS IMAGENS DA QUEDA DO MURO DE BERLIM: UM MUNDO DESABAVA ALI, HÁ EXATOS 25 ANOS ( AQUI, O ESCRITOR FALA DO ESPANTO QUE SENTIU )

Reviro meus arquivos (não tão) implacáveis, em busca de uma entrevista que fiz com Jorge Amado no momento em que o socialismo virava pó. O ex-comunista Jorge Amado via com espanto o desfile de imagens surpreendentes pela TV, como manifestantes dançando sobre as ruínas do Muro de Berlim ou o queda do ditadores como o romeno Nicolae Ceausesco, personagem de uma cena patética: reuniu a multidão para aplaudi-lo, mas foi silenciado por vaias.

Amado se declarava atordoado com a “rapidez imensa” dos fatos exibidos pela TV, o que o levou a confessar a um amigo, o cineasta Costa Gavras: somente ali, ao testemunhar o desabamento dos regimes socialistas, ele se deu conta da importância da televisão. A entrevista:
Socialismo? “Nunca houve”. O que existia era “uma mentira imensa”, “uma falsificação completa”. Quem faz afirmações tão contundentes, como se quisesse fechar um ciclo de desilusões, é o homem que, um dia, num livro que hoje renega, descreveu assim a figura do ditador Stalin: “Mestre, guia e pai, o maior cientista do mundo de hoje, o maior estadista, o maior general, aquilo que de melhor a humanidade produziu” ( O Mundo de Paz).
Jorge Amado, o maior best-seller da literatura brasileira, recordista de traduções, ex-deputado do Partido Comunista, anuncia, nesta entrevista exclusiva, que ainda não se recuperou da perplexidade causada pela “experiência terrível” : viu cinco imagens de TV destroçarem um mundo de crenças no chamado “socialismo real”.
Primeira imagem: o Muro de Berlim caindo.
Segunda: um estudante anônimo enfrentando os tanques na Praça da Paz Celestial.
Terceira: uma estátua de Lênin desabando no leste europeu.
Quarta: a multidão vaiando o ditador romeno Ceausescu.
Quinta: um manifestante soviético empunhando o cartaz “Operários de Todo o Mundo, Perdoai-nos”.
Impressionado, passou uma noite discutindo o poder destas imagens com o amigo Costa Gavras, cienasta de Estado de Sítio e Desaparecido, durante um encontro em Paris. Ainda espantado com a “rapidez dos fatos”, Jorge Amado repete um ensinamento que extraiu de um aprendizado “sofrido, longo e cruel: “O coletivo não é o oposto do indivíduo. Sem considerar o indivíduo como ser humano, não se pode pensar em socialismo”.
Do refúgio parisiense, onde se esconde dos jornalistas porque quer dar forma definitiva ao romance chamado Bóris, o Vermelho, Jorge Amado manda dizer que “escreve muito mal”, é uma “negação como contista” e,pior, não sabe “contar histórias”. Como se não bastasse, confessa que é um eterno candidato a vagabundo – que só quer ser lembrado, no futuro, como “um baiano romântico e sensual”.
GMN: As mudanças no Leste europeu e na União Soviética de Gorbatchev- que parecem ter desorientado as esquerdas no mundo inteiro - abalaram o senhor também ?
Jorge Amado: “Eu me desorientei – e muito – antes, quando descobri que Stalin não era o pai dos povos, ao contrário do que sempre pensei. Aquele foi um processo doloroso, difícil, cruel e demorado. A maioria das causas dos acontecimentos atuais talvez já fossem claras para mim. Mas os acontecimentos são de uma rapidez imensa.
Jantei com Costa Gavras, meu amigo. Discutimos esta situação: não é só um mundo que acabou. É tudo o que foi a vida e o objetivo de luta de milhões de pessoas. É gente que lutou com generosidade e coragem e foi presa e torturada por lutar por uma coisa que – de repente – se acaba. A pergunta que você pode me fazer agora é a seguinte: é o socialismo que não presta ou é a falsificação do socialismo ? O que é que acontece nestes países ? Já não são regimes socialistas nem a Polônia nem a Hungria nem a Tchecoslováquia nem a Alemanha oriental. Já estão deixando de ser socialistas a Bulgária, a Romênia e até a Albânia! Mas não acredito que o socialismo, como ideia, deixe de ser o que representa como avanço e como um passo adiante. Nunca houve socialismo, como não houve democracia. Como a implantação dos regimes socialistas foi baseada naquilo que é fundamentalmente errado - a ditadura de classe – , houve, então, uma falsificação total e completa !
O mundo era um antes da revolução de outubro, na Rússia. Passou, depois, a ser outro. Estados ditos socialistas – mas que não eram, na realidade – podem deixar de existir. Isso não quer dizer,no entanto, que os valores novos trazidos pela Revolução de outubro - como uma consciência coletiva maior e fraternal – não persistam. Persistem. O que acontece é que o mundo não será mesmo igual. Já não é. O capitalismo de hoje também já não é o mesmo de antes. Não sou sociólogo. Eu via sempre, na televisão, no Brasil, que todo dia apareciam dois, três cientistas políticos. É cientista político pra burro. É uma quantidade imensa. São formidáveis. Não sou cientista político – infelizmente – nem crítico literário. Mas vem à minha casa gente que lutou toda a vida. De repente, um mundo vem abaixo!
Durante o encontro com Costa Gavras, eu disse que – de repente - estou me dando conta da importância da televisão. Via na TV as imagens do muro de Berlim. Vi o homem parando os tanques na China. E as imagens do ditador da Romênia? Reuniu duzentas mil pessoas para aplaudi-lo, mas, de repente, a multidão começa a vaiá-lo. A imagem do ditador na tribuna é inesquecível. Outra imagem :uma imensa estátua de Lênin com uma corda no pescoço. E o pessoal puxando para derrubá-la. Devo dizer a você que aquilo me picou o coração. É todo um mundo que vem se acabando – e desabando em cima da cabeça da gente. É terrível para algumas pessoas – que devem se sentir suicidas, sem ter o que fazer da vida. Não sou sociólogo, mas sem democracia não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo como ser humano, você não pode pensar em socialismo”.
GMN: A denúncia do stalinismo provocou um choque ainda maior no senhor ?
Jorge Amado: “O choque veio já antes da denúncia, porque eu vinha sabendo das coisas. Mas é evidente que a denúncia de Kruschev trouxe coisas de que eu não fazia a mínima ideia”.
GMN: Mikail Gorbachev é o ídolo de Jorge Amado hoje ?
Jorge Amado: “Meu último ídolo chama-se Stálin. Já não tenho ídolos – há tempos. Como ídolo, Stalin é o bastante. É suficiente…Gorbachev é um grande estadista do nosso tempo. Todos nós devemos a ele um fato importante: o perigo de uma guerra atômica – que iria acabar com a vida sobre a Terra – diminuiu muito. O que é que Gorbachev faz ? O que ele faz é expor a verdade. Havia uma mentira imensa que dizia: “O socialismo é este”. De repente, a gente viu que não era. Outra imagem de TV que me impressionou foi transmitida durante a comemoração do aniversário da Revolução de outubro. Durante uma manifestação de cento e ciquenta mil pessoas em Moscou, dois cartazes me marcaram muito. Um dizia: “Setenta anos para chegara a nada”. E outro: “Proletários de todo o mundo, perdoai-nos”. São dois negócios terríveis”.
GMN: O senhor diz que o mundo de tantas pessoas que deram a vida toda a estes ideais desabou diante desses mudanças todas. Seu mundo desabou, politicamente ?
Jorge Amado: “Eu já vinha dizendo que, sem democracia, não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo ser humano não se pode pensar em socialismo. O que vai existir é, sempre, uma falsificação. São coisas que, para mim, ficaram claras, dentro de um processo sofrido, longo e cruel”.
GMN: O livro Os Dentes do Dragão traz o registro do atrito que houve entre o senhor e Oswald de Andrade, na época em que ambos militavam no Partido Comunista. Oswald de Andrade escreveu: “Numa reunião do comitê de escritores, diante de quize pessoas do PC, apelei para que o sr. Jorge Amado se retirasse de São Paulo e denunciei-o como espião barato do nazismo. Em 1940, Jorge convidou-se no Rio para almoçar na Brahma com um alemão altamente situado na embaixada e na agência Transocean, para que esse alemão me oferecesse escrever um livro em defesa da Alemanha. Recusei e Jorge ficou surpreendido, pois aceitara várias encomendas desse gênero do mesmo alemão”. Houve uma briga séria?
Jorge Amado: “Houve, realmente, um atrito. Oswald – de quem eu era amigo – desejava ser candidato a deputado na chapa do Partido Comunista. Não foi. Não sei porque – talvez porque outras pessoas tivesse feito intriga – Oswald achou que eu tinha concorrido para que ele não entrasse na chapa. O que aconteceu, na verdade, foi o contrário. Eu lutei – e muito – para que ele entrasse na chapa do partido. Não consegui. Oswaldo não entrou. Atribuiu a mim este fato, o que fez com se afastasse de mim. Depois, voltamos às boas – ele, infelizmente, já enfermo. Não sei se Oswald pediu a minha exclusão do partido. Não vale a pena falar sobre este assunto”.
GMN: Mas ele pediu a exclusão do senhor do Partido Comunista ?
Jorge Amado: “Isso, se houve, não sei”.
GMN :Oswald de Andrade cita também o encontro que teve com o senhor e com um alemão na embaixada. O senhor se lembra ?
Jorge Amado: “Não”.
GMN : Ao se referir ao ato de escrever, o senhor já disse: “Quanto à escrita propriamente dita, aceito palpite”. O senhor aceita palpite de quem ?
Jorge Amado: “Quem palpita é Zélia ( Gattai ), porque vive ao meu lado. Sou mau datilógrafo. Só escrevo com dois dedos. Emendo muito. Hoje, escrevo e reescrevo. Quando jovem, emendava pouco. A gente vai perdendo aquele elan da juventude e vai ganhando experiência. A escrita, então, passa a ser sempre difícil. Você escreve e reescreve. Depois, quando parece que o texto ficou do meu agrado, Zélia bate à máquina uma cópia que ainda vou ler e reler. É aí que ela dá palpite. A partir de certo momento do livro, dou a ler a meu irmão James Amado, uma opinião que levo em conta. E ele lê – e palpita”.
GMN :Não é uma contradição o mais famoso escritor brasileiro dizer que escreve “mal” , como o senhor diz?
Jorge Amado: “Para começar, sou contra este tipo de qualificativo – “o mais”, “o maior”. É difícil dizer quem é “o mais”, “o maior”, “o melhor”. Há os que são bons. Outros são ótimos. Não sou uma pessoa que se considere isso ou aquilo. Não sei que adjetivo usar, mas sou bastante modesto, humilde e crítico a meu respeito. Há uma pergunta que - adiante – você já não me fará. É esta: “E o Prêmio Nobel ? Você não acha que vai ganhar ?”. Por que eu haveria de ter ? Nunca esperei. Desejar é outra coisa. Aspirar é outra coisa. Aliás, nunca aspirei a prêmio nenhum. Nunca lutei por nenhum prêmio. Nunca fui candidato. Quem deve ganhar os prêmios é o livro, não o autor. Uma das coisas mais tristes da vida literária é ver um sujeito cavando um prêmio. É um horror. Quando me dão, fico satisfeito. Eu me admiro por que é que haveria de ganhar o Prêmio Nobel. É um prêmio para grandes, grandes escritores. Não me considero como tal”.
GMN: O senhor acha que escreve mal de verdade ?
Jorge Amado: “Eu escrevo muito mal”.
GMN: Que reparos, então, o senhor faz a seus textos ?
Jorge Amado: “A crítica faz tantos reparos….Não sou um escritor que trabalha. Um crítico francês chamado Jean Rocha escreveu todo um livro sobre mim. Disse que escrevo bem. Não ouso fazer tal afirmação. Porque há os que dizem que não existe quem escreva pior do que eu. Sou um escritor que nunca teve a unanimidade da crítica. O País do Carnaval foi o meu único livro unanimemente elogiado. Eu era um menino…. (N: Quando terminou de escrever o livro, Jorge Amado tinha tinha 18 anos). Desde então, tenho levado pau. Nunca nenhum outro livro meu, a partir de então, recolheu unanimidade. A crítica sempre foi polêmica em torno do meu trabalho. Também sou uma negação como contista. O que aparece como conto meu por aí é sobra de romance, coisas que não foram adiante ou que não usei”.
GMN : Escrever, para o senhor, é uma necessidade física ? Em algum momento, o senhor já admitiu a possibilidade de deixar de escrever ?
Jorge Amado: “Sempre penso, com grande desejo, em não fazer nada. Minha tendência é vagabundar, andar, ver pessoas e coisas, ler livros. Mas sempre o livro se impõe a mim. Já há algum tempo, estou resistindo a ir para a máquina de escrever, pela terceira vez, para tentar escrever um livro chamado Bóris, o Vermelho. Em 1984, minha filha morava no Maranhão. Viajei até lá para, um pouco escondido, tentar escrever Bóris. Acabei começando um livro chamado Tocaia Grande, concluído dois anos depois. O livro foi escrito em várias casas no Brasil. Fiquei fugindo de uma para outra- só que me descobriam. Vim em 1987 para Paris, para tentar escrever Bóris. Mas escrevi O Sumiço da Santa, porque descobri que nunca tinha feito um livro sobre sincretismo cultural e religioso, algo que é presente na maioria dos meus romances, mas nunca como tema central. Não pude escrever Bóris porque a estrutura da narrativa não estava suficientemente madura na minha cabeça.
Vou ter de explicar a você a minha forma de trabalhar: quando tenho a ideia de um livro, trato de amadurecê-la na cabeça, antes de ir para a máquina - mas não no sentido do que seria a história do livro. Não sei contar uma história. Minha mulher senta com os netos e conta uma história que eu mesmo ouço com imenso prazer. Zélia inventa. Já eu sou incapaz. O enredo – ou a história dos meus livros – decorre dos personagens. Porque os personagens é que os fazem. Nunca sei, hoje, o que vai acontecer no dia dee amanhã com a história. Os personagens é que vão construindo a história aos poucos. Um personagem que coloco ali, por uma necessidade técnica, por um detalhe, de repente vive e cresce. A história decorre dos personagens. É uma coisa vivida, em vez de ser inventada. Nunca penso em termos de história. Penso, sim, em figuras, em ambientes e em como será a arquitetura da narrativa. Busco encontrar o começo. Porque o começo do livro é que é difícil – exatamente porque não sei contar uma história. Não tenho a invenção da história. É difícil. Preciso que os personagens comecem a ficar de pé – e a andar com seus pés, para que a história também ande. Duas vezes pensei que Bóris estivesse maduro. Quando fui para a máquina, vi que não era o que queria.
O que quero fazer, no livro, é o perfil de um jovem brasileiro entre 18 e 20 anos na década de 70. É apenas um jovem. Mas as circunstâncias da vida política brasileira na época – uma ditadura militar, com tudo o que ela representava – levam a que ele desempenhe um determinado papel que não sei exatamente qual é. Isso virá. Não me amedronto, porque, quando escrevo, a história sempre vem”.
GMN: O senhor terminou de escrever o romance de estreia, O País do Carnaval, há exatamente 60 anos, em 1930. Tempos depois, chamou o livro de “um caderno de aprendiz”. Qual é o principal reparo que o Jorge Amado de 78 anos faz, hoje, ao Jorge Amado de 18 anos, como romancista ?
Jorge Amado: “O País do Carnaval e Cacau e Suor são cadernos de um aprendiz de romancista. O principal reparo que faço – sobretudo a O País do Carnaval – é que é um romance com bastante influência europeia. Sobre o romance pesa – e muito – uma visão europeia do Brasil. Eu era um menino influenciado, de um lado, pela leitura de uma literatura europeia, e, de outro, pelo Modernismo – que, apesar cultivar uma brasilidade e um lado nacionalista na Antropofagia, também tinha europeia, sobretudo da França e da Itália. As primeiras obras de Oswald de Andrade, como Os Condenados, são bastante influenciadas por D`Annunzio. O meu é um livro europeizante – de certa maneira”.
GMN: Curiosamente, o personagem principal do livro chega da Europa e volta para lá…
Jorge Amado: “O personagem passa pelo Brasil. A tradução francesa de O País do Carnaval só foi feita agora pela Editora Gallimard, sessenta anos depois da publicação. Nunca permiti a tradução de O País do Carnaval até há póucos anos. Quando completei setenta e cinco anos, um dos meus editores italianos fez uma tradução do livro – na verdade, uma edição especial, quase universitária, com estudos. Era uma homenagem aos setenta e cinco anos, fora das coleções normais. Não pude impedir a tradução. A partir daí é que a Gallimard comprou os direitos da tradução em francês. São as duas únicas línguas em que foi traduzido. Com a tradução francesa, recebi, há poucos dias, um telefonema de uma editora dos Estados Unidos que quer comprar O País do Carnaval. Não decidi ainda se aceitarei ou não”.
GMN: Por que o senhor – que conheceu grandes figuras da literatura e da política do mundo inteiro - nunca se animou a escrever uma autobiografia ?
Jorge Amado: “Prefiro escrever romance. Enquanto eu puder trabalhar numa obra de criação, acho preferível. Quando sentir que já não posso, quem sabe eu me volte para uma autobiografia. Mas não é algo que me tente”.
GMN: O senhor não dá importância a depoimentos históricos de escritores ?
Jorge Amado: “Gosto de ler biografias e memórias – com prazer. Não incluo nos meus projetos, por ora, escrever minha autobiografia. Mas quem sabe?”.
GMN : Nélson Rodrigues disse que, se algum dia alguém fosse escrever um verbete sobre ele, bastaria redigir uma frase : “Nélson Rodrigues – também conhecido como flor da obsessão”. Se o senhor fosse escrever um verbete sobre Jorge Amado, quais palavras usaria ? Como é que o senhor gostaria de ser lembrado daqui a 50 anos numa enciclopédia ?
Jorge Amado : “Um baiano romântico e sensual. Eu me pareço com meus personagens - às vezes, também com as mulheres”.
(Entrevista gravada em 1990)

Posted by geneton at 10:40 AM

O EX-COMUNISTA JORGE AMADO VÊ, ATORDOADO, AS IMAGENS DA QUEDA DO MURO DE BERLIM: UM MUNDO DESABAVA ALI, HÁ EXATOS 25 ANOS ( AQUI, O ESCRITOR FALA DO ESPANTO QUE SENTIU )

Reviro meus arquivos (não tão) implacáveis, em busca de uma entrevista que fiz com Jorge Amado no momento em que o socialismo virava pó. O ex-comunista Jorge Amado via com espanto o desfile de imagens surpreendentes pela TV, como manifestantes dançando sobre as ruínas do Muro de Berlim ou o queda do ditadores como o romeno Nicolae Ceausesco, personagem de uma cena patética: reuniu a multidão para aplaudi-lo, mas foi silenciado por vaias.

Amado se declarava atordoado com a “rapidez imensa” dos fatos exibidos pela TV, o que o levou a confessar a um amigo, o cineasta Costa Gavras: somente ali, ao testemunhar o desabamento dos regimes socialistas, ele se deu conta da importância da televisão. A entrevista:
Socialismo? “Nunca houve”. O que existia era “uma mentira imensa”, “uma falsificação completa”. Quem faz afirmações tão contundentes, como se quisesse fechar um ciclo de desilusões, é o homem que, um dia, num livro que hoje renega, descreveu assim a figura do ditador Stalin: “Mestre, guia e pai, o maior cientista do mundo de hoje, o maior estadista, o maior general, aquilo que de melhor a humanidade produziu” ( O Mundo de Paz).
Jorge Amado, o maior best-seller da literatura brasileira, recordista de traduções, ex-deputado do Partido Comunista, anuncia, nesta entrevista exclusiva, que ainda não se recuperou da perplexidade causada pela “experiência terrível” : viu cinco imagens de TV destroçarem um mundo de crenças no chamado “socialismo real”.
Primeira imagem: o Muro de Berlim caindo.
Segunda: um estudante anônimo enfrentando os tanques na Praça da Paz Celestial.
Terceira: uma estátua de Lênin desabando no leste europeu.
Quarta: a multidão vaiando o ditador romeno Ceausescu.
Quinta: um manifestante soviético empunhando o cartaz “Operários de Todo o Mundo, Perdoai-nos”.
Impressionado, passou uma noite discutindo o poder destas imagens com o amigo Costa Gavras, cienasta de Estado de Sítio e Desaparecido, durante um encontro em Paris. Ainda espantado com a “rapidez dos fatos”, Jorge Amado repete um ensinamento que extraiu de um aprendizado “sofrido, longo e cruel: “O coletivo não é o oposto do indivíduo. Sem considerar o indivíduo como ser humano, não se pode pensar em socialismo”.
Do refúgio parisiense, onde se esconde dos jornalistas porque quer dar forma definitiva ao romance chamado Bóris, o Vermelho, Jorge Amado manda dizer que “escreve muito mal”, é uma “negação como contista” e,pior, não sabe “contar histórias”. Como se não bastasse, confessa que é um eterno candidato a vagabundo – que só quer ser lembrado, no futuro, como “um baiano romântico e sensual”.
GMN: As mudanças no Leste europeu e na União Soviética de Gorbatchev- que parecem ter desorientado as esquerdas no mundo inteiro - abalaram o senhor também ?
Jorge Amado: “Eu me desorientei – e muito – antes, quando descobri que Stalin não era o pai dos povos, ao contrário do que sempre pensei. Aquele foi um processo doloroso, difícil, cruel e demorado. A maioria das causas dos acontecimentos atuais talvez já fossem claras para mim. Mas os acontecimentos são de uma rapidez imensa.
Jantei com Costa Gavras, meu amigo. Discutimos esta situação: não é só um mundo que acabou. É tudo o que foi a vida e o objetivo de luta de milhões de pessoas. É gente que lutou com generosidade e coragem e foi presa e torturada por lutar por uma coisa que – de repente – se acaba. A pergunta que você pode me fazer agora é a seguinte: é o socialismo que não presta ou é a falsificação do socialismo ? O que é que acontece nestes países ? Já não são regimes socialistas nem a Polônia nem a Hungria nem a Tchecoslováquia nem a Alemanha oriental. Já estão deixando de ser socialistas a Bulgária, a Romênia e até a Albânia! Mas não acredito que o socialismo, como ideia, deixe de ser o que representa como avanço e como um passo adiante. Nunca houve socialismo, como não houve democracia. Como a implantação dos regimes socialistas foi baseada naquilo que é fundamentalmente errado - a ditadura de classe – , houve, então, uma falsificação total e completa !
O mundo era um antes da revolução de outubro, na Rússia. Passou, depois, a ser outro. Estados ditos socialistas – mas que não eram, na realidade – podem deixar de existir. Isso não quer dizer,no entanto, que os valores novos trazidos pela Revolução de outubro - como uma consciência coletiva maior e fraternal – não persistam. Persistem. O que acontece é que o mundo não será mesmo igual. Já não é. O capitalismo de hoje também já não é o mesmo de antes. Não sou sociólogo. Eu via sempre, na televisão, no Brasil, que todo dia apareciam dois, três cientistas políticos. É cientista político pra burro. É uma quantidade imensa. São formidáveis. Não sou cientista político – infelizmente – nem crítico literário. Mas vem à minha casa gente que lutou toda a vida. De repente, um mundo vem abaixo!
Durante o encontro com Costa Gavras, eu disse que – de repente - estou me dando conta da importância da televisão. Via na TV as imagens do muro de Berlim. Vi o homem parando os tanques na China. E as imagens do ditador da Romênia? Reuniu duzentas mil pessoas para aplaudi-lo, mas, de repente, a multidão começa a vaiá-lo. A imagem do ditador na tribuna é inesquecível. Outra imagem :uma imensa estátua de Lênin com uma corda no pescoço. E o pessoal puxando para derrubá-la. Devo dizer a você que aquilo me picou o coração. É todo um mundo que vem se acabando – e desabando em cima da cabeça da gente. É terrível para algumas pessoas – que devem se sentir suicidas, sem ter o que fazer da vida. Não sou sociólogo, mas sem democracia não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo como ser humano, você não pode pensar em socialismo”.
GMN: A denúncia do stalinismo provocou um choque ainda maior no senhor ?
Jorge Amado: “O choque veio já antes da denúncia, porque eu vinha sabendo das coisas. Mas é evidente que a denúncia de Kruschev trouxe coisas de que eu não fazia a mínima ideia”.
GMN: Mikail Gorbachev é o ídolo de Jorge Amado hoje ?
Jorge Amado: “Meu último ídolo chama-se Stálin. Já não tenho ídolos – há tempos. Como ídolo, Stalin é o bastante. É suficiente…Gorbachev é um grande estadista do nosso tempo. Todos nós devemos a ele um fato importante: o perigo de uma guerra atômica – que iria acabar com a vida sobre a Terra – diminuiu muito. O que é que Gorbachev faz ? O que ele faz é expor a verdade. Havia uma mentira imensa que dizia: “O socialismo é este”. De repente, a gente viu que não era. Outra imagem de TV que me impressionou foi transmitida durante a comemoração do aniversário da Revolução de outubro. Durante uma manifestação de cento e ciquenta mil pessoas em Moscou, dois cartazes me marcaram muito. Um dizia: “Setenta anos para chegara a nada”. E outro: “Proletários de todo o mundo, perdoai-nos”. São dois negócios terríveis”.
GMN: O senhor diz que o mundo de tantas pessoas que deram a vida toda a estes ideais desabou diante desses mudanças todas. Seu mundo desabou, politicamente ?
Jorge Amado: “Eu já vinha dizendo que, sem democracia, não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo ser humano não se pode pensar em socialismo. O que vai existir é, sempre, uma falsificação. São coisas que, para mim, ficaram claras, dentro de um processo sofrido, longo e cruel”.
GMN: O livro Os Dentes do Dragão traz o registro do atrito que houve entre o senhor e Oswald de Andrade, na época em que ambos militavam no Partido Comunista. Oswald de Andrade escreveu: “Numa reunião do comitê de escritores, diante de quize pessoas do PC, apelei para que o sr. Jorge Amado se retirasse de São Paulo e denunciei-o como espião barato do nazismo. Em 1940, Jorge convidou-se no Rio para almoçar na Brahma com um alemão altamente situado na embaixada e na agência Transocean, para que esse alemão me oferecesse escrever um livro em defesa da Alemanha. Recusei e Jorge ficou surpreendido, pois aceitara várias encomendas desse gênero do mesmo alemão”. Houve uma briga séria?
Jorge Amado: “Houve, realmente, um atrito. Oswald – de quem eu era amigo – desejava ser candidato a deputado na chapa do Partido Comunista. Não foi. Não sei porque – talvez porque outras pessoas tivesse feito intriga – Oswald achou que eu tinha concorrido para que ele não entrasse na chapa. O que aconteceu, na verdade, foi o contrário. Eu lutei – e muito – para que ele entrasse na chapa do partido. Não consegui. Oswaldo não entrou. Atribuiu a mim este fato, o que fez com se afastasse de mim. Depois, voltamos às boas – ele, infelizmente, já enfermo. Não sei se Oswald pediu a minha exclusão do partido. Não vale a pena falar sobre este assunto”.
GMN: Mas ele pediu a exclusão do senhor do Partido Comunista ?
Jorge Amado: “Isso, se houve, não sei”.
GMN :Oswald de Andrade cita também o encontro que teve com o senhor e com um alemão na embaixada. O senhor se lembra ?
Jorge Amado: “Não”.
GMN : Ao se referir ao ato de escrever, o senhor já disse: “Quanto à escrita propriamente dita, aceito palpite”. O senhor aceita palpite de quem ?
Jorge Amado: “Quem palpita é Zélia ( Gattai ), porque vive ao meu lado. Sou mau datilógrafo. Só escrevo com dois dedos. Emendo muito. Hoje, escrevo e reescrevo. Quando jovem, emendava pouco. A gente vai perdendo aquele elan da juventude e vai ganhando experiência. A escrita, então, passa a ser sempre difícil. Você escreve e reescreve. Depois, quando parece que o texto ficou do meu agrado, Zélia bate à máquina uma cópia que ainda vou ler e reler. É aí que ela dá palpite. A partir de certo momento do livro, dou a ler a meu irmão James Amado, uma opinião que levo em conta. E ele lê – e palpita”.
GMN :Não é uma contradição o mais famoso escritor brasileiro dizer que escreve “mal” , como o senhor diz?
Jorge Amado: “Para começar, sou contra este tipo de qualificativo – “o mais”, “o maior”. É difícil dizer quem é “o mais”, “o maior”, “o melhor”. Há os que são bons. Outros são ótimos. Não sou uma pessoa que se considere isso ou aquilo. Não sei que adjetivo usar, mas sou bastante modesto, humilde e crítico a meu respeito. Há uma pergunta que - adiante – você já não me fará. É esta: “E o Prêmio Nobel ? Você não acha que vai ganhar ?”. Por que eu haveria de ter ? Nunca esperei. Desejar é outra coisa. Aspirar é outra coisa. Aliás, nunca aspirei a prêmio nenhum. Nunca lutei por nenhum prêmio. Nunca fui candidato. Quem deve ganhar os prêmios é o livro, não o autor. Uma das coisas mais tristes da vida literária é ver um sujeito cavando um prêmio. É um horror. Quando me dão, fico satisfeito. Eu me admiro por que é que haveria de ganhar o Prêmio Nobel. É um prêmio para grandes, grandes escritores. Não me considero como tal”.
GMN: O senhor acha que escreve mal de verdade ?
Jorge Amado: “Eu escrevo muito mal”.
GMN: Que reparos, então, o senhor faz a seus textos ?
Jorge Amado: “A crítica faz tantos reparos….Não sou um escritor que trabalha. Um crítico francês chamado Jean Rocha escreveu todo um livro sobre mim. Disse que escrevo bem. Não ouso fazer tal afirmação. Porque há os que dizem que não existe quem escreva pior do que eu. Sou um escritor que nunca teve a unanimidade da crítica. O País do Carnaval foi o meu único livro unanimemente elogiado. Eu era um menino…. (N: Quando terminou de escrever o livro, Jorge Amado tinha tinha 18 anos). Desde então, tenho levado pau. Nunca nenhum outro livro meu, a partir de então, recolheu unanimidade. A crítica sempre foi polêmica em torno do meu trabalho. Também sou uma negação como contista. O que aparece como conto meu por aí é sobra de romance, coisas que não foram adiante ou que não usei”.
GMN : Escrever, para o senhor, é uma necessidade física ? Em algum momento, o senhor já admitiu a possibilidade de deixar de escrever ?
Jorge Amado: “Sempre penso, com grande desejo, em não fazer nada. Minha tendência é vagabundar, andar, ver pessoas e coisas, ler livros. Mas sempre o livro se impõe a mim. Já há algum tempo, estou resistindo a ir para a máquina de escrever, pela terceira vez, para tentar escrever um livro chamado Bóris, o Vermelho. Em 1984, minha filha morava no Maranhão. Viajei até lá para, um pouco escondido, tentar escrever Bóris. Acabei começando um livro chamado Tocaia Grande, concluído dois anos depois. O livro foi escrito em várias casas no Brasil. Fiquei fugindo de uma para outra- só que me descobriam. Vim em 1987 para Paris, para tentar escrever Bóris. Mas escrevi O Sumiço da Santa, porque descobri que nunca tinha feito um livro sobre sincretismo cultural e religioso, algo que é presente na maioria dos meus romances, mas nunca como tema central. Não pude escrever Bóris porque a estrutura da narrativa não estava suficientemente madura na minha cabeça.
Vou ter de explicar a você a minha forma de trabalhar: quando tenho a ideia de um livro, trato de amadurecê-la na cabeça, antes de ir para a máquina - mas não no sentido do que seria a história do livro. Não sei contar uma história. Minha mulher senta com os netos e conta uma história que eu mesmo ouço com imenso prazer. Zélia inventa. Já eu sou incapaz. O enredo – ou a história dos meus livros – decorre dos personagens. Porque os personagens é que os fazem. Nunca sei, hoje, o que vai acontecer no dia dee amanhã com a história. Os personagens é que vão construindo a história aos poucos. Um personagem que coloco ali, por uma necessidade técnica, por um detalhe, de repente vive e cresce. A história decorre dos personagens. É uma coisa vivida, em vez de ser inventada. Nunca penso em termos de história. Penso, sim, em figuras, em ambientes e em como será a arquitetura da narrativa. Busco encontrar o começo. Porque o começo do livro é que é difícil – exatamente porque não sei contar uma história. Não tenho a invenção da história. É difícil. Preciso que os personagens comecem a ficar de pé – e a andar com seus pés, para que a história também ande. Duas vezes pensei que Bóris estivesse maduro. Quando fui para a máquina, vi que não era o que queria.
O que quero fazer, no livro, é o perfil de um jovem brasileiro entre 18 e 20 anos na década de 70. É apenas um jovem. Mas as circunstâncias da vida política brasileira na época – uma ditadura militar, com tudo o que ela representava – levam a que ele desempenhe um determinado papel que não sei exatamente qual é. Isso virá. Não me amedronto, porque, quando escrevo, a história sempre vem”.
GMN: O senhor terminou de escrever o romance de estreia, O País do Carnaval, há exatamente 60 anos, em 1930. Tempos depois, chamou o livro de “um caderno de aprendiz”. Qual é o principal reparo que o Jorge Amado de 78 anos faz, hoje, ao Jorge Amado de 18 anos, como romancista ?
Jorge Amado: “O País do Carnaval e Cacau e Suor são cadernos de um aprendiz de romancista. O principal reparo que faço – sobretudo a O País do Carnaval – é que é um romance com bastante influência europeia. Sobre o romance pesa – e muito – uma visão europeia do Brasil. Eu era um menino influenciado, de um lado, pela leitura de uma literatura europeia, e, de outro, pelo Modernismo – que, apesar cultivar uma brasilidade e um lado nacionalista na Antropofagia, também tinha europeia, sobretudo da França e da Itália. As primeiras obras de Oswald de Andrade, como Os Condenados, são bastante influenciadas por D`Annunzio. O meu é um livro europeizante – de certa maneira”.
GMN: Curiosamente, o personagem principal do livro chega da Europa e volta para lá…
Jorge Amado: “O personagem passa pelo Brasil. A tradução francesa de O País do Carnaval só foi feita agora pela Editora Gallimard, sessenta anos depois da publicação. Nunca permiti a tradução de O País do Carnaval até há póucos anos. Quando completei setenta e cinco anos, um dos meus editores italianos fez uma tradução do livro – na verdade, uma edição especial, quase universitária, com estudos. Era uma homenagem aos setenta e cinco anos, fora das coleções normais. Não pude impedir a tradução. A partir daí é que a Gallimard comprou os direitos da tradução em francês. São as duas únicas línguas em que foi traduzido. Com a tradução francesa, recebi, há poucos dias, um telefonema de uma editora dos Estados Unidos que quer comprar O País do Carnaval. Não decidi ainda se aceitarei ou não”.
GMN: Por que o senhor – que conheceu grandes figuras da literatura e da política do mundo inteiro - nunca se animou a escrever uma autobiografia ?
Jorge Amado: “Prefiro escrever romance. Enquanto eu puder trabalhar numa obra de criação, acho preferível. Quando sentir que já não posso, quem sabe eu me volte para uma autobiografia. Mas não é algo que me tente”.
GMN: O senhor não dá importância a depoimentos históricos de escritores ?
Jorge Amado: “Gosto de ler biografias e memórias – com prazer. Não incluo nos meus projetos, por ora, escrever minha autobiografia. Mas quem sabe?”.
GMN : Nélson Rodrigues disse que, se algum dia alguém fosse escrever um verbete sobre ele, bastaria redigir uma frase : “Nélson Rodrigues – também conhecido como flor da obsessão”. Se o senhor fosse escrever um verbete sobre Jorge Amado, quais palavras usaria ? Como é que o senhor gostaria de ser lembrado daqui a 50 anos numa enciclopédia ?
Jorge Amado : “Um baiano romântico e sensual. Eu me pareço com meus personagens - às vezes, também com as mulheres”.
(Entrevista gravada em 1990)

Posted by geneton at 10:40 AM

O EX-COMUNISTA JORGE AMADO VÊ, ATORDOADO, AS IMAGENS DA QUEDA DO MURO DE BERLIM: UM MUNDO DESABAVA ALI, HÁ EXATOS 25 ANOS ( AQUI, O ESCRITOR FALA DO ESPANTO QUE SENTIU )

Reviro meus arquivos (não tão) implacáveis, em busca de uma entrevista que fiz com Jorge Amado no momento em que o socialismo virava pó. O ex-comunista Jorge Amado via com espanto o desfile de imagens surpreendentes pela TV, como manifestantes dançando sobre as ruínas do Muro de Berlim ou o queda do ditadores como o romeno Nicolae Ceausesco, personagem de uma cena patética: reuniu a multidão para aplaudi-lo, mas foi silenciado por vaias.

Amado se declarava atordoado com a “rapidez imensa” dos fatos exibidos pela TV, o que o levou a confessar a um amigo, o cineasta Costa Gavras: somente ali, ao testemunhar o desabamento dos regimes socialistas, ele se deu conta da importância da televisão. A entrevista:
Socialismo? “Nunca houve”. O que existia era “uma mentira imensa”, “uma falsificação completa”. Quem faz afirmações tão contundentes, como se quisesse fechar um ciclo de desilusões, é o homem que, um dia, num livro que hoje renega, descreveu assim a figura do ditador Stalin: “Mestre, guia e pai, o maior cientista do mundo de hoje, o maior estadista, o maior general, aquilo que de melhor a humanidade produziu” ( O Mundo de Paz).
Jorge Amado, o maior best-seller da literatura brasileira, recordista de traduções, ex-deputado do Partido Comunista, anuncia, nesta entrevista exclusiva, que ainda não se recuperou da perplexidade causada pela “experiência terrível” : viu cinco imagens de TV destroçarem um mundo de crenças no chamado “socialismo real”.
Primeira imagem: o Muro de Berlim caindo.
Segunda: um estudante anônimo enfrentando os tanques na Praça da Paz Celestial.
Terceira: uma estátua de Lênin desabando no leste europeu.
Quarta: a multidão vaiando o ditador romeno Ceausescu.
Quinta: um manifestante soviético empunhando o cartaz “Operários de Todo o Mundo, Perdoai-nos”.
Impressionado, passou uma noite discutindo o poder destas imagens com o amigo Costa Gavras, cienasta de Estado de Sítio e Desaparecido, durante um encontro em Paris. Ainda espantado com a “rapidez dos fatos”, Jorge Amado repete um ensinamento que extraiu de um aprendizado “sofrido, longo e cruel: “O coletivo não é o oposto do indivíduo. Sem considerar o indivíduo como ser humano, não se pode pensar em socialismo”.
Do refúgio parisiense, onde se esconde dos jornalistas porque quer dar forma definitiva ao romance chamado Bóris, o Vermelho, Jorge Amado manda dizer que “escreve muito mal”, é uma “negação como contista” e,pior, não sabe “contar histórias”. Como se não bastasse, confessa que é um eterno candidato a vagabundo – que só quer ser lembrado, no futuro, como “um baiano romântico e sensual”.
GMN: As mudanças no Leste europeu e na União Soviética de Gorbatchev- que parecem ter desorientado as esquerdas no mundo inteiro - abalaram o senhor também ?
Jorge Amado: “Eu me desorientei – e muito – antes, quando descobri que Stalin não era o pai dos povos, ao contrário do que sempre pensei. Aquele foi um processo doloroso, difícil, cruel e demorado. A maioria das causas dos acontecimentos atuais talvez já fossem claras para mim. Mas os acontecimentos são de uma rapidez imensa.
Jantei com Costa Gavras, meu amigo. Discutimos esta situação: não é só um mundo que acabou. É tudo o que foi a vida e o objetivo de luta de milhões de pessoas. É gente que lutou com generosidade e coragem e foi presa e torturada por lutar por uma coisa que – de repente – se acaba. A pergunta que você pode me fazer agora é a seguinte: é o socialismo que não presta ou é a falsificação do socialismo ? O que é que acontece nestes países ? Já não são regimes socialistas nem a Polônia nem a Hungria nem a Tchecoslováquia nem a Alemanha oriental. Já estão deixando de ser socialistas a Bulgária, a Romênia e até a Albânia! Mas não acredito que o socialismo, como ideia, deixe de ser o que representa como avanço e como um passo adiante. Nunca houve socialismo, como não houve democracia. Como a implantação dos regimes socialistas foi baseada naquilo que é fundamentalmente errado - a ditadura de classe – , houve, então, uma falsificação total e completa !
O mundo era um antes da revolução de outubro, na Rússia. Passou, depois, a ser outro. Estados ditos socialistas – mas que não eram, na realidade – podem deixar de existir. Isso não quer dizer,no entanto, que os valores novos trazidos pela Revolução de outubro - como uma consciência coletiva maior e fraternal – não persistam. Persistem. O que acontece é que o mundo não será mesmo igual. Já não é. O capitalismo de hoje também já não é o mesmo de antes. Não sou sociólogo. Eu via sempre, na televisão, no Brasil, que todo dia apareciam dois, três cientistas políticos. É cientista político pra burro. É uma quantidade imensa. São formidáveis. Não sou cientista político – infelizmente – nem crítico literário. Mas vem à minha casa gente que lutou toda a vida. De repente, um mundo vem abaixo!
Durante o encontro com Costa Gavras, eu disse que – de repente - estou me dando conta da importância da televisão. Via na TV as imagens do muro de Berlim. Vi o homem parando os tanques na China. E as imagens do ditador da Romênia? Reuniu duzentas mil pessoas para aplaudi-lo, mas, de repente, a multidão começa a vaiá-lo. A imagem do ditador na tribuna é inesquecível. Outra imagem :uma imensa estátua de Lênin com uma corda no pescoço. E o pessoal puxando para derrubá-la. Devo dizer a você que aquilo me picou o coração. É todo um mundo que vem se acabando – e desabando em cima da cabeça da gente. É terrível para algumas pessoas – que devem se sentir suicidas, sem ter o que fazer da vida. Não sou sociólogo, mas sem democracia não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo como ser humano, você não pode pensar em socialismo”.
GMN: A denúncia do stalinismo provocou um choque ainda maior no senhor ?
Jorge Amado: “O choque veio já antes da denúncia, porque eu vinha sabendo das coisas. Mas é evidente que a denúncia de Kruschev trouxe coisas de que eu não fazia a mínima ideia”.
GMN: Mikail Gorbachev é o ídolo de Jorge Amado hoje ?
Jorge Amado: “Meu último ídolo chama-se Stálin. Já não tenho ídolos – há tempos. Como ídolo, Stalin é o bastante. É suficiente…Gorbachev é um grande estadista do nosso tempo. Todos nós devemos a ele um fato importante: o perigo de uma guerra atômica – que iria acabar com a vida sobre a Terra – diminuiu muito. O que é que Gorbachev faz ? O que ele faz é expor a verdade. Havia uma mentira imensa que dizia: “O socialismo é este”. De repente, a gente viu que não era. Outra imagem de TV que me impressionou foi transmitida durante a comemoração do aniversário da Revolução de outubro. Durante uma manifestação de cento e ciquenta mil pessoas em Moscou, dois cartazes me marcaram muito. Um dizia: “Setenta anos para chegara a nada”. E outro: “Proletários de todo o mundo, perdoai-nos”. São dois negócios terríveis”.
GMN: O senhor diz que o mundo de tantas pessoas que deram a vida toda a estes ideais desabou diante desses mudanças todas. Seu mundo desabou, politicamente ?
Jorge Amado: “Eu já vinha dizendo que, sem democracia, não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo ser humano não se pode pensar em socialismo. O que vai existir é, sempre, uma falsificação. São coisas que, para mim, ficaram claras, dentro de um processo sofrido, longo e cruel”.
GMN: O livro Os Dentes do Dragão traz o registro do atrito que houve entre o senhor e Oswald de Andrade, na época em que ambos militavam no Partido Comunista. Oswald de Andrade escreveu: “Numa reunião do comitê de escritores, diante de quize pessoas do PC, apelei para que o sr. Jorge Amado se retirasse de São Paulo e denunciei-o como espião barato do nazismo. Em 1940, Jorge convidou-se no Rio para almoçar na Brahma com um alemão altamente situado na embaixada e na agência Transocean, para que esse alemão me oferecesse escrever um livro em defesa da Alemanha. Recusei e Jorge ficou surpreendido, pois aceitara várias encomendas desse gênero do mesmo alemão”. Houve uma briga séria?
Jorge Amado: “Houve, realmente, um atrito. Oswald – de quem eu era amigo – desejava ser candidato a deputado na chapa do Partido Comunista. Não foi. Não sei porque – talvez porque outras pessoas tivesse feito intriga – Oswald achou que eu tinha concorrido para que ele não entrasse na chapa. O que aconteceu, na verdade, foi o contrário. Eu lutei – e muito – para que ele entrasse na chapa do partido. Não consegui. Oswaldo não entrou. Atribuiu a mim este fato, o que fez com se afastasse de mim. Depois, voltamos às boas – ele, infelizmente, já enfermo. Não sei se Oswald pediu a minha exclusão do partido. Não vale a pena falar sobre este assunto”.
GMN: Mas ele pediu a exclusão do senhor do Partido Comunista ?
Jorge Amado: “Isso, se houve, não sei”.
GMN :Oswald de Andrade cita também o encontro que teve com o senhor e com um alemão na embaixada. O senhor se lembra ?
Jorge Amado: “Não”.
GMN : Ao se referir ao ato de escrever, o senhor já disse: “Quanto à escrita propriamente dita, aceito palpite”. O senhor aceita palpite de quem ?
Jorge Amado: “Quem palpita é Zélia ( Gattai ), porque vive ao meu lado. Sou mau datilógrafo. Só escrevo com dois dedos. Emendo muito. Hoje, escrevo e reescrevo. Quando jovem, emendava pouco. A gente vai perdendo aquele elan da juventude e vai ganhando experiência. A escrita, então, passa a ser sempre difícil. Você escreve e reescreve. Depois, quando parece que o texto ficou do meu agrado, Zélia bate à máquina uma cópia que ainda vou ler e reler. É aí que ela dá palpite. A partir de certo momento do livro, dou a ler a meu irmão James Amado, uma opinião que levo em conta. E ele lê – e palpita”.
GMN :Não é uma contradição o mais famoso escritor brasileiro dizer que escreve “mal” , como o senhor diz?
Jorge Amado: “Para começar, sou contra este tipo de qualificativo – “o mais”, “o maior”. É difícil dizer quem é “o mais”, “o maior”, “o melhor”. Há os que são bons. Outros são ótimos. Não sou uma pessoa que se considere isso ou aquilo. Não sei que adjetivo usar, mas sou bastante modesto, humilde e crítico a meu respeito. Há uma pergunta que - adiante – você já não me fará. É esta: “E o Prêmio Nobel ? Você não acha que vai ganhar ?”. Por que eu haveria de ter ? Nunca esperei. Desejar é outra coisa. Aspirar é outra coisa. Aliás, nunca aspirei a prêmio nenhum. Nunca lutei por nenhum prêmio. Nunca fui candidato. Quem deve ganhar os prêmios é o livro, não o autor. Uma das coisas mais tristes da vida literária é ver um sujeito cavando um prêmio. É um horror. Quando me dão, fico satisfeito. Eu me admiro por que é que haveria de ganhar o Prêmio Nobel. É um prêmio para grandes, grandes escritores. Não me considero como tal”.
GMN: O senhor acha que escreve mal de verdade ?
Jorge Amado: “Eu escrevo muito mal”.
GMN: Que reparos, então, o senhor faz a seus textos ?
Jorge Amado: “A crítica faz tantos reparos….Não sou um escritor que trabalha. Um crítico francês chamado Jean Rocha escreveu todo um livro sobre mim. Disse que escrevo bem. Não ouso fazer tal afirmação. Porque há os que dizem que não existe quem escreva pior do que eu. Sou um escritor que nunca teve a unanimidade da crítica. O País do Carnaval foi o meu único livro unanimemente elogiado. Eu era um menino…. (N: Quando terminou de escrever o livro, Jorge Amado tinha tinha 18 anos). Desde então, tenho levado pau. Nunca nenhum outro livro meu, a partir de então, recolheu unanimidade. A crítica sempre foi polêmica em torno do meu trabalho. Também sou uma negação como contista. O que aparece como conto meu por aí é sobra de romance, coisas que não foram adiante ou que não usei”.
GMN : Escrever, para o senhor, é uma necessidade física ? Em algum momento, o senhor já admitiu a possibilidade de deixar de escrever ?
Jorge Amado: “Sempre penso, com grande desejo, em não fazer nada. Minha tendência é vagabundar, andar, ver pessoas e coisas, ler livros. Mas sempre o livro se impõe a mim. Já há algum tempo, estou resistindo a ir para a máquina de escrever, pela terceira vez, para tentar escrever um livro chamado Bóris, o Vermelho. Em 1984, minha filha morava no Maranhão. Viajei até lá para, um pouco escondido, tentar escrever Bóris. Acabei começando um livro chamado Tocaia Grande, concluído dois anos depois. O livro foi escrito em várias casas no Brasil. Fiquei fugindo de uma para outra- só que me descobriam. Vim em 1987 para Paris, para tentar escrever Bóris. Mas escrevi O Sumiço da Santa, porque descobri que nunca tinha feito um livro sobre sincretismo cultural e religioso, algo que é presente na maioria dos meus romances, mas nunca como tema central. Não pude escrever Bóris porque a estrutura da narrativa não estava suficientemente madura na minha cabeça.
Vou ter de explicar a você a minha forma de trabalhar: quando tenho a ideia de um livro, trato de amadurecê-la na cabeça, antes de ir para a máquina - mas não no sentido do que seria a história do livro. Não sei contar uma história. Minha mulher senta com os netos e conta uma história que eu mesmo ouço com imenso prazer. Zélia inventa. Já eu sou incapaz. O enredo – ou a história dos meus livros – decorre dos personagens. Porque os personagens é que os fazem. Nunca sei, hoje, o que vai acontecer no dia dee amanhã com a história. Os personagens é que vão construindo a história aos poucos. Um personagem que coloco ali, por uma necessidade técnica, por um detalhe, de repente vive e cresce. A história decorre dos personagens. É uma coisa vivida, em vez de ser inventada. Nunca penso em termos de história. Penso, sim, em figuras, em ambientes e em como será a arquitetura da narrativa. Busco encontrar o começo. Porque o começo do livro é que é difícil – exatamente porque não sei contar uma história. Não tenho a invenção da história. É difícil. Preciso que os personagens comecem a ficar de pé – e a andar com seus pés, para que a história também ande. Duas vezes pensei que Bóris estivesse maduro. Quando fui para a máquina, vi que não era o que queria.
O que quero fazer, no livro, é o perfil de um jovem brasileiro entre 18 e 20 anos na década de 70. É apenas um jovem. Mas as circunstâncias da vida política brasileira na época – uma ditadura militar, com tudo o que ela representava – levam a que ele desempenhe um determinado papel que não sei exatamente qual é. Isso virá. Não me amedronto, porque, quando escrevo, a história sempre vem”.
GMN: O senhor terminou de escrever o romance de estreia, O País do Carnaval, há exatamente 60 anos, em 1930. Tempos depois, chamou o livro de “um caderno de aprendiz”. Qual é o principal reparo que o Jorge Amado de 78 anos faz, hoje, ao Jorge Amado de 18 anos, como romancista ?
Jorge Amado: “O País do Carnaval e Cacau e Suor são cadernos de um aprendiz de romancista. O principal reparo que faço – sobretudo a O País do Carnaval – é que é um romance com bastante influência europeia. Sobre o romance pesa – e muito – uma visão europeia do Brasil. Eu era um menino influenciado, de um lado, pela leitura de uma literatura europeia, e, de outro, pelo Modernismo – que, apesar cultivar uma brasilidade e um lado nacionalista na Antropofagia, também tinha europeia, sobretudo da França e da Itália. As primeiras obras de Oswald de Andrade, como Os Condenados, são bastante influenciadas por D`Annunzio. O meu é um livro europeizante – de certa maneira”.
GMN: Curiosamente, o personagem principal do livro chega da Europa e volta para lá…
Jorge Amado: “O personagem passa pelo Brasil. A tradução francesa de O País do Carnaval só foi feita agora pela Editora Gallimard, sessenta anos depois da publicação. Nunca permiti a tradução de O País do Carnaval até há póucos anos. Quando completei setenta e cinco anos, um dos meus editores italianos fez uma tradução do livro – na verdade, uma edição especial, quase universitária, com estudos. Era uma homenagem aos setenta e cinco anos, fora das coleções normais. Não pude impedir a tradução. A partir daí é que a Gallimard comprou os direitos da tradução em francês. São as duas únicas línguas em que foi traduzido. Com a tradução francesa, recebi, há poucos dias, um telefonema de uma editora dos Estados Unidos que quer comprar O País do Carnaval. Não decidi ainda se aceitarei ou não”.
GMN: Por que o senhor – que conheceu grandes figuras da literatura e da política do mundo inteiro - nunca se animou a escrever uma autobiografia ?
Jorge Amado: “Prefiro escrever romance. Enquanto eu puder trabalhar numa obra de criação, acho preferível. Quando sentir que já não posso, quem sabe eu me volte para uma autobiografia. Mas não é algo que me tente”.
GMN: O senhor não dá importância a depoimentos históricos de escritores ?
Jorge Amado: “Gosto de ler biografias e memórias – com prazer. Não incluo nos meus projetos, por ora, escrever minha autobiografia. Mas quem sabe?”.
GMN : Nélson Rodrigues disse que, se algum dia alguém fosse escrever um verbete sobre ele, bastaria redigir uma frase : “Nélson Rodrigues – também conhecido como flor da obsessão”. Se o senhor fosse escrever um verbete sobre Jorge Amado, quais palavras usaria ? Como é que o senhor gostaria de ser lembrado daqui a 50 anos numa enciclopédia ?
Jorge Amado : “Um baiano romântico e sensual. Eu me pareço com meus personagens - às vezes, também com as mulheres”.
(Entrevista gravada em 1990)

Posted by geneton at 10:40 AM

O EX-COMUNISTA JORGE AMADO VÊ, ATORDOADO, AS IMAGENS DA QUEDA DO MURO DE BERLIM: UM MUNDO DESABAVA ALI, HÁ EXATOS 25 ANOS ( AQUI, O ESCRITOR FALA DO ESPANTO QUE SENTIU )

Reviro meus arquivos (não tão) implacáveis, em busca de uma entrevista que fiz com Jorge Amado no momento em que o socialismo virava pó. O ex-comunista Jorge Amado via com espanto o desfile de imagens surpreendentes pela TV, como manifestantes dançando sobre as ruínas do Muro de Berlim ou o queda do ditadores como o romeno Nicolae Ceausesco, personagem de uma cena patética: reuniu a multidão para aplaudi-lo, mas foi silenciado por vaias.

Amado se declarava atordoado com a “rapidez imensa” dos fatos exibidos pela TV, o que o levou a confessar a um amigo, o cineasta Costa Gavras: somente ali, ao testemunhar o desabamento dos regimes socialistas, ele se deu conta da importância da televisão. A entrevista:
Socialismo? “Nunca houve”. O que existia era “uma mentira imensa”, “uma falsificação completa”. Quem faz afirmações tão contundentes, como se quisesse fechar um ciclo de desilusões, é o homem que, um dia, num livro que hoje renega, descreveu assim a figura do ditador Stalin: “Mestre, guia e pai, o maior cientista do mundo de hoje, o maior estadista, o maior general, aquilo que de melhor a humanidade produziu” ( O Mundo de Paz).
Jorge Amado, o maior best-seller da literatura brasileira, recordista de traduções, ex-deputado do Partido Comunista, anuncia, nesta entrevista exclusiva, que ainda não se recuperou da perplexidade causada pela “experiência terrível” : viu cinco imagens de TV destroçarem um mundo de crenças no chamado “socialismo real”.
Primeira imagem: o Muro de Berlim caindo.
Segunda: um estudante anônimo enfrentando os tanques na Praça da Paz Celestial.
Terceira: uma estátua de Lênin desabando no leste europeu.
Quarta: a multidão vaiando o ditador romeno Ceausescu.
Quinta: um manifestante soviético empunhando o cartaz “Operários de Todo o Mundo, Perdoai-nos”.
Impressionado, passou uma noite discutindo o poder destas imagens com o amigo Costa Gavras, cienasta de Estado de Sítio e Desaparecido, durante um encontro em Paris. Ainda espantado com a “rapidez dos fatos”, Jorge Amado repete um ensinamento que extraiu de um aprendizado “sofrido, longo e cruel: “O coletivo não é o oposto do indivíduo. Sem considerar o indivíduo como ser humano, não se pode pensar em socialismo”.
Do refúgio parisiense, onde se esconde dos jornalistas porque quer dar forma definitiva ao romance chamado Bóris, o Vermelho, Jorge Amado manda dizer que “escreve muito mal”, é uma “negação como contista” e,pior, não sabe “contar histórias”. Como se não bastasse, confessa que é um eterno candidato a vagabundo – que só quer ser lembrado, no futuro, como “um baiano romântico e sensual”.
GMN: As mudanças no Leste europeu e na União Soviética de Gorbatchev- que parecem ter desorientado as esquerdas no mundo inteiro - abalaram o senhor também ?
Jorge Amado: “Eu me desorientei – e muito – antes, quando descobri que Stalin não era o pai dos povos, ao contrário do que sempre pensei. Aquele foi um processo doloroso, difícil, cruel e demorado. A maioria das causas dos acontecimentos atuais talvez já fossem claras para mim. Mas os acontecimentos são de uma rapidez imensa.
Jantei com Costa Gavras, meu amigo. Discutimos esta situação: não é só um mundo que acabou. É tudo o que foi a vida e o objetivo de luta de milhões de pessoas. É gente que lutou com generosidade e coragem e foi presa e torturada por lutar por uma coisa que – de repente – se acaba. A pergunta que você pode me fazer agora é a seguinte: é o socialismo que não presta ou é a falsificação do socialismo ? O que é que acontece nestes países ? Já não são regimes socialistas nem a Polônia nem a Hungria nem a Tchecoslováquia nem a Alemanha oriental. Já estão deixando de ser socialistas a Bulgária, a Romênia e até a Albânia! Mas não acredito que o socialismo, como ideia, deixe de ser o que representa como avanço e como um passo adiante. Nunca houve socialismo, como não houve democracia. Como a implantação dos regimes socialistas foi baseada naquilo que é fundamentalmente errado - a ditadura de classe – , houve, então, uma falsificação total e completa !
O mundo era um antes da revolução de outubro, na Rússia. Passou, depois, a ser outro. Estados ditos socialistas – mas que não eram, na realidade – podem deixar de existir. Isso não quer dizer,no entanto, que os valores novos trazidos pela Revolução de outubro - como uma consciência coletiva maior e fraternal – não persistam. Persistem. O que acontece é que o mundo não será mesmo igual. Já não é. O capitalismo de hoje também já não é o mesmo de antes. Não sou sociólogo. Eu via sempre, na televisão, no Brasil, que todo dia apareciam dois, três cientistas políticos. É cientista político pra burro. É uma quantidade imensa. São formidáveis. Não sou cientista político – infelizmente – nem crítico literário. Mas vem à minha casa gente que lutou toda a vida. De repente, um mundo vem abaixo!
Durante o encontro com Costa Gavras, eu disse que – de repente - estou me dando conta da importância da televisão. Via na TV as imagens do muro de Berlim. Vi o homem parando os tanques na China. E as imagens do ditador da Romênia? Reuniu duzentas mil pessoas para aplaudi-lo, mas, de repente, a multidão começa a vaiá-lo. A imagem do ditador na tribuna é inesquecível. Outra imagem :uma imensa estátua de Lênin com uma corda no pescoço. E o pessoal puxando para derrubá-la. Devo dizer a você que aquilo me picou o coração. É todo um mundo que vem se acabando – e desabando em cima da cabeça da gente. É terrível para algumas pessoas – que devem se sentir suicidas, sem ter o que fazer da vida. Não sou sociólogo, mas sem democracia não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo como ser humano, você não pode pensar em socialismo”.
GMN: A denúncia do stalinismo provocou um choque ainda maior no senhor ?
Jorge Amado: “O choque veio já antes da denúncia, porque eu vinha sabendo das coisas. Mas é evidente que a denúncia de Kruschev trouxe coisas de que eu não fazia a mínima ideia”.
GMN: Mikail Gorbachev é o ídolo de Jorge Amado hoje ?
Jorge Amado: “Meu último ídolo chama-se Stálin. Já não tenho ídolos – há tempos. Como ídolo, Stalin é o bastante. É suficiente…Gorbachev é um grande estadista do nosso tempo. Todos nós devemos a ele um fato importante: o perigo de uma guerra atômica – que iria acabar com a vida sobre a Terra – diminuiu muito. O que é que Gorbachev faz ? O que ele faz é expor a verdade. Havia uma mentira imensa que dizia: “O socialismo é este”. De repente, a gente viu que não era. Outra imagem de TV que me impressionou foi transmitida durante a comemoração do aniversário da Revolução de outubro. Durante uma manifestação de cento e ciquenta mil pessoas em Moscou, dois cartazes me marcaram muito. Um dizia: “Setenta anos para chegara a nada”. E outro: “Proletários de todo o mundo, perdoai-nos”. São dois negócios terríveis”.
GMN: O senhor diz que o mundo de tantas pessoas que deram a vida toda a estes ideais desabou diante desses mudanças todas. Seu mundo desabou, politicamente ?
Jorge Amado: “Eu já vinha dizendo que, sem democracia, não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo ser humano não se pode pensar em socialismo. O que vai existir é, sempre, uma falsificação. São coisas que, para mim, ficaram claras, dentro de um processo sofrido, longo e cruel”.
GMN: O livro Os Dentes do Dragão traz o registro do atrito que houve entre o senhor e Oswald de Andrade, na época em que ambos militavam no Partido Comunista. Oswald de Andrade escreveu: “Numa reunião do comitê de escritores, diante de quize pessoas do PC, apelei para que o sr. Jorge Amado se retirasse de São Paulo e denunciei-o como espião barato do nazismo. Em 1940, Jorge convidou-se no Rio para almoçar na Brahma com um alemão altamente situado na embaixada e na agência Transocean, para que esse alemão me oferecesse escrever um livro em defesa da Alemanha. Recusei e Jorge ficou surpreendido, pois aceitara várias encomendas desse gênero do mesmo alemão”. Houve uma briga séria?
Jorge Amado: “Houve, realmente, um atrito. Oswald – de quem eu era amigo – desejava ser candidato a deputado na chapa do Partido Comunista. Não foi. Não sei porque – talvez porque outras pessoas tivesse feito intriga – Oswald achou que eu tinha concorrido para que ele não entrasse na chapa. O que aconteceu, na verdade, foi o contrário. Eu lutei – e muito – para que ele entrasse na chapa do partido. Não consegui. Oswaldo não entrou. Atribuiu a mim este fato, o que fez com se afastasse de mim. Depois, voltamos às boas – ele, infelizmente, já enfermo. Não sei se Oswald pediu a minha exclusão do partido. Não vale a pena falar sobre este assunto”.
GMN: Mas ele pediu a exclusão do senhor do Partido Comunista ?
Jorge Amado: “Isso, se houve, não sei”.
GMN :Oswald de Andrade cita também o encontro que teve com o senhor e com um alemão na embaixada. O senhor se lembra ?
Jorge Amado: “Não”.
GMN : Ao se referir ao ato de escrever, o senhor já disse: “Quanto à escrita propriamente dita, aceito palpite”. O senhor aceita palpite de quem ?
Jorge Amado: “Quem palpita é Zélia ( Gattai ), porque vive ao meu lado. Sou mau datilógrafo. Só escrevo com dois dedos. Emendo muito. Hoje, escrevo e reescrevo. Quando jovem, emendava pouco. A gente vai perdendo aquele elan da juventude e vai ganhando experiência. A escrita, então, passa a ser sempre difícil. Você escreve e reescreve. Depois, quando parece que o texto ficou do meu agrado, Zélia bate à máquina uma cópia que ainda vou ler e reler. É aí que ela dá palpite. A partir de certo momento do livro, dou a ler a meu irmão James Amado, uma opinião que levo em conta. E ele lê – e palpita”.
GMN :Não é uma contradição o mais famoso escritor brasileiro dizer que escreve “mal” , como o senhor diz?
Jorge Amado: “Para começar, sou contra este tipo de qualificativo – “o mais”, “o maior”. É difícil dizer quem é “o mais”, “o maior”, “o melhor”. Há os que são bons. Outros são ótimos. Não sou uma pessoa que se considere isso ou aquilo. Não sei que adjetivo usar, mas sou bastante modesto, humilde e crítico a meu respeito. Há uma pergunta que - adiante – você já não me fará. É esta: “E o Prêmio Nobel ? Você não acha que vai ganhar ?”. Por que eu haveria de ter ? Nunca esperei. Desejar é outra coisa. Aspirar é outra coisa. Aliás, nunca aspirei a prêmio nenhum. Nunca lutei por nenhum prêmio. Nunca fui candidato. Quem deve ganhar os prêmios é o livro, não o autor. Uma das coisas mais tristes da vida literária é ver um sujeito cavando um prêmio. É um horror. Quando me dão, fico satisfeito. Eu me admiro por que é que haveria de ganhar o Prêmio Nobel. É um prêmio para grandes, grandes escritores. Não me considero como tal”.
GMN: O senhor acha que escreve mal de verdade ?
Jorge Amado: “Eu escrevo muito mal”.
GMN: Que reparos, então, o senhor faz a seus textos ?
Jorge Amado: “A crítica faz tantos reparos….Não sou um escritor que trabalha. Um crítico francês chamado Jean Rocha escreveu todo um livro sobre mim. Disse que escrevo bem. Não ouso fazer tal afirmação. Porque há os que dizem que não existe quem escreva pior do que eu. Sou um escritor que nunca teve a unanimidade da crítica. O País do Carnaval foi o meu único livro unanimemente elogiado. Eu era um menino…. (N: Quando terminou de escrever o livro, Jorge Amado tinha tinha 18 anos). Desde então, tenho levado pau. Nunca nenhum outro livro meu, a partir de então, recolheu unanimidade. A crítica sempre foi polêmica em torno do meu trabalho. Também sou uma negação como contista. O que aparece como conto meu por aí é sobra de romance, coisas que não foram adiante ou que não usei”.
GMN : Escrever, para o senhor, é uma necessidade física ? Em algum momento, o senhor já admitiu a possibilidade de deixar de escrever ?
Jorge Amado: “Sempre penso, com grande desejo, em não fazer nada. Minha tendência é vagabundar, andar, ver pessoas e coisas, ler livros. Mas sempre o livro se impõe a mim. Já há algum tempo, estou resistindo a ir para a máquina de escrever, pela terceira vez, para tentar escrever um livro chamado Bóris, o Vermelho. Em 1984, minha filha morava no Maranhão. Viajei até lá para, um pouco escondido, tentar escrever Bóris. Acabei começando um livro chamado Tocaia Grande, concluído dois anos depois. O livro foi escrito em várias casas no Brasil. Fiquei fugindo de uma para outra- só que me descobriam. Vim em 1987 para Paris, para tentar escrever Bóris. Mas escrevi O Sumiço da Santa, porque descobri que nunca tinha feito um livro sobre sincretismo cultural e religioso, algo que é presente na maioria dos meus romances, mas nunca como tema central. Não pude escrever Bóris porque a estrutura da narrativa não estava suficientemente madura na minha cabeça.
Vou ter de explicar a você a minha forma de trabalhar: quando tenho a ideia de um livro, trato de amadurecê-la na cabeça, antes de ir para a máquina - mas não no sentido do que seria a história do livro. Não sei contar uma história. Minha mulher senta com os netos e conta uma história que eu mesmo ouço com imenso prazer. Zélia inventa. Já eu sou incapaz. O enredo – ou a história dos meus livros – decorre dos personagens. Porque os personagens é que os fazem. Nunca sei, hoje, o que vai acontecer no dia dee amanhã com a história. Os personagens é que vão construindo a história aos poucos. Um personagem que coloco ali, por uma necessidade técnica, por um detalhe, de repente vive e cresce. A história decorre dos personagens. É uma coisa vivida, em vez de ser inventada. Nunca penso em termos de história. Penso, sim, em figuras, em ambientes e em como será a arquitetura da narrativa. Busco encontrar o começo. Porque o começo do livro é que é difícil – exatamente porque não sei contar uma história. Não tenho a invenção da história. É difícil. Preciso que os personagens comecem a ficar de pé – e a andar com seus pés, para que a história também ande. Duas vezes pensei que Bóris estivesse maduro. Quando fui para a máquina, vi que não era o que queria.
O que quero fazer, no livro, é o perfil de um jovem brasileiro entre 18 e 20 anos na década de 70. É apenas um jovem. Mas as circunstâncias da vida política brasileira na época – uma ditadura militar, com tudo o que ela representava – levam a que ele desempenhe um determinado papel que não sei exatamente qual é. Isso virá. Não me amedronto, porque, quando escrevo, a história sempre vem”.
GMN: O senhor terminou de escrever o romance de estreia, O País do Carnaval, há exatamente 60 anos, em 1930. Tempos depois, chamou o livro de “um caderno de aprendiz”. Qual é o principal reparo que o Jorge Amado de 78 anos faz, hoje, ao Jorge Amado de 18 anos, como romancista ?
Jorge Amado: “O País do Carnaval e Cacau e Suor são cadernos de um aprendiz de romancista. O principal reparo que faço – sobretudo a O País do Carnaval – é que é um romance com bastante influência europeia. Sobre o romance pesa – e muito – uma visão europeia do Brasil. Eu era um menino influenciado, de um lado, pela leitura de uma literatura europeia, e, de outro, pelo Modernismo – que, apesar cultivar uma brasilidade e um lado nacionalista na Antropofagia, também tinha europeia, sobretudo da França e da Itália. As primeiras obras de Oswald de Andrade, como Os Condenados, são bastante influenciadas por D`Annunzio. O meu é um livro europeizante – de certa maneira”.
GMN: Curiosamente, o personagem principal do livro chega da Europa e volta para lá…
Jorge Amado: “O personagem passa pelo Brasil. A tradução francesa de O País do Carnaval só foi feita agora pela Editora Gallimard, sessenta anos depois da publicação. Nunca permiti a tradução de O País do Carnaval até há póucos anos. Quando completei setenta e cinco anos, um dos meus editores italianos fez uma tradução do livro – na verdade, uma edição especial, quase universitária, com estudos. Era uma homenagem aos setenta e cinco anos, fora das coleções normais. Não pude impedir a tradução. A partir daí é que a Gallimard comprou os direitos da tradução em francês. São as duas únicas línguas em que foi traduzido. Com a tradução francesa, recebi, há poucos dias, um telefonema de uma editora dos Estados Unidos que quer comprar O País do Carnaval. Não decidi ainda se aceitarei ou não”.
GMN: Por que o senhor – que conheceu grandes figuras da literatura e da política do mundo inteiro - nunca se animou a escrever uma autobiografia ?
Jorge Amado: “Prefiro escrever romance. Enquanto eu puder trabalhar numa obra de criação, acho preferível. Quando sentir que já não posso, quem sabe eu me volte para uma autobiografia. Mas não é algo que me tente”.
GMN: O senhor não dá importância a depoimentos históricos de escritores ?
Jorge Amado: “Gosto de ler biografias e memórias – com prazer. Não incluo nos meus projetos, por ora, escrever minha autobiografia. Mas quem sabe?”.
GMN : Nélson Rodrigues disse que, se algum dia alguém fosse escrever um verbete sobre ele, bastaria redigir uma frase : “Nélson Rodrigues – também conhecido como flor da obsessão”. Se o senhor fosse escrever um verbete sobre Jorge Amado, quais palavras usaria ? Como é que o senhor gostaria de ser lembrado daqui a 50 anos numa enciclopédia ?
Jorge Amado : “Um baiano romântico e sensual. Eu me pareço com meus personagens - às vezes, também com as mulheres”.
(Entrevista gravada em 1990)

Posted by geneton at 10:40 AM

novembro 06, 2014

UMA CENA DOS BASTIDORES JORNALÍSTICOS: O DIA EM QUE O IRMÃO ALEMÃO DE CHICO BUARQUE TERMINOU "JOGANDO" O LOCUTOR-QUE-VOS-FALA NUMA "LISTA NEGRA"

Como se diz hoje: deu ruim. Não é exagero: deu ruim, sim. E o irmão alemão de Chico Buarque de Holanda foi o pivô do desastre.
Logo ele - o irmão alemão ? Sim, logo ele - que, pelo jeito, acaba de virar título de livro.
( como se sabe, os jornais acabam de noticiar que o novo romance de Chico Buarque se chama O Irmão Alemão. Não se sabe se trará traços autobiográficos. É possível que sim, é possível que não ).
O locutor-que-vos-fala se apressa, então, a contar os bastidores de um pequeno desastre jornalístico, indiretamente provocado por ele, esta entidade misteriosa: o irmão alemão do sr. Francisco Buarque de Holanda.
O que aconteceu: Chico Buarque aceitara dar uma ( raríssima ) entrevista ao Fantástico, no ano da graça de 1998. A entrevista seria feita num estúdio em São Cristóvão, usado como cenário para a gravação de um clip do recém-lançado cd "As Cidades". Eu trabalhava no programa, na época. Zarpei para o estúdio, em companhia do cinegrafista Édison Santos, com uma lista de perguntas debaixo do braço.
Chico respondeu de bom grado a um questionário que tratava de temas tão díspares quanto futebol ( era ano de Copa do Mundo ), os mistérios da inspiração, as andanças com Garrincha em Roma ou a existência de um desconhecido meio-irmão alemão - fruto de um namoro de Sérgio Buarque de Holanda, pai de Chico, com uma alemã, ainda nos tempos de solteiro. O filho de Sérgio Buarque ficou na Alemanha. Ao que se sabe, jamais pisou em solos tropicais.

A matéria foi ao ar no Fantástico do domingo seguinte. Depois, a integra da entrevista seria exibida no programa Milênio - na Globonews. Jornalisticamente, a expedição a São Cristóvão aparentemente rendera cem por cento.
Que cem por cento que nada. Deu ruim.
A "chamada" para a entrevista no Fantástico trombeteava, justamente, a história do irmão alemão que Chico jamais tinha visto - um detalhe biográfico obviamente interessante. Aliás: interessantíssimo.
Não tenho certeza (é preciso consultar os arquivos da Rede Globo), mas é possível que a chamada para a entrevista tenha sido trombetada pela voz de trovão de Cid Moreira - suficiente para despertar a atenção de qualquer cristão desatento ( by the way: que falta fazem as grandes vozes nos telejornais, hoje tão raras! Há manchetes que clamam desesperadamente por uma voz de trovão! ).
O locutor-que-vos-fala só soube depois - mas o desastre começou a se desenhar no horizonte justamente quando a chamada para a entrevista foi ao ar, no início do programa.
Numa declaração que deu, dias depois, a repórteres de jornais, Chico Buarque reclamou: disse que, quando fica nervoso, os músculos do ombro imediatamente se contraem. E foi o que aconteceu quando ele viu, alardeada no Fantástico, a história do irmão alemão com quem ele nunca tinha se encontrado. Estimulados pela manchete televisiva, os músculos do ombro de Chico Buarque começaram a encenar um silencioso movimento de protesto.
O tempo fechou. Deu ruim, sim. Ah, se deu...
Chico queixou-se de que a história do irmão alemão - originalmente tratada pela Revista Realidade, anos antes - tinha recebido tintas sensacionalistas na TV. Disse algo assim: que a última coisa que ele faria na vida seria falar da vida familiar no Fantástico.
Aqui, vou "trair" o jornalismo: digo que, neste ponto, Chico Buarque deve ter toda razão. A troco de quê um artista como ele - que sempre se incomodou com a exposição pública - iria falar de vida em família justamente num programa de TV? Nunca, never, never.
O "problema" é que a história do irmão não significava qualquer invasão indevida de privacidade. Chico Buarque falou do irmão alemão com bom humor ( ver íntegra da entrevista abaixo ), mas, pelo visto, não gostou nada, nada do destaque dado ao assunto.
O que entrou em cena, neste caso, foi a velha, notória, tradicionalíssima e compreensível diferença de visão entre um jornalista e um artista. Um artista deve esperar que a "manchete" anuncie, por exemplo, o novo clip. Já um jornalista jamais deixaria de destacar uma história pouco conhecida envolvendo um nome importantíssimo da música brasileira.
Resultado: por culpa da história do irmão alemão, o locutor-que-vos-fala e o Fantástico entraram na "lista negra" de Chico Buarque de Holanda. Desde então, ele se recusa a dar declarações ao programa.
Meses depois, quando a repórter Renata Ceribelli foi fazer, num estúdio, uma reportagem para o Fantástico sobre a gravação de um disco que contava com a participação de Chico Buarque, ele tratou de avisar, educadamente, que não falava para o programa. Jogou a culpa do incidente no "barbudinho" que tinha feito a entrevista com ele. O "barbudinho" - oh, my God - era eu.
O locutor-que-vos-fala confessa a "culpa": sim, com certeza, a decisão de "trombetear" a história do irmão alemão de Chico Buarque foi minha. O instinto jornalístico dizia que é claro, é óbvio, é indiscutível que aquela história mereceria uma chamada.
Chico Buarque, pelo que representa, é personagem permanente da lista de entrevistáveis de ( quase) todo repórter. Não sou exceção. Mas...o "barbudinho" continua na geladeira.
Prometo não fazer novas perguntas sobre o irmão alemão.
( aliás: com quantos anos exatamente ele estaria hoje? Viveu onde? Alguma vez tentou contato com a família Buarque de Holanda? Se ele se casou, teve filhos? O que estão fazendo hoje estes sobrinhos de Chico Buarque? Algum teve vocação para o futebol? E para a música? Sérgio Buarque se referia ao filho alemão em que termos? Se fosse escrever uma carta para o irmão alemão desconhecido, qual seria a primeira frase que Chico Buarque usaria para se apresentar? Se tivesse de sugerir ao irmão sumido um passeio pelo Brasil, qual seria o primeiro lugar que ele indicaria? Já pensou em compor uma música para ele? ).
Não, é melhor esquecer o irmão alemão.
Deu ruim, deu ruim, deu ruim.
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Aqui, a íntegra da entrevista. É razoavelmente longa - um sacrilégio entre tantos facebooks e tantos twitters telegráficos.
Mas.....gravando !
GMN : Que música de outro compositor você daria tudo para ter feito ?
Chico Buarque : “Eu não daria tudo para ter feito música nenhuma de outro compositor.Mas existem músicas que amo.Gosto mais do que as minhas.Eu não gostaria de ter feito uma música alheia.É uma coisa que não me ocorre.Porque o maior prazer da música está exatamente no momento em que você a cria. Nunca mais vai ser a mesma coisa.Quando você ou repete nos shows, não vive a mesma sensação. Ignoro qual terá sido esse prazer em outro autor. Prefiro,então,sentir o prazer que sinto a cada composição minha,por menor que seja”.
GMN : Você poderia,então, citar uma música de outro autor que você inveja ?
Chico Buarque : “Um milhão de músicas.Não tenho uma preferida,mas agora que você falou,me bateu uma na lembrança : “Águas de Março” – de Tom Jobim. É uma música que eu não diria que gostaria de ter feito,porque é impossível que eu fizesse uma música dessa.É outra cabeça.Mas é uma música da qual eu adoraria conhecer o prazer e o mecanismo da criação,assim como músicas de Noel Rosa, Cartola, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento. Recorro a um recurso : tenho parceiros que admiro muitíssimo – inclusive o próprio Tom. Ao me fazer parceiro,eu crio a música com eles.Ao fazer a letra para uma música alheia,eu estou me apropriando um pouco dessa música – que não é minha”.
GMN : Depois de fazer “Paratodos”,você passou anos sem lançar um disco com músicas inéditas.Disco de Chico Buarque agora é feito Copa do Mundo – só de quatro em quatro anos ?
Chico Buarque : “Pior ! Agora é de cinco em cinco. Os lançamentos vão se espaçando.O trabalho vai ficando mais difícil mas também mais prazeroso.Quando termina,você se sente cansado,mas satisfeito.As músicas saem,talvez,com menos espontaneidade,com mais intensidade” .
GMN : A que você atribui o espaçamento cada vez maior entre um disco e outro ?
Chico Buarque : “Talvez a música popular seja uma arte de juventude.Imagino que seja,porque o consumidor de música popular é,sobretudo,o adolescente,o jovem de vinte a trinta anos.Depois,começa a diminuir. Já o autor de música popular tende a ser mais seletivo com o tempo. Faz uma coisa ou outra,mas não com a exuberância que tinha aos vinte anos de idade. Quando você tem vinte anos,você tem um baú de música inéditas. Depois,as músicas vão escasseando.Você fica mais exigente.Chega,então,um tempo em que a gente começa a fazer música popular com o resto de juventude que se tem.Depois,o melhor a fazer talvez seja imitar Dorival Caymmi – que se recolheu aos seus pincéis e suas tintas.Talvez seja melhor procurar outro afazer,outra ocupação”.
GMN : Não é o que você vem fazendo nos últimos anos,com a dedicação cada vez maior à literatura ?
Chico Buarque : “A literatura é uma alternativa. Talvez eu tenha me inspirado em Caymmi ao pensar nisso : ter um recurso para continuar criando sem depender da juventude – que é o motor da música popular”.
GMN : Você diz que o futebol tem momentos de improviso e genialidade que nenhum artista consegue repetir.Mas em alguma de duas músicas você teve o sentimento de improviso que você só encontra no futebol ?
Chico Buarque : “É possível encontrar algo semelhante ao futebol no jazz, na música instrumental.Alguma coisa pode acontecer enquanto você toca. Mas não sou improvisador.De qualquer forma,há no ato da criação momentos em que você parece iluminado. São jogadas que acontecem sem que você tenha pressentido. De repente,vem uma idéia. Você se pergunta : de onde veio ? É o que acontece com o futebol : é como se o corpo recebesse uma luz repentina inexplicável”.
GMN : Que música ou que verso despertou em você,na hora em que estava compondo, a emoção que você sente diante de um drible ?
Chico Buarque : “Você vai trabalhando,trabalhando,trabalhando em cada música,até que há um “clique” : aparece um verso ou algo na melodia que faz você pensar “isso é novo”, “não fui eu que fiz” .É como se fosse algo que viesse de fora”.
GMN : Quando estava exilado na Itália, você teve contato com Garrincha.É uma página pouco conhecida da biografia de Chico Buarque. Vocês conversaram sobre futebol ou sobre música ?
Chico Buarque : “É óbvio que eu falava sobre futebol – e ele falava de música….Acontece também com Pelé – que adora música. Mas Garrincha era muito musical. Tive um contato maior com ele em Roma.A gente acaba mesmo falando mais de música do que de futebol. Garrincha conhecia música muito mais do que eu imaginava antes. Gostava de João Gilberto. Eu imaginava que Garrincha gostasse de uma música mais simplória,mais ingênua,talvez. Mas não ! Garrincha gostava da sofisticação de um João Gilberto”.
GMN :Que tipo de comentário ele fazia sobre João Gilberto ?
Chico Buarque : “Garrincha comentava gravações, se referia a detalhes, lembrava de como João Gilberto cantava uma determinada música. Para me mostrar,Garrincha cantarolava – não muito bem – mas mostrava que tinha a lembrança das músicas de João Gilberto.Referia-se à maneira como João Gilberto cantava as músicas. João é um inventor. Não é um compositor. Talvez seja mais do que compositor, porque inventa a partir de uma música alheia. E Garrincha falava exatamente disso : a maneira como João Gilberto cantava -talvez uma cantiga mais conhecida que ele tivesse reinterpretado, como “Os Pés da Cruz”. Garrincha salientava a maneira como João Gilberto reinventava um samba”.
GMN : É verdade que você dirigia automóvel para Garrincha na Itália ?
Chico Buarque : “Eu era o chofer de Garrincha. Ele jogava umas peladas – algumas remuneradas – na periferia de Roma.Ganhava um cachê. Eu é que levava Garrincha, no meu Fiat.Era impressionante.As pessoas paravam na rua.Garrincha era muito popular.Isso aconteceu entre 1969 e 1970.Garrincha já tinha parado de jogar há algum tempo.Oito anos já tinham se passado desde a Copa de 1962.Mas ele ainda era muito conhecido na Itália”.
GMN : “Se você pudesse escolher entre ser um grande nome da Música Popular Brasileira e um grande craque da seleção, qual das duas profissões você escolheria ?
Chico Buarque : “Nunca escolhi ser músico. Quando eu pude – e quis escolher – aos quatorze, quinze anos de idade, quis ser jogador de futebol mesmo. Eu achava que poderia ser um bom jogador. Era uma ilusão.Mas eu tinha essa ilusão,na época,com bastante segurança.Tornei-me músico um pouco por acaso. Devo dizer que o sonho de ser um craque permaneceu na minha cabeça. Ainda hoje acredito que seja”.
GMN : Você chegou a tentar ser um jogador de futebol profissional ?
Chico Buarque : “Eu,que jogava tanto, um dia fui ao Juventus, na rua Javari,em São Paulo, para fazer um teste. Mas eram milhões de candidatos fazendo o teste….Comecei a perceber que ia não dar para mim. Depois de esperar,esperar e esperar,fui embora.Não cheguei nem a ser chamado para fazer o teste, porque acharam que eu não tinha físico para ser jogador”.
GMN : Mas por que você escolheu logo o Juventus para fazer um teste – e não um time grande, como o Palmeiras, o Corinthians ou o São Paulo ?
Chico Buarque : “Porque eu achava que,num time mais fraco,eu teria uma vaga na certa….(ri)”.
GMN : “Você,como especialista em futebol,jogador amador,técnico de um time de futebol de botão chamado Politheama,poderia escalar a seleção brasileira de tods os tempos de Chico Buarque de Holanda ? Qual é o grande time ?
Chico Buarque : “É impossível.A brincadeira de escalar times de diversas épocas é apenas uma brincadeira.Porque você não pode comparar o futebol que se joga hoje com o futebol que se jogava há dez anos.Imagine vinte anos ! A comparação é falsa. Não se imagina o que seria Garrincha hoje nem se imagina o que seria Romário há vinte anos.É uma comparação absurda”.
GMN : Você tem no futebol ídolos que não são tão populares quanto Pelé e Garrincha,como Canhoteiro, por exemplo….
Chico Buarque : “Canhoteiro,Pagão.Fiz uma música chamada “O Futebol” dedicada a uma linha utópica – Mane Garrincha,Didi,Pagão,Pelé e Canhoteiro. Temos nossos ídolos particulares, aqueles que a gente pensa que são só nossos, porque ninguém conhece. Pelé e Garrincha todo mundo da minha idade viu jogar. Quando eu morava em São Paulo, via jogadores como Canhoteiro e Pagão. Não havia televisão em rede nacional. O pessoal do Rio,então,não conhecia esses jogadores. Quando falo de Canhoteiro e Pagão,nem sempre conhecem,aqui no Rio. Outros ídolos aqui do Rio nem sempre eram conhecidos em São Paulo. Quando eu voltava para casa em São Paulo,depois de passar férias no Rio, por volta de 1955, antes da Copa,portanto,eu falava de Garrincha – e ninguém sabia quem era”.
GMN : Quando criança –ou adolescente- você era daquele tipo de torcedor que vai ver o jogador descendo do ônibus na porta da concentração ?
Chico Buarque : “Eu fazia isso tudo,porque morava perto do estádio do Pacaembu.Eu me lembro de ter visto a seleção de 1958 concentrada.Fui lá peruar,ficar com cara de bobo olhando para as “figurinhas”.Porque eu conhecia os jogadores dos álbuns de figurinhas- muito pouco de televisão.Não tinha televisão em casa.A gente não via futebol pela TV : ia ver no estádio. Eu via os jogadores de longe,durante os jogos.Ver de perto um jogador era um acontecimento”.
GMN : De qual dos jogadores que você viu de perto você guardou a lembrança mais forte ?
Chico Buarque : “De Almir,o Pernambuquinho – que ficou olhando para mim depois que entrou no ônibus. Eu estava ali de boca aberta,com cara de babaca, olhando os jogadores. Almir,então,começou a caçoar de mim. Depois de ter sido chamado na primeira convocação, num grupo de quarenta e quatro jogadores,Almir terminou nem indo para a Copa da Suécia”.
GMN : Você,ainda criança, viu a famosa seleção brasileira de 1950 jogar em São Paulo contra a Suécia,nas vésperas da grande derrota contra o Uruguai,no Maracanã. A derrota de 1950 deixou algum trauma em você ?
Chico Buarque : “Trauma não posso dizer que tenha deixado,porque eu tinha seis anos de idade.Mas me deixou assustado,porque ouvi o jogo pelo rádio.O Maracanã,”o maior estádio do mundo”,era um sonho na minha cabeça.Eu me lembro exatamente de que o locutor,chamado Pedro Luís,disse assim quando o Brasil fez um a zero contra o Uruguai : “Gol de Friaça ! Quase que vem abaixo o Maracanã !”. Eu pensei que o estádio viesse abaixo mesmo ! Pensei que o estádio estivesse caindo,com duzentas mil pessoas.Não prestei atenção ao jogo.Fiquei pensando no Maracanã tremendo com aquelas pessoas todas ali dentro”.
GMN : Quem levou ao estádio ,em São Paulo,para ver o jogo do Brasil contra a Suiça pela Copa de 50 ?
Chico Buarque : “Quem levou foi minha mãe, porque meu pai não gostava muito de futebol”.
GMN : O futebol tem uma presença enorme na vida do brasileiro,mas aparece pouco como tema de músicas. É desproporcional a relação entre a importância do futebol e a quantidade de músicas que tratam do tema. Por que ?
Chico Buarque : ”Não sei.O futebol é próximo da fita do brasileiro,assim como os jogadores sempre foram muito próximos dos músicos.Jogador de futebol tem mania de batucar,canta na concentração.Isso não é de hoje,existia já nos anos cinqüenta.Hoje,o pessoal de pagode se encontra com o pessoal da seleção para gravar”.
GMN : Se a gente for contar as músicas suas que tratam de futebol,vai ver que são poucas. Qual é a dificuldade em tratar de futebol ?
Chico Buarque : “Não é só música.Há pouca literatura tratando de futebol,há pouco cinema. Dá para entender por que há pouco futebol no cinema : é difícil reproduzir com imagens o que já é tão forte na vida real. Teoricamente,traduzir o futebol em palavras ou em música seria fácil do que em cinema.Prometo fazer mais umas duas ou três”.
GMN : Quando joga futebol,que posição você ocupa ?
Chico Buarque : “Jogo em todas.Mas sou mais de preparar o gol. Sou um centro-avante recuado”.
GMN : Por que é que você se apresentava como jogador da seleção brasileira numa viagem que você fez ao Marrocos ? Alguém desconfiou da mentira ?
Chico Buarque : “Quando você diz que é brasileiro no exterior,o pessoal começa a falar de futebol. É uma maneira de ganhar ponto com eles. Numa conversa com motorista de táxi, por exemplo, o assunto futebol logo aparece se você diz que é brasileiro. Então,eu assumia a identidade de jogador de futebol até que um estrangeiro disse : “Ex-jogador,não é ? “….Eu disse que tinha sido convocado para a seleção de 82 : tinha sido reserva de Sócrates”.
GMN : O pessoal acreditava ?
Chico Buarque : “Não !” (rindo)
GMN : Você quebrou o perônio e rompeu os ligamentos jogando futebol. Disse, então, que não estava conseguindo compor porque não sabe fazer música parado. Você só compõe andando ?
Chico Buarque : “Não apenas compor – eu também só sei pensar andando. Se você ficar parado,não consegue pensar. Andar eu recomendo para tudo.Se você tem qualquer problema,dê uma caminhada -porque ajuda,inclusive a ter idéias. Se a música ficou emperrada ou se a idéia para um livro não vem, a melhor coisa a fazer é dar uma bela caminhada. Fiquei três meses preso na cama. Eu não conseguia ter idéias. Só sonhava que andava. Foram três meses perdido pela imobilidade”.
GMN : Você então associa o ato de andar ao ato de compor ?
Chico Buarque : “Associo o ato de andar ao ato de pensar,criar e compor”.
GMN : Você já teve o “estalo” para alguma música jogando futebol ?
Chico Buarque : “Fazer música jogando futebol não dá, porque durante a partida você fica empenhado em suas jogadas geniais.Mas caminhando tive a idéia de várias coisas.A verdade é a seguinte : você compõe com o violão,mas quando o momento em que o processo fica encrencado,você tem de sair andando. Não pode ficar parado,com o violão,a vida inteira. Então,para resolver impasses,o melhor é caminhar”.
GMN : Diz a lenda que você escreveu aquele refrão “você não gosta de mim/mas sua filha gosta” pensando no general Ernesto Geisel – que tinha uma filha.Somente você pode tirar essa dúvida : é verdade ?
Chico Buarque :”Eu nunca disse isso.As pessoas inventam. O engraçado é que a invenção passa a fazer parte do anedotário. Nunca imaginei que pudesse fazer uma música pensando num general ! A gente não faz isso. Você pode fazer uma música com raiva de alguma coisa : acontecia na época da ditadura militar,porque,com a censura,a política interferia na criação,o que nos incomodava.Mas você não ia dedicar uma canção a um pessoa. Quando se falava “você”,não se estava referindo a um general.Era uma generalidade”.
GMN : Por falar em generais : o general Garrastazu Médici freqüentava estádios no tempo em que você sofria os horrores da censura. Alguma vez você cruzou com ele num estádio de futebol ?
Chico Buarque : “Vi uma vez,porque eu estava chegando ao portão que dá nas cadeiras do Maracanã. De repente, chegou uma turma de batedores, com sirenes, com a truculência que é um pouco própria de autoridades, mas na época, era muito mais acentuada. ”Afasta todo mundo ! “. Médici desceu do carro. Fiquei vendo de longe aquele figura”.
GMN : Você já era famoso.Algum dos batedores do general reconheceu você por acaso ?
Chico Buarque : “Batedor não reconhece ninguém : não olha para a cara de ninguém na hora de sair abrindo espaço”.
GMN : Em 1978,você participou da campanha do então candidato ao senado Fernando Henrique Cardoso,em São Paulo. Numa declaração publicada em 1998 em livro,Fernando Henrique diz que você é um crítico repetitivo.Como é que você recebeu essa crítica ?
Chico Buarque : “Achei engraçado no começo. Mas não dei a importância que às vezes dão. Parece que fiquei ofendido.Não. É normal,é natural que um político tenha opiniões políticas até a respeito de artistas. Diz o que interessa naquele momento.É da natureza de um político. Fernando Henrique sabe o que diz e tem o direito de gostar de quem quiser. Nunca imaginei que ele gostasse de mim. Achei divertida e engraçada a ênfase com que ele gosta de uma pessoa e pode deixar de gostar. Mas é a opinião de um político. Fernando Henrique diz que não gosta mais de mim. Antes,gostava”.
GMN : É verdade que você tem um irmão alemão ?
Chico Buarque : “Eu tenho um meio- irmão alemão. Não sei se ainda tenho. Mas tive. O meu pai teve um filho alemão antes de se casar. Depois, perdeu de vista,porque voltou para o Brasil, onde se casou. Não se relacionou mais com a mulher nem com o filho que teve na Alemanha. A última notícia que ele teve foi durante a guerra. A mulher pediu que o meu pai enviasse documentos provando que não tinha sangue judeu até a segunda ou terceira geração. O meu pai providenciou. Depois da guerra, não teve notícias”.
GMN : Você chegou a procurar esse irmão ?
Chico Buarque : “Uma vez,quando fui a Berlim,tive a impressão de estar vendo um irmão sempre em alguma parte – alguém que pudesse parecer comigo ou com meu pai. Tive a impressão de que ele poderia estar ali. Não sei explicar o que aconteceu. Não se a mãe não contou a ele quem era o pai. A mulher pode ter mudado de nome depois de se casar de novo. Um pai alemão pode te-lo adotado. O engraçado é que sempre perguntavam ao meu pai – que era muito branco de pele : “Por acaso o senhor é filho de alemão ? “. E ele dizia : “Não. Sou pai de alemão...”.
GMN : O seu pai disse, num artigo, que você, quando era estudante, gostava de desenhar cidades. Havia sempre uma fonte no meio da praça,nas cidades que você desenhava. Você,que já foi estudante de arquitetura,ainda hoje desenha ou imagina alguma cidade nas horas vagas ?
Chico Buarque : “Desenho cidades enormes,gigantescas,com fontes,com praças,com nomes,com ruas.Quando não desenho,penso.Sonho muito com cidades. Os meus sonhos misturam cidades que conheço.Também sonho com cidades que não conheço e com cidades que imagino.São as melhores de todas”.
GMN : Você batizou o seu time de futebol de campo de Politheama – que era o nome do seu time de futebol de botão. Que nomes você dá às suas cidades imaginárias ?
Chico Buarque : “Não vou contar.
As cidades têm nomes. Mas não posso nem pronunciar aqui. Vou passar vergonha” .
GMN : Por quê ?
Chico Buarque : “Porque são nomes que têm consoantes que nem existem.São idéias bobas”.
GMN : Você tem a fama – falsa- de tímido e a fama – verdadeira – de arredio.Você não é de estar todo dia nos jornais ou na televisão. Qual é o maior incômodo que a fama traz ? É o assédio dos fãs,a invasão de privacidade ou a curiosidade da imprensa ?
Chico Buarque : “Assédio de fãs,no meu caso,não existe,porque não ando cercado nem de óculos escuros. Ando naturalmente na rua. As pessoas não perturbam muito.Se você andar como uma pessoa qualquer,você fica sendo uma pessoa qualquer. As pessoas me reconhecem,dizem “olá,Chico,tudo bem ? “.Não passa disso. Não vou dizer que é mau. É bom, é simpático, é gostoso. Não tenho nada contra”.
GMN : Mas a imprensa incomoda você de vez em quando…
Chico Buarque : “Quando quer,a imprensa incomoda” .
GMN : É por isso que você dá tão poucas entrevistas e fala tão pouco com os repórteres ?
Chico Buarque : “Eu falo bastante. Falo mais do que devia. Já estou falando aqui há meia-hora com você ! Mas é que não tenho tanto assunto.Tenho preguiça de falar. Gosto mais de fazer outras coisas”.
GMN : “Se você fosse chamado para escrever o verbete Chico Buarque de Holanda numa enciclopédia de música popular,qual seria a primeira frase ?
Chico Buarque (rindo) :”Êpa !. Não sei. Podia ser: êpa”….
GMN : Com interrogação ou com exclamação ?
Chico Buarque : “Com interrogação. A primeira palavra seria : êpa ? “.
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(Entrevista gravada em 1998)

Posted by geneton at 12:02 PM

novembro 05, 2014

UM SUSTO NO AR – E AS MENSAGENS QUE JAMAIS CHEGARÃO AOS DESTINATÁRIOS

Já tinha ouvido falar no silêncio que precede as tempestades.

Agora, conheci o bicho pessoalmente – ele, o silêncio coletivo movido pelo medo.

Quem viaja de avião teme intimamente pelo dia em que o comandante vai pegar o microfone e, em vez de dar as boas-vindas e aquelas informações clássicas sobre tempo de voo e condições meteorológicas, avisará que há "um problema".

Demorou, mas aconteceu: o comandante pegou o microfone e avisou aos passageiros que o avião tinha apresentado um "problema técnico". Primeira reação: “Não é possível! Logo hoje e logo no meu voo!”, devem ter pensado os senhores passageiros. O locutor-que-vos-fala ocupava o assento 11C.

Pior: o avião teria de fazer um pouso não-programado.

Em resumo e em bom português: a situação era de emergência.

O avião tinha acabado de levantar voo do Aeroporto Santos Dumont, às cinco da tarde da quarta-feira da semana passada. Iria para Belo Horizonte. Eu estava a caminho do Fórum das Letras, em Ouro Preto.
Uns dez minutos depois da decolagem, veio o aviso. O avião, recém-saído do Santos Dumont, iria fazer um pouso – não previsto, obviamente – no Aeroporto do Galeão.

Em meus delírios de passageiro temeroso, eu imaginava que, numa situação assim, haveria algum pânico, alguma inquietação, alguma erupção coletiva de medo. Que nada.

Olho para os passageiros. Um silêncio absoluto se instala a bordo. Ninguém diz nada, nada, nada, nada. Ninguém se anima, sequer, a fazer uma mísera pergunta à aeromoça.

O pouso no outro aeroporto demora séculos (numa situação assim, quando os passageiros não fazem a menor ideia da natureza do "problema técnico", cada segundo parece demorar um minuto: cada minuto parece durar uma hora e, cada hora, um século).

O avião passou cerca de quarenta minutos, ou seja, quarenta séculos, voando em círculos, ora sobre o mar, ora sobre a terra.

E todo mundo esperando, intimamente, pelo estrondo final. Ah, o estrondo, o estampido, o relâmpago final viria assim, sem aviso prévio (é o que a gente pensa, mas não diz).

Confesso que uma taquicardia agitou minhas florestas interiores.

Faço, a mim mesmo, a pergunta fatal: o que seria pior? Desabar sobre o mar ou sobre a terra? A resposta que dou a mim mesmo: silêncio.

Olho para um vizinho: seus olhos estão fechados. Tenho vontade de perguntar: “Nós estamos na iminência de viver um momento épico – uma catástrofe nos céus de São Sebastião do Rio de Janeiro –, e você fecha os olhos, impassível?”.

Não pergunto. Se perguntasse, quem sabe, a resposta seria a mesma: o silêncio.

O que fazer para que os minutos passem logo?

Fico pensando o que é que eu poderia escrever como últimas e inúteis palavras. Quem sabe, eu poderia, no último minuto, rabiscá-las num guardanapo de papel e guardá-las numa garrafa plástica que, com sorte, poderia boiar, se o avião se precipitasse sobre as águas... Um dia, quem sabe, um escafandrista encontraria a garrafa já cheia de lodo, perto do assento 11C – o meu.

Lá estaria a declaração final: "A humanidade só será feliz no dia em que o último derrubador de matéria for enforcado nas tripas do penúltimo!". Mas... Não, não valeria desperdiçar esta chance com uma queixa contra jornalistas que passam a vida jogando notícia no lixo. Não, o jornalismo não é tão importante. Não mereceria, jamais, ser agraciado com as últimas palavras de quem quer que seja.

Uma alternativa seria exclamar por escrito, no guardanapo: "A Terra é um equívoco giratório! A Terra é um equívoco giratório!".

Ou, quem sabe, um apelo: "Deus, se você existe, dê um sinal – já, neste minuto. Quero lhe fazer umas perguntas. É agora ou nunca!".

Eu bem que poderia deixar uma mensagem cifrada perguntando por onde andaria a moça argentina que, num dia hoje remotíssimo, vi num trem e de quem nunca me esqueci. Como ela se chama? Dolores? Cristina? Como mandar uma mensagem final para um rosto sem nome? A mensagem jamais chegará.

Neste momento, enquanto a taquicardia parece embalar meus íntimos delírios, chego à conclusão definitiva: não, não adianta mandar mensagens para ninguém. Porque elas não chegarão. A vida é assim: uma gloriosa coleção de mensagens que jamais chegarão aos destinatários.

Eis aí, afinal, a solução! As últimas palavras bem que podem ser estas vinte e duas: "A vida é uma gloriosa coleção de mensagens que cada um de nós carrega dentro de si, mas jamais enviará aos destinatários!". É isso! É isso! Só agora descobri, enquanto espero o estampido final.

Neste momento, depois de séculos de íntima angústia dos passageiros, o avião finalmente faz o pouso não previsto. O piloto não nos diz o que aconteceu de errado. Fica em silêncio, exatamente como nós todos, os que imaginaram enviar inúteis mensagens para destinatários que jamais as receberiam.

E a noite na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro pôde seguir, sem assistir ao clarão fatal que, em nossos mais secretos delírios, poderia acontecer a qualquer momento, em algum ponto do céu, entre o Santos Dumont e o Galeão.

PS: Ah, sim: os senhores passageiros foram reacomodados em outro avião. E a vida continuou – rumo a Belo Horizonte. Nunca um nome de cidade pareceu tão apropriado.

Posted by geneton at 11:55 PM

DESTINO: LOUISIANA

Faz tempo, faz séculos: ali pelo início dos anos setenta, uma música chamada Louisiana tocava direto no rádio. Devo ter ouvido também quando - com meus quatorze, quinze anos da idade - passava pela calçada de uma loja de discos na cidade do Recife. Dali em diante, por algum motivo insondável, "Louisiana" passou a ser sinônimo de um lugar distante e meio inalcançável. ( De resto, o que Louisiana poderia significar para um menino que sonhava com distâncias num Recife bonito, provinciano e ensolarado ?).
Nunca fui a Louisiana. Não posso nem quero ir - para não quebrar o encanto. Mas, como na letra da música bonita, tenho certeza de que "I'm on my way to Louisiana" - estou indo para Louisiana. Não vou chegar, não quero chegar, não devo chegar - mas estou indo para Louisiana desde então.
Acabo de fazer a declaração mais inútil do ano de 2014: estou indo para Louisiana.
A estrada é longa e cheia de solavancos, mas, no fundo, é a única coisa que vale a pena fazer: ir para Louisiana - seja como for.
( E. como tudo na vida, aquela música remota foi parar na internet:
http://goo.gl/35UiVh )

Posted by geneton at 10:28 AM

DESTINO: LOUISIANA

Faz tempo, faz séculos: ali pelo início dos anos setenta, uma música chamada Louisiana tocava direto no rádio. Devo ter ouvido também quando - com meus quatorze, quinze anos da idade - passava pela calçada de uma loja de discos na cidade do Recife. Dali em diante, por algum motivo insondável, "Louisiana" passou a ser sinônimo de um lugar distante e meio inalcançável. ( De resto, o que Louisiana poderia significar para um menino que sonhava com distâncias num Recife bonito, provinciano e ensolarado ?).
Nunca fui a Louisiana. Não posso nem quero ir - para não quebrar o encanto. Mas, como na letra da música bonita, tenho certeza de que "I'm on my way to Louisiana" - estou indo para Louisiana. Não vou chegar, não quero chegar, não devo chegar - mas estou indo para Louisiana desde então.
Acabo de fazer a declaração mais inútil do ano de 2014: estou indo para Louisiana.
A estrada é longa e cheia de solavancos, mas, no fundo, é a única coisa que vale a pena fazer: ir para Louisiana - seja como for.
( E. como tudo na vida, aquela música remota foi parar na internet:
http://goo.gl/35UiVh )

Posted by geneton at 10:28 AM

novembro 02, 2014

...E A PALAVRA HERZOG PROVOCA EMOÇÃO NUMA NOITE EM OURO PRETO, NO BRASIL DE 2014

Um breve informe sobre uma rápida viagem a Ouro Preto, para participar do Forum das Letras ( fica consignada na ata a alegria de reencontrar e ouvir feras do jornalismo como Audálio Dantas, Ricardo Kotscho, Paulo Markun, Mário Magalhães e a de conhecer pessoalmente Lira Neto, Eliane Brum, Daniela Arbex, Natália Viana. Reunido, este time - que mistura várias gerações - formaria, com toda certeza, uma belíssima redação de repórteres. É tudo "repórter de nascença". Feras, feras, feras ).
Houve um momento de forte emoção: num debate sobre os famosos "anos de chumbo", o escritor Mário Prata - que estava na plateia - levantou-se, pegou o microfone e disse, emocionado, que Vladimir Herzog poderia - e deveria - estar ali, naquela mesa, se não tivesse sido martirizado nos porões do DOI-CODI, naquele outubro de 1975. Com a voz embargada, Mário Prata quase não consegue terminar a frase. ( O locutor-que-vos-fala, um dos integrantes da mesa competentemente mediada por Manuel da Costa Pinto, confessa que sentiu um nó na garganta...).
Não quero soar "grandiloquente", mas não há como não pensar:
é possível que jamais se conheçam os nomes dos que torturaram Vladimir Herzog. Mas, quase quarenta anos depois, a palavra Herzog ainda é capaz de causar justíssima comoção numa mesa de debates. ( o Caso Herzog - aliás - inspira até hoje reportagens que levantam prêmios, como aquela que Cláudio Renato Passavante fez para a Globonews com o juiz que responsabilizou o Estado pela morte do jornalista ou como o relato que Audálio Dantas fez, há pouco, em livro. É triste, é tristíssimo, mas o martírio não foi em vão. Ficou como símbolo de um horror que não haverá de se repetir ).
A gente se lembra da figura magra de Ulysses Guimarães, o chefe da oposição parlamentar ao regime dos generais, dizendo que "a pátria é Rubens Paiva - não os facínoras que o mataram".
Em algum lugar daquela sala em Ouro Preto, as palavras de Ulysses Guimarães reverberavam, em pleno 2014. Que seja assim pelas décadas vindouras.

Posted by geneton at 10:43 AM

...E A PALAVRA HERZOG PROVOCA EMOÇÃO NUMA NOITE EM OURO PRETO, NO BRASIL DE 2014

Um breve informe sobre uma rápida viagem a Ouro Preto, para participar do Forum das Letras ( fica consignada na ata a alegria de reencontrar e ouvir feras do jornalismo como Audálio Dantas, Ricardo Kotscho, Paulo Markun, Mário Magalhães e a de conhecer pessoalmente Lira Neto, Eliane Brum, Daniela Arbex, Natália Viana. Reunido, este time - que mistura várias gerações - formaria, com toda certeza, uma belíssima redação de repórteres. É tudo "repórter de nascença". Feras, feras, feras ).
Houve um momento de forte emoção: num debate sobre os famosos "anos de chumbo", o escritor Mário Prata - que estava na plateia - levantou-se, pegou o microfone e disse, emocionado, que Vladimir Herzog poderia - e deveria - estar ali, naquela mesa, se não tivesse sido martirizado nos porões do DOI-CODI, naquele outubro de 1975. Com a voz embargada, Mário Prata quase não consegue terminar a frase. ( O locutor-que-vos-fala, um dos integrantes da mesa competentemente mediada por Manuel da Costa Pinto, confessa que sentiu um nó na garganta...).
Não quero soar "grandiloquente", mas não há como não pensar:
é possível que jamais se conheçam os nomes dos que torturaram Vladimir Herzog. Mas, quase quarenta anos depois, a palavra Herzog ainda é capaz de causar justíssima comoção numa mesa de debates. ( o Caso Herzog - aliás - inspira até hoje reportagens que levantam prêmios, como aquela que Cláudio Renato Passavante fez para a Globonews com o juiz que responsabilizou o Estado pela morte do jornalista ou como o relato que Audálio Dantas fez, há pouco, em livro. É triste, é tristíssimo, mas o martírio não foi em vão. Ficou como símbolo de um horror que não haverá de se repetir ).
A gente se lembra da figura magra de Ulysses Guimarães, o chefe da oposição parlamentar ao regime dos generais, dizendo que "a pátria é Rubens Paiva - não os facínoras que o mataram".
Em algum lugar daquela sala em Ouro Preto, as palavras de Ulysses Guimarães reverberavam, em pleno 2014. Que seja assim pelas décadas vindouras.

Posted by geneton at 10:43 AM