outubro 27, 2014

COMO SEMPRE: JORNALISMO A FAVOR NÃO EXISTE. SE É A FAVOR, NÃO É JORNALISMO. SE É JORNALISMO, NÃO É FAVOR.

Um amigo registra, no Twitter, uma ideia que ouviu: que tal se fosse criado um partido que jamais almejasse conquistar o Poder? O papel do partido seria o de exercer oposição permanente - no legislativo, qualquer que fosse o governo.
Eis aí uma bela ideia ( se bem que inviável, utópica e improvável ). Mas as ideias inviáveis, utópicas e improváveis são as melhores. Sempre foram. Eu seria capaz de me filiar a este partido - que jamais existirá. Poderia até sugerir um nome: POP ( Partido de Oposição Permanente ). E um slogan: "Seja contra. Seja POP".

A bem da verdade, todo e qualquer jornalista - pelo menos enquanto estivesse no exercício da profissão - deveria, simbolicamente, se filiar ao POP. Porque o papel do jornalismo é, por natureza, por princípio, por convicção, o de exercer uma oposição permanente ao Poder. Não importa quem esteja no poder: pode ser PT, PMDB, PSDB, DEM, o Papa, a Rainha, seja o que for.
Jornalismo é jornalismo. Propaganda é propaganda. Jornalismo é jornalismo. Militância é militância. São coisas que, feito água e óleo, não se misturam. Sempre foi assim. Que assim seja, para sempre.
Quando um cruza o caminho do outro, o resultado é o de sempre: perda total. Lá se foi a confiança, a credibilidade, a isenção.
Jornalismo a favor não existe. Se é a favor, não é jornalismo. Se é jornalismo, não é a favor. Ponto.
PS: Feitas estas breves e inúteis considerações, o locutor-que-vos-fala se declara horrorizado com o grande festival de mentiras e desinformação registrado nesta campanha eleitoral, a mais radicalizada das últimas décadas.
As chamadas "redes sociais" serviram de palco para a encenação de uma infindável lista de absurdos. Militantes pró-Dilma faziam, sem o menor constrangimento, insinuações de baixíssimo nível contra Aécio Neves. Militantes pró-Aécio enxergavam em Dilma a versão planaltina da Besta do Apocalipse. Deus do céu. Quanta cegueira, quanto primarismo, quanta intolerância, quanta estupidez.
Se este nível de mútua intransigência se repetir nos próximos embates, o Jornalismo ( aquele de verdade - que nunca é a favor de "a" nem de "b" e não se confunde com militância, propaganda ou engajamento ) terá um belo e difícil papel a cumprir: o de tentar jogar fachos de luz na treva da intolerância.
Quem diria! O "bom e velho" jornalismo, tal como existia antes, pode até estar morrendo - mas pode ganhar, em futuras campanhas eleitorais, um novo e inesperado fôlego. É um mero palpite de quem acompanhou, na arquibancada, a Guerra de 2014.

Posted by geneton at 12:05 PM

COMO SEMPRE: JORNALISMO A FAVOR NÃO EXISTE. SE É A FAVOR, NÃO É JORNALISMO. SE É JORNALISMO, NÃO É FAVOR.

Um amigo registra, no Twitter, uma ideia que ouviu: que tal se fosse criado um partido que jamais almejasse conquistar o Poder? O papel do partido seria o de exercer oposição permanente - no legislativo, qualquer que fosse o governo.
Eis aí uma bela ideia ( se bem que inviável, utópica e improvável ). Mas as ideias inviáveis, utópicas e improváveis são as melhores. Sempre foram. Eu seria capaz de me filiar a este partido - que jamais existirá. Poderia até sugerir um nome: POP ( Partido de Oposição Permanente ). E um slogan: "Seja contra. Seja POP".
A bem da verdade, todo e qualquer jornalista - pelo menos enquanto estivesse no exercício da profissão - deveria, simbolicamente, se filiar ao POP. Porque o papel do jornalismo é, por natureza, por princípio, por convicção, o de exercer uma oposição permanente ao Poder. Não importa quem esteja no poder: pode ser PT, PMDB, PSDB, DEM, o Papa, a Rainha, seja o que for.
Jornalismo é jornalismo. Propaganda é propaganda. Jornalismo é jornalismo. Militância é militância. São coisas que, feito água e óleo, não se misturam. Sempre foi assim. Que assim seja, para sempre.
Quando um cruza o caminho do outro, o resultado é o de sempre: perda total. Lá se foi a confiança, a credibilidade, a isenção.
Jornalismo a favor não existe. Se é a favor, não é jornalismo. Se é jornalismo, não é a favor. Ponto.
PS: Feitas estas breves e inúteis considerações, o locutor-que-vos-fala se declara horrorizado com o grande festival de mentiras e desinformação registrado nesta campanha eleitoral, a mais radicalizada das últimas décadas.
As chamadas "redes sociais" serviram de palco para a encenação de uma infindável lista de absurdos. Militantes pró-Dilma faziam, sem o menor constrangimento, insinuações de baixíssimo nível contra Aécio Neves. Militantes pró-Aécio enxergavam em Dilma a versão planaltina da Besta do Apocalipse. Deus do céu. Quanta cegueira, quanto primarismo, quanta intolerância, quanta estupidez.
Se este nível de mútua intransigência se repetir nos próximos embates, o Jornalismo ( aquele de verdade - que nunca é a favor de "a" nem de "b" e não se confunde com militância, propaganda ou engajamento ) terá um belo e difícil papel a cumprir: o de tentar jogar fachos de luz na treva da intolerância.
Quem diria! O "bom e velho" jornalismo, tal como existia antes, pode até estar morrendo - mas pode ganhar, em futuras campanhas eleitorais, um novo e inesperado fôlego. É um mero palpite de quem acompanhou, na arquibancada, a Guerra de 2014.

Posted by geneton at 10:50 AM

COMO SEMPRE: JORNALISMO A FAVOR NÃO EXISTE. SE É A FAVOR, NÃO É JORNALISMO. SE É JORNALISMO, NÃO É FAVOR.

Um amigo registra, no Twitter, uma ideia que ouviu: que tal se fosse criado um partido que jamais almejasse conquistar o Poder? O papel do partido seria o de exercer oposição permanente - no legislativo, qualquer que fosse o governo.
Eis aí uma bela ideia ( se bem que inviável, utópica e improvável ). Mas as ideias inviáveis, utópicas e improváveis são as melhores. Sempre foram. Eu seria capaz de me filiar a este partido - que jamais existirá. Poderia até sugerir um nome: POP ( Partido de Oposição Permanente ). E um slogan: "Seja contra. Seja POP".
A bem da verdade, todo e qualquer jornalista - pelo menos enquanto estivesse no exercício da profissão - deveria, simbolicamente, se filiar ao POP. Porque o papel do jornalismo é, por natureza, por princípio, por convicção, o de exercer uma oposição permanente ao Poder. Não importa quem esteja no poder: pode ser PT, PMDB, PSDB, DEM, o Papa, a Rainha, seja o que for.
Jornalismo é jornalismo. Propaganda é propaganda. Jornalismo é jornalismo. Militância é militância. São coisas que, feito água e óleo, não se misturam. Sempre foi assim. Que assim seja, para sempre.
Quando um cruza o caminho do outro, o resultado é o de sempre: perda total. Lá se foi a confiança, a credibilidade, a isenção.
Jornalismo a favor não existe. Se é a favor, não é jornalismo. Se é jornalismo, não é a favor. Ponto.
PS: Feitas estas breves e inúteis considerações, o locutor-que-vos-fala se declara horrorizado com o grande festival de mentiras e desinformação registrado nesta campanha eleitoral, a mais radicalizada das últimas décadas.
As chamadas "redes sociais" serviram de palco para a encenação de uma infindável lista de absurdos. Militantes pró-Dilma faziam, sem o menor constrangimento, insinuações de baixíssimo nível contra Aécio Neves. Militantes pró-Aécio enxergavam em Dilma a versão planaltina da Besta do Apocalipse. Deus do céu. Quanta cegueira, quanto primarismo, quanta intolerância, quanta estupidez.
Se este nível de mútua intransigência se repetir nos próximos embates, o Jornalismo ( aquele de verdade - que nunca é a favor de "a" nem de "b" e não se confunde com militância, propaganda ou engajamento ) terá um belo e difícil papel a cumprir: o de tentar jogar fachos de luz na treva da intolerância.
Quem diria! O "bom e velho" jornalismo, tal como existia antes, pode até estar morrendo - mas pode ganhar, em futuras campanhas eleitorais, um novo e inesperado fôlego. É um mero palpite de quem acompanhou, na arquibancada, a Guerra de 2014.

Posted by geneton at 10:50 AM

outubro 25, 2014

...E ELA ACORDARÁ SEGUNDA-FEIRA SONHADORA COMO SEMPRE

Termina uma campanha extraordinariamente radicalizada. E, para fechar a "Semana Musical", bem que vale ouvir de novo aqueles versos ingênuos e bonitos de "Amanhã" - de Guilherme Arantes -, cantados por Caetano Veloso:
"Amanhã / a luminosidade / alheia a qualquer vontade / há de imperar / há de imperar /(....) Amanhã / ódios aplacados /
temores abrandados / será pleno / será pleno".
"Ódios aplacados, temores abrandados": é o que se pode esperar.

Porque não custa lembrar que, acima de todas as ofensas, todos os ataques, todos os bate-bocas, todas as intolerâncias, todas as siglas, todas as divisões, todas as bandeiras, todas as paixões e todos os desamores eleitorais, ela acordará segunda-feira radiosa como sempre, carente como sempre, bonita como sempre, sofrida como sempre, sonhadora como sempre, necessitada como sempre, emotiva como sempre, alegre como sempre, tolerante como sempre, maltratada como sempre, generosa como sempre;
ela - que nunca deixou de esperar sinceramente pelo império da felicidade;
ela - que amanhã, nas ruas, nas florestas, nos planaltos, nos pantanais, nas planícies, nos sertões, nos becos, nas estradas, nas metrópoles, verá tanta gente indo para as ruas com o título de eleitor e a secreta esperança de sempre nas mãos, num espetáculo tantas vezes suprimido;
ela - que em algum momento da festa vai se lembrar comovida dos que sonharam com a democracia nos tempos de escuridão;
ela - que inventou a palavra "saudade";
ela - que nasceu para, teimosamente, reinventar o sentido de todos os futuros;
ela, a nossa Mãe Gentil, com toda certeza só espera que, "ódios aplacados/ temores abrandados", o amanhã seja pleno.
Parece ingênuo. E é. Eu me lembro da pichação feita por um estudante que, nesta época de pragmatismos, escreveu num muro: "Chega de realizações. Queremos promessas!".
E o amanhã, na pior das hipóteses, jamais deixará de ser, pelo menos, uma promessa - especialmente para quem teve a ventura de nascer nesta república belamente ancorada às margens do Atlântico Sul.
http://goo.gl/jk7UsH

Posted by geneton at 12:08 PM

outubro 20, 2014

O PLANETA VIVE UMA NOVA "ERA BREJNEV": A GLM ( GRANDE COLIGAÇÃO DA MEDIOCRIDADE ) SE ESPALHA POR TODOS OS ESPAÇOS ( OU: VALE VER O DOCUMENTÁRIO "LIBERTEM ANGELA DAVIS" - ANTES QUE SAIA DE CARTAZ )

Um belo documentário em cartaz: "Libertem Angela Davis" - a saga da ativista americana punida por se declarar integrante do Partido Comunista e por ter ligações com integrantes dos Panteras Negras.
Virou ícone de uma época de militância. ( A quem interessar possa: o documentário entrou em cartaz em poucas salas e poucos horários. Em breve, sumirá das telas. Vale ver enquanto é tempo...).
Terminada a exibição, uma sensação esquisita fica no ar: definitivamente, era outra a substância dos tempos em que manifestantes iam para a rua, no mundo todo, para gritar pela libertação de Angela Davis ou para pedir um planeta melhor.
Um cronista uma vez escreveu que o mundo assistiu, nos anos setenta, à ascensão de lideres medíocres no lugar de líderes carismáticos: aquele foi o tempo de Leonid Brejnev ( burocrata-mor ) no lugar de Nikita Kruschev, na União Soviética; Richard Nixon no lugar de John Kennedy; o Papa Paulo VI no lugar de João XXIII; Pompidou no lugar de De Gaulle, na França.
Agora, o planeta parece viver uma nova "Era Brejnev": tempos de política medíocre, cinema medíocre, jornalismo medíocre, música medíocre, literatura medíocre.
Nunca o fogo dos dissidentes foi tão necessário - e tão ausente.
Era Brejnev: tomare que passe logo. A Grande Coligação da Mediocridade tomou conta do planeta.

Posted by geneton at 11:26 AM

outubro 17, 2014

QUERO QUE TUDO MELHORE

"Quero que tudo melhore" - em resumo, é o que devem querer, sinceramente, 99 % dos eleitores brasileiros, dilmistas, aecistas ou seja lá o que for.
Mas assusta o nível de radicalização que esta campanha para presidente atingiu: eleitores confrontando eleitores, eleitores desqualificando eleitores. Qualquer que seja o resultado, parece certo que o país sairá das urnas dividido - meio a meio.
O que é que cada de nós poderia dizer ao Brasil às vésperas de uma eleição?
Apenas: "Quero que tudo melhore" - como naquela música bonita, "Água".
Só existe uma maneira de dizer "quero que tudo melhore" numa eleição: votando.
Deveria ser simples assim: cada um votando no candidato que cada um acredita que vá fazer o Brasil melhorar. Deveria ser - mas não é.

É hora - quem sabe- de um pequeno intervalo musical :

Posted by geneton at 11:28 AM

outubro 16, 2014

E A ELEIÇÃO VAI PARA OS PÊNALTIS....

Uma campanha eleitoral pode ficar parecida com uma partida de futebol.
O primeiro turno corresponde ao "tempo normal": são noventa dias de campanha, noventa minutos de jogo,
O segundo turno é a "prorrogação".
Pelo visto, a eleição para presidente vai ser decidida nos pênaltis!
Quem vai bater o pênalti que decidirá a parada? Nordeste? São Paulo? Minas? Rio?
Como diria Galvão Bueno num daqueles jogos que caminham dramaticamente para os pênaltis, "haja coração!"

Posted by geneton at 11:29 AM

outubro 09, 2014

"E PASSAMOS / CARREGADOS DE FLORES SUFOCADAS / MAS, DENTRO, NO CORAÇÃO/ EU SEI / A VIDA BATE / SUBTERRANEAMENTE, A VIDA BATE"

( OU: O DIA EM QUE O POETA GULLAR DESCOBRIU QUE "AS PAREDES, OS PRÉDIOS, AS RUAS, SÃO INDIFERENTES AO QUE A GENTE PENSOU, SOFREU E CHOROU. TUDO SE APAGA").
Ferreira Gullar acaba de ser eleito para a Academia Brasileira de Letras. Só faltou um voto para a unanimidade. Um dos acadêmicos preferiu votar em branco.
Aqui, um relato sobre uma de nossas entrevistas - em que ele fala da experiência de rever o país em que tinha vivido momentos dramáticos, no exílio:

-----------------------------------------
Um poeta brasileiro – que também era militante político – desembarca no Chile, no início dos anos setenta, para viver uma experiência que tinha tudo para ser historicamente fascinante: pela primeira vez, o país era governado por um presidente socialista que chegara ao poder pelo voto direto.
Exilados brasileiros apostavam que uma primavera estava nascendo ao pé da Cordilheira dos Andes. O Eldorado dos militantes políticos ganhava um novo nome: Santiago do Chile.
O poeta era Ferreira Gullar. O presidente era Salvador Allende. A experiência terminou em tragédia: as Forças Armadas bombardearam o Palácio de La Moneda no dia 11 de Setembro de 1973.
Allende saiu do Palácio sem vida ( há controvérsias sobre se teria cometido suicídio ou se teria sido morto, o que não faz tanta diferença).
A Junta Militar, comandada pelo general Augusto Pinochet, instalou uma ditadura que, como se sabe, não brincou em serviço. Há relatos de cenas tétricas: helicópteros pousavam no gramado do Estádio Nacional para recolher presos que, em seguida, desapareciam. Nem sempre se sabia para onde eram levados. Pelo menos cinco exilados brasileiros estão até hoje desaparecidos.
Traumatizado pela experiência que viveu no país, Ferreira Gullar passou décadas sem voltar ao Chile. Quando finalmente voltou, teve sentimentos “contraditórios”.
Nesta expedição de volta ao cenário das turbulências que testemunhou no início dos anos setenta, o poeta Ferreira Gullar contemplou, por exemplo, a fachada do Palácio de La Moneda. Pegou um táxi para visitar a rua onde vivera.
Descobriu que a paisagem é absolutamente indiferente ao que a gente sente. As cidades, diz ele, são feitas de “pedra”. Não se contaminam com as lembranças, dramas, aventuras, alegrias, tragédias e vitórias de cada um. A memória é algo pessoal e intransferível – que cada um carrega dentro de si, até o dia do apagão final. Fora deste território feito de lembranças, o que há é a paisagem, com seus palácios, edifícios, ruas, becos e avenidas, gloriosamente indiferentes aos nossos espantos.
Um trecho da entrevista que Ferreira Gullar nos concedeu para o DOSSIÊ GLOBONEWS:
“Estava lá o mesmo palácio onde Salvador Allende foi assassinado e diante do qual fiquei tantas vezes em manifestações políticas. Não havia mais nada. Era aquele silêncio. Eu, então, senti saudade daqueles tempos. Agora, tudo está tranquilo, mas falta o fogo, a luta pelo mundo melhor e pela transformação! A gente nunca está contente”.
“De repente, estou de novo diante daquele prédio – e não ficou nada do que aconteceu lá. O porteiro que me recebe não sabe quem sou nem sabe que morei ali. A escada é a mesma, os degraus são os mesmos. Mas não têm nenhuma marca de mim ou do que aconteceu. Da mesma maneira que diante do La Moneda, falei assim: mas cadê aquelas coisas que aconteceram aqui ? Cadê a tragédia ? Cadê o drama humano ? Apagou tudo! Por um lado, tudo bem: o Chile agora é muito mais feliz do que naquele momento. Mas é uma coisa contraditória. Porque a gente vê que nós, na verdade, é que carregamos as coisas conosco”.
“Fui ao prédio onde morei, na avenida Providência. Era diferente. Não reconheci. A sensação que dá é essa: as paredes, as ruas não guardam nada da gente. É como se nada tivesse acontecido ! Está tudo em minha cabeça. É tudo memória minha. As paredes, os prédios, as ruas são indiferentes ao que a gente faz, ao que a gente pensou, sofreu e chorou. Tudo se apaga”.
Ferreira Gullar é um poetaço.
Um trecho do belo “A Vida Bate” :
“Alguns viajam:
vão a Nova York,
a Santiago do Chile.
Outros ficam
mesmo na Rua da Alfândega,
detrás de balcões e de guichês.
Vista do alto,
com seus bairros e ruas e avenidas,
a cidade é o refúgio do homem,
pertence a todos e a ninguém.
São pessoas que passam sem falar
e estão cheias de vozes
e ruínas.
És Antônio ?
És Francisco ?
És Mariana ?
Onde escondeste o verde
clarão dos dias?
E passamos
carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate.
Subterraneamente,
a vida bate.
Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as penas da lei,
em teu pulso,
a vida bate.
E é essa clandestina esperança
misturada ao sal do mar
que me sustenta
esta tarde
debruçado à janela de meu quarto em Ipanema
na América Latina”

Posted by geneton at 11:30 AM

outubro 08, 2014

A ESCRITORA ROSA DESCOBRE NUMA BALEIA O GRANDE SEGREDO DAS PALAVRAS: "DISPARAMOS PALAVRAS CONTRA A MORTE - MAS O TEMPO É UM DRAGÃO DE PELE IMPENETRÁVEL QUE DEVORA TUDO".

O nome : Rosa. É assim que se chama a mulher que telefona para a redação tarde da noite à procura de um repórter. Quer dar uma notícia sobre "a aparição de uma baleia". O repórter suspira, desalentado: a mulher - que fala com sotaque espanhol - deve ser uma dessas loucas que escrevem cartas para as redações ou ligam de madrugada para dar notícias absurdas sobre profecias, iluminações, códigos, conspirações, segredos.

O sotaque só serve para agravar a suspeita: o espanhol é a língua preferida por cartomantes que inventam nomes e carregam no sotaque para impressionar os desesperados que as procuram.
Rosa insiste: a notícia sobre a aparição da baleia merece ser ouvida porque é algo "sumamente importante". A entrevista fica marcada para o dia seguinte, num lugar improvável : um banco de praça. Rosa chega na hora marcada: meio-dia ( Noto que os cabelos pretos estão penteados como se, numa subversão absurda do calendário, ela estivesse posando, hoje, para uma foto que já nasce amarelada, num álbum dos anos setenta. Aquele corte de cabelo um dia foi chamado de Pigmalião. Virou febre, nos anos setenta, não em homenagem ao escultor da mitologia, mas porque era usado por uma atriz numa novelinha medíocre das sete da noite. Ah, o implacável poder simplificador da televisão...)
Rosa se move com gestos rápidos. Informa a idade: 56 anos. Traz, nas mãos, um livro em que, na capa, a imagem de uma menina de vestido rosa se sobrepõe a uma velha foto de família. Os outros nove personagens retratados na capa estão em preto-e-branco. Só a menina ganhou a graça da cor.
Noto um detalhe banal: o título do livro que ela traz para a entrevista tem doze letras. Por um segundo, cedo às tentações da superstição: são doze os apóstolos, são doze os signos, são doze os meses do ano, são doze as horas que dividem as duas metades do dia. As doze letras do título terão algum significado? Não! - repreendo-me, em silêncio. Toda superstição é idiota.
Não há tempo a perder. Pergunto como foi, afinal, a aparição da baleia. Por que diabos a aparição de um animal terá sido tão aterradora, tão reveladora e tão importante? Rosa move a cabeça em direção ao gravador que seguro nas mãos. Não quer que o alvoroço do barulho de carros na rua e de crianças na praça encubra o que ela vai falar:
- "De repente, sem nenhum aviso, aconteceu. Um estampido aterrador agitou o mar ao nosso lado: era um jato d´água, o jato de uma baleia, poderoso, enorme, espumante, uma voragem que nos encharcou e fez o Pacífico ferver em torno de nós. E o ruído, aquele som incrível, aquele bramido primordial, uma respiração oceânica, o alento do mundo. Essa sensação foi a primeira: ensurdecedora, ofuscante; e, imediatamente depois, emergiu a baleia. Primeiro, emergiu o focinho, que logo depois tornou a se meter debaixo d´água;e depois veio deslizando todo o resto, numa onda imensa, num colossal arco de carne sobre a superfície, carne e mais carne, brilhante e escura, emborrachada e ao mesmo tempo pétrea, e num determinado momento passou o olho, um olho redondo e inteligente que se fixou em nós, um olhar intenso vindo do abismo. Quando já estávamos sem fôlego diante da enormidade do animal, ergueu a toda altura aquela cauda gigantesca e afundou-a com elegante lentidão na vertical; e, em todo esse deslocamento do seu corpo tremendo, não fez qualquer marola, não provocou a menor salpicadura nem emitiu nenhum ruído além do suave cicio de sua carne monumental acariciando a água. Quando desapareceu, imediatamente depois de ter mergulhado, foi como se nunca houvesse estado ali".
Rosa fala sem tomar fôlego. Diz que a aparição da baleia pode significar para todos o que significou para ela: a descoberta do Cálice Sagrado, a visão inesquecível que lhe abriu as portas para desvendar o Grande Segredo das Palavras, esta obsessão que há séculos mobiliza tanta gente:
- "Com a escrita é a mesma coisa: muitas vezes, você intui que o segredo do universo está do outro lado da ponta dos seus dedos, uma catarata de palavras perfeitas, a obra essencial que dá sentido a tudo. Você está no próprio limiar da criação, e em sua cabeça eclodem tramas admiráveis, romances imensos, baleias grandiosas que só revelam o relâmpago do seu dorso molhado, ou melhor, fragmentos desse dorso, pedaços dessa baleia, migalhas de beleza que permitem intuir a beleza insuportável do animal inteiro ;mas em seguida, antes de você ter tempo de fazer alguma coisa, antes de poder calcular seu volume e sua forma, antes de entender o sentido do seu olhar perfurante, a prodigiosa besta submerge e o mundo fica quieto e surdo e tão vazio".
Pergunto: o que fazer com as palavras, depois da revelação de que elas, no fim, não conseguirão desvendar a "beleza insuportável" do grande animal ? Que utilidade elas terão ?
-"Disparamos palavras contra a morte, como arqueiros de cima das ameias de um castelo em ruínas. Mas o tempo é um dragão de pele impenetrável que devora tudo. Ninguém vai se lembrar da maioria de nós dentro de alguns séculos: para todos os efeitos, será como se não houvéssemos existido. O esquecimento absoluto daqueles que nos precederam é um manto pesado, é a derrota com a qual nascemos e para a qual nos dirigimos. É o nosso pecado original".
Se a batalha contra esse "dragão de pele impenetrável" um dia estará perdida, por que, então, insistir na tarefa de erguer barricadas com as palavras ?
- "Isto é a escrita: o esforço de transcender a individualidade e a miséria humana, a ânsia de nos unir aos outros num todo, o desejo de sobrepor-nos à escuridão, à dor, ao caos, à morte".
Você diz que escolheu escrever romances para participar dessa batalha. Por que essa escolha ?
"Escrever romances implica atrever-se a completar o monumental percurso que tira você de si mesmo e permite se ver no convento, no mundo, no todo. E, depois de fazer esse esforço supremo de entendimento, depois de quase tocar por um instante na visão que completa e fulmina, regressamos mancando para nossa cela, para o encerro de nossa estreita individualidade, e tentamos nos resignar a morrer".
A fita termina. Rosa soletra o sobrenome : Montero, sem "i". Rosa Montero. Deixa de presente o livro com o título de doze letras ("A Louca da Casa").
Despede-se com um leve meneio de cabeça. Começa a caminhar em direção ao portão de ferro que, à noite, protegerá a praça da invasão dos mendigos. Dá meia volta, pede para o repórter checar se o gravador funcionou. Fica aliviada quando vê que as pilhas funcionaram, sim. "Gravou tudo", digo. "Por supuesto", ela responde.
E vai embora.
***************************************************************************
PS: Tanto os encontros com a escritora espanhola Rosa Montero quanto as perguntas da entrevista são imaginários. Mas as respostas da escritora sobre as baleias e as palavras são verdadeiras: foram extraídas do livro "A Louca da Casa", publicado no Brasil pela Ediouro. Recomendadíssimo.

Posted by geneton at 11:59 AM

outubro 07, 2014

CENAS BRASILEIRAS: BOCA DE ÁLCOOL, BOCA DE URNA. E "HAVIA O POVO NA TARDE"

A caminho da seção eleitoral, passo em frente a uma birosca batizada com um nome genial, na Cruzada São Sebastião, no Leblon: "Boca de Álcool". O nome estava escrito a mão, num pedaço de papelão que pendia numa grade. A boca estava fechada hoje, dia de votar. ( Fico imaginando: quantos milhões de reais um publicitário não cobraria para inventar um nome tão simples, tão sugestivo e tão bem humorado - uma brincadeira com "Boca de Fumo"? O "marqueteiro" da Cruzada criou de graça ).
Enfrento uma pequena odisseia. A escola em que votava fechou. Vou a um novo endereço, indicado num site - a dez quarteirões de distância. Chego lá, nada de urna. Um guarda, na calçada, entretido com o celular, avisa: "Veio uma galera procurando a seção, mas não é aqui". Onde é, então? "Não sei informar". E volta ao celular, alheio aos movimentos da galera. Um fiscal informa que a zona, na verdade, mudou para um banco. Volto dez quarteirões. ( depois, descubro que o site que consultei trata da eleição para o Conselho Tutelar...).
Consigo votar. Cruzo, na fila de votantes, com um conterrâneo: Alceu Valença. Fica brincando com sotaque "estrangeirado" que de vez em quando ouve no Leblon.
Dou por encerrada a pequena aventura eleitoral.
"E havia o povo na tarde / e havia o povo na tarde", como naquela música bonita, com jeito de aboio:
http://goo.gl/CIG7jL
Agora, depois de descobrir a Boca de Álcool, é esperar pela Boca de Urna.

Posted by geneton at 11:32 AM

outubro 06, 2014

E SE HOUVESSE OUTRA ELEIÇÃO AMANHÃ?

Se houvesse amanhã de manhã uma eleição direta para escolha de livros inesquecíveis, eu iria à urna para votar em "A Montanha Mágica", "O Leopardo", "Quarup" e, sim, "O Romance d´A Pedra do Reino".
Se houvesse uma eleição para a mulher mais bonita que já apareceu numa tela, eu votaria em Charlotte Rampling naquele filme de Woody Allen, "Stardust Memories":
http://goo.gl/J71klB
Se houvesse eleição para a visão mais esplendorosa que já tive, eu votaria naquele fim de madrugada em que, perdido, entrei numa ruela em Veneza e deparei com a Praça de São Marcos deserta e iluminada pelos primeiros raios avermelhados da manhã. Os ornamentos dourados da torre da Basílica de São Marcos cintilavam. Meu peito descrente deu uma fraquejada: deve haver alguma força maior por trás de tanta beleza.
Se houvesse eleição direta para a cena mais saudosa, eu votaria naquela em que vi Olinda se distanciando pelo espelho retrovisor do meu velho Fusca azul, também numa madrugada, às vésperas de uma partida que se revelaria definitiva, enquanto o rádio tocava, casualmente, "Canteiros":
http://goo.gl/cit5Sl
Se houvesse uma eleição para o melhor disco de música pop que já ouvi, eu votaria, sem reservas, em Abbey Road. Se fosse para escolher uma faixa, eu votaria em Golden Slumbers ( "Boy/ você vai carregar este peso por um longo tempo") :
http://goo.gl/VhLfsL
Se houvesse uma eleição para o post mais inútil do Facebook, eu votaria neste e daria por encerrados os trabalhos.

Posted by geneton at 11:31 AM

outubro 04, 2014

...E, NEM FAZ TANTO TEMPO, A ESCOLHA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA PODIA DEPENDER DA VONTADE DE UM SÓ HOMEM ( AQUI, UM GENERAL EMITE SINAIS PARA UM CORONEL ). LONGA VIDA ÀS URNAS!

O tempo voa: já faz um quarto de século que o Brasil voltou a ter eleições diretas para a Presidência da República, depois do apagão verde-oliva! É hora da sétima eleição pós-redemocratização. ( O Brasil, como se sabe, votou em 1989, em 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 ).
A história do tempo em que a escolha do Presidente podia eventualmente depender da vontade de um só homem continua a ser contada. É tarefa que dura décadas.
Aqui, um relato sobre uma cena dos bastidores do poder de um tempo em que Presidentes eram escolhidos no quartel: o dia em que o general Médici disse que queria “passar o bastão” para Jarbas Passarinho:

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Bato na porta da casa de um personagem que poderia ter sido presidente da República durante o regime militar.
( Aos que desembarcaram ontem no Planeta Brasil: nem faz tanto tempo, a escolha do nome de quem ocuparia o posto de presidente da República não era tarefa dos milhões de eleitores. Dependia da vontade de um fechadíssimo colegiado de militares. O Congresso Nacional apenas referendava o nome de quem já tinha sido escolhido nos quartéis).
Quando o marechal Costa e Silva morreu, em 1969, o nome do coronel da reserva Jarbas Passarinho chegou a ser cogitado para sucedê-lo na Presidência da República.
Quem resolveu botar o nome de Passarinho na roda foi um general que, por coincidência, viria a ser o ungido: Emílio Garrastazu Médici. Coronel da reserva, Passarinho ocupava o Ministério do Trabalho no governo Costa e Silva.
O plano de Médici – o de submeter o nome do coronel da reserva Jarbas Passarinho ao crivo do colegiado verde-oliva como possível sucessor de Costa e Silva - não prosperou. Quando, por fim, foi indicado para a Presidência, o general Médici nomeou Passarinho para o Ministério da Educação. Em resumo: o homem que Médici queria ver na presidência terminou virando ministro do próprio Médici. Adiante,o general emitiria outro sinal de que queria ver Passarinho na Presidência.
Quem descreve estas cenas de um tempo em que voto popular para Presidência era um luxo inalcançável é o homem que esteve no centro destas cenas de bastidores do poder militar.
Ei-lo: o ex-ministro, ex-senador e ex-governador Jarbas Passarinho mora no fim de uma rua de pouquíssimo movimento no Lago Norte, em Brasília.
Solitário, contempla os livros da biblioteca abarrotada. Lá estão volumes e volumes de memória política e militar de personagens de todos os “matizes ideológicos”. Aqui, a ex-dama de ferro britânica Margareth Thatcher se mistura com o trotskista Jacob Gorender, autor de um volume que passa em revista a luta armada contra a ditadura militar.
Nossa expedição ao refúgio do ex-ministro rendeu um programa, o DOSSIÊ GLOBONEWS. Tive o cuidado de levar para a entrevista o áudio da famosa reunião em que o regime militar decretou o AI-5, no dia 13 de dezembro de 1968. Ao justificar por que estava votando a favor do ato, o então ministro Passarinho fez, naquela sexta-feira aziaga de 1968, duas declarações marcantes. Primeiro, admitiu, sem meias palavras, que o país estava mergulhando numa ditadura. Em seguida, disse que mandava “às favas” todos os “escrúpulos de consciência”. Tanto tempo depois, o ministro ouviu, circunspecto, a gravação. Disse que, sob circunstâncias idênticas, assinaria de novo o ato, porque os chefes militares o convenceram de que, dentro da normalidade democrática, não conseguiriam manter a ordem. Certo de que,um dia, seria cobrado por ter assinado um ato que teria um efeito devastador sobre a democracia, Passarinho teve o cuidado de fazer um bilhete manuscrito, endereçado à mulher - D. Ruth – e ao filho mais velho.
Dias depois, voltei a procurá-lo, para que ele descrevesse cenas que não chegaram a ser abordadas na gravação para a TV : o dia em que o general Médici emitiu um sinal de que queria ver Jarbas Passarinho entronizado no Palácio do Planalto.
A gravação:
O senhor foi cotado para suceder o presidente Costa e Silva. Em algum momento, o general Médici tratou com o senhor sobre este assunto ?
Jarbas Passarinho: “Daniel Krieger (senador pelo Rio Grande do Sul) conta que, quando Médici comandava o III Exército, o chamou a Porto Alegre para dizer que gostaria de levar ao comando uma chapa para a sucessão de Costa e Silva. A chapa que Médici submetia a Krieger seria: eu para a presidência da República e Daniel Krieger para a vice.
Num ato de extrema dignidade, Krieger, que era nosso guru político, concordou. Eu tinha passado pouco tempo no Senado naquele tempo, porque fui logo para o ministério. Médici trouxe a sugestão. E não foi bem sucedido na proposta de apresentar esta chapa ao colégio eleitoral”.
A chapa não foi bem sucedida porque o senhor não era general : era apenas coronel ?
Jarbas Passarinho: “A cena é atribuída a um dos generais mais prestigiosos – que disse: “Gosto muito de Passarinho, mas não bato continência para coronel”…Isso foi muito falado – e nunca admitido”.
A frase é atribuída ao general Orlando Geisel…
Passarinho: “A frase foi atribuída a ele, mas não confirmada….”
Em algum momento na sucessão de Costa e Silva o general Médici chegou a falar com o senhor ou só falou com o senador Daniel Krieger ?
Passarinho: “O general Médici falou com Krieger, mas também com o Estado Maior do III Exército,em Porto Alegre. O coronel Hestel,membro do Estado Maior, me comunicou que o general Médici tinha dito a eles que iria fazer a proposta”.
Obviamente, a possibilidade de ser presidente da República lhe passou pela cabeça. O senhor chegou a pensar no que faria ?
Passarinho: “Não cheguei, talvez porque tivesse chegado, quase tranquilamente, à conclusão de que era, no caso da sucessão de Costa e Silva, o momento era muito prematuro para mim. Já no caso da sucessão do próprio Médici, ele teve uma palavra que fica comigo. Vim dos Estados Unidos, onde estava numa reunião dos ministros do trabalho das Américas. Médici me recebeu na Ilha do Governador, no Rio, onde estava preparando o governo. Neste momento, ele mostrou claramente, com palavras, algo que tenho guardado comigo….”
Ou seja: ele citou o senhor como o possível sucessor ?
Passarinho: “Houve um fato concreto: Médici estava fumando. Acabou de fumar. Enrolou o que restou do cigarro no maço e me passou aquilo. Como eu não fumava, na hora não entendi o gesto. Médici, então, me disse: “Quero lhe passar o bastão”. O governo Médici não tinha nem começado! Àquela altura, sete dos generais da minha turma já tinham as quatro estrelas. Hélio Fernandes tinha dito,na Tribuna da Imprensa, que eu não era benquisto. Os sete generais, então, escreveram uma carta em que falavam, claríssimamente, sobre o apoio que me davam”.
A cena do cigarro foi a última vez em que ele insinuou que o senhor poderia ser indicado ?
Passarinho: “Sim. Seis meses depois, numa conversa com Médici, eu disse: “Presidente, tenho muitas dificuldades, entre nós mesmos…”. E ele fez com a cabeça um sinal de “sim”, sem dar uma palavra”.
As “diferenças” eram militares ?
Passarinho: “Não. Eu não sentia diferenças militares, porque nunca senti agressão neste sentido. O Exército sempre foi muito honroso para mim, o tempo todo, em todas as funções posteriores que exerci. Deu-me o título de professor emérito da Escola do Estado Maior e o diploma de doutor em ciências militares”.
As diferenças eram políticas, então. Havia grupos que não queriam que a candidatura Passarinho prosperasse. Que grupos eram esses ?
Passarinho: “Não identifiquei. Quando falei com o Presidente Médici, sabia que havia resistências a mim. Chegaram a pensar que eu era “infiltrado” na Revolução….”
Quanto à frase atribuída ao general Orlando Geisel – de que não bateria continência para um coronel : vem daí a distância do senhor em relação ao presidente Geisel ?
Passarinho : “A distância minha com Geisel era muito marcada porque o gabinete, chefiado na Casa Civil pelo general Golbery, tinha, contra mim, argumentos políticos que envolviam o Pará. Defendiam o rapaz que foi meu aluno, meu cadete e, depois, meu tenente, com quem fui capitão e com quem eu tinha rompido- o tal do Alacid ( Passarinho refere-se a Alacid Nunes – que foi indicado pelo general Geisel,em 1978, para governar o Pará). O general Moraes Rego, meu colega na Escola Preparatória de Cadetes, em Porto Alegre, também era deste grupo – que procurava me atingir de qualquer maneira, ainda que sem nenhum motivo. Não apresentavam nenhum fato real. Era apenas : “Não cabe, não tem sentido” . De qualquer maneira, não fiz nada no sentido de voltar ao governo do Pará. Não tinha nenhuma aspiração. O meu desejo era ficar junto com os meus. Não iria me separar da família aqui em Brasília. Fui, então, deslocado para o posto de líder do governo Figueiredo. O presidente Geisel,numa carta que tenho, diz que não teve nada com a escolha,mas que compreendeu que minha ida para o governo Figueiredo era muito mais importante. O “ciclo militar”, aliás, já estava declinante. Chamo de “ciclo”. Regime militar o que conheci no Peru. Quando fui lá, em visita oficial, o general Alvarado começou o discurso dizendo assim: “O governo das Forças Armadas e do povo do Peru”. Isso é que entendi como governo militar”.
O principal motivo,nos anos dos governos militares, foi, afinal, o fato de a patente do senhor não ser a de general ?
Passarinho: “Nunca foi confirmada nem nunca foi desmentida esta história de que Orlando Geisel teria dito que não bateria continência para coronel. Orlando Geisel me tratava muitíssimo bem, diferente do Ernesto Geisel- que tinha reservas que membros do gabinete constituíram…Quando já estávamos no governo Figueiredo, Golbery me disse : “Eu não podia comparar Alacid com vosmicê”…Golbery tinha a mania de chamar os outros de “vosmicê”. Mas disse que foi subordinado do general Cordeiro de Farias. E Cordeiro era inteiramente ligado a Alacid – que foi ajudante de ordens…”.
O fato de não ter sido,no final das contas, Presidente da República virou uma frustração para o senhor ?
Passarinho: “Digo, com absoluta sinceridade, que não virou”.
( entrevista gravada em 2010 )

Posted by geneton at 11:33 AM

outubro 03, 2014

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO - CAPÍTULO 5 E ÚLTIMO

É uma ilusão achar que o jornalismo vai melhorar o mundo- mas, se você não tiver essa ilusão, é melhor desistir. Ter uma atitude entediada diante do trabalho é desastroso para você, para o leitor, para o telespectador, para o internauta, para o ouvinte, para o jornalismo e para o Brasil. ( OU: DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO - CAPÍTULO 5 E ÚLTIMO)
( Depoimento colhido por alunas do curso de jornalismo da Universidade do Povo/ SP e publicado num livro que reúne entrevistas de quinze repórteres brasileiros sobre a profissão:
http://goo.gl/cQQwaB
É longo. Republicado, aqui, "em capítulos", como uma pequena contribuição a estudantes eventualmente interessados no que diz um quase-dinossauro:
Gravando! ):

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Você pediu à ex-primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher para ela se definir em uma palavra. Como você se define em uma palavra?
GMN: "Iludido. É uma ilusão achar que o jornalismo vai melhorar o mundo, mas, se você não tiver essa ilusão, é melhor desistir. As grandes ilusões é que movem o mundo. Sempre foi assim. Se a gente se prender estritamente à banalidade do real, não fará nada. Prefiro tentar ver o que se esconde atrás da linha do horizonte.
Com o tempo, você vai conquistando o equilíbrio entre a ilusão e a realidade. Tantas vezes, você acha, ingenuamente, que vai abalar a República. Depois, percebe que não abala nada. Você chega à seguinte conclusão: se uma matéria que você fez conseguir mexer com apenas uma pessoa, já estará de bom tamanho.
O que você não pode é ter uma atitude entediada diante do trabalho. Isso é desastroso para você, para o leitor, para o telespectador, para o internauta, para o ouvinte, para o jornalismo e para o Brasil. Prefiro ser iludido.
Declaro-me oficialmente em estado de rebelião permanente contra essa mentalidade burocrática do jornalismo. Isso pode não ter a menor importância para ninguém, mas, para mim, tem. Ou você mantém a ilusão ou você morre. De resto, desconfio que, no fundo, o que me move a me dedicar ao jornalismo é um certo e difuso sentimento de solidariedade para com os outros. É como Paulo Francis disse um dia: "A morte é uma piada. A vida é uma tragédia. Mas, dentro de nós, mesmo no maior desespero, há uma força que clama por coisas melhores". Eu acrescentaria: a minha força - pequena, pequeníssima - clama por um jornalismo melhor. Por que não? Posso fazer chegar ao público informações que de alguma maneira sejam úteis e lancem uma ou outra luz sobre o absurdo da vida. É minha maneira de ser solidário com meus semelhantes, com meus pobres sonhos e com meu país".
Como você se descobriu jornalista?
GMN: "Ainda não me descobri. O “pior” é que essa brincadeira já dura 40 anos. É inacreditável que ainda hoje eu tenha dúvidas sobre o jornalismo. Eu tinha que ter resolvido essa questão há muito tempo ou abandonado logo a área. Isso de vez em quando me incomoda.
Não tive nenhuma influência familiar para ser jornalista. Meu pai era agrônomo e fazendeiro. Minha mãe foi professora. Digo - brincando - que a primeira manifestação “clínica” que eu tive do jornalismo aconteceu quando era criança. Nem sonhava em ser jornalista, mas me lembro de que ficava no muro da minha casa, no bairro da Torre, no Recife, com um caderno em que anotava a placa dos carros que passavam na rua. Anos depois, fiquei pensando se já estava com essa “doença” em mim...
Quando tinha 13 anos, comecei a escrever algumas coisas. Imagine a qualidade dos textos! [risos]. Uma prima do meu pai mandou esses textos para o suplemento infantil do Diário de Pernambuco. Os textos começaram a ser publicados no suplemento infantil do jornal, mas nem passava pela minha cabeça fazer jornalismo profissionalmente".

Como foi esse início no Diário de Pernambuco?
GMN: "Depois que esses textos começaram a ser publicados no suplemento, fui chamado para ir à redação. Um jornalista do Diário leu meus textos e duvidou: “Deve ser o pai quem escreve essas coisas. Chama ele aqui”. Eu tinha 15 anos de idade. Era a primeira vez que eu pisava num jornal. Vou me lembrar para sempre do cheiro, das máquinas, daquela fumaceira na redação. Todo mundo fumava.
Uma das primeiras reportagens que fiz me deu uma lição definitiva. O diretor do Diário, um jornalista vibrador chamado Antônio Camelo, me mandou fazer uma matéria no Hospital da Tamarineira [nome popular do Hospital Ulysses Pernambucano, em Recife]: “Entre lá, pule o muro, diga que você tem uma irmã internada, invente qualquer coisa. Quero uma reportagem lá!”, ele me disse. Naquela petulância típica dos 16 anos de idade, eu disse a ele: “Deixe comigo!”.
Quando chegamos ao hospital, o fotógrafo ficou do lado de fora. Entrei sozinho e me misturei aos pacientes. Digo – brincando - que ninguém notou que eu não era um paciente! Só aí já haveria assunto para dez anos de psicanálise. Os pacientes disseram: “A comida aqui é horrível, vem pedra no meio do feijão. É tudo sem gosto”. Saí do hospital e voltei – desta vez, me apresentando como repórter e ao lado do fotógrafo. Procurei a direção do hospital. A diretora deu uma versão diferente dos fatos: “Aqui, nós temos uma equipe de nutricionistas. Segunda-feira é dia de carne; terça, peixe; quarta, frango”. Aprendi, ali, uma lição. Há sempre duas versões para um fato: a verdadeira e a oficial. Isso vale até hoje para mim. Deve valer para todos os jornalistas".

Dessa primeira fase, houve mais algum episódio que te marcou?
GMN: "Vivi uma cena que ficou meio folclórica. Se eu fosse fazer um livro de memórias, usaria esse caso no título. Eu tinha um editor-chefe, que até hoje permanece no Diário de Pernambuco, como diretor. Chama-se Gladstone Vieira Belo [atual vice-presidente do jornal]. Quando nós, repórteres, voltávamos da rua, ele ficava circulando pela redação, com as mãos para trás, olhando por cima do nosso ombro o texto que batíamos na máquina de escrever.
Um vez, eu estava querendo enfeitar um lead. Ou seja: escrever uma frase “bonita” para começar uma matéria. Gladstone olhou o texto, bateu nas minhas costas e disse, ironicamente: “O Clube da Poesia fica na rua Aurora! Aqui é a redação do Diário de Pernambuco!”.
Com certeza, eu estava cometendo, ali, alguma pérola da subliteratura universal [risos]. Ao longo da carreira, você aprende essas coisas: não querer fazer poesia, por exemplo, numa redação".
Qual matéria é considerada como divisor de águas na sua carreira?
GMN: "É difícil apontar uma em especial. Tive um encontro marcante com o Nelson Rodrigues. Eu estava lendo O Reacionário [publicado em 1977] - uma coletânea de textos brilhantes. As crônicas de Nelson Rodrigues são obras-primas - uma leitura que recomendo. Ninguém sabe usar adjetivo como ele.
Com relação à "experiência humana", a maioria das entrevistas deixa alguma coisa em você. Uma situação curiosa aconteceu quando consegui a entrevista com James Earl Ray, assassino de Martin Luther King [ativista político norte-americano, morto em 1968, que lutou em defesa dos direitos sociais para os negros e mulheres]. Tive a chance rara de entrar numa penitenciária de segurança máxima. Carimbaram as mãos da gente - a minha e a do cinegrafista Hélio Alvarez - com um código. O guarda me disse que trocam aquele código a cada dia. É para evitar que um visitante troque de lugar com um prisioneiro. O carimbo é checado na saída.
Passamos por uma sequência de portões de ferro. A porta da frente só se abria quando a detrás fechava. Chegamos a uma pequena sala, para onde o assassino foi levado. Ficamos sozinhos com ele. Eu tinha levado para a entrevista um livro que ele tinha escrito para se defender. Quando acabou a entrevista, fiquei com uma dúvida: “peço ou não autógrafo? Meu Deus, este sujeito é um assassino, matou Martin Luther King. Vou pedir um autógrafo a ele??? É o cúmulo!”. Mas terminei pedindo. Como jornalista, você vive situações que, em outras circunstâncias, jamais viveria".
A revista Realidade, ou qualquer projeto similar, teria espaço no mercado jornalístico atual ou seria uma utopia?
GMN: "Teria espaço. Eu, pelo menos, sinto falta de uma revista que trouxesse grandes reportagens, perfis, entrevistas de peso. Hoje, existe uma ou outra publicação que chega perto, como a [revista] Piauí . Quando chego a uma banca de jornal, tenho a impressão de que a gente vive a era do "jornalismo “endocrinológico”. Todas as publicações querem ensinar o leitor a emagrecer, a engordar, a fazer exercício, a começar uma dieta. Não aguento mais, pelo amor de Deus!
Não sou exatamente um saudosista, mas, quando eu estava na faculdade, havia nas bancas O Pasquim, que eu adorava, o Movimento, o Opinião, o Bondinho, várias opções interessantes. Eu me lembro da revista Status, por exemplo. Trazia mulheres nuas, mas publicava também matérias ótimas. Não faz tempo, comprei no sebo um exemplar que tinha Paulo Francis entrevistando Truman Capote [escritor americano, autor de A Sangue Frio], um conto de Gabriel García Marquez [escritor colombiano, autor do romance Cem Anos de Solidão, Nobel da Literatura, em 1982] e um artigo de Antonio Callado [jornalista, escritor, autor de Quarup].
Hoje, não vejo nada assim. Há também outro vício do jornalismo: a ideia de que os textos, para serem lidos, precisam ser necessariamente curtos. Meu documentário Canções do exílio traz um texto, lido pelo Paulo César Pereio, em que digo algo assim: “ por que tudo tem que ser despedaçado, cortado, desossado...?”. Parte-se do princípio de que ninguém quer saber de nada: tudo precisa ser telegráfico. Discordo dessa ideia. Se aparecesse uma revista de reportagem com textos aprofundados, como a Realidade, muita gente iria gostar. Um amigo meu jornalista, cineasta, chamado Amin Stepple, dizia que tinha certeza de que existia uma conspiração internacional da mediocridade. Hoje, depois de analisar friamente, estou convencido de que esta conspiração não apenas existe, mas domina tudo, não só o jornalismo".
Quais seriam as vantagens da Internet para o jornalismo?
GMN: "Em última instância, a internet dispensou a figura do editor. Se eu quiser, crio um blog agora, neste minuto, escrevo um texto do jeito que quiser e alguém pode ler em Hong Kong. É óbvio que jamais terá o alcance de um jornal impresso, mas, pelo menos, me livrei da figura do editor, uma entidade que, em alguns casos, tem um papel trágico. Nesse sentido, a Internet foi um milagre para o jornalismo.
A grande novidade também é que a Internet “dessacralizou” a figura do jornalista como único intermediário entre os fatos e o público. De certa maneira, hoje todo mundo pode fazer jornalismo. Mas é preciso atentar para algo importante: já que todo mundo vai participar dessa festa, então é preciso obedecer a algumas regras básicas. Não se pode mentir, não se pode deturpar.
Não tenho preconceito algum contra as novas mídias. Aquele modelo clássico de poucos órgãos - que falavam para todo mundo ao mesmo tempo - caiu. Houve um "estilhaçamento" radical, centenas de milhares de blogs e sites falam para públicos localizados. É uma coisa completamente estilhaçada, uma novidade. Não se sabe aonde é que vai dar. O que sabe, com certeza, é que a única coisa que salva a imprensa tradicional é a credibilidade. Eis aí um valor que vai permanecer, em meio ao vendaval. O que salva o The New York Times, por exemplo, é que no dia em que você lê uma notícia como “Bin Laden morreu” num blog, você vai correndo ao site do NY Times para ver se é verdade".

Como surgiu a ideia do documentário Canções do exílio?
GMN: "Em janeiro de 1972, Caetano Veloso voltou do exílio e fez um show no Recife, no Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães, o “Geraldão”, que ainda existe. Fui entrevistá-lo. Não lembro se foi por conta própria ou se alguém me pediu. Caetano Veloso foi a primeira pessoa famosa que entrevistei. Naquela época, entrevistei também Gilberto Gil.
Em 2010, resolvi fazer o documentário “Canções do Exílio”, porque queria pegar o depoimento dos dois hoje, quase 40 anos depois da volta do exílio, para fechar um ciclo. Em qualquer profissão - não interessa se você é jornalista ou gari, astronauta ou artesão - é preciso ter um lema, uma bandeira para seguir. Entre outras quinhentas mil bandeiras que eu poderia escolher do jornalismo, há uma que elegi pra mim: “Fazer jornalismo é produzir memória”. É minha modesta contribuição como jornalista: produzir memória para o Brasil".

Posted by geneton at 11:35 AM

E O BRASIL ESPERA PELO DIA DE VER UM CORRUPTOR ALGEMADO! É TÃO BANDIDO QUANTO O CORRUPTO!

Por fim: a coluna de política do Globo de hoje traz uma notícia que, se confirmada, é importantíssima. Diz que o ministro do STF encarregado do escândalo da Petrobrás pretende partir pra cima das empreiteiras e empresários corruptores. Não ficará apenas nos corrompidos. Se corruptores forem finalmente desmascarados e punidos, o Brasil dará um imenso passo adiante. O dinheiro que engorda as contas bancárias dos corruptos - todo mundo sabe - é público. Ou seja: é do povo. E, antes de chegar ao bolso dos corruptos, foi surrupiado pelos corruptores - em forma de superfaturamentos escandalosos em obras públicas, por exemplo. O que o corruptor faz é dividir com o corrupto o resultado do assalto à mão desarmada ao pobre do contribuinte. Por que nunca ninguém viu um corruptor algemado? Eis aí uma das dez mil perguntas brasileiras que atravessam as décadas sem resposta....

Posted by geneton at 11:34 AM

outubro 02, 2014

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO - CAPÍTULO 4

JORNALISTA NÃO PODE SER TIETE - NUNCA, JAMAIS, EM SITUAÇÃO ALGUMA ( OU: DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO -
CAPÍTULO 4)
( Depoimento colhido por alunas do curso de jornalismo da Universidade do Povo/ SP e publicado num livro que reúne entrevistas de quinze repórteres brasileiros sobre a profissão:
http://goo.gl/cQQwaB
É longo. Vou republicá-lo aqui, "em capítulos", como uma pequena contribuição a estudantes eventualmente interessados no que diz um quase-dinossauro:
Gravando! ):

Hoje em dia, nas redações, é comum o repórter realizar apurações por telefone. Qual é a sua opinião a respeito?
GMN: "Não tenho, sinceramente, preconceito contra apuração por telefone. É claro que nada substitui o contato pessoal. É muito bom entrevistar a pessoa frente a frente, olho no olho. É possível perceber as reações, os gestos, o silêncio, as pausas, as vacilações. Tudo serve como informação sobre o entrevistado. Mas fiz quinhentas mil matérias por telefone, especialmente em jornal.
Eu me lembro quando liguei na casa de uma sobrevivente do Titanic [Eva Hart, em 1992]. Gravei nossa conversa. Daria uma página de jornal. Carlos Drummond de Andrade foi o caso “mais telefônico” que eu tive [risos]. Drummond se sentia melhor falando por telefone do que pessoalmente. Eu ficava ligando para ele quando eu trabalhava no Jornal da Globo. Se não me engano, foi Ziraldo quem disse que Drummond era um ser “eminentemente telefônico”. Já o grande poeta João Cabral de Melo Neto disse que, quanto mais perto você estivesse fisicamente de Drummond, mais ele parecia distante.
Agora, quanto mais longe você estivesse, mais ele se abriria. O telefone, então, era a “arma” ideal.
Preparei um questionário com cerca de 70 perguntas: tudo o que eu queria saber sobre Drummond. Armei o gravador na minha casa, liguei e ele atendeu. Estava gravando desde que ele disse “alô”. Brinco que quebrei o sigilo telefônico do maior poeta brasileiro. Havia um pretexto para a entrevista, porque o poema “No meio do caminho” faria 60 anos em 1988. Usei esse argumento. Drummond contra-argumentou que não valia a pena lembrar desse aniversário.
Quando insisti para que ele desse a entrevista, ele disse que não daria, porque a filha estava doente no hospital. Quando perguntei se poderia ser por telefone, ele disse que poderia falar comigo naquele momento, porque estava disponível. Ao ouvir a resposta de Drummond, senti como se estivesse fazendo um gol no Maracanã [risos]. Gravei toda a entrevista. Depois, escrevi o livro Dossiê Drummond. Dezessete dias após a entrevista, Drummond morreu. Aquele longa entrevista telefônica terminou se tornando, então, uma espécie de testamento do poeta. Se eu tivesse tido a atitude de dizer “não, por telefone, não” ou “não quero, porque telefone tira a proximidade”, eu teria perdido a entrevista com Carlos Drummond de Andrade, uma das mais marcantes que fiz na vida. Transcritas, as respostas de Drummond por telefone deram duas mil linhas datilografadas.
Conclusão: se não der para fazer pessoalmente, faça por telefone, código Morse, fumaça, qualquer coisa. Isso é absolutamente secundário em alguns casos".

Você já entrevistou mestres como os escritores João Cabral de Melo Neto e Nelson Rodrigues. Foi pautado para essas entrevistas ou você mesmo escolhe seus entrevistados?
GMN: "Em 98% dos casos, tomei a iniciativa de entrevistar. Se em alguns momentos eu me deixasse levar pelo que a profissão estava me oferecendo, hoje eu estaria, certamente, fazendo uma coisa completamente diferente - e pior - do que estou fazendo.
Há algum tempo, por algum motivo, o tipo de matéria que eu sempre fiz já não encontrava espaço na TV aberta. Tomei iniciativa de ir fazer outra coisa. Bati em outra porta. Bem ou mal, o importante, para mim, é fazer reportagem e entrevista, nem que seja em "circuito fechado".
Fui para Globo News. Quanto a Drummond, tomei a iniciativa, ninguém me pediu para fazer. Idem no caso do Rubem Fonseca, que detestava jornalista. Uma amiga minha havia me dito que Rubem Fonseca faria uma conferência em Paris. Fui até a conferência e o abordei. Rubem Fonseca disse que não daria entrevista. Ainda brincou: disse que era tímido. Insisti, mas vi que ele não daria. Então, ele me disse: “Grave o que eu vou falar. Depois, você faz o que quiser”.
Gravei toda a conferência. Voltei para o Brasil, transcrevi a fala, que era um depoimento biográfico em primeira pessoa. Ninguém me pediu para fazer. Deixei o texto pronto na portaria do Jornal do Brasil, endereçado a Zuenir Ventura, que eu não conhecia pessoalmente. Avisei que era um depoimento do Rubem Fonseca. Zuenir terminou contando esta história no livro de memórias que publicou. Disse que, quando a secretária lhe disse que um repórter chamado Geneton tinha deixado uma matéria com Rubem Fonseca, pensou: “Isso não deve ser verdade. Primeiro: Rubem Fonseca não fala. Segundo: não pode existir alguém chamado ‘Geneton’, ainda mais Neto. Quer dizer que existem três Genetons? O pai, o filho e o neto? Impossível!” [risos]. Virou "folclore".
Não existem, na verdade, três "Genetons" na família, mas dois: meu avô e eu...De qualquer maneira, quando pegou a reportagem que deixei no JB, endereçada a ele, Zuenir viu que era verdade. Publicou aquilo sem mudar uma vírgula. Quando o Rubens Fonseca ficou sabendo do texto, levou um susto. Não acreditava [risos]. O caso me motivou a ir atrás de Carlos Drummond de Andrade. É o que eu digo: ou você toma iniciativa ou fica esperando que as coisas caiam do céu. É melhor você entrar em campo".

Você comentou há pouco que gostaria de ter entrevistado o ex-presidente George Bush. Por quê?
GMN: "Para entender essa mentalidade meio “fundamentalista” americana. Teria curiosidade de falar sobre o Iraque, as dúvidas que vão ficar, a decisão de invadir o país. Entrevistei um assessor do Bush e ele me explicou algumas coisas a respeito, mas, em última instância, como a decisão é sempre do presidente, seria interessante falar com o próprio Bush. Poderia ser por telefone, se ele não quisesse pessoalmente..."
Qual pergunta direta você faria para o Bush, por exemplo?
GMN: “O senhor se arrepende da decisão de ter invadido o Iraque?” Poderia ser um bom começo ou não, porque o melhor é deixar as perguntas mais incômodas para o final".
Então, o melhor é deixar as perguntas incômodas para o final... Já passou por alguma experiência, durante uma entrevista, que gerou uma reação surpreendente?
GMN: "É melhor começar com assuntos mais leves, até que tenha construído um clima para as perguntas mais incisivas. Mas nem sempre é assim. Quando fiz uma primeira entrevista com o [ex-presidente Fernando] Collor, resolvi iniciar com algumas opiniões que Pedro Collor tinha dito sobre ele. Pedro Collor tinha falado: “Fernando era predestinado, inteligente, carismático, comunicativo, demagogo, irresponsável, ambicioso, vingativo e ganancioso”. Então, comecei a entrevista dizendo ao ex-presidente: “o senhor é predestinado, inteligente [...] vingativo e ganancioso”. E ele só me olhando [risos]. Então, completei: “São palavras do seu irmão”. Aquilo criou um clima tenso a princípio, mas terminou com ele reagindo bem à entrevista.
É difícil lembrar totalmente, mas já houve caso de eu tocar num assunto e o entrevistado não gostar. A entrevista mexe um pouco com a vaidade do entrevistado. Há várias estratégias que podem ser usadas numa entrevista. Se há alguma coisa que mexe com o ego do entrevistado, como um elogio que alguém fez sobre ele, você pode usar numa pergunta para deixar o entrevistado mais à vontade. Assim, depois, você pode fazer as perguntas mais duras. Mas a regra geral é basicamente essa: deixar as perguntas mais incômodas para o final. Isso funciona sempre".
Analisando seu jeito de entrevistar, percebemos que você costuma fazer perguntas que exigem respostas descritivas do entrevistado. Por exemplo, em 2011, na entrevista com Ethan McCord, ex-soldado americano que atuou na guerra do Iraque e foi repreendido pelo Exército dos EUA por salvar crianças durante um bombardeio, você fez a seguinte pergunta: “como era um dia típico na guerra?”. Isso é proposital?
GMN: "As entrevistas descritivas são as que rendem mais em televisão. Posso citar vários casos. Um exemplo é o do ex-senador Paulo Brossard. Fiz uma entrevista recentemente com ele. Pedi que ele descrevesse o dia em que José Sarney iria renunciar à presidência da República. E ele contou: “Cheguei ao gabinete, Sarney disse que iria renunciar. Fiquei perplexo”. Dá quase pra ver a cena. É o tipo de descrição que pode virar, também, um documento.
Sobre o caso do soldado americano: a entrevista ficou forte porque ele foi "descritivo". Disse que se aproximou da van e viu a menina ferida lá dentro. Isso dá uma dramaticidade que dispensa adjetivos: é uma coisa factual. O jornalismo precisa se render à força avassaladora dos fatos. Gosto de entrevistas que são essencialmente descritivas, mais do que as opinativas. É uma escolha que faço.
A entrevista pode render mais se o entrevistado se preocupar mais com a descrição do que com a opinião. É o que aconteceu com Newton Cruz, por exemplo. Durante a entrevista, ele deu opiniões, mas descreveu com detalhes cenas dos bastidores da noite em que aconteceu o atentado ao Riocentro. Nesta hora, jornalismo pode produzir um documento, o tal "primeiro rascunho da História". Tenho uma obsessão com essa capacidade do jornalismo de produzir memória".
Já aconteceu alguma situação embaraçosa durante as entrevistas?
GMN: "Fiquei em uma situação meio deselegante em relação ao caso que o repórter Carl Bernstein teve com a atriz Elizabeth Taylor. Perguntei se ela não era "velha demais" para ele. Percebi que ele ficou no limite [risos].
Já levei até um fora uma vez, mas desse eu gostei, porque não foi agressivo. Aconteceu com Charlotte Rampling, aquela atriz inglesa. Quando eu tinha 17 anos, era Deus e ela para mim. Sempre achei Charlotte Rampling linda. Quando ela esteve no Rio para um festival, arrumaram uma entrevista para o Fantástico. Fui fazer. Ela tem aquela elegância inglesa, é meio lady, admirável. Uma das coisas interessantes é que ela se recusa a fazer operação plástica. É uma postura louvável. É linda até hoje, mas poderia ser uma daquelas peruas siliconadas.
Durante a entrevista, perguntei: “você se sente discriminada por essa indústria da juventude, pelo fato de assumir a idade?” E ela me rebateu: “Discriminada...como?”. Falei: “Pelo fato de você...”. Irritada, ela nem esperou que eu completasse: “mas por que você me pergunta isso?” Deixamos essa parte no ar na entrevista da Globo News. Ao final, ela se levantou e eu agradeci.
A cena genial aconteceu quando ela estava saindo da sala. O cinegrafista continuou gravando. Ela me disse : “See you next time” [Vejo você na próxima vez]. Um segundo depois, virou para trás e disse: “Maybe...”[talvez]. E foi embora. Num estilo inglês, ela estava me dizendo, na verdade: “Nunca mais!”. Isso é que é ser elegante!
Houve quem achasse que fui meio deselegante com ela por tocar no assunto da idade, mas a entrevista rendeu bem justamente por essa razão. É muito melhor que ficar dizendo: “ah, você é linda. Você continua muito bonita”. Eu me esforço tremendamente para não passar recibo de admirador. Jornalista não pode ser tiete".
Muita gente opta pelo jornalismo pelo glamour que a carreira pode oferecer. Qual é a sua opinião a respeito?
GMN: "Jornalista convive com celebridades. Mas, se achar que pertence àquele mundo, estará morto como jornalista. Uma cena surrealista que passei, por exemplo, foi com o ex-presidente Collor. A imagem que sempre tive é aquela dos tempos em que ele era presidente: todo pomposo, descia a rampa do Palácio do Planalto, em Brasília.
Quando acabou a entrevista, em Maceió, para aquela série sobre ex-presidentes que fiz para o Fantástico, ele desceu com a gente até o carro, na maior simplicidade. Só não pegou o equipamento do cinegrafista porque não pedimos. Começamos a conversar sobre a revista Realidade. Ele dizendo: “Gostava muito da Realidade, me lembro do Pelé na capa”. Situações assim oferecem um risco ao jornalista: o de se achar “íntimo” de celebridades. Mas é preciso separar drasticamente as coisas".
Você costuma afirmar que no Brasil não há uma tradição de prosa clara, de um texto plenamente compreensível. Por quê?
GMN: "Estou citando Paulo Francis [1930-1997] - que fez essa afirmação em um encontro na Folha de São Paulo. Francis lamentava o fato de o Brasil não ter criado uma tradição de texto claro, ou seja, "uma prosa clara e instruída". Ainda vivemos o equívoco de achar que escrever difícil é escrever bem, mas é exatamente o contrário.
O próprio texto do Paulo Francis é um belo exemplo de como escrever simples e bem, independentemente de você concordar ou não com o que Paulo Francis dizia. O texto era arrebatador.
Em televisão, a falta de clareza é muito mais grave. Em jornal, você pode reler uma frase que não entendeu, mas a TV não lhe dá essa chance.
O próprio Paulo Francis escreveu: “Nossa imprensa: chata, previsível e empolada. Como é chata, meu Deus!”. Dou toda a razão a ele. Se você pegar um texto jornalístico de Paulo Francis e comparar com o que se vê corriqueiramente nos jornais, notará em cinco segundos a diferença. Não é possível começar cinco parágrafos de uma matéria com “segundo ele”. Eis aí um exemplo da chatice! O texto dá tédio. Depois, os jornais ficam reclamando que estão perdendo leitores...
Falo como leitor: outro problema é a falta aguda de criatividade. Há 40 anos se diz que o jornal não deve repetir o que a televisão deu. Quem, no entanto, abrir o jornal do dia seguinte, verá, na primeira página, 90% daquilo que já soube na véspera pela televisão. É algo que hoje já acontece também com a TV em relação à Internet. Quem tiver vasculhado a Internet já estará sabendo das notícias mais importantes quando for ver o telejornal. A informação instantânea, tornada real pela fantástica Internet, cria novos problemas para os "velhos meios".
Fiz um teste, uma vez. O Brasil tinha ganhado da Argentina por 2 a 0. Disse: “99% da população brasileira já conhecem esse resultado. Se amanhã o jornal botar na manchete que o Brasil ganhou de 2 a 0 da Argentina, é melhor fechar”. Não deu outra. A manchete era essa [risos]. É uma dessas situações tristes da imprensa escrita.
Em congressos de jornalismo, vivem dizendo que o jornal tem que oferecer uma abordagem diferenciada, aprofundar mais, fazer um texto bem cuidado, investir na reportagem. O diagnóstico já foi dado há décadas. Mas, guardadas as exceções, os jornais continuam fazendo exatamente o oposto. Ou seja: tudo errado. Não avançam um milímetro em relação ao que a televisão ou que a própria Internet já deu. Nesse ponto, a situação do jornal é meio dramática. Ou muda ou morre"

É uma coisa do Brasil mesmo ou acontece também no exterior?
GMN: "Posso falar da Inglaterra. Talvez porque tenha morado lá, eu me confesso meio anglófilo em matéria de gosto de imprensa. Quando lia as edições dominicais dos "jornais de qualidade" ingleses e os comparava com os do Brasil, era deprimente. A palavra é essa. Depressão profunda.
Você não consegue largar o jornal britânico. São pautas diferentes, textos bem escritos, uma diagramação bonita. Bastar pegar o Sunday Telegraph para ver a quantidade de matérias especiais. Eu estava lá na eleição do Tony Blair [então candidato a Primeiro-Ministro pelo Partido Trabalhista]. Aqui no Brasil, por exemplo, quando sai uma pesquisa do Ibope, o Jornal Nacional dá o resultado na véspera, e, nos jornais do dia seguinte, na primeira página, 90% dos textos dizem: “Lula tem 55%, Serra tem 30%”....
Tinha saído uma pesquisa que apontava que o Partido Trabalhista iria ganhar a eleição. Quem estava no poder era o John Major [do Partido Conservador]. O Daily Telegraph, em vez de botar o velho título “Ibope dá vantagem a Lula”, que é o que os jornais daqui fazem, pegou uma foto do John Major sozinho em frente à Downing Street [residência oficial do Primeiro-Ministro da Inglaterra]. O titulo era: "Este homem pensa que vai ganhar a eleição". Quer dizer: quem bate os olhos numa chamada desta já fica interessado pelo assunto. É um jeito pouco óbvio e nada burocrático de dar uma notícia que a TV, aliás, já tinha dado".

Posted by geneton at 11:36 AM

outubro 01, 2014

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO - CAPÍTULO 3

"NÃO SE PODE SAIR DA REDAÇÃO COM A MATÉRIA PRÉ-CONCEBIDA" . OU: DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO - CAPÍTULO 3

( Depoimento colhido por alunas do curso de jornalismo da Universidade do Povo/ SP e publicado num livro que reúne entrevistas de quinze repórteres brasileiros sobre a profissão:
http://goo.gl/cQQwaB
É longo. Vou republicá-lo aqui, "em capítulos", como uma pequena contribuição a estudantes eventualmente interessados no que diz um quase-dinossauro:
Gravando! ):

Houve, nas entrevistas que você fez com o general Newton Cruz e com o general Leônidas Pires, que chefiou o DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações/ Centro de Operações de Defesa Interna - do I Exército no Rio de Janeiro entre março de 1974 e janeiro de 1977), algo que foi dito que o incomodou?


GMN: "Já me perguntaram até se fiquei com medo. Não fiquei com medo, mas, em alguns momentos, quando os generais me dirigiam perguntas, evitei responder, porque minha função, ali, era a de jornalista: eu não estava ali pra fazer um debate com Leônidas Pires ou com o Newton Cruz. Mas quando o general Leônidas falou sobre algo que me pareceu muito injusto sobre o [ex-governador] Miguel Arraes ter "fugido", tive que lembrar que Arraes foi deposto do governo, preso na ilha de Fernando de Noronha e exilado. Teve de sair do Brasil.
Em outro momento da entrevista, ao falar sobre mortes na luta armada, o general perguntava: “É duro de ouvir ? É duro de ouvir? ”. Também há outra parte em que ele disse que nós, da imprensa, tínhamos acesso a eles [generais] na época da ditadura. Tive que rebater, porque não era o que acontecia.
Perguntaram uma vez, logo depois da entrevista, qual havia sido a minha impressão. A impressão que me deu foi a de que eles [generais] falavam com toda convicção, não estavam fazendo teatro ali.
Para eles, a atitude que tomaram em 1964 foi “salvacionista”. Dizem, convictos, que cumpriram uma missão naquele momento, porque, como o Brasil seria "dominado" pelo comunismo, eles "salvaram" o país. A repercussão das entrevistas foi surpreendente.
Ficou claro, para mim, que havia uma sede de informação pela versão dos militares. Já fiz quinhentas matérias com militantes, com gente que sofreu tortura, mas deu para sentir que o público tem o desejo de conhecer a opinião dos militares. Há muitos e muitos personagens que precisam ser ouvidos para esclarecer o que aconteceu. O Brasil vive uma democracia. Devemos, necessariamente, ouvir a voz dos militares, inclusive as mais chocantes".
Como você conseguiu a entrevista com eles? Foi na primeira tentativa?
GMN: "Consegui depois de alguma insistência. Não foi fácil. Só consegui que eles marcassem após a quarta tentativa. O momento era bom: os generais estavam "fora da mídia", meio esquecidos. Em casos assim, é o momento ideal. Isso aconteceu com os dois.
Quando pedi a entrevista a Newton Cruz, ele inicialmente recusou. Disse que já não tinha o que falar sobre o período da ditadura. Não queria se meter em "confusão". Fiquei insistindo. Era perto do Natal. O general chegou a dizer - brincando - que era mal educado e se alterava em entrevistas. “Vou gritar, não vai dar certo”, ele me disse. Eu pensava: “Tomara que ele faça isso, quando eu for gravar a entrevista” [risos]. Continuei insistindo até que ele topou.
Com o general Leônidas, foi a mesma coisa, porque ele não queria falar, mas aí você pode recorrer à vaidade. Eu disse a ele que era essencial que ele desse depoimento sobre os bastidores da noite em que o ex-presidente Tancredo Neves passou no hospital. Era importante ter este registro. E ele terminou aceitando.
Um dia antes da entrevista, liguei pra confirmar e ele disse: “Você se esqueceu que está tratando com um "milico"? Se eu marquei amanhã às cinco horas da tarde, então está confirmado amanhã às cinco! Não tem essa história de vamos ver”. Engraçado.
Um detalhe curioso na entrevista com o general Leônidas: quando fomos gravar, havia um vaso de rosas atrás do lugar onde ele se sentaria. E ele o tirou. É só um detalhe, mas achei interessante. Não sei o que tinha ali, mas ele tirou. Talvez tenha achado que não ia combinar muito.
Os dois generais foram, para mim, exemplos ostensivos de como você não pode se deixar levar por preferências políticas. O importante era tratar os dois com justiça. Ou seja: ser jornalisticamente justo. É o mínimo que um jornalista pode fazer".
O general Leônidas Pires pediu para que a entrevista dele não fosse editada. Acha que ele disse isso por medo de haver alguma manipulação ou frase tirada do contexto?
GMN: "O general disse que podíamos pegar uma frase ali e tirar do contexto, o que sabemos que é verdade. Resolvi deixar o pedido do general no ar. Se eu pegasse uma frase solta, poderia, sim, distorcer o que foi dito. Nesse ponto, temos que reconhecer que esse é um poder que o jornalista possui. É o poder de apresentar uma personalidade ao público. Temos um enorme poder de manipular e omitir. Uma vez, um articulista escreveu uma coisa politicamente incorreta, mas que é, de certa maneira, verdadeira. Disse que, em última instância, quem manda no veículo de comunicação é o dono, claro, mas o poder exercido na redação pelos jornalistas é enorme".

Como foi entrevistar Carl Bernstein, jornalista que ao lado do colega Bob Woodward, foi responsável pela série de matérias do The Washington Post sobre o caso Watergate, que levou, em 1974, à renúncia do presidente republicano Richard Nixon?
GMN: "A entrevista com Bernstein foi uma lição que eu tive. Quando era repórter do Washington Post, Carl Bernstein realizou, ao lado de Bob Woodward, aquele sonho de derrubar um presidente da República.
Digo - brincando - que jornalista tem que querer derrubar alguém. Se não for o presidente da República, pode ser o síndico do prédio, o presidente do Palmeiras, o diretor da limpeza urbana, mas precisa derrubar [risos]. Eis uma boa bandeira. Tive que me controlar para não bancar o tiete na entrevista com ele. Fiquei me contendo.
Quando acabou a entrevista, Bernstein estava tirando o microfone e disse: “Ah, essa foi uma das melhores entrevistas que já dei pra televisão!”. Virei pro cinegrafista e disse: “Se você não gravou isso, eu te mato!” [risos] E ele me falou: “Ainda estava ligado”. E eu: “Graças a Deus!”. [risos] Não é todo dia que se recebe um elogio de um jornalista deste calibre, habituado a dar entrevistas a TVs de todo o mundo. São histórias de bastidores.
Depois que gravamos, Bernstein me perguntou: “Você vai para onde?”. Estávamos em São Paulo. Respondi: “Estou indo para o Rio”. E ele disse: “Ah, então me dê o seu contato, porque eu vou te ligar.” Eu fiquei pensando: “Duvido... Carl Bernstein vai me procurar?!”.
Gravei a conferência que ele fez na Câmara Americana de Comércio em setembro de 2007 e fui embora. Quando eu chego em casa, no dia seguinte, tinha um recado na secretária eletrônica: “Hello, Geneton. This is Carl Bernstein. [Olá, Geneton. Aqui é o Carl Bernstein.]”. Pensei: “Que negócio é esse?”. A gravação continuou: “Eu quero convidar você para um jantar hoje lá na Urca. Me ligue no número tal”. É claro que eu gravei essa mensagem e falei para o pessoal de casa: se alguém apagar, vai de castigo ! [risos]. Liguei, mas ele não estava. Deixei um recado. Quando chego no computador, vejo um e-mail de Carl Berstein dizendo: “Quero me encontrar com você”.
Sou um bicho para sair de casa. Não costumo sair, mas não podia perder aquela oportunidade. Então, fui. O encontro aconteceu na casa de uma promoter na Urca. Assim que cheguei, ele disse: “Esse aí fez uma excelente entrevista comigo”. Falou para todo mundo ouvir. Fiquei meio constrangido. O encontro foi aquela coisa social. Eu não ia ficar em cima do cara.
Uma coisa interessante, que cito no livro Dossiê História [2007], é que a gente percebe que, quando o sujeito é bom jornalista, ele é jornalista o tempo todo. Durante o encontro, Bernstein falou: “O que você acha daquela catedral [catedral Metropolitana] aqui no Rio?”. É que ele tinha passado no centro do Rio, visto aquela catedral toda estranha e queria a opinião das pessoas.
A mulher de Bernstein, uma lourona americana, brincou: “Ele é assim até lá em casa. Se vou fazer compras e volto com outra marca de açúcar, ele fica perguntando por que eu mudei de marca”.
Posso dizer que fazer essa entrevista foi um pequeno curso de jornalismo. Tenho Bernstein como ídolo. Eu sei que ele não tem aquele texto maravilhoso do Gay Talese [um dos pais do New Journalism, movimento que revolucionou o texto jornalístico nos EUA, na década de 60], mas as atitudes de Bernstein como jornalista são admiráveis. Afinal, ele revelou, junto com Bob Woodward, um escândalo que provocou a queda do presidente dos Estados Unidos! Quando ele escreve sobre o caso, é de maneira factual: não faz julgamentos. Teve obsessão com a apuração. Não é algo ideológico. Isso eu acho fundamental. Não era, certamente, simpático a Nixon. Não sei em quem ele votava. Tudo indica que votaria no Partido Democrata, mas se aproximou dos assessores de Nixon, que era republicano, para conseguir informações estratégicas. Disse que tudo o que descobriu sobre o caso nasceu da apuração - e não de visões pré-concebidas sobre este ou aquele personagem. Isso vale para todo mundo. Você não pode sair da redação com a matéria pré-concebida".

Posted by geneton at 11:39 AM

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO - CAPÍTULO 3

"NÃO SE PODE SAIR DA REDAÇÃO COM A MATÉRIA PRÉ-CONCEBIDA" . OU: DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO - CAPÍTULO 3

( Depoimento colhido por alunas do curso de jornalismo da Universidade do Povo/ SP e publicado num livro que reúne entrevistas de quinze repórteres brasileiros sobre a profissão:
http://goo.gl/cQQwaB
É longo. Vou republicá-lo aqui, "em capítulos", como uma pequena contribuição a estudantes eventualmente interessados no que diz um quase-dinossauro:
Gravando! ):

Houve, nas entrevistas que você fez com o general Newton Cruz e com o general Leônidas Pires, que chefiou o DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações/ Centro de Operações de Defesa Interna - do I Exército no Rio de Janeiro entre março de 1974 e janeiro de 1977), algo que foi dito que o incomodou?
GMN: "Já me perguntaram até se fiquei com medo. Não fiquei com medo, mas, em alguns momentos, quando os generais me dirigiam perguntas, evitei responder, porque minha função, ali, era a de jornalista: eu não estava ali pra fazer um debate com Leônidas Pires ou com o Newton Cruz. Mas quando o general Leônidas falou sobre algo que me pareceu muito injusto sobre o [ex-governador] Miguel Arraes ter "fugido", tive que lembrar que Arraes foi deposto do governo, preso na ilha de Fernando de Noronha e exilado. Teve de sair do Brasil.
Em outro momento da entrevista, ao falar sobre mortes na luta armada, o general perguntava: “É duro de ouvir ? É duro de ouvir? ”. Também há outra parte em que ele disse que nós, da imprensa, tínhamos acesso a eles [generais] na época da ditadura. Tive que rebater, porque não era o que acontecia.
Perguntaram uma vez, logo depois da entrevista, qual havia sido a minha impressão. A impressão que me deu foi a de que eles [generais] falavam com toda convicção, não estavam fazendo teatro ali.
Para eles, a atitude que tomaram em 1964 foi “salvacionista”. Dizem, convictos, que cumpriram uma missão naquele momento, porque, como o Brasil seria "dominado" pelo comunismo, eles "salvaram" o país. A repercussão das entrevistas foi surpreendente.
Ficou claro, para mim, que havia uma sede de informação pela versão dos militares. Já fiz quinhentas matérias com militantes, com gente que sofreu tortura, mas deu para sentir que o público tem o desejo de conhecer a opinião dos militares. Há muitos e muitos personagens que precisam ser ouvidos para esclarecer o que aconteceu. O Brasil vive uma democracia. Devemos, necessariamente, ouvir a voz dos militares, inclusive as mais chocantes".
Como você conseguiu a entrevista com eles? Foi na primeira tentativa?
GMN: "Consegui depois de alguma insistência. Não foi fácil. Só consegui que eles marcassem após a quarta tentativa. O momento era bom: os generais estavam "fora da mídia", meio esquecidos. Em casos assim, é o momento ideal. Isso aconteceu com os dois.
Quando pedi a entrevista a Newton Cruz, ele inicialmente recusou. Disse que já não tinha o que falar sobre o período da ditadura. Não queria se meter em "confusão". Fiquei insistindo. Era perto do Natal. O general chegou a dizer - brincando - que era mal educado e se alterava em entrevistas. “Vou gritar, não vai dar certo”, ele me disse. Eu pensava: “Tomara que ele faça isso, quando eu for gravar a entrevista” [risos]. Continuei insistindo até que ele topou.
Com o general Leônidas, foi a mesma coisa, porque ele não queria falar, mas aí você pode recorrer à vaidade. Eu disse a ele que era essencial que ele desse depoimento sobre os bastidores da noite em que o ex-presidente Tancredo Neves passou no hospital. Era importante ter este registro. E ele terminou aceitando.
Um dia antes da entrevista, liguei pra confirmar e ele disse: “Você se esqueceu que está tratando com um "milico"? Se eu marquei amanhã às cinco horas da tarde, então está confirmado amanhã às cinco! Não tem essa história de vamos ver”. Engraçado.
Um detalhe curioso na entrevista com o general Leônidas: quando fomos gravar, havia um vaso de rosas atrás do lugar onde ele se sentaria. E ele o tirou. É só um detalhe, mas achei interessante. Não sei o que tinha ali, mas ele tirou. Talvez tenha achado que não ia combinar muito.
Os dois generais foram, para mim, exemplos ostensivos de como você não pode se deixar levar por preferências políticas. O importante era tratar os dois com justiça. Ou seja: ser jornalisticamente justo. É o mínimo que um jornalista pode fazer".
O general Leônidas Pires pediu para que a entrevista dele não fosse editada. Acha que ele disse isso por medo de haver alguma manipulação ou frase tirada do contexto?
GMN: "O general disse que podíamos pegar uma frase ali e tirar do contexto, o que sabemos que é verdade. Resolvi deixar o pedido do general no ar. Se eu pegasse uma frase solta, poderia, sim, distorcer o que foi dito. Nesse ponto, temos que reconhecer que esse é um poder que o jornalista possui. É o poder de apresentar uma personalidade ao público. Temos um enorme poder de manipular e omitir. Uma vez, um articulista escreveu uma coisa politicamente incorreta, mas que é, de certa maneira, verdadeira. Disse que, em última instância, quem manda no veículo de comunicação é o dono, claro, mas o poder exercido na redação pelos jornalistas é enorme".

Como foi entrevistar Carl Bernstein, jornalista que ao lado do colega Bob Woodward, foi responsável pela série de matérias do The Washington Post sobre o caso Watergate, que levou, em 1974, à renúncia do presidente republicano Richard Nixon?
GMN: "A entrevista com Bernstein foi uma lição que eu tive. Quando era repórter do Washington Post, Carl Bernstein realizou, ao lado de Bob Woodward, aquele sonho de derrubar um presidente da República.
Digo - brincando - que jornalista tem que querer derrubar alguém. Se não for o presidente da República, pode ser o síndico do prédio, o presidente do Palmeiras, o diretor da limpeza urbana, mas precisa derrubar [risos]. Eis uma boa bandeira. Tive que me controlar para não bancar o tiete na entrevista com ele. Fiquei me contendo.
Quando acabou a entrevista, Bernstein estava tirando o microfone e disse: “Ah, essa foi uma das melhores entrevistas que já dei pra televisão!”. Virei pro cinegrafista e disse: “Se você não gravou isso, eu te mato!” [risos] E ele me falou: “Ainda estava ligado”. E eu: “Graças a Deus!”. [risos] Não é todo dia que se recebe um elogio de um jornalista deste calibre, habituado a dar entrevistas a TVs de todo o mundo. São histórias de bastidores.
Depois que gravamos, Bernstein me perguntou: “Você vai para onde?”. Estávamos em São Paulo. Respondi: “Estou indo para o Rio”. E ele disse: “Ah, então me dê o seu contato, porque eu vou te ligar.” Eu fiquei pensando: “Duvido... Carl Bernstein vai me procurar?!”.
Gravei a conferência que ele fez na Câmara Americana de Comércio em setembro de 2007 e fui embora. Quando eu chego em casa, no dia seguinte, tinha um recado na secretária eletrônica: “Hello, Geneton. This is Carl Bernstein. [Olá, Geneton. Aqui é o Carl Bernstein.]”. Pensei: “Que negócio é esse?”. A gravação continuou: “Eu quero convidar você para um jantar hoje lá na Urca. Me ligue no número tal”. É claro que eu gravei essa mensagem e falei para o pessoal de casa: se alguém apagar, vai de castigo ! [risos]. Liguei, mas ele não estava. Deixei um recado. Quando chego no computador, vejo um e-mail de Carl Berstein dizendo: “Quero me encontrar com você”.
Sou um bicho para sair de casa. Não costumo sair, mas não podia perder aquela oportunidade. Então, fui. O encontro aconteceu na casa de uma promoter na Urca. Assim que cheguei, ele disse: “Esse aí fez uma excelente entrevista comigo”. Falou para todo mundo ouvir. Fiquei meio constrangido. O encontro foi aquela coisa social. Eu não ia ficar em cima do cara.
Uma coisa interessante, que cito no livro Dossiê História [2007], é que a gente percebe que, quando o sujeito é bom jornalista, ele é jornalista o tempo todo. Durante o encontro, Bernstein falou: “O que você acha daquela catedral [catedral Metropolitana] aqui no Rio?”. É que ele tinha passado no centro do Rio, visto aquela catedral toda estranha e queria a opinião das pessoas.
A mulher de Bernstein, uma lourona americana, brincou: “Ele é assim até lá em casa. Se vou fazer compras e volto com outra marca de açúcar, ele fica perguntando por que eu mudei de marca”.
Posso dizer que fazer essa entrevista foi um pequeno curso de jornalismo. Tenho Bernstein como ídolo. Eu sei que ele não tem aquele texto maravilhoso do Gay Talese [um dos pais do New Journalism, movimento que revolucionou o texto jornalístico nos EUA, na década de 60], mas as atitudes de Bernstein como jornalista são admiráveis. Afinal, ele revelou, junto com Bob Woodward, um escândalo que provocou a queda do presidente dos Estados Unidos! Quando ele escreve sobre o caso, é de maneira factual: não faz julgamentos. Teve obsessão com a apuração. Não é algo ideológico. Isso eu acho fundamental. Não era, certamente, simpático a Nixon. Não sei em quem ele votava. Tudo indica que votaria no Partido Democrata, mas se aproximou dos assessores de Nixon, que era republicano, para conseguir informações estratégicas. Disse que tudo o que descobriu sobre o caso nasceu da apuração - e não de visões pré-concebidas sobre este ou aquele personagem. Isso vale para todo mundo. Você não pode sair da redação com a matéria pré-concebida".

Posted by geneton at 11:37 AM