dezembro 02, 2015

OS ENIGMÁTICOS "PERIGOS" DA PRESIDÊNCIA

Fiz, uma vez, uma longa entrevista com o ex-presidente José Sarney, no gabinete que ele ocupava no Senado Federal.
( a íntegra da entrevista ocupa 51 páginas do nosso livro "Dossiê Brasília: os Segredos dos Presidentes". Lá estão, também, entrevistas com Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso ).
A certa altura, ao passar em revista as atribulações que sofreu no exercício do Poder, o ex-presidente Sarney deu uma declaração intrigante e algo enigmática:
"A Presidência é um cargo perigoso, porque expele os ocupantes - pela doença, pela incompetência, pela deposição ou pela renúncia".
( Sarney disse que, num momento de crise agida com o Congresso, resolveu, sozinho, que iria renunciar ao cargo de Presidente da República. Chamou o ministro da Justiça, Paulo Brossard, para comunicar a decisão. A crise acabou contornada ).
Pelo jeito, chegou a hora de a Presidente Dilma Rousseff - uma mulher pessoalmente honrada, até prova em contrário - sentir na pele os "perigos" da Presidência.
Não deve ser fácil.

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dezembro 01, 2015

QUE POLÍCIA É ESSA?

Cinco jovens metralhados pela polícia dentro de um carro. Cinquenta perfurações de bala na lataria. Não há, em lugar algum do mundo, "tática" policial que justifique tal selvageria. Só há uma esperança: a de que a imagem ( chocante ) do carro perfurado por cinquenta balas se transforme num "divisor de águas". Tomara que a indignação, por fim, vença a indiferença. Que polícia é essa?

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novembro 30, 2015

RELATO COMPLETO DO MEU PRIMEIRO, ÚNICO E, PROVAVELMENTE, ÚLTIMO ENCONTRO COM WOODY ALLEN

Woody Allen chega aos oitenta anos neste primeiro de dezembro de 2015. Reviro meus arquivos, não tão implacáveis, à procura da transcrição da entrevista que fiz com o homem.
Tive a chance de entrevistá-lo longamente numa suíte do sétimo andar do Hotel Dorchester, diante do Hyde Park, em Londres. É uma dessas situações surrealistas que a gente vive no exercício do jornalismo: a chance de interrogar um cineasta de fama mundial.
Quando Woody Allen começa a falar, a gente sempre espera que vá soltar uma daquelas tiradas: “Eu me separei da minha primeira mulher porque ela era infantil demais. Toda vez que eu estava tomando banho na banheira ela vinha e afundava os meus barquinhos todos sem dar a menor explicação”. Ou então: “Não, eu nunca estudei nada na escola. Ou outros é que me estudavam”.
A coleção de tiradas de Woody Allen traz, como marca registrada, uma auto-ironia marcada por um sentimento de inadaptação à realidade. A fantasia, repete Allen, é sempre melhor. A entrevista aconteceu assim: um belo dia, você recebe um telefonema em casa. A produtora de um filme de Woody Allen oferece de mão beijada uma entrevista com o homem. Você comparece ao local na hora marcada. Não movi uma palha para conseguir o “furo de reportagem”. Só tive o trabalho de pegar o metrô. Nem sempre os repórteres suam a camisa.

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A antessala estava entulhada de jornalistas estrangeiros. Woody Allen vai recebê-los em grupos de cinco. O assessor cronometra as mini-entrevistas coletivas. Com sorte, cada um terá tempo de disparar umas duas perguntas à celebridade. De vez em quando, o estúdio resolve fazer um agrado a um jornal ou a uma emissora de tevê. Oferece uma entrevista exclusiva porque sabe que, assim, o espaço será maior. É tiro e queda. Eu era, na época, correspondente do Globo em Londres.
A assessora de imprensa me puxa para um canto: diz que Woody Allen falará “a sós” comigo. A megera faz uma recomendação e um pedido. A recomendação: não devo fazer fotos, para não incomodá-lo. O pedido: que eu ficasse calado. Eu não deveria dizer aos outros jornalistas que tinha sido agraciado com a chance de fazer uma entrevista exclusiva com o homem. A mulher me faz um sinal discreto. Já posso entrar na suíte. Fico sozinho, à espera do astro.
Lá vem o bicho. A assessora tinha escoltado Woody Allen até a porta. Depois, desapareceu. Woody Allen caminha sozinho em minha direção, na suíte quilométrica. A pele de mister Allen exibe uma palidez de cera ( pergunto a meus botões : há quantos anos ele não toma um bom banho de sol ?. Mas intelectual não vai à praia : intelectual faz filmes, pelo menos no caso de Woody Allen. Adiante, como para confirmar as suspeitas, ele diria que jamais se habituaria a morar numa cidade ensolarada. Gosta é de chuva, tempo nublado, engarrafamento, livraria, loja de disco, bons restaurantes, barulho, enfim, todas essas pequenas delícias e horrores que formam a civilização).
Primeira impressão pessoal: não há diferença alguma entre o Woody Allen da vida real e o Woody Allen das telas. A fala é apressada. Um olhar tímido dirigido ao chão pontua o sorriso. Quando solta uma frase engraçada, para dizer, por exemplo, que quer a imortalidade aqui e agora – e não nas cinematecas, daqui a um século -, ri um riso tímido, entrecortado por suspiros. De calça de veludo marrom e suéter verde, dá a impressão de ter alguma dificuldade para ouvir, porque se aproxima exageradamente do rosto do repórter a cada pergunta. Fico pensando: ou o Woody Allen das telas imita o Woody Allen da vida real ou é o Woody Allen da vida real que imita o Woody Allen das telas. Porque um é a cópia do outro.
O bê-a-bá do jornalismo diz que entrevista boa é aquela que traz pelo menos uma declaração inesperada. Se tivessem o despudor de dizer em voz alta o que intimamente esperam dos entrevistados, os repórteres repetiriam algo como “senhor, fazei com que este desgraçado me confie pelo menos um segredo!”.
Quando ouvi Woody Allen dizer que adorava acompanhar “qualquer tipo” de esporte em tevês de quartos de hotel, imaginei que estava a ponto de colher uma bela pepita. Bastaria perguntar qual era o brasileiro que ele admirava. Com certeza, ele citaria uma de nossas estrelas dos gramados. Mas não. Woody Allen me surpreendeu: o brasileiro que ele mais admira é…..Machado de Assis!
Uma nota pós-entrevista: encerrada a gravação, faço algo que não costumo fazer. Tiro de dentro de um envelope uma máquina fotográfica. Pergunto a Woody Allen se ele se incomodaria se eu fizesse uma foto. “Não, nenhum problema!”, ele diz. Neste momento, a assessora – que tinha me dito que eu não fizesse fotos - entra na suíte, para avisar que o tempo estava esgotado. Quando vê que empunho uma máquina, a mulher me lança um olhar que faria um guarda de campo de concentração parecer um animador de festa infantil. É óbvio que ela tinha sido mais realista que o rei.
Ao contrário do que ela tinha dito, Woody Allen não se incomodaria em ser fotografado, pelo menos ali. Cometi, então, um sacrilégio. Passei a máquina para as mãos da megera. Pedi a ela que fizesse uma foto: o entrevistador ao lado de Woody Allen. Como não poderia ser indelicada diante da estrela Allen, a megera nos clicou. Woody Allen lança um olhar levemente inquisidor para a lente da câmera. Já o entrevistador-que-vos-fala é o desastre fotográfico habitual, um amontoado desconjuntado de ossos, músculos e espantos. Nada de novo, portanto: o de sempre. A foto passou anos no fundo de uma gaveta, para preservar os olhos de internautas sensíveis. Fiz uma busca. Terminei encontrando a foto que a assessora não queria que fosse tirada. Voilà.
Eis o que interessa - a entrevista:
GMN : Fazer filmes, no fim das contas, é a melhor maneira de superar a morte – ou pelo menos ter a ilusão de que é possível?
Woody Allen: “Não há como superar a morte. O que cada um deve fazer é se esforçar bastante para se encontrar em suas tarefas seja você um diretor de cinema, um motorista de táxi, um dentista ou um professor. Se você se concentra no trabalho, não vai ficar pensando na morte. Se, pelo contrário, você não pode se concentrar, a mente vai começar a se ocupar dessa nuvem escura que nos acompanha o tempo todo. Fica difícil, então. O fato de ser diretor de cinema não nos torna menos vulneráveis…”.
GMN : Mas, nesse sentido, há sim, uma diferença entre o motorista de táxi e o diretor de cinema, porque um ator ou um realizador de certa maneira não morre: daqui a cem anos alguém poderá estar vendo Woody Allen numa tela…
Woody Allen: “Mas não me preocupo em atingir a imortalidade através do meu trabalho! Quero a imortalidade é no meu apartamento! Isso é que conta! Imortalidade artística é catolicismo de intelectual. Os católicos pensam que existe vida depois da morte. Intelectuais que eventualmente podem nem ter relação alguma com o catolicismo pensam que existe vida depois da morte através da arte. Mas os dois estão errados”.
GMN : Se um crítico disser que você é um gênio e outro disser que você é um idiota, em qual dos dois você teria a tentação de acreditar?
Woody Allen: “Não leio nada que sai sobre mim nas resenhas. Porque tenho uma tendência de acreditar na última coisa que eu li. Se o crítico de um jornal escrever ‘esta pessoa é um gênio’, vou pensar aqui comigo: ‘Ah é? Sou gênio porque foi o New York Times que disse… ’ Se, por outro lado, alguém escrever ‘ele é um tolo; o filme não presta’, vou pensar: ‘Eu realmente fiz um filme ruim. Sou um bobo`.
A verdade é que coisas assim não são reais, não têm nenhuma relevância para um projeto. O fato de dez milhões de pessoas dizerem algo sobre um filme – ‘é ótimo ou ‘é horrível’ – não significa nada. O filme, por si mesmo, anos depois é que vai ver qual é a verdade. Não há como saber, agora – tanto em relação a filmes como em relação a qualquer obra de arte. Filmes que há anos eram considerados ótimos são esquecidos depois. Transformam-se em nada. Outros filmes – que não eram tão considerados quando do lançamento – permanecem em nossas consciências. Adquirem importância. ‘A Regra do Jogo’, filme de Jean Renoir, não foi bem recebido quando apareceu. Hoje é um clássico”.
“O fato de um diretor dizer que detesta um filme não quer dizer nada”
GMN : Você pediu ao estúdio para jogar fora o filme ‘Manhattan’ quando a versão final ficou pronta, porque não gostou do resultado. Mas ‘Manhattan’ se transformou num dos seus filmes mais elogiados. A má opinião que você tinha sobre o filme é uma prova de que você não é nem um pouco confiável como crítico?
Woody Allen: “Um diretor não é confiável quando fala sobre o próprio trabalho. O fato de um diretor declarar que detesta um filme não quer dizer nada. Igualmente, é estúpido dizer ‘os críticos são uns bobos, não sabem de nada, não entendem nada.’ Porque quem não entende, na verdade, é o diretor. Os críticos entendem, o público entende – o diretor é que não.”
GMN : Você divide os realizadores em duas categorias: os que fazem prosa e os que fazem poesia. Woody Allen faz o quê: poesia ou prosa?
Woody Allen: “Todo diretor tem filmes que adotam uma abordagem poética – e outros que utilizam a prosa. Filmes meus, como ‘Bullets Over Broadway’ e ‘Manhattan Murder Mistery’, são prosa. Já ‘Another Woman’ é poético.”
GMN : Quem é o melhor poeta da história do cinema?
Woody Allen: “Ingmar Bergman. Para mim, é o melhor. Kurosawa, com certeza, é um grande poeta. Bunuel, igualmente. Os três são os maiores poetas.”
GMN : A poesia é superior à prosa?
Woody Allen: “Não necessariamente, porque filmes como ‘Ladrões de Bicicletas’, ‘A Grande Ilusão’ ou ‘A Regra do Jogo’ são prosa: não são poéticos. Isso não quer dizer que não sejam grandes filmes. ‘Oito e Meio’ é um filme poético, assim como ‘Persona’. Não acho, então, que uma seja superior a outra.”
“Sou um não-artista de público pequeno”
GMN : Você lamenta que nem sempre exista uma correlação entre os melhores filmes de um diretor e o sucesso comercial.
Woody Allen ( interrompendo ): “É verdade! Frequentemente, não existe…”
GMN : “A Rosa Púrpura do Cairo”, um dos seus filmes favoritos, atraiu o que você chama de “pequeno público”. Você acredita então que existe uma contradição entre boa qualidade artística e mercado de massa?
Woody Allen: “É interessante o que você me pergunta. Saul Bellow articulou o conceito de artista de público pequeno e artista de grandes públicos. Fiz uma distinção entre um autor como Charles Dickens – um artista de grande público – ou James Joyce, consumido por um público pequeno. Isso é verdade também no cinema. Chaplin e Buster Keaton têm um público grande – e são artistas! Bergman e Bunnuel têm um público pequeno. Fico numa posição desconfortável, no meio do ar…Eu sinto que não sou um artista desse nível. Sou um não–artista de público pequeno…(ri)”
GMN : Mas você é considerado um diretor intelectual que atinge o mercado de massa…
Woody Allen – “Não concordo nem com uma coisa nem com outra. Não sou um intelectual. Não atinjo o mercado de massas. Meus filmes não atingem. Bem que eu gostaria. Também gostaria de ser intelectual. Mas não sou.”
“A realidade da vida é desagradável, difícil e dolorosa. Mas você pode criar uma realidade própria”
GMN : Você gostaria que seus filmes tivessem a popularidade de um filme de aventuras de Indiana Jones?
Woody Allen – “Não me incomodaria. Quando lanço um filme, gosto que o público goste. Prefiro ver o público satisfeito. Mas jamais faria algo para atrair o público- como, por exemplo, mudar o filme. Quando o público gosta, fico feliz.”
GMN : Você diz que tem problemas para delimitar o terreno entre a realidade e a fantasia. É esta a razão que o levou a se tornar um realizador: tentar resolver, através do cinema, a confusão entre fantasia e realidade?
Woody Allen : “Que bom que você tocou neste assunto. O que acontece é que a realidade da vida é desagradável, difícil, dolorosa. Quando você trabalha com pintura, com poesia, com literatura, com cinema, com teatro, você pode criar uma realidade própria, sobre a qual você exerce controle: você usa os personagens de que gosta, no cenário que prefere, para fazer com que o destino de cada um se realize da maneira que você quer. É ótimo.”
GMN : Você já sentia a confusão entre realidade e fantasia antes de se tornar cineasta?
Woody Allen- “Não é bem uma confusão. A verdade é que eu sentia que a fantasia é boa. A realidade é ruim. Muitos dirão: a verdade é bela, a realidade é bonita. Fantasia, não. Mas não sinto as coisas dessa maneira. Para mim, a fantasia é que é boa. A realidade não é nem um pouco atraente.”
GMN : Uma pergunta direta e boba: por que você faz filmes?
Woody Allen – “Faço porque cresci gostando de filmes. Quando entrei no show business me pareceu que todo mundo queria fazer cinema. Parecia ser a mais expressiva forma de arte, a de maior comunicação com o público. Além de tudo, você poderia exercer um controle sobre o produto- o filme. Depois, vi que havia gente disposta a me dar dinheiro. Em filmes- como na arquitetura- você precisa de um bocado de dinheiro para realizar um projeto. As empresas, então, começaram a me dizer: ‘Você terá cinco milhões de dólares para ou dez milhões de dólares para fazer um filme.’ Nem discuti.”
“Não me incomodo de ter encontros assim, com jornalistas – uma vez por ano”
GMN : Você não reconhece a ‘integridade’ ou a ‘credibilidade’ dessas escolhas do “melhor filme do ano.” Você quer ser visto sempre como um outsider?
Woody Allen – “Não comecei com essa história de outsider, mas ela terminou acontecendo. Vivo em Nova Iorque, Faço meus filmes. Acontece que, devido à minha personalidade e à maneira como vivo, me transformei num outsider, sem necessariamente querer ser. Eu teria disposição, se houvesse uma comunidade cinematográfica em Nova Iorque, para sair com outros diretores e amigos, almoçar com eles. Mas não tenho amigos nem diretores.”
GMN : Quando um filme como Manhattan estreou, nem em Nova Iorque você quis ficar. Igualmente, você não compareceu à cerimônia do Oscar. Agora, para divulgar o filme “Mighty Aphrodite” (“Poderosa Afrodite”), você aceita falar sobre cinema diante de um jornalista de um país distante- o Brasil. O que foi que mudou?
Woody Allen- “Geralmente não vou a cerimônias de premiação. Mas ficou caro promover e anunciar filmes. Quero, então, cooperar. Se dependesse de mim, eu faria o filme e diria: ‘Fiz; vocês que vendam.’ Mas os produtores dizem: ‘Por favor, ajude. Não podemos comprar espaço em jornais e na TV’. Eu prefiro, então, ser amigável…
Quanto aos encontros com jornalistas, não me incomodo de ter encontros assim. Eu não faria o ano todo, mas uma vez por ano, ou uma vez cada dois anos, não me incomodo de ter esses contatos, porque quero ouvir o que é que os jornalistas dizem ou que tipo de pergunta fazem.
GMN : Se você fosse convidado a escrever o verbete “Allen, Woody” numa enciclopédia, quais as primeiras palavras que você usaria para se definir?
Woody Allen- “Eu diria que Woody foi um realizador que fez filmes – alguns bons; outros não. Creio que seria um retrato exato.
Eu ficaria feliz se um dia, quando eu deixar de fazer filmes, pudesse ter feito um ou dois que fossem tão bons quanto os melhores que vi. Eu me sentiria realizado se fizesse um filme tão bom quanto ‘A Regra do Jogo’ ou ‘O Sétimo Selo’. Para mim, seria o suficiente.
Ah, eu ficaria muito feliz, sim.”.
“Sempre que faço um aniversário significativo, tenho um sentimento desagradável. Datas assim dão um tom dramático ao fato de que estou envelhecendo”
GMN : Você já confessou que prefere os romancistas russos, como Dostoievski, porque eles se ocupam de “temas espirituais”, ainda que outros romancistas, como Flaubert, sejam ‘tecnicamente superiores’. Você- que também se ocupa de temas espirituais no cinema- gostaria de ser visto como o Dostoievski das telas?
Woody Allen- “Não necessariamente. Sou muito mais engraçado do que Dostoievski”.
GMN : Todo mundo fala da “crise dos quarenta.” Agora, depois de completar sessenta anos de idade, você já entrou em crise? ( a entrevista foi feita duas semanas depois do aniversário de sessenta anos de Woody Allen, em dezembro de 1995)
Woody Allen: “Eu me senti mal quando fiz cinqüenta anos, um tempo pouco prazeroso para mim. Fazer sessenta também não é agradável. Sempre que faço um aniversário significativo, tenho um sentimento desagradável. Porque datas assim dão um tom dramático ao fato de que estou envelhecendo”.
“Quando vou a um país, passo a acompanhar os esportes locais”
GMN : Você – que é um grande fã de esporte – também gosta de futebol? ( faço a pergunta certo de que ele vai cobrir de glórias o futebol brasileiro. Quebro a cara pela primeira vez).
Woody Allen- “Conheço melhor o futebol americano. Gosto de todos os esportes, na verdade. Quando vou a um país, passo a acompanhar os esportes locais. Posso ver uma partida de críquete. Já fui a jogos de futebol.”
GMN : Já teve algum ídolo brasileiro, na área do futebol? ( aqui, tenho certeza de que ele citará nossos craques. Quebro a cara pela segunda vez).
Woody Allen- (depois de uma pausa para pensar) “Ídolo brasileiro? Há pouco tempo, li Machado de Assis. Achei que é um escritor excepcional. Uma amiga me deu um livro de Machado de Assis- ‘Epitaph for a Small Winner’ (título da tradução para o inglês de ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’). Fiquei muito, muito impressionado. Dei o livro a meus amigos. Porque Machado de Assis não é bem conhecido.”
GMN : O que é impressionou tanto você no livro?
Woody Allen – “Machado de Assis é excepcionalmente espirituoso, dono de uma perspectiva sofisticada e contemporânea, o que é incomum, já que o livro foi escrito há tantos anos. Fiquei muito surpreso. É muito sofisticado, divertido, irônico. Alguns dirão: ele é cínico. Eu diria que Machado de Assis é realista.”
GMN : Quem lhe passou o livro?
Woody Allen- “Nem me lembro agora do nome da pessoa que me passou o livro. Apenas ela disse: ‘Você deve gostar…’ Respondi: ‘Nunca ouvi falar de Machado de Assis.’ Mas li- e gostei muito.”
GMN : Você consideraria a possibilidade de filmar ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’? ( Jogo a cartada final, na esperança de que ele vá me revelar em primeiríssima mão que planeja levar às telas um autor brasileiro.Quebro a cara pela terceira vez).
Woody Allen- “Gosto de escrever meus próprios filmes. Mas Machado de Assis é um maravilhoso momento na literatura. Dei cópias do livro para minha filha e para os meus amigos.”
GMN : Você é um símbolo de Nova Iorque. Teria coragem de viver um dia numa cidade pequena e calma, longe de tudo?
Woody Allen- “Eu ficaria louco. Não poderia viver num lugar assim nem por dois dias- nem por um fim-de-semana. Preciso de cidades- seja Londres, Paris, Nova Iorque…Preciso de atividade, barulho, carros, restaurantes, livrarias, filmes. Sou viciado em civilização.”
GMN : Além de só gostar de cidade grande, é verdade que você detesta sol?
Woody Allen- “Adoro este tempo (olha para a janela do hotel; lá fora tudo cinzento: a chuva fina cai há umas doze horas).Gosto de Londres e Paris no inverno. Todo dia é bonito. É como um fotógrafo que gostasse de tons suaves.”
GMN : Você jamais viveria num país tropical?
Woody Allen : “Não! Não gosto de calor.”
GMN: Você prefere planos longos. É este o segredo que o leva a conseguir realizar um filme por ano?
Woody Allen: "Usar planos longos é mais fácil, mais rápido e mais barato. Além de tudo, os atores preferem. Quando a gente usa planos longos, os atores fazem tudo de uma vez só. Não precisam se preocupar em se ajustar a nada que tenha sido filmado anteriormente. Para mim, o que conta é a rapidez. Se tenho uma cena que ocupa cinco páginas de script, faço tudo num plano só. Outros diretores passariam o dia inteiro filmando. Para dizer a verdade, a razão principal por que filmo planos longos é que não tenho paciência".

Posted by geneton at 01:15 PM

"A ARTE É JOGAR BOLA" - DISSE O SAMBISTA. ENTÃO, "TUDO EM CIMA NOVAMENTE" COM A "TORCIDA CAMPEÃ"

Fui uma vez na vida ao Sambódromo do Rio de Janeiro para ver o desfile das escolas de samba. Ano: 1986. Recém-chegado ao Rio, fui matar a curiosidade de ver o espetáculo "ao vivo e a cores". Valeu o ingresso. Vi um show de bola.
Desde então, em toda Copa do Mundo eu me lembro da cena bonita: a Beija-Flor fazia um desfile em homenagem à paixão brasileira pelo futebol. Desabou um temporal daqueles logo antes do desfile. Ensopado, todo de branco, Joãozinho Trinta - o que apostava na alegria - comandava a festa.

Era ano de Copa. Os versos cantados por Neguinho da Beija Flor falavam em "sonho triunfal", saudavam a "torcida campeã", celebravam "os heróis da nossa Seleção", diziam "tudo em cima novamente" e terminavam com uma conclamação: "Vai na Copa e faz um carnaval".
Debaixo da chuva, ex-craques da Seleção acenavam para a torcida - que delirava, num Sambódromo temporariamente transformado num Maracanã para celebrar a alegria do futebol. Bonito, bonito, bonito.
Eu me lembro de ter visto Carlos Alberto - o capitão da seleção campeã de 70 - e Jairzinho desfilando em cima de carros alegóricos sob aplausos gerais. Era um pequeno momento de glória e congraçamento entre craques e a torcida - exatamente o que acontece, numa escala maior, é claro, em cada jogo de Copa do Mundo.
Confesso: eu - que sempre acompanhei à distância o espetáculo do samba - tive, ali, uma recaída braba de "brasilidade". Ali estavam, irresistíveis, duas belíssimas manifestações populares brasileiras: o samba e o futebol. Devo ter pensado, numa crise de patriotada: em que outro lugar se vê algo assim? Logo eu - tão íntimo de samba quanto um marciano recém-desembarcado no planeta.
Ficaram na memória: a chuva desabando sobre o Sambódromo; a arquibancada cantando em peso "Brasil, Brasil, Brasil canta forte e explode de alegria/ o mundo é uma bola/ girando/ girando / em plena euforia / (...) com os heróis da nossa seleção vibrantes com o grito popular"; craques que pareciam saídos de álbuns de figurinhas acenando para a torcida; o som da bateria explodindo no ar; Joãozinho Trinta erguendo os braços para levantar a torcida.
Um verso do samba-enredo resumia tudo, valia por dez teses sobre o caráter nacional: "A arte é jogar bola". Não por acaso, em tempos de Copa do Mundo sempre me lembro do que vi ali, naquela noite.
A "arte" de "jogar bola" é uma contribuição brasileira à alegria.
A Seleção vai bem na Copa de 2014? É claro que não.
Se ficar de fora, aliás, não será o fim do mundo.
Mas não sou "espírito de porco". Quando o Brasil entra em campo, como daqui a pouco, é hora de lembrar o coro da arquibancada do Sambódromo:
"Tudo em cima novamente / oh, torcida campeã".
Aqui, o samba enredo que celebra o futebol:

Posted by geneton at 01:09 PM

novembro 29, 2015

SOMOS TODOS VÍTIMAS DA SÍNDROME DE WOODY ALLEN

O exercício do jornalismo uma vez me deu a chance de gravar uma longa entrevista exclusiva com Woody Allen, na suíte de um hotel de frente para o Hyde Park, em Londres ( nestes próximos dias, voltarei ao assunto ). A entrevista foi feita para jornal.
Eu me lembro especialmente de uma declaração. Lá pelas tantas, ele disse que, assim que terminava um filme, começava imediatamente a fazer outro, porque, se não fosse assim, passaria a olhar obsessivamente para uma nuvem escura que flutua à altura de nossos ombros e nos acompanha por toda parte: a morte. Em outras palavras, ele dizia que os filmes podem até ser dispensáveis, mas precisam ser feitos, porque impedem que os olhos passem o tempo todo fixados na tal nuvem escura.
Tenho esta sensação quando entro numa livraria. Noventa e sete por cento dos livros são dispensáveis. O mundo existiria sem eles. Mas os autores precisam escrevê-los. Noventa e oito por cento dos filmes são dispensáveis.O mundo existiria sem eles. Mas os diretores precisam fazê-los. Noventa e nove por cento das coisas que se vêem em tevê são dispensáveis. O mundo existiria sem elas. Mas alguém precisa faze-las.
Em resumo: somos todos vítimas da Síndrome de Woody Allen.
Ainda bem.

Posted by geneton at 01:07 PM

novembro 28, 2015

DOSSIÊ GLOBONEWS: A PALAVRA DO PERSONAGEM DE UM DRAMA QUE CHOCOU O MUNDO: O ATAQUE AO ALOJAMENTO DOS ATLETAS ISRAELENSES NAS OLIMPÍADAS DE MUNIQUE

O DOSSIÊ GLOBONEWS traz, neste domingo, às 15:30,
o depoimento do personagem de um drama que chocou o mundo: o ataque de um comando terrorista palestino contra o alojamento dos atletas israelenses, nas Olimpíadas de Munique, em 1972 - uma cartada ousadíssima, surpreendente e, no fim, trágica.
A Alemanha queria transformar aquelas Olimpíadas nos "jogos da paz". A segurança na Vila Olímpica foi relaxada: os policiais alemães não portavam armas, por exemplo.
Uma cena marcante aconteceu na abertura dos jogos: o estádio aplaudiu os atletas israelenses - que participavam de um evento mundial justamente no país que, apenas três décadas antes, tinha sido cenário do horror nazista.

Ninguém imaginava, mas o cenário estava aberto para uma tragédia.
Ao tentar libertar os atletas israelenses tomados como reféns, a polícia alemã cometeu uma série incrível de erros.
Um é inacreditável: as tevês estavam transmitindo, ao vivo, o desenrolar do sequestro. Dentro do alojamento dos atletas israelenses, os terroristas palestinos puderam ver, pela tevê, a movimentação dos agentes alemães que, no teto do prédio, preparavam a invasão. Deram o ultimato. A invasão foi abortada.
( se tal trapalhada tivesse sido cometida aqui no Brasil, certamente viraria piada mundial ).
Depois, numa série de trapalhadas no aeroporto, a operação para libertar os reféns israelenses terminou em carnificina: todos foram mortos.
A tragédia de Munique não terminou aí. O governo israelense autorizou uma operação secretíssima: os terroristas palestinos responsáveis pelo massacre seriam caçados onde estivessem. A maioria foi eliminada, em operações cinematográficas. A operação vingança foi batizada de "Ira de Deus". Não por acaso, terminou virando filme: o excelente "Munique", dirigido por Steven Spielberg.
Tive a chance de entrevistar, em 2007, em Munique, um dos agentes alemães diretamente envolvidos na tentativa de salvar os atletas israelenses tomados como reféns nas olimpíadas. Chama-se Heinz Hohensinn. A entrevista vai ao ar agora, em reapresentação, no Dossiê Globonews.
Num momento da entrevista, o agente alemão comete um gesto surpreendente: ficou ajoelhado - com as mãos em gesto de oração - diante repórter. Disse que estava repetindo, exatamente, o gesto de um dos terroristas palestinos: capturado em meio à carnificina no aeroporto, o terrorista implorou ao agente alemão para não ser morto. Não foi.
( o cenário era de horror puro: quando viram que tinham caído numa emboscada armada pela polícia alemã, os terroristas palestinos metralharam os atletas israelenses - que estavam algemados uns ao outros, dentro de um helicóptero. Depois, jogaram uma bomba. Os atletas morreram queimados e metralhados ).
Os "jogos da paz" foram marcados pelo derramamento de sangue.
Jim McKay, apresentador de um programa esportivo na rede americana ABC, disse uma frase marcante ao anunciar a tragédia de Munique:
"Quando eu era criança, meu pai me dizia que nossos melhores sonhos e nossos piores pesadelos raramente se realizam. Nossos piores pesadelos se realizaram esta noite. Todos os reféns foram mortos".
O agente alemão, na entrevista:

Posted by geneton at 01:20 PM

novembro 27, 2015

LEMBRANÇAS SOLTAS DO VERÃO DA ANISTIA EM PERNAMBUCO. UM MENINO DE QUATORZE ANOS ESPERAVA PELA VOLTA DO AVÔ - MIGUEL ARRAES

Julho de 1979. Repórter da sucursal do Recife do jornal o Estado de S.Paulo, o locutor-que-vos-fala faz, para a revista Istoé, uma reportagem especial sobre os preparativos para o retorno do mais célebre dos exilados pernambucanos: o ex-governador Miguel Arraes de Alencar. Fui à casa do escritor Maximiano Campos, na rua Conde de Irajá, no bairro da Torre, para ouvi-lo sobre o grande dia - que se aproximava. Maximiano era genro de Arraes.
Ficara decidido que, assim que desembarcasse no Recife, o ex-governador iria para a casa de Maximiano - escolhida como cenário da primeira e concorridíssima entrevista coletiva que Arraes daria em solo pernambucano.

Já conhecia Maximiano - romancista, poeta, contista, irmão de um cronista brilhante chamado Renato Carneiro Campos. Escaldado com a hostilidade da imprensa, Maximiano me sussurrou, com aquele ar meio desconfiado: "Tomara que a matéria não seja contra o Velho....". Não era. A reportagem pretendia retratar a enorme expectativa gerada - com razão - pela volta de Arraes a Pernambuco, nas asas da anistia.
Uma foto da família foi tirada para ilustrar a reportagem. Um filho de Maximiano e Ana Arraes assistia à movimentação com olhos claros e atentos. A legenda da foto, publicada na edição de primeiro de agosto de 79 na ISTOÉ, identifica o menino de quatorze anos - neto de Arraes. Chamava-se Eduardo Campos. Deve ter sido a primeira "notícia" sobre ele. Quem sonharia que um dia ele se candidataria a presidente da República?
O próprio Arraes chegaria a ser citado como possível candidato a presidente. Terminaria reconduzido, por duas vezes, pelo voto direto, em 1986 e em 1994, para a mesmíssima cadeira de onde tinha sido retirado pelo golpe militar.
Eduardo Campos viraria herdeiro político do ex-governador. Fez o que se chama de "carreira meteórica". Estava na pista apostando em voos altíssimos - que poderiam levá-lo, provavelmente em 2018, ao Palácio do Planalto - até que embarcou naquele Cessna Citation, prefixo PR AFA, às 9:20 do dia treze de agosto de 2014 no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.

PS: Miguel Arraes voltaria ao Recife no dia dezesseis de setembro de 1979. O pequeno avião que o trouxe do Crato pousou na pista do aeroclube, na zona sul do Recife, às 10:55 da manhã. Era um domingo. Os que o esperavam invadiram a pista - temerariamente. Poderia ter ocorrido um acidente - mas o entusiasmo era maior.
A cena foi emocionante: quando saiu do avião, Arraes ergueu o braço direito num primeiro aceno para aquela aglomeração de parentes, amigos, ex-auxiliares, gente que ele não via desde que fora obrigado a deixar o país, enxotado pelos militares que o derrubaram. Logo depois, começou a chuviscar naquele domingo pernambucano..
Ouvi claramente quando - com lágrimas nos olhos - Arraes repetia aos amigos que o abraçavam depois de quinze anos, ao pé da escada do avião: "Não chore! Não chore! Isso não é hora". A frase abria a reportagem que fiz para o jornal do dia seguinte. "Não chore. Isso não é hora".

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Posted by geneton at 01:38 PM

LEMBRANÇAS SOLTAS DO VERÃO DA ANISTIA EM PERNAMBUCO. UM MENINO DE QUATORZE ANOS ESPERAVA PELA VOLTA DO AVÔ - MIGUEL ARRAES

Julho de 1979. Repórter da sucursal do Recife do jornal o Estado de S.Paulo, o locutor-que-vos-fala faz, para a revista Istoé, uma reportagem especial sobre os preparativos para o retorno do mais célebre dos exilados pernambucanos: o ex-governador Miguel Arraes de Alencar. Fui à casa do escritor Maximiano Campos, na rua Conde de Irajá, no bairro da Torre, para ouvi-lo sobre o grande dia - que se aproximava. Maximiano era genro de Arraes.
Ficara decidido que, assim que desembarcasse no Recife, o ex-governador iria para a casa de Maximiano - escolhida como cenário da primeira e concorridíssima entrevista coletiva que Arraes daria em solo pernambucano.

Já conhecia Maximiano - romancista, poeta, contista, irmão de um cronista brilhante chamado Renato Carneiro Campos. Escaldado com a hostilidade da imprensa, Maximiano me sussurrou, com aquele ar meio desconfiado: "Tomara que a matéria não seja contra o Velho....". Não era. A reportagem pretendia retratar a enorme expectativa gerada - com razão - pela volta de Arraes a Pernambuco, nas asas da anistia.
Uma foto da família foi tirada para ilustrar a reportagem. Um filho de Maximiano e Ana Arraes assistia à movimentação com olhos claros e atentos. A legenda da foto, publicada na edição de primeiro de agosto de 79 na ISTOÉ, identifica o menino de quatorze anos - neto de Arraes. Chamava-se Eduardo Campos. Deve ter sido a primeira "notícia" sobre ele. Quem sonharia que um dia ele se candidataria a presidente da República?
O próprio Arraes chegaria a ser citado como possível candidato a presidente. Terminaria reconduzido, por duas vezes, pelo voto direto, em 1986 e em 1994, para a mesmíssima cadeira de onde tinha sido retirado pelo golpe militar.
Eduardo Campos viraria herdeiro político do ex-governador. Fez o que se chama de "carreira meteórica". Estava na pista apostando em voos altíssimos - que poderiam levá-lo, provavelmente em 2018, ao Palácio do Planalto - até que embarcou naquele Cessna Citation, prefixo PR AFA, às 9:20 do dia treze de agosto de 2014 no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.

PS: Miguel Arraes voltaria ao Recife no dia dezesseis de setembro de 1979. O pequeno avião que o trouxe do Crato pousou na pista do aeroclube, na zona sul do Recife, às 10:55 da manhã. Era um domingo. Os que o esperavam invadiram a pista - temerariamente. Poderia ter ocorrido um acidente - mas o entusiasmo era maior.
A cena foi emocionante: quando saiu do avião, Arraes ergueu o braço direito num primeiro aceno para aquela aglomeração de parentes, amigos, ex-auxiliares, gente que ele não via desde que fora obrigado a deixar o país, enxotado pelos militares que o derrubaram. Logo depois, começou a chuviscar naquele domingo pernambucano..
Ouvi claramente quando - com lágrimas nos olhos - Arraes repetia aos amigos que o abraçavam depois de quinze anos, ao pé da escada do avião: "Não chore! Não chore! Isso não é hora". A frase abria a reportagem que fiz para o jornal do dia seguinte. "Não chore. Isso não é hora".

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LEMBRANÇAS SOLTAS DO VERÃO DA ANISTIA EM PERNAMBUCO. UM MENINO DE QUATORZE ANOS ESPERAVA PELA VOLTA DO AVÔ - MIGUEL ARRAES

Julho de 1979. Repórter da sucursal do Recife do jornal o Estado de S.Paulo, o locutor-que-vos-fala faz, para a revista Istoé, uma reportagem especial sobre os preparativos para o retorno do mais célebre dos exilados pernambucanos: o ex-governador Miguel Arraes de Alencar. Fui à casa do escritor Maximiano Campos, na rua Conde de Irajá, no bairro da Torre, para ouvi-lo sobre o grande dia - que se aproximava. Maximiano era genro de Arraes.
Ficara decidido que, assim que desembarcasse no Recife, o ex-governador iria para a casa de Maximiano - escolhida como cenário da primeira e concorridíssima entrevista coletiva que Arraes daria em solo pernambucano.

Já conhecia Maximiano - romancista, poeta, contista, irmão de um cronista brilhante chamado Renato Carneiro Campos. Escaldado com a hostilidade da imprensa, Maximiano me sussurrou, com aquele ar meio desconfiado: "Tomara que a matéria não seja contra o Velho....". Não era. A reportagem pretendia retratar a enorme expectativa gerada - com razão - pela volta de Arraes a Pernambuco, nas asas da anistia.
Uma foto da família foi tirada para ilustrar a reportagem. Um filho de Maximiano e Ana Arraes assistia à movimentação com olhos claros e atentos. A legenda da foto, publicada na edição de primeiro de agosto de 79 na ISTOÉ, identifica o menino de quatorze anos - neto de Arraes. Chamava-se Eduardo Campos. Deve ter sido a primeira "notícia" sobre ele. Quem sonharia que um dia ele se candidataria a presidente da República?
O próprio Arraes chegaria a ser citado como possível candidato a presidente. Terminaria reconduzido, por duas vezes, pelo voto direto, em 1986 e em 1994, para a mesmíssima cadeira de onde tinha sido retirado pelo golpe militar.
Eduardo Campos viraria herdeiro político do ex-governador. Fez o que se chama de "carreira meteórica". Estava na pista apostando em voos altíssimos - que poderiam levá-lo, provavelmente em 2018, ao Palácio do Planalto - até que embarcou naquele Cessna Citation, prefixo PR AFA, às 9:20 do dia treze de agosto de 2014 no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.

PS: Miguel Arraes voltaria ao Recife no dia dezesseis de setembro de 1979. O pequeno avião que o trouxe do Crato pousou na pista do aeroclube, na zona sul do Recife, às 10:55 da manhã. Era um domingo. Os que o esperavam invadiram a pista - temerariamente. Poderia ter ocorrido um acidente - mas o entusiasmo era maior.
A cena foi emocionante: quando saiu do avião, Arraes ergueu o braço direito num primeiro aceno para aquela aglomeração de parentes, amigos, ex-auxiliares, gente que ele não via desde que fora obrigado a deixar o país, enxotado pelos militares que o derrubaram. Logo depois, começou a chuviscar naquele domingo pernambucano..
Ouvi claramente quando - com lágrimas nos olhos - Arraes repetia aos amigos que o abraçavam depois de quinze anos, ao pé da escada do avião: "Não chore! Não chore! Isso não é hora". A frase abria a reportagem que fiz para o jornal do dia seguinte. "Não chore. Isso não é hora".

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Posted by geneton at 01:38 PM

novembro 26, 2015

INTERVALO MUSICAL: JOHN LENNON POR LOU REED

Pérola rara: o grande Lou Reed cantando "Mother", uma das mais belas canções de John Lennon, durante um concerto em homenagem ao ex-beatle, em Liverpool.
Lennon canta a versão original de "Mother" com voz rascante, dilacerada, sofrida. A versão de Reed é o extremo posto: transforma "Mother" numa espécie de balada tristonha. As duas versões - a de Lennon e a Reed - batem forte.
Em um post antigo, arrisquei uma tese: Lennon conseguiu resumir, em apenas um verso de "Mother", tomos e tomos das obras completas de Freud: "Mãe, não vá embora / Pai, volte para casa":

( aqui, o original - de Lennon: https://goo.gl/IZw21d )

Posted by geneton at 01:20 PM

novembro 24, 2015

E ANASTÁSIA GRITOU EM VÃO

Numa navegação pela internet, tropeço numa das melhores canções da música pop: "Sympathy For The Devil", clássico dos Rolling Stones.
A letra, fantástica, fala de situações em que o "demônio" estava rondando:
"Eu estava por perto quando Jesus Cristo teve seus momentos de dúvida e de dor ( ...) / Eu apareci em São Petersburgo quando vi que era hora de mudança / matei o czar e seus ministros / Anastásia gritou em vão / Eu gritei: quem matou os Kennedys? - quando, no fim das contas, fui eu e você / (...) Prazer em conhecer você / Espero que você tenha adivinhado meu nome...".
Bateu de repente uma lembrança de quando eu tinha meus dezesseis, dezessete anos, na cidade do Recife. Ouvia os Rolling Stones & Beatles & Jimmy Hendrix & Janis Joplin & Joe Cocker & Eric Clapton no meu velho toca-discos Philips.
Tentava entender as referências da letra de "Sympathy for the Devil".
Anastásia, como se sabe, era uma das filhas do último czar russo. Toda a família foi executada, a tiros e facadas, de madrugada, no porão de um casarão, por uma "patrulha" bolchevique. Quando morreu, Anastásia tinha dezesseis anos.
A família real russa achou que iria partir para o exílio, mas o comando da revolução, por temer, num primeiro momento, que a monarquia fosse restaurada, decidiu pela execução. E as ordens - secretíssimas - foram cumpridas.

A tragédia da família Romanov é descrita com detalhes num bom livro lançado no Brasil há pouco tempo: "Os Últimos Dias dos Romanov", reportagem histórica de Helen Rapapport.
O czar Nicolau II, a czarina Alexandra e os cinco filhos do casal – Anastasia, Olga, Maria, Tatiana e Alexander - foram trucidados.
Décadas depois, quem diria, Anastásia seria lembrada numa letra dos Rolling Stones.
Anastásia Nikolaevna Romanova gritou em vão:

https://goo.gl/S3QhU

A letra completa:
Please allow me to introduce myself
I'm a man of wealth and taste
I've been around for a long, long years
Stole many a man's soul and faith
And I was 'round when Jesus Christ
Had his moment of doubt and pain
Made damn sure that Pilate
Washed his hands and sealed his fate
Pleased to meet you
Hope you guess my name
But what's puzzling you
Is the nature of my game
I stuck around St. Petersburg
When I saw it was a time for a change
Killed the czar and his ministers
Anastasia screamed in vain
I rode a tank
Held a general's rank
When the blitzkrieg raged
And the bodies stank
Pleased to meet you
Hope you guess my name, oh yeah
Ah, what's puzzling you
Is the nature of my game, oh yeah
(woo woo, woo woo)
I watched with glee
While your kings and queens
Fought for ten decades
For the gods they made
(woo woo, woo woo)
I shouted out,
"Who killed the Kennedys?"
When after all
It was you and me
(who who, who who)
Let me please introduce myself
I'm a man of wealth and taste
And I laid traps for troubadours
Who get killed before they reached Bombay
(woo woo, who who)
Pleased to meet you
Hope you guessed my name, oh yeah
(who who)
But what's puzzling you
Is the nature of my game, oh yeah, get down, baby
(who who, who who)
Pleased to meet you
Hope you guessed my name, oh yeah
But what's confusing you
Is just the nature of my game
(woo woo, who who)
Just as every cop is a criminal
And all the sinners saints
As heads is tails
Just call me Lucifer
'Cause I'm in need of some restraint
(who who, who who)
So if you meet me
Have some courtesy
Have some sympathy, and some taste
(woo woo)
Use all your well-learned politesse
Or I'll lay your soul to waste, um yeah
(woo woo, woo woo)
Pleased to meet you
Hope you guessed my name, um yeah
(who who)
But what's puzzling you
Is the nature of my game, um mean it, get down
Woo, who
Oh yeah, get on down
Oh yeah
Oh yeah!
(woo woo)
Tell me baby, what's my name
Tell me honey, can ya guess my name
Tell me baby, what's my name
I tell you one time, you're to blame

What's my name
Tell me, baby, what's my name
Tell me, sweetie, what's my name

Posted by geneton at 01:20 PM

novembro 23, 2015

DIZEM QUE O CD VAI ACABAR

Dizem que o CD vai acabar. Pode ser. Passo numa loja. Compro o CD "Alma Lírica Brasileira" - de Mônica Salmaso. Que voz. Que beleza. Que repertório. "Melodia Sentimental", "Cuitelinho", "Promessa de Violeiro" ,"Mortal Loucura" e "Valsinha" são pérolas raras. Que outra coisa uma artista pode querer, além de produzir beleza?
Vai aqui "Valsinha" , antídoto certeiro contra os horrores da vida real:

Posted by geneton at 01:25 PM

novembro 20, 2015

"FOSTE HERÓI EM CADA JOGO"

É bonito ver o Botafogo levantar o título de campeão da Série B num estádio chamado Mané Garrincha. A estrela solitária brilha de novo. Que hino bonito!
E o Sport Clube do Recife só não foi campeão da série A porque houve, claro, uma conspiração da CBF, CIA, KGB, Antônio Carlos Magalhães, George Bush, Roberto Marinho, Ernesto Geisel e Leonid Brejnev para impedir. Assim fica difícil. Mas 2016 vem aí!

Posted by geneton at 01:28 PM

novembro 19, 2015

VERÃO

Tevê ligada. Aparece um anúncio infame de cerveja com um personagem chamado "Verão" - uma perua siliconada. Imagino que "Verão" seja um aumentativo de Vera ou algo assim. Que espirituoso! Um bando lamentável de marmanjos faz trocadilhos com a perua. Os publicitários que criaram tal anúncio imaginam, com toda certeza, que a idade mental do consumidor é de menos um. Ou seja: abaixo da linha da idiotice completa. Tecnicamente abstêmio, tomo a decisão de jamais, sob hipótese alguma, consumir a tal marca de cerveja ( a bem da verdade, outros anúncios de cerveja não ficam atrás em matéria de estupidez). Por via das dúvidas: tevê desligada. Pego um livro. Carlos Drummond, aqui me tens de regresso.

Posted by geneton at 01:28 PM

novembro 16, 2015

A PRAGA RELATIVISTA É O GRANDE MAL DESTE POBRE COMEÇO DE SÉCULO

Conclusão óbvia: instalou-se neste começo de século um inacreditável, um onipresente, um indefensável, um tristíssimo relativismo político e cultural.
O Mal do Relativismo se manifesta assim: alguém fala da estupenda roubalheira na Petrobrás. Logo aparece uma voz para relativizar: "E o PSDB?". Se alguém fala de algum malfeito do PSDB, imediatamente aparece um relativista para perguntar: "E o PT?". Se alguém lamenta o massacre em Paris, um relativista trata de levantar a voz: "E não vão falar do desastre ambiental em Minas?". E vice-versa. Deus do céu....
Em suma: jamais o debate político esteve tão miseravelmente depauperado. É "o horror, o horror, o horror".
Diante do festival de argumentos relativistas, só há uma saída:
o estridente silêncio do cansaço.
Um dia, quem sabe, a Praga Relativista dará lugar a um "sistema de pensamento" menos primário.
O pior é que os praticantes do relativismo nem sabem, mas, na prática, terminam providenciando uma "justificativa" para todo mal.
Ah, tempos medíocres....

Posted by geneton at 01:28 PM

novembro 09, 2015

PERGUNTA DE UTILIDADE PÚBLICA: QUANDO É QUE SAI A PRÓXIMA NAVE PARA MARTE?

....E ele, o inefável, o terrível, começa a dar seus primeiros sinais. Não há como fugir de suas garras: dezembro vem aí!
Já há sinais inequívocos no ar. Uma das cenas típicas do Inferno Dezembrino já se insinua no horizonte. O grande cantor Roberto Carlos aparecerá no vídeo cantando pela trilionésima vez os primeiros e paupérrimos versos da insuportável "Emoções". Uma plateia de "estrelados" fará "êêêêêêêê!".
Os corredores de shoppings começarão a ficar superlotados de sujeitos de bermudas e mulheres afogadas em pacotes, ambos empanturrados de cartões de crédito.
"Festas da firma" se multiplicarão em restaurantes e ambientes assemelhados. Risadas histéricas vibrarão no ar.

Jingles chatíssimos triturarão nossos tímpanos religiosamente por semanas a fio.
Bancos e outras instituições benemerentes inundarão os intervalos comerciais e as páginas de revistas e jornais com anúncios fofos. "Celebridades" risonhas pedirão para você consumir, comprar, comer alguma coisa - seja lá o que for.
Meu demônio-da-guarda começa a me sussurrar ao pé do ouvido, discretamente, com voz baixa mas firme, a pergunta inevitável: "Quando é que sai a próxima nave para Marte? Quando é que sai a próxima nave para Marte? Quando é que sai a próxima nave para Marte?".
Prometo a ele que descobrirei o mais rápido possível dia e horário da próxima partida. Pagarei adiantado por um bom lugar ali, na última fileira. E, assim, minhas retinas fatigadas e meus tímpanos ficarão - quem sabe - livres do tétrico espetáculo dezembrino.
Vai dar certo. Ah, é claro que vai dar. Sempre deu.

Posted by geneton at 11:45 AM

novembro 07, 2015

A ESPERANÇA: AINDA HÁ NEURÔNIOS NO PLANETA. NÃO É POSSÍVEL QUE NÃO HAJA!

Constatação inútil, antiga e verdadeira: os publicitários devem imaginar
( com alguma razão ) que nós, consumidores, formamos um imenso bando de panacas que serão irremediavelmente convencidos a comprar alguma coisa - desde que recomendada por um rostinho conhecido que foi pago a peso de ouro para fazer de conta que o tal produto é a oitava maravilha do mundo...
Sempre foi assim. E será pelos séculos futuros. Mas uma dúvida íntima agita meus mares anteriores tempos da idade da pedra:
Não, não resisto à tentação de imaginar: haverá de fato um ser
bípede, vertebrado e racional capaz de sair correndo para comprar alguma coisa simplesmente porque alguém conhecido - seja lá quem for - recitou duas ou três frases escritas por publicitários ou posou para uma foto?
Meu demônio-da-guarda me sopra: "No way! Não é possível que exista! Eu me recuso a acreditar. Ainda tenho um milímetro de fé na espécie humana!".
Fiz o cálculo: a possibilidade de o locutor-que-vos-fala comprar alguma coisa sugerida por ventríloquos de publicitários é igual a zero vezes zero vezes zero vezes zero.
Registre-se esta curiosidade: quando quer parecer afirmativo, meu demônio-da-guarda recorre, ridiculamente, a expressões em inglês. Fica gritando: "No way! No way! No way!".
O bicho terminou me influenciando. Quando pergunto a mim mesmo se os consumidores seriam tão inocentes, tão influenciáveis e tão estúpidos, saio pela rua repetindo em voz baixa enquanto picho meus muros imaginários: "No way! No way! No way! Não é possível que sejam! Ainda há neurônios no planeta!".

Posted by geneton at 11:45 AM

novembro 05, 2015

EM QUEM VOCÊ VOTARIA NA ELEIÇÃO DO MAIOR IMBECIL DO SÉCULO?

Se houvesse uma eleição direta para eleger o maior imbecil do século, eu votaria de bom grado no gênio que um dia criou "musiquinhas" que servem como toque nos telefones celulares.
Depois que a primeira foi criada, a praga se multiplicou, se disseminou e se instalou no planeta.
Além de votar, eu faria campanha, distribuiria panfletos, mobilizaria eleitores.
Mas não, jamais haverá tal eleição! O imenso exército de gênios imbecis continuará criando impunemente as tais musiquinhas nos laboratórios internéticos da vida. E meu demônio-da-guarda continuará para todo o sempre me soprando, ao pé do ouvido: "Bem que eu disse! Bem que eu sempre digo! Bem que eu sempre vou dizer! A humanidade é inviável!".

Posted by geneton at 11:47 AM

outubro 30, 2015

QUAL TERÁ SIDO O VERSO MAIS BONITO JÁ ESCRITO NO BRASIL? OU: "ASSIM TE LEVO COMIGO, TARDE DE MAIO"

http://goo.gl/0ggorF

Que argumento o poeta Ferreira Gullar usaria para fazer um jovem se interessar por poesia?
Em entrevista que irá ao ar neste sábado, às nove da noite, no DOSSIÊ GLOBONEWS ( ver post anterior ), Gullar diz que citaria um dos versos que considera mais belos, entre os tantos que nos foram legados por Carlos Drummond de Andrade.
O trecho que Gullar sempre recita como exemplo de beleza é este - de "Tarde Maio":
"Como esses primitivos que carregam por toda parte o
maxilar inferior de seus mortos,
assim te levo comigo, tarde de maio"
Se o locutor-que-vos-fala fosse votar uma hipotética eleição do verso mais bonito, escolheria o "fecho" de A Máquina do Mundo, também de Drummond:. Depois de dispensar a grande dádiva que lhe fora feita - a de desvendar os enigmas da máquina do mundo - o personagem segue adiante, por uma estrada pedregosa de Minas. Alta, altíssima poesia:
(...) baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas".
O próprio Gullar faz uma bela pergunta, num poema que Sérgio Chapelin lê no DOSSIÊ GLOBONEWS: "Onde escondeste o verde clarão dos dias?".
É parte do poema "A Vida Bate":
"Onde escondeste o verde
clarão dos dias?
E passamos
carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate.
Subterraneamente,
a vida bate.
Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as penas da lei,
em teu pulso,
a vida bate.
E é essa clandestina esperança
misturada ao sal do mar
que me sustenta
esta tarde
debruçado à janela de meu quarto em Ipanema
na América Latina”

Posted by geneton at 11:47 AM

outubro 25, 2015

COMO SE DIZIA ANTIGAMENTE, "BOMBA!, BOMBA!, BOMBA!": TONY BLAIR FINALMENTE PEDE DESCULPAS PELO QUE OCORREU NO IRAQUE

Em entrevista que irá ao ar nas próximas horas, na CNN/Europa,
o ex-primeiro ministro britânico Tony Blair finalmente pede "desculpas" pelo estupendo erro que cometeu: o apoio incondicional que ofereceu ao então presidente americano George Bush na invasão do Iraque.
Bush, Blair & Cia diziam que Saddam Hussein possuía um arsenal de armas de destruição de massa, o que representaria um perigo para a humanidade. "Peço desculpas pelo fato de que a informação que recebemos estava errada" - diz Blair.


Sites de jornais ingleses antecipam a transcrição da entrevista e dão manchete às declarações do ex-primeiro ministro:
http://goo.gl/z2ozFG
Dou uma volta nos sites de jornais brasileiros. Neca de pitibiriba. Acordem, plantonistas!
O Independent informa que a declaração de Blair - agora antecipada - é parte de um especial que só irá ao ar na terça-feira, sobre a invasão do Iraque.
Blair chegou ao poder como uma grande promessa de liderança
( meninos, eu vi: estava lá. Dava para sentir no ar a "euforia" que cercou a chegada do trabalhista Blair ao poder, depois de anos sob a liderança sem carisma do conservador John Major).
Disse uma frase bonita - algo como "sinto a mão da História tocando meu ombro".
Veio a invasão do Iraque. Blair pisou num atoleiro. Vai passar o resto da vida tentando explicar o que fez, como e por quê.

Posted by geneton at 11:49 AM

outubro 24, 2015

"ASSIM TE LEVO COMIGO, TARDE DE MAIO": PEQUENO INFORME SOBRE VERSOS QUE A GENTE DEVE CARREGAR PELA VIDA

Faz tempo, perguntei ao poeta Ferreira Gullar qual o verso que ele escolheria como um exemplo de beleza. E me lembro que ele citou um de Carlos Drummond de Andrade:
"Como esses primitivos que carregam por toda parte o
maxilar inferior de seus mortos,
assim te levo comigo, tarde de maio"
Agora, quase três décadas depois, numa entrevista que irá ao ar na semana que vem, no DOSSIÊ GLOBONEWS ( dia 31, sábado, às nove da noite ), Gullar cita de novo esta passagem de "Tarde de Maio" - um dos tantos versos imortais que Drummond legou ao Brasil.
( Gullar acaba de lançar uma "Autobiografia Poética e Outros Textos", pela Editora Autêntica. Vale ver a entrevista. Aos 85 anos, Gullar confessa que não conseguiu encontrar respostas para os enigmas da existência ).
Por falar em versos belos: poesia, claro, não é ciência exata. Eu apostaria que vão se passar décadas e décadas antes que surja um poema de beleza tão devastadora e tão incandescente quanto "A Máquina do Mundo" - de Carlos Drummond.
O personagem do poema ( quem sabe, o próprio Drummond ) caminha sozinho por uma estrada pedregosa de Minas quando - de repente - a decifração do mistério do mundo se ofereceu a ele:
(...) "e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber
no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar
na estranha ordem geométrica de tudo,
e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que tantos
monumentos erguidos à verdade;
e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,
tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana".
----------
O que faz o poeta? Dispensa a oferta e segue adiante, solitário, pela estrada pedregosa. O final do poema:
(...) baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas".

Posted by geneton at 11:50 AM

outubro 22, 2015

OS RADARES DETECTAM UM NOVO FENÔMENO: O TATAÍSMO!

Dono de ouvidos atentos ao que vai pelo ar, o amigo
( e jornalista ) Claudio Renato Passavante ficou impressionado com a quantidade de "tá" e "tão" pronunciados em reportagens televisivas. Por algum motivo insondável, estão tentando revogar o "está" e "estão".
Num momento de inspiração, Cláudio batizou o fenômeno de "tataísmo".
Excelente definição!
O "tataísmo" vai se disseminando.
Cláudio diz que o tataísmo pode ser prevenido: é só tomar a vacina anti-tatábica.

Posted by geneton at 11:51 AM

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE A FOME DE IMAGENS. OU: PRÓXIMO FOTOGRAMA, POR FAVOR!

Publicado no site do Estado S.Paulo ( estadão.com.br ), no blog de cinema do crítico Rodrigo Fonseca. Descontada a referência exagerada ao locutor-que-vos-fala na abertura, a entrevista foi uma chance de dizer duas ou três coisas sobre a Geleia Geral Brasileira e sobre a Fome de Imagem:
-----------------------------------------------------------------------------------

A Cinemateca do MAM, na curadoria do crítico Ricardo Cota, exibe um dos títulos mais aclamados da recém-finada Première Brasil: Cordilheiras no Mar: A Fúria do Fogo Bárbaro, do pernambucano Geneton Moraes Netto – um filmaço com “F”. Laureado com uma menção especial no encerramento do Festival do Rio, há uma semana, o longa-metragem é centrado em uma reflexão histórica (e estética) sobre a aproximação entre o diretor Glauber Rocha (1939-1981) e os militares nos anos 1970. Ícone do telejornalismo, com um rol de entrevistas lendárias em seu currículo, Geneton também tem cinema nas veias, de genes glauberianos, a partir dos quais ele desenvolveu uma linguagem multifacetada entre dança, recital, entrevista e imagens de arquivo, sendo cada um desses vértices alinhavados por uma ironia política das mais vulcânicas.

Em Cordilheiras no Mar, Geneton resgata depoimentos comoventes de autoridades da crítica e da análise cinematográfica (entre eles está um papa do documentário: Jean Rouch) esquadrinhando a vitalidade do pensamento do diretor de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) para a redescoberta da América Latina pelas veias abertas do cinema. “Nossa cultura é a macumba, não a ópera”, diz Glauber no filme, que escalou o ator cearense Cláudio Jaborandy para declamar pensamentos do cineasta mais famoso da Bahia. Aparecem ainda em cena atores como Paulo César Peréio, Ana Maria Magalhães e Aderbal Freire-Filho a declamar ensaios sobre arte e governança. Entre os entrevistados, está a nata do Cinema Novo: Arnaldo Jabor, Cacá Diegues, Nelson Pereira dos Santos e Zelito Vianna. Fala ainda o cantor e compositor Jards Macalé, grande amigo de Glauber.
Na entrevista a seguir para o P de Pop, Geneton fala de suas opções narrativas e de sua conexão com a arte cinematográfica.

De que maneira as conexões e sinapses de Glauber, acerca da movimentação militar nos tempos da ditadura, incendiou os debates sobre liberdade de expressão e sobre preservação ideológica na seara cultural brasileira dos anos 1970?
GENETON MORAES NETO – É claro que um artista como Glauber Rocha não pode – nem deve – ser julgado de acordo com os “cânones” partidários e ideológicos “tradicionais”, porque ele transcende os pobres limites destes territórios. Glauber não existiu para demarcar fronteiras ideológicas, mas para implodi-las. Não por acaso, terminou patrulhado, atacado, pichado, crucificado por ter apostado numa saída possível num momento dramático para o Brasil: não se deve esquecer que o país vivia sob o horror de tempos sufocantes, ali entre o final do governo Médici e o início do governo Geisel. Glauber Rocha teve uma informação privilegiada nos bastidores: nomes emblemáticos da esquerda, como o ex-governador Miguel Arraes e o ex-presidente João Goulart, disseram, pessoalmente, a Glauber que o general Geisel proporia uma espécie de abertura política. O que fez Glauber? Sem as “amarras” partidárias, botou a boca no trombone. Provocou rachas e polêmicas entre a esquerda. Historicamente, ele tinha razão. Não custa lembrar que o ambiente era sufocante. A luta armada tinha fracassado. O que Glauber fez? Apostou num aceno, numa possibilidade de saída para o sufoco. A atitude de Glauber – curiosamente – trazia uma mistura de realpolitik com delírio. Acreditava que militares nacionalistas poderiam ser protagonistas de um projeto político para o Brasil. Como bem lembra um dos entrevistados do nosso documentário, Glauber fez a declaração de apoio ao projeto de Geisel/Golbery na esperança de que houvesse um debate. Mas, como lembra Jânio de Freitas no documentário, não havia clima para debate.
E seria possível associar Glauber a ideologias partidárias?
GENETON – Eu disse que não se pode enquadrar Glauber de acordo em figurinos partidários e ideológicos. Mas quero chamar a atenção para um “perigo”: não se deve olhar para Glauber Rocha como se ele fosse uma entidade à parte e um alienígena. Não! Isso é uma visão equivocada, excludente e pobre. Glauber Rocha era, sim, um grande artista brasileiro – uma inteligência fulgurante, reluzente, incendiária que não cabia apenas no cinema. Fez um bem enorme ao país: com tintas até dramáticas, mostrou como é importante pensar livremente sobre o Brasil, imaginar destinos bonitos, originais e gloriosos para o país. Não é pouco.

Que fascínio Glauber exercia sobre o senhor durante sua formação, nos anos 1970? Como ele influenciou seu desejo de ser cineasta?
GENETON – Como faço coisas para a tevê, de vez em quando me perguntam se meu trabalho como documentarista vem de minha experiência televisiva. É exatamente o contrário. Participei ativamente do movimento do cinema Super-8 do Recife, na segunda metade dos anos setenta. Cheguei a receber prêmios em festivais nacionais. Faz pouco tempo, postei no YouTube alguns desses curtas – como este, realizado no Recife em 1978:
https://www.youtube.com/watch?v=qSzAY2FgzAI
Glauber Rocha era, para mim, um ídolo desde que li, nestes tempos do Super-8, textos como o da Estética da Fome e os ensaios de Revisão Crítica do Cinema Brasileiro. Eu me lembro que o exemplar de Revisão… que li estava gasto, com a capa rasgada. O livro, possivelmente, me foi emprestado pelo hoje roteirista Amin Stepple. Era uma espécie de “guru” do nosso grupo. Tinha – e tem – um olhar ferino sobre o estado geral das coisas – inclusive, claro, sobre o cinema. Deixei o Recife em direção a Paris por puro espírito de aventura. Pedi demissão do emprego estável que tinha – por coincidência, a sucursal do Estado de S.Paulo que hoje abriga este blog… Fui repórter da sucursal por cinco anos. Terminei estudando Cinema em Paris. Meu projeto de tese – Cinema e Subdesenvolvimento: o Caso Brasileiro – foi aceito na Universidade de Paris I / Sorbonne. Eu ia usar os filmes de Glauber para discutir o seguinte: um país economicamente subdesenvolvido pode produzir um cinema esteticamente desenvolvimento? Mas descobri que não tinha a menor vocação acadêmica. Jamais enfrentaria a maratona de escrever uma tese. Deixei o curso depois de frequentar os seminários do primeiro ano. O que eu queria era pegar uma câmera e filmar. Minha fome era de imagem.
Como foi seu encontro com Glauber na França?
GENETON – O impacto do encontro que tive com Glauber Rocha em Paris, numa manhã cinzenta de inverno, durante uma sessão especial do filme A Idade da Terra para críticos franceses, foi enorme. Trato do assunto no filme. Glauber reagiu com entusiasmo ao se encontrar, ali, com dois estudantes brasileiros: eu e Marcos de Souza Mendes – que seguiu carreira acadêmica e terminou ensinando cinema na Universidade de Brasília. Eu saí da sessão com fome de cinema. Poucos meses depois, depois de ouvir boatos desencontrados, li no Le Monde a notícia de que ele tinha morrido em Portugal. Fiquei chocado. Desde então, tinha uma dívida comigo mesmo e com Glauber: queria dar um destino a tudo o que pensei em fazer sobre ele ( a tese, o filme etc. etc. ). Fico feliz com o resultado. Cordilheiras no Mar ganhou o Prêmio Especial do Júri no Festival Ibero-Americano Cine Ceará e uma menção honrosa do júri do Festival do Rio. A noite da exibição no FestRio foi mágica. Acontece “uma vez na vida”: lá estavam, na plateia, entre outros, Caetano Veloso, Paulo César Peréio, Othon Bastos, Luiz Carlos Barreto, Ana Maria Magalhães, Ney Matogrosso, o ex-ministro João Paulo dos Reis Veloso, Jaguar, Cláudio Jaborandy (que dá um show particular “encarnando” Glauber Rocha no filme ), Hamilton Vaz Pereira, Helio Eichbauer, Dedé Veloso, Antônio Pitanga, Paloma Rocha e Joel Pizzini (autor do belo curta Mar de Fogo, sobre como Mário Peixoto concebeu o mítico Limite). Minha “dívida” estava paga.

De que maneira, com suas medidas em relação a Golbery, Glauber transcendeu sua condição de artista da imagem?
GENETON – O fogo de Glauber transcendia os limites da tela. Serge Daney, então editor-chefe do Cahiers du Cinema, disse a mim, na entrevista que fiz com ele para a tese que nunca escrevi sobre Cinema & Subdesenvolvimento, que a influência de cineastas como Glauber Rocha não se dá apenas através dos filmes que eles fazem mas também – e principalmente – por atitudes extracinematográficas. É provável que Serge Daney tenha razão. Glauber pensava em política o tempo todo. A capacidade (e, por que não? – a coragem) de pensar sem amarras provoca sempre reações, choques, desconfianças e, no extremo, pedradas. Há uma declaração de Glauber que, creio, resume a gênese do que ele pensava e corrige equívocos dos que, rasteiramente, o acusam de “adesão” aos militares: “A ideologia não me interessa como escapatória ou certificado de boa consciência. Minha ideologia é um movimento contínuo em direção ao desconhecido – o qual não exclui minha luta contra o imperialismo, o fascismo e outras deformações políticas”. O avanço do pensamento progressista não é linear, nunca foi, não pode ser. Pelo contrário: o pensamento progressista brasileiro é movido, também, por atalhos, por aparentes contradições, por delírios, por apostas, por riscos, por mistérios, por sutilezas. Glauber encarnava, em maior ou menor grau, esse caldeirão. É assim que a História se move.
E você, em que grau encarna o caldeirão do cinema?
GENETON – Você pergunta se Glauber marcou minhas “pretensões de ser cineasta”. É claro que marcou. Mas devo dizer que não me considero exatamente um cineasta – no sentido profissional da palavra. Já fiz quatro longas – todos, originalmente, para televisão (Globonews e Canal Brasil), mas realizo meus filmes num “universo paralelo”: não corro atrás de patrocínios, nunca concorri a editais. O orçamento é o básico dos básicos. Se os filmes fossem lançados “comercialmente”, seriam exibidos em “horários alternativos”. Exibidos em tevê, atingem um público que eu não imaginaria alcançar no circuito. Em suma : o que tento fazer, na medida do possível e do impossível, é produzir beleza e memória. Bem ou mal, já registrei em meus documentários os relatos de Caetano Veloso e Gilberto Gil – e também de Jards Macalé e de Jorge Mautner – sobre os tempos de exílio, em Londres (em Canções do Exílio); a palavra do maior repórter brasileiro, Joel Silveira (em Garrafas ao Mar: A Víbora Manda Lembranças); os depoimentos dos onze jogadores brasileiros que perderam a Copa de 50 (em Dossiê 50: Comício a Favor dos Náufragos). Eu me “reconheço” mais nestes documentários do que em qualquer outra coisa que eu tenha feito ou venha a fazer em tevê. Acidentalmente, meus documentários passam na televisão. Faço meus documentários da mesmíssima maneira que faria se eles fossem produzidos para exibição nas salas. O meio não determina a forma nem o conteúdo. A bem da verdade, minha relação com tevê – fora dos documentários – é acidentada. Não sou um bicho televisivo. Nunca fui. Nunca tentei ser. Não é o meu veículo. Nunca foi. A recíproca é verdadeira! A tevê já mandou para o lixo coisas que fiz – uma atrás da outra, em série. Ou seja: a rigor, já recebi meu veredicto. Não quero ser “dramático”. É saudável encarar as coisas como são. Queria ter voltado para a imprensa escrita. Não consegui quando tentei. A época era de crise – como agora, aliás. Como não pude voltar para a “imprensa escrita”, passei a me dedicar com mais frequência aos documentários. E assim vou tocando meu realejo desafinado. É melhor do que nada.

Posted by geneton at 11:51 AM

outubro 18, 2015

PEQUENO ANTIDICIONÁRIO DE TEVÊ: O QUE É "MATÉRIA O.S.G", O QUE É "REPÓRTER VARIG"

Vou ser ligeiramente indiscreto. Passo adiante duas "piadas internas" de tevê. "Matéria O.S.G" é aquela em que o repórter fica dizendo "olha só, gente; olha só, gente!".
E "repórter Varig" é aquele que só pensa em passagem ( aos não-iniciados em tevê: "passagem" é aquele trecho da matéria - muitíssimas vezes, dispensável - em que o repórter fala diretamente para a câmera ).
Nem todo mundo é assim, claro, mas há casos em que, quando sabe que vai fazer uma determinada matéria, o repórter logo pergunta: "Onde vai ser a passagem? ".
Varig, Varig, Varig.

Posted by geneton at 11:37 AM

INTERVALO MUSICAL: QUE VENHA A FLOR DA FORMOSURA

O poeta Gregório de Matos escreveu, no século XVII,
uma "Oração" que, em versos bonitos, fala da vida frágil:
"Já sei que a flor da formosura / usura / será no fim desta jornada / nada"
José Miguel Wisnik musicou os versos de Gregório de Matos. Wisnik e Caetano Veloso interpretam.
Beleza cintilante.
E uma pitada de filosofia barata no encerramento dos trabalhos: o que é que a Arte pode fazer de útil além de criar beleza pelos séculos afora?
Já basta.

Posted by geneton at 11:37 AM

outubro 15, 2015

O DIA EM QUE JAGUAR, GÊNIO DO CARTUM, SAIU DA SALA DE CINEMA DISCRETAMENTE ( E DEIXOU O LOCUTOR-QUE-VOS-FALA IMAGINANDO "CATÁSTROFES" )

Sou de uma geração que devorava os exemplares do Pasquim.
Eu me lembro dos tempos da faculdade, ali na segunda metade dos anos setenta. O Pasquim - pelo menos para os não "alienados" - era leitura obrigatória.
Duvido que uma redação daquele quilate alguma dia volte a se reunir nas páginas de um jornal ( ou no território impalpável de um site): lá estavam Paulo Francis, Millôr Fernandes, Ivan Lessa, Jaguar, Ziraldo, Tarso de Castro, Sérgio Augusto, Fausto Wolff. Eu lia de cabo a rabo. Tempos depois, já no Rio, depois de dar adeus ao verde do mar do Recife, tive a chance de conhecer alguns dos titulares daquele time de "ídolos" de papel.

Não faz tempo, dei uma lida em duas antologias de material publicado pelo Pasquim. A sensação permanece. Duvido que escrete igual volte a se reunir.
Não quero dar uma de "saudosista". Não sou. Mas, diante de bancas de revista hoje povoadas por multi-exemplares do chamado "jornalismo endocrinológico"
( ou seja: aquele que se ocupa de dietas e coisas do tipo ), meus radares interiores emitem sinais inequívocos de tédio e desalento.
Gravei um depoimento de Jaguar para o documentário que fiz sobre Glauber Rocha. A relação de Jaguar com Glauber era acidentada, para dizer o mínimo ( detalhes do imbroglio estão no "Cordilheiras no Mar" - que será exibido na próxima quarta, dia 21, às sete da noite, na Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro, em sessão-debate. Em janeiro, o filme chega às telas da tevê - no Canal Brasil ).
Jaguar - gênio do cartum e um dos meus ídolos das páginas pasquinescas - compareceu a uma sessão especial do filme, no FestRio. Diga-se que Glauber ataca Jaguar no documentário. Jaguar se defende. Tentei fazer o dever de casa jornalístico: "ouvir os dois lados".
Minutos antes do término do filme, Jaguar se levanta e, discretamente, vai embora - sozinho. Vou confessar: fiquei "embatucado". Jaguar teria se sentido "agredido" ou "injustiçado"? O que teria acontecido? Passei vinte e quatro remoendo dúvidas amargas.
Terminei ligando para o homem. Jaguar disse que não, não tinha acontecido nenhum desastre: preferiu sair pouco antes porque sentiu que o filme caminhava para o final. Tirei um peso das costas.
Tive uma surpresa: Jaguar disse que, naquele exato momento, estava escrevendo um artigo sobre Glauber Rocha e sobre o Cordilheiras no Mar. O texto saiu - na edição de sábado do jornal O Dia.
Entre mortos e feridos, aparentemente todos escaparam nesse tumulto de versões, suposições e desencontros. Se o assunto é Glauber Rocha, não poderia ser diferente.
Aqui, o artigo completo de Jaguar:
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Quem matou Glauber?
Glauber sempre namorou o ‘Pasquim’, e vice-versa. Quando vinha ao Rio, passava horas na redação
JAGUAR
Rio - Glauber sempre namorou o ‘Pasquim’, e vice-versa. Amicíssimo do Tarso e do Maciel, editores do jornal, e de Caetano, contumaz colaborador. Quando vinha ao Rio, passava horas na redação. Sempre no seu estado habitual — em ebulição. Como nosso correspondente em transe, digo, trânsito, mandava ótimas matérias, como uma genial entrevista com Gabriel García Márquez. Lembro-me de um artigo que foi publicado quando a patota da redação estava na Vila Militar, vendo o sol nascer quadrado.
Vários jornalistas e intelectuais se comprometeram a fazer o jornal chegar às bancas enquanto estávamos em cana. Glauber foi um deles. Transcrevo trechos de um artigo publicado em dezembro de 1970: “Eu estava em Roma quando li o primeiro número d’‘O Pasquim’. Ele entrou na minha vida e realmente foi um barato chegar aqui e reencontrar a patota alegre, falando e mandando brasa, removendo detritos de uma cultura subdesenvolvida (...). Num país que tem o ‘Pasquim’ tudo pode acontecer.” Foi generoso comigo: “Jaguar inventou o Sig para felicidade da minha mulher.” E, como no samba, íamos vivendo de amor até que um dia me apresentou os originais de um livro que, segundo ele, seria o maior sucesso da Codecri, a editora do ‘Pasquim’. O título: ‘Golbery, gênio da raça’. Fui curto e grosso: “Um livro elogiando o inimigo? Nem que a vaca tussa!” No dia seguinte ligou para o ‘Pasquim’ dizendo que ia me dar um tiro. O livro não saiu (nem o tiro), e me pergunto que fim levou aquele texto.
Eis que Geneton Moraes Neto resolveu fazer um documentário sobre Glauber com um título insólito: ‘Cordilheiras no Mar — A fúria do fogo bárbaro’. O Geneton é um cara que admiro, um cineasta tinhoso. Fui à sessão do filme para convidados. Gostei. Com depoimentos de Cony, Maciel, Flávio Tavares, José Almino, Barretão, Janio de Freitas, Jabor, Nelson Pereira dos Santos, Orlando Senna, Caetano, Macalé, Fagner, Arraes, Reis Velloso e Julião, um time da pesada. E até eu, contando a história do livro. Aninha Magalhães, Pereio e Aderbal Filho declamam tiradas de Glauber. Jaborandy interpreta o gênio da raça baiana e seus exageros. Barretão diz que ele foi vítima de um assassinato cultural.

Jaguar.jpg

E Cacá Diegues acusa o ‘Pasquim’ de ter espalhado a notícia de que Glauber teria recebido 50 milhões de dólares (!) para filmar as passeatas estudantis para a polícia. Se fosse verdade, que filmaço ele teria feito com esse orçamento! Mas não é. Para quem quiser conferir, a Biblioteca Nacional tem a coleção completa do jornal.
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( a foto é de Fernando Souza: Jaguar chegando à sessão do Cordilheiras no Mar ).

Posted by geneton at 11:39 AM

O DIA EM QUE JAGUAR, GÊNIO DO CARTUM, SAIU DA SALA DE CINEMA DISCRETAMENTE ( E DEIXOU O LOCUTOR-QUE-VOS-FALA IMAGINANDO "CATÁSTROFES" )

Sou de uma geração que devorava os exemplares do Pasquim.
Eu me lembro dos tempos da faculdade, ali na segunda metade dos anos setenta. O Pasquim - pelo menos para os não "alienados" - era leitura obrigatória.
Duvido que uma redação daquele quilate alguma dia volte a se reunir nas páginas de um jornal ( ou no território impalpável de um site): lá estavam Paulo Francis, Millôr Fernandes, Ivan Lessa, Jaguar, Ziraldo, Tarso de Castro, Sérgio Augusto, Fausto Wolff. Eu lia de cabo a rabo. Tempos depois, já no Rio, depois de dar adeus ao verde do mar do Recife, tive a chance de conhecer alguns dos titulares daquele time de "ídolos" de papel.

Não faz tempo, dei uma lida em duas antologias de material publicado pelo Pasquim. A sensação permanece. Duvido que escrete igual volte a se reunir.
Não quero dar uma de "saudosista". Não sou. Mas, diante de bancas de revista hoje povoadas por multi-exemplares do chamado "jornalismo endocrinológico"
( ou seja: aquele que se ocupa de dietas e coisas do tipo ), meus radares interiores emitem sinais inequívocos de tédio e desalento.
Gravei um depoimento de Jaguar para o documentário que fiz sobre Glauber Rocha. A relação de Jaguar com Glauber era acidentada, para dizer o mínimo ( detalhes do imbroglio estão no "Cordilheiras no Mar" - que será exibido na próxima quarta, dia 21, às sete da noite, na Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro, em sessão-debate. Em janeiro, o filme chega às telas da tevê - no Canal Brasil ).
Jaguar - gênio do cartum e um dos meus ídolos das páginas pasquinescas - compareceu a uma sessão especial do filme, no FestRio. Diga-se que Glauber ataca Jaguar no documentário. Jaguar se defende. Tentei fazer o dever de casa jornalístico: "ouvir os dois lados".
Minutos antes do término do filme, Jaguar se levanta e, discretamente, vai embora - sozinho. Vou confessar: fiquei "embatucado". Jaguar teria se sentido "agredido" ou "injustiçado"? O que teria acontecido? Passei vinte e quatro remoendo dúvidas amargas.
Terminei ligando para o homem. Jaguar disse que não, não tinha acontecido nenhum desastre: preferiu sair pouco antes porque sentiu que o filme caminhava para o final. Tirei um peso das costas.
Tive uma surpresa: Jaguar disse que, naquele exato momento, estava escrevendo um artigo sobre Glauber Rocha e sobre o Cordilheiras no Mar. O texto saiu - na edição de sábado do jornal O Dia.
Entre mortos e feridos, aparentemente todos escaparam nesse tumulto de versões, suposições e desencontros. Se o assunto é Glauber Rocha, não poderia ser diferente.
Aqui, o artigo completo de Jaguar:
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Quem matou Glauber?
Glauber sempre namorou o ‘Pasquim’, e vice-versa. Quando vinha ao Rio, passava horas na redação
JAGUAR
Rio - Glauber sempre namorou o ‘Pasquim’, e vice-versa. Amicíssimo do Tarso e do Maciel, editores do jornal, e de Caetano, contumaz colaborador. Quando vinha ao Rio, passava horas na redação. Sempre no seu estado habitual — em ebulição. Como nosso correspondente em transe, digo, trânsito, mandava ótimas matérias, como uma genial entrevista com Gabriel García Márquez. Lembro-me de um artigo que foi publicado quando a patota da redação estava na Vila Militar, vendo o sol nascer quadrado.
Vários jornalistas e intelectuais se comprometeram a fazer o jornal chegar às bancas enquanto estávamos em cana. Glauber foi um deles. Transcrevo trechos de um artigo publicado em dezembro de 1970: “Eu estava em Roma quando li o primeiro número d’‘O Pasquim’. Ele entrou na minha vida e realmente foi um barato chegar aqui e reencontrar a patota alegre, falando e mandando brasa, removendo detritos de uma cultura subdesenvolvida (...). Num país que tem o ‘Pasquim’ tudo pode acontecer.” Foi generoso comigo: “Jaguar inventou o Sig para felicidade da minha mulher.” E, como no samba, íamos vivendo de amor até que um dia me apresentou os originais de um livro que, segundo ele, seria o maior sucesso da Codecri, a editora do ‘Pasquim’. O título: ‘Golbery, gênio da raça’. Fui curto e grosso: “Um livro elogiando o inimigo? Nem que a vaca tussa!” No dia seguinte ligou para o ‘Pasquim’ dizendo que ia me dar um tiro. O livro não saiu (nem o tiro), e me pergunto que fim levou aquele texto.
Eis que Geneton Moraes Neto resolveu fazer um documentário sobre Glauber com um título insólito: ‘Cordilheiras no Mar — A fúria do fogo bárbaro’. O Geneton é um cara que admiro, um cineasta tinhoso. Fui à sessão do filme para convidados. Gostei. Com depoimentos de Cony, Maciel, Flávio Tavares, José Almino, Barretão, Janio de Freitas, Jabor, Nelson Pereira dos Santos, Orlando Senna, Caetano, Macalé, Fagner, Arraes, Reis Velloso e Julião, um time da pesada. E até eu, contando a história do livro. Aninha Magalhães, Pereio e Aderbal Filho declamam tiradas de Glauber. Jaborandy interpreta o gênio da raça baiana e seus exageros. Barretão diz que ele foi vítima de um assassinato cultural.

Jaguar.jpg

E Cacá Diegues acusa o ‘Pasquim’ de ter espalhado a notícia de que Glauber teria recebido 50 milhões de dólares (!) para filmar as passeatas estudantis para a polícia. Se fosse verdade, que filmaço ele teria feito com esse orçamento! Mas não é. Para quem quiser conferir, a Biblioteca Nacional tem a coleção completa do jornal.
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( a foto é de Fernando Souza: Jaguar chegando à sessão do Cordilheiras no Mar ).

Posted by geneton at 11:39 AM

outubro 07, 2015

A VOZ DE GLAUBER AGITANDO O ARRAIAL BRASIL

Emocionado com a crítica de Luiz Carlos Merten, no site do Estadão, ao nosso documentário sobre Glauber Rocha - "Cordilheiras no Mar: a Fúria do Fogo Bárbaro", exibido esta semana no Fest Rio ( a Cinemateca do MAM exibirá o filme no dia 21, às sete da noite, com debate. A voz de Glauber agita de novo o arraial! Em breve, detalhes sobre a sessão no MAM ).


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Festival do Rio (6)/Acorda, Brasil!
LUIZ CARLOS MERTEN
07 Outubro 2015 | 09:50
RIO – Vi ontem à tarde o duplo formado pelo curta Mar de Fogo, de Joel Pizzini, e pelo longa Cordilheiras do Mar – A Fúria do Fogo Bárbaro, de Geneton Moraes Netto. Na apresentação de seu filme, Joel disse que estava muito feliz por integrar um programa que privilegiava dois gênios do cinema de invenção do Brasil, Mário Peixoto e Glauber Rocha. Já tinha visto e gostado de Mar de Fogo em Berlim, mas ontem gostei mais ainda. E até gostaria de ter me dado mais uma chance de gostar do mítico Limite, que passou à noite no Centro Cultural da Caixa, mas era o horário de O Maravilhoso Boccaccio e eu estava louco para ver o filme dos irmãos Taviani – que amei. Quem me acompanha sabe que não sou devoto de ‘são’ Mário Peixoto. Mas ontem, mais que nunca, tive a sensação de que o cinema é uma quimera e Limite, um oásis, um sonho de cinema. Rever aquelas imagens e o Mário falando da gênese do filme – a mulher, as algemas, o mar de fogo. E, de repente, Mário entusiasma-se e emociona-se descrevendo uma cena do próprio filme, como se ele não existisse e fosse uma construção ficcional, nunca concretizada, de sua cabeça. O Limite que os outros tanto amam não será, para mim, que não entro no mistério daquelas imagens, uma ilusão? Mal tive tempo de divagar nessas sensações porque logo em seguida explodiu na tela do Odeon – Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro ‘a fúria do fogo bárbaro’. Glauber, o vulcão. Ele próprio e interpretado por Cláudio Jaborandy, a quem encontrei em frente ao cinema – e devo reencontrar hoje à tarde, na mediação do debate sobre Nise, de Roberto Berliner, no Odeon. Cordilheiras do Mar promete desencadear polêmicas na estreia. Como Betinho, de Victor Lopes, é outro filme urgente, que nos propõe discutir e entender a atualidade política brasileira. Outro olhar sobre nossa frágil democracia, eterna esperança equilibrista. Nos anos 1970, Glauber proclamava que confundiam sua loucura com sua lucidez, ou vice-versa, e celebrava Golbery do Couto e Silva como gênio da raça. O filme é sobre Glauber como pensador político, apoiando os militares ‘progressistas’. Arnaldo Jabor, Cacá Diegues, todos contam seu encontro em Paris com João Goulart e de como Glauber ouviu do próprio ex-presidente que a abertura viria através de Ernesto Geisel, que representava a retomada do poder pelo grupo militar (‘legalista’, como?) de Castelo Branco. O cinema de Glauber era épico e ele via a si mesmo como um de seus heróis, com Jango e Geisel. O filme começa com um poema do próprio Geneton – ‘Acorda, Glauber! Acorda, Carlos Drummond! Já estou vendo dois mil e 20, dois mil e 30, dois mil relâmpagos riscando as cordilheiras! Só a miragem nos salva, só a miragem é real!’ Ana Maria Magalhães, Aderbal Freire Filho e Paulo César Pereio recitam o poema. Gosto de dizer – meu amigo Dib Carneiro diz que é para causar – que o desfecho de A Queda do Império Romano é a cena mais glauberiana que Glauber não filmou e, se ele não viu o épico de Anthony Mann em Cannes, no ano de Deus e o Diabo, alguém viu e lhe contou, porque é a gênese de Terra em Transe. Vou agora retificar. A abertura operística de Cordilheiras do Mar é super-glauberiana – a mais glauberiana que Glauber não filmou? O mesmo tom épico das falas de Tarcísio Meira em A Idade da Terra. E o filme tem momentos de gênio – o gênio de Glauber que vira o gênio de Geneton, por que não? Glauber acertando suas contas com Pier-Paolo Pasolini, com Jean-Luc Godard. Estou, como se diz, pasmo.

Posted by geneton at 11:43 AM

outubro 03, 2015

PARTIU FEST RIO! É LUZ NA TELA, É GLAUBER ROCHA DISPARANDO PETARDOS, É A GLOBONEWS OFERECENDO UMA PROGRAMAÇÃO RECHEADA!

Aviso aos navegantes: o Meteoro Glauber Rocha bate na tela do FestRio para espalhar faíscas! Vale a pena ouvi-lo. Nunca foi tão necessário como nestes tempos de intolerância política e patrulhagem ideológica de todos os tipos.

"CORDILHEIRAS NO MAR; A FÚRIA DO FOGO BÁRBARO", nosso documentário sobre Glauber Rocha, vai ser exibido, em "sessão debate" no Cine Odeon, na Cinelândia, a uma da tarde desta terça-feira - com participação dos cineastas Vladimir Carvalho e Orlando Senna e mediação de Renée Castelo Branco.
Atenção, rapaziada interessada em cinema e em Brasil: eis aí uma excelente chance de trocar idéias com duas feras do cinema - Vladimir e Senna - sobre o fogo glauberiano. O locutor-que-vos-fala estará lá.
CORDILHEIRAS NO MAR toca num ponto polêmico - que até hoje rende saudáveis bate-bocas, como aconteceu no Festival do Ceará: o apoio de Glauber ao projeto de abertura política dos generais Ernesto Geisel & Golbery do Couto e Silva. Glauber Rocha nunca passa em branco: sempre dá o que pensar, o que falar - e o que desejar para o Brasil.


O roteiro das sessões do documentário sobre Glauber:
Dia 5: segunda-feira, 18h:
Cinépolis Lagoon - Av. Borges de Medeiros, 1424. Lagoa. Sessão para convidados. Os ingressos que não forem retirados pelos convidados ficarão disponíveis para venda meia hora antes da exibição.
Dia 6: terça-feira, 13h:
Cine Odeon - Praça Floriano, 7, Cinelândia. Centro. Sessão seguida de debate com o diretor Geneton Moraes Neto , Vladimir Carvalho (um dos maiores documentaristas brasileiros) e Orlando Senna. Mediação de Renée Castelo Branco.
Dia 7: quarta-feira, 14h e 19h, Kinoplex São Luiz 1 - R. do Catete, 311. Catete.
Um "aperitivo" do Cordilheiras no Mar:
https://goo.gl/89zS9A
E, conforme já foi dito aqui, a GLOBONEWS participa ativamente do FestRio, com exibição de documentários produzidos e exibidos pelo Canal, debates, mesas redondas. Quer participar - por exemplo - de conversas com Fernando Gabeira ou ver documentários sobre temas como intolerância religiosa ou sobre o mundo retratado no poeta Morte e Vida Severina ? É só se inscrever!
( o locutor-que-vos-fala participa de Mostra Globonews com o documentário BOA NOITE, SOLIDÃO, rodado este ano no sertão de Pernambuco: exibição no domingo, às sete e meia da noite. Endereço da Mostra Globonews: avenida Rui Barbosa, 762, Flamengo ).
A programação completa da Mostra Globonews no FestRio pode ser vista aqui:
http://goo.gl/wlev3j
Partiu FestRio!

Posted by geneton at 11:48 AM

setembro 29, 2015

LUZ NA TELA NA CORDILHEIRA PERNAMBUCO!

Valeu a viagem ao Recife: debate no cinema do Museu do Homem do Nordeste sobre o nosso documentário Cordilheiras no Mar: a Fúria do Fogo Bárbaro. Projeção perfeita, público numeroso, reencontro com tanta gente amiga, debate quente sobre Glauber Rocha & Brasil & militares & delírios & loucuras & esperanças & pesadelos. & utopias brasileiras.

Aqui, como se saídos do túnel do tempo do Movimento do Cinema Super-8 do Recife nos anos setenta/oitenta, Paulo Cunha - que tomou a bela decisão de usar seus tantos talentos não no jornalismo, mas na universidade; Jomard Muniz de Brito, Imperador Plenipotenciário da Pernambucália; o locutor-que-vos-fala e Amin Stepple, a consciência crítica que não nos deixa esquecer nunca do mantra "abaixo a conspiração mundial da mediocridade!" ( a foto é de Ramone Soraia ).

cordilheira.jpg

Posted by geneton at 11:52 AM

setembro 14, 2015

FALA, PAULO FRANCIS!

"Tempos atrás, uma pesquisa de Harvard descobriu que os jornalistas eram tidos, em estima pública, abaixo de massagistas e um pouco acima dos ladrões de galinha. Acho que os ladrões de galinha deviam protestar. A função da imprensa é ajudar os poderes da Terra a dirigirem o povo. Em países ditos socialistas, canta as glórias do socialismo. Em países ditos democráticos, as glórias do sistema" - disse o grande Paulo Francis, num momento de intenso entusiasmo sobre a atividade jornalística ( o texto completo do artigo franciscano pode ser lido na coletânea Diário da Corte, encontrável em livrarias ou, mais provavelmente, nos bons sebos ).


Ainda:
"Procuro tratar todo mundo com respeito e cordialidade, mas não quero intimidades"
"Aos cinquenta anos, sofro do que se chama accidie, um desinteresse por praticamente todos os temas a que dedico minha atenção"
"Todo mundo tem o direito de se portar como um debilóide até os trinta anos".
Duas vezes por semana, às quintas e aos domingos, sinto falta dos textos que Paulo Francis publicava nos jornais. Ninguém precisava concordar com o que ele dizia, é claro. Mas é raríssimo, ainda hoje, encontrar texto tão fluente e tão agradável quanto o de Francis. O prazer da leitura era imbatível. Tive a chance de conhece-lo. Era um dos meus ídolos jornalísticos desde os tempos do Pasquim. Tentei me comportar bem: diante da fera, evitava cenas de tietagem explícita - coisa que não pega bem em quem tenta fazer jornalismo. Gravei entrevistas com ele. Há anos e anos planejo juntar este material num livreco: a transcrição de entrevistas, impressões, cenas, uma ou outra confidência.
"Nossa imprensa: previsível, empolada, chata. Meu Deus, como é chata!" - escreveu, uma vez. Disse tudo. Chata, chata, chata. É só comparar a nossa imprensa com a inglesa, por exemplo. A única reação possível é repetir Nélson Rodrigues: chorar lágrimas de esguicho no meio-fio.
É inacreditável que Paulo Francis esteja morto já há dezoito anos - uma eternidade. Eu era correspondente do Globo em Londres. Tinha estado com ele fazia pouco tempo. Quando liguei para a redação, no Rio, para tratar do envio de uma matéria qualquer, o funcionário encarregado de receber material dos correspondentes disse: "Estão dizendo que Paulo Francis morreu...". Rebati: "É boato. Só pode ser".
Não era. O próprio Francis uma vez escreveu: "A morte é uma piada. A vida é uma tragédia. Mas, dentro de nós, mesmo no maior desespero, há uma força que clama por coisas melhores. Os artistas estão sempre aí nos lembrando disso. Existe um paraíso, pois Beethoven ou Gauguin já nos deram mostras convincentes. É inatingível permanentemente, mas devemos ser gratos pelas sobras que nos couberem”.
O Brasil perdeu, nas últimas décadas, peças que não tiveram reposição. Jamais terão. Figuras como Nélson Rodrigues, Glauber Rocha, Carlos Drummond de Andrade, Darcy Ribeiro, Paulo Francis. O molde se quebrou.
Pobre Brasil. Mas, para não perder o hábito, não custa repetir: "Dentro de nós, mesmo no maior desespero, há uma força que clama por coisas melhores".
Boa noite.

Posted by geneton at 11:55 AM

agosto 30, 2015

CAMPANHA MUNDIAL CONTRA OS MAUS MODOS INTERNÉTICOS: TODA VEZ QUE VOCÊ ESTIVER TENTANDO FALAR COM ALGUÉM E ELE ( OU ELA ) COMEÇAR A DIGITAR ALGUMA COISA NO CELULAR OU NUM TABLET, REPITA COMPULSIVAMENTE A FRASE "KLAATU BARADA NIKTO" NUM TOM DE VOZ CRESCENTE

Chega! Basta! É hora de lançar uma campanha mundial que, certamente, arrebanhará gente de todas os credos. O slogan da campanha é "Klaatu Barada Nikto".
A saber:
Os terráqueos estão vivendo a era da super-conexão: todo mundo conectado com algum aparelho ( celular, computador etc.etc. ). A maravilha da conexão produziu um efeito colateral horrível: um grande um festival de "maus modos" internéticos.
O exemplo mais escandaloso: gente que, enquanto conversa com alguém, desvia o olhar e fica digitando alguma coisa num celular, num tablet ou algo do gênero.
É um caso espetacular de pouco caso com o interlocutor - uma maneira indireta de dizer "pode continuar falando para o vento, otário, porque eu estou mais interessado no teclado do meu celular ou do meu computador"...
Uma boa solução seria a seguinte: toda vez que que você estiver falando com alguém e ele - ou ela - começar a ler ou a digitar alguma coisa num celular ou num computador, passe a repetir, mecanicamente, por pelo menos dez vezes, num tom de voz crescente, a expressão "klaatu barada nikto". ( a frase enigmática é pronunciada por um alienígena no filme "O Dia em que a Terra Parou". Não quer dizer nada. Justamente por não querer dizer nada, pode ser que, por milagre, traga de volta para você a atenção do digitador compulsivo ).
Bem que a frase enigmática pode se transformar numa espécie de antídoto contra os que, hipnotizados por um teclado, são incapazes de conceder um segundo de sincera atenção ao interlocutor real.
( aliás, há algo que, sinceramente, sempre me impressionou: gente que fica surda quando lê ou quando escreve. Ou seja: gente que, quando lê alguma coisa numa tela de computador ou quando tecla alguma frase, é incapaz de ouvir o que os outros dizem, ali, ao lado. Eis um caso esquisitíssimo de privação de sentidos. Um neurocientista poderia explicar: o que leva ou ouvidos de alguém a sofrer um horrível bloqueio quando os olhos estão voltados para uma tela? ).
Começa aqui a campanha mundial "Klaatu Barada Nikto" - um grito contra os maus modos cibernéticos!

Posted by geneton at 11:56 AM

agosto 26, 2015

HÁ UM CARGO VAGO EM BRASÍLIA: O DE DEFENSOR GERAL DA LÍNGUA PORTUGUESA! SENADORES TRATAM LÍNGUA COMO SE ESTIVESSEM NUMA REDAÇÃO: A PONTAPÉS!

Em questão de trinta segundos, um senador que participa da sabatina do procurador-geral disse "vinheram" quando queria dizer "vieram". Outro diz "veicularam de que" quando queria dizer "veicularam que....".
A língua portuguesa é tratada a pontapés no Congresso Nacional. Não é novidade. Acontece todo dia.
Parece até que o Congresso é uma redação.
( daqui a pouco, vai ter senador começando discurso com a expressão "olha só, gente! Olha só, gente!". Ou escrevendo trocadilhos. Ou dizendo "fulano pontuou que...").
Que coisa...
Fica a dúvida: não vão nomear também um Defensor Geral da Língua Portuguesa no Palácio Central do Brasil?
O cargo sempre esteve vago.

Posted by geneton at 11:56 AM

agosto 24, 2015

ENTREVISTA DE EMPREGO

Se eu fosse enfrentar hoje uma entrevista de emprego e se me pedissem para dizer em trinta segundos o que penso do jornalismo, eu diria, com toda sinceridade:
"Depois de décadas na estrada, tenho a nítida, nitidíssima sensação de que, no fim das contas, como escolha profissional, o jornalismo foi um equívoco envolvido num engano dentro de um grande erro. Mas agora é tarde para voltar atrás. Bola pra frente, então! Faz de conta que é a melhor profissão do mundo!
E é - para os que se descobrem tecnicamente incapazes de fazer alguma coisa que seja de fato útil ao avanço da humanidade!".


( a frase foi inspirada na máxima de Winston Churchill sobre a Rússia: "É uma charada envolvida num mistério dentro de um enigma" ).
Nem preciso dizer que eu seria imediatamente dispensado pelo burocrata do Departamento de Recursos Humanos encarregado de selecionar os candidatos.
Eu ouviria o aviso de dispensa sumária, me levantaria, cumprimentaria o dispensador e diria: "Parabéns! Você nunca tomou uma decisão tão acertada!".
Parabéns! Parabéns! Lugar de quem tem dúvida sobre a profissão que escolheu é em casa - de preferência, com um bom livro na mão!".
E partiria, alegre e satisfeito, rumo a um mergulho intensivo nas páginas de
H.L. Mencken ou Nélson Rodrigues ou Gay Talese ou Truman Capote ou Joel Silveira. Isso,sim, é jornalismo.

Posted by geneton at 11:58 AM

ENTREVISTA DE EMPREGO

Se eu fosse enfrentar hoje uma entrevista de emprego e se me pedissem para dizer em trinta segundos o que penso do jornalismo, eu diria, com toda sinceridade:
"Depois de décadas na estrada, tenho a nítida, nitidíssima sensação de que, no fim das contas, como escolha profissional, o jornalismo foi um equívoco envolvido num engano dentro de um grande erro. Mas agora é tarde para voltar atrás. Bola pra frente, então! Faz de conta que é a melhor profissão do mundo!
E é - para os que se descobrem tecnicamente incapazes de fazer alguma coisa que seja de fato útil ao avanço da humanidade!".


( a frase foi inspirada na máxima de Winston Churchill sobre a Rússia: "É uma charada envolvida num mistério dentro de um enigma" ).
Nem preciso dizer que eu seria imediatamente dispensado pelo burocrata do Departamento de Recursos Humanos encarregado de selecionar os candidatos.
Eu ouviria o aviso de dispensa sumária, me levantaria, cumprimentaria o dispensador e diria: "Parabéns! Você nunca tomou uma decisão tão acertada!".
Parabéns! Parabéns! Lugar de quem tem dúvida sobre a profissão que escolheu é em casa - de preferência, com um bom livro na mão!".
E partiria, alegre e satisfeito, rumo a um mergulho intensivo nas páginas de
H.L. Mencken ou Nélson Rodrigues ou Gay Talese ou Truman Capote ou Joel Silveira. Isso,sim, é jornalismo.

Posted by geneton at 11:58 AM

ENTREVISTA DE EMPREGO

Se eu fosse enfrentar hoje uma entrevista de emprego e se me pedissem para dizer em trinta segundos o que penso do jornalismo, eu diria, com toda sinceridade:
"Depois de décadas na estrada, tenho a nítida, nitidíssima sensação de que, no fim das contas, como escolha profissional, o jornalismo foi um equívoco envolvido num engano dentro de um grande erro. Mas agora é tarde para voltar atrás. Bola pra frente, então! Faz de conta que é a melhor profissão do mundo!
E é - para os que se descobrem tecnicamente incapazes de fazer alguma coisa que seja de fato útil ao avanço da humanidade!".


( a frase foi inspirada na máxima de Winston Churchill sobre a Rússia: "É uma charada envolvida num mistério dentro de um enigma" ).
Nem preciso dizer que eu seria imediatamente dispensado pelo burocrata do Departamento de Recursos Humanos encarregado de selecionar os candidatos.
Eu ouviria o aviso de dispensa sumária, me levantaria, cumprimentaria o dispensador e diria: "Parabéns! Você nunca tomou uma decisão tão acertada!".
Parabéns! Parabéns! Lugar de quem tem dúvida sobre a profissão que escolheu é em casa - de preferência, com um bom livro na mão!".
E partiria, alegre e satisfeito, rumo a um mergulho intensivo nas páginas de
H.L. Mencken ou Nélson Rodrigues ou Gay Talese ou Truman Capote ou Joel Silveira. Isso,sim, é jornalismo.

Posted by geneton at 11:58 AM

agosto 22, 2015

PEQUENO TRATADO SOBRE A VERGONHA ALHEIA

"Vergonha alheia" é um sentimento esquisito, esquisitíssimo. E acrescento: é uma legítima demonstração de altruísmo. A gente vê alguma coisa constrangedoramente ruim na tevê, no cinema, no teatro - para ficar nos exemplos mais frequentes. E fica tentando esconder de si mesmo um enorme, um imenso, um irrefreável constrangimento. A vergonha - claro - deveria ser do outro. Ou seja: daquele que faz, sem nem desconfiar, algo constrangedoramente ruim. Mas, não! Os praticantes da "vergonha alheia" é que tomam para si, altruisticamente, o embaraço. Por esta razão, sempre achei que os praticantes de "vergonha alheia" deveriam ser canonizados.
( o pior é que todos nós, em algum momento, sem saber, já produzimos momentos devastadores de vergonha nos outros ). C´est la vie. De resto, um tratado que reunisse os exemplos mais clamorosos de vergonha alheia seria leitura interessante. Quem se habilita a fazer uma lista? Dizei, ó terráqueo, o que é que provoca vergonha alegria em ti?

Posted by geneton at 11:59 AM

agosto 21, 2015

INTERVALO MUSICAL: DIRETO DE HAVANA, "IOLANDA"

Pablo Milanez deve ter composto "Iolanda" numa noite de lua cheia, clara e saudosa em Havana. Só pode ter sido. É uma das mais belas canções de amor já escritas. Chico Buarque deve ter feito a versão de "Iolanda" numa noite de lua clara no Leblon. Só pode ter sido. "Se me faltares, nem por isso morro/ se é pra morrer, quero morrer contigo / rezando o credo que tu me ensinaste / olho teu rosto e digo à ventania: Iolanda, Iolanda, eternamente Iolanda":
https://goo.gl/a3yXCs

Posted by geneton at 12:02 PM

agosto 12, 2015

ACONTECEU: O ESCRITOR MALBA TAHAN, AUTOR DE "O HOMEM QUE CALCULAVA" E "MAKTUB", ME DÁ ENTREVISTA E VAI EMBORA PARA O HOTEL - PARA MORRER

O Diário de Pernambuco me pede um texto sobre o escritor Malba Tahan, personagem inesquecível do início das andanças do locutor-que-vos-fala por redações. Tentei alinhavar as lembranças daquele dia de 1974. Lá vai:
"Deve ter sido o primeiro susto que tive no jornalismo. Repórter iniciante, eu tinha meus dezessete anos de idade. Trabalhava no Diario de Pernambuco à tarde e fazia o primeiro ano de jornalismo na Universidade Católica à noite. Quando cheguei para trabalhar, pouco antes das duas da tarde, o então chefe de reportagem, Ricardo Carvalho, me perguntou, ansioso: "Você guardou alguma coisa da entrevista com Malba Tahan ou usou tudo na matéria que saiu no jornal de hoje? ". Respondi com uma pergunta: "...Mas por quê?". E ele: "O homem morreu! Teve um enfarte no hotel! Fulminante!". A incredulidade se instalou no ar. Só havia uma coisa a dizer: "O quê? Não é possível!". Mas era: o escritor que me dera entrevista poucas horas antes, na sede do Diário de Pernambuco, saíra do jornal para morrer num quarto de hotel, em Boa Viagem.

Eu tinha entrevistado o escritor Malba Tahan no final da tarde do dia anterior, na sala do então superintendente do jornal, Gladstone Veira Belo. A lembrança é clara: eu estava me preparando para deixar a redação e ir para a aula quando fui convocado a comparecer à sala da direção para entrevistar um visitante. Em situações normais, os pobres dos repórteres reagem com um muxoxo quando são chamados a fazer as tais entrevistas com visitantes ( em geral, autoridades que dificilmente pronunciarão algo de relevante numa "visita de cortesia" aos bravos rapazes da imprensa...). Mas ali era diferente.
Posso até ter reagido com um muxoxo, mas o visitante era uma espécie de "ídolo" literário dos meus tempos de infância: eu tinha lido, para um trabalho escolar, o livro "O Homem que Calculava" ( ou terei ganhado de presente um exemplar? Aqui, minha memória claudica miseravelmente ). Depois, um exemplar de Maktub fora parar em minhas mãos. Maktub - a gente logo aprendia - queria dizer "estava escrito". A palavra "maktub", portanto, carregava um certo peso dramático: parecia avisar que a vida pode ser regida por maquinações indecifráveis do destino.
Os livros falavam de mundos mágicos e misteriosos, personagens que se moviam por paisagens orientais de uma beleza cintilante. O nome Malba Tahan tinha o poder de deflagrar, num passe de mágica oriental, essas lembranças "literárias". E lá estava ele: efusivo, entusiasmado, falava da visita ao Recife como se fosse marinheiro de primeira viagem. Guardei um detalhe: Malba Tahan trajava um paletó quadriculado. Fora visitar o Diário, na Praça da Independência, em companhia da mulher. Voltei às pressas para a redação para redigir a entrevista que seria publicada no dia seguinte. Zarpei para a escola. O escritor seguiu para o hotel. Estava escrito que aquelas seriam as últimas horas do autor de Maktub. Estava escrito que Malba Tahan, na verdade, nunca existiu: era apenas o pseudônimo de um professor de matemática carioca chamado Júlio César. Jamais visitara o Oriente. Que importa?
O que interessa é que tinha virado sinônimo de mundos mágicos, distantes, inalcançáveis. Estava escrito que, lastimavelmente, aquela seria a última fala de Malba Tahan - e o primeiro grande susto do jovem repórter. Estava escrito: maktub, maktub, maktub".

Posted by geneton at 12:11 PM

agosto 09, 2015

....E O REPÓRTER SAI ABALADO DA ENTREVISTA COM O CIENTISTA QUE AJUDOU A FABRICAR A BOMBA ATÔMICA...

Um dos cientistas que trabalharam na fabricação das bombas atômicas derrama lágrimas pelas vítimas de Hiroshima e Nagasaki. Eis um personagem inesquecível no ( a essa altura, vasto ) elenco de entrevistados do locutor-que-vos-fala. Tentei descrever o encontro com este personagem num texto para o Jornal das Dez - da Globonews -, narrado por Toni Marques. Confesso: saí da entrevista abalado e comovido. O drama de consciência do cientista era sincero:
http://goo.gl/HHa3Wr

Posted by geneton at 12:15 PM

agosto 07, 2015

A SORTE DE TER O TEXTO DE UMA REPORTAGEM NARRADO POR SÉRGIO CHAPELIN ( OU: POR QUE, NESTE CASO, REPÓRTER NÃO DEVE PASSAR NEM PERTO DE UMA CABINE LOCUÇÃO... )

Cabine de locução. Gravação de texto com Sérgio Chapelin. Vai para o ar neste sábado, às nove da noite, na Globonews: Dossiê Especial com a íntegra de entrevistas com militares americanos que jogaram as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. Material foi gravado originalmente para o Fantástico. Maior parte ficou inédita. Agora, depoimentos vão ser apresentados pela primeira vez na íntegra. É um documento: a palavra de quem participou diretamente dos mais devastadores ataques militares já realizados da história. Calcula-se que a bomba de Hiroshima tenha provocado cem mil mortes nos dez minutos seguintes à explosão.

CHAPELIN.jpg


Qualquer texto lido por Sérgio Chapelin ( foto: @Rodrigo Bodstein) ganha imediatamente peso, qualidade e clareza. Eu me arrisco a dizer que daqui a cinquenta anos aparecerá alguém com uma voz tão bonita e uma narração tão sóbria. Chapelin faz parte do primeiríssimo time. Tenho sorte de contar - já há tantos anos - com uma voz tão espetacular para ler meus pobres textos. Tento aproveitar ao máximo a chance.
( neste trabalho em tevê - que nunca foi minha especialidade, sempre preferi a "imprensa escrita" - tive a chance estupenda de ter textos narrados por outras grandes vozes, como as Cid Moreira, Eliakim Araújo, Celso Freitas. Logo aprendi que narração como a destes mestres da voz enriquece imediatamente qualquer matéria).
Conclusão: repórter que pode contar com o auxílio luxuosíssimo de Chapelin para a narração de suas matérias não deve passar nem perto de uma cabine de locução. Basta pedir a ele que narre o texto. A qualidade da narração já fica garantidíssima. A voz de Chapelin faz uma diferença enorme. A bem da verdade: uma diferença absurda. Em suma: toda diferença.

Posted by geneton at 12:17 PM

julho 27, 2015

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE A VELHA BATALHA POR UM TEXTO MINIMAMENTE LEGÍVEL

Escrever não é ciência exata. Se fosse, não teria "graça".
O aprendizado não acaba nunca: recomeça a cada parágrafo. Fico me lembrando das primeiras lições que tive a chance de aprender, faz séculos, na redação do Diário de Pernambuco. "Corria o ano de 1972". Eu transitava dos quinze para os dezesseis anos de idade. Quem terá sido o "professor" improvisado, em meio à correria da redação? Pode ter sido um "copidesque" chamado Rômulo. Ou terão sido todos, no dia-a-dia? Devo ter anotado em algum lugar as primeiras lições. Nunca deixei de segui-las. Não custa nada seguir os bons conselhos. Alguém me ensinou que fica feio começar uma frase com o verbo no gerúndio. Não é errado: é feio. Alguém me ensinou que fica feio emendar uma frase na outra com um "e que". Não é errado: é feio. Quebra o ritmo do texto. Alguém me ensinou que fica feio usar advérbios de modo em excesso. Não é errado: é feio. Idem com os adjetivos. Alguém me ensinou que não se deve fazer trocadilho: é o caminho mais curto para o desastre. Alguém me ensinou que é melhor não colar uma frase à outra com um gerúndio. Não é errado: é feio. Alguém me ensinou que a primeiríssima obrigação de quem escreve é ser claro. "A clareza, a clareza, a clareza!" - é o que nos implora, todo dia, o Nosso Senhor do Bom Texto.

Alguém me ensinou que o texto jornalístico deve seguir minimamente o padrão culto da língua. Não se escreve "tá" e "tão", mas "está" e "estão". Não se escreve "né?", mas "não é?". Alguém me disse que uma das funções do jornalista é, sempre foi e será o de zelar pela língua. É o mínimo que se pode fazer. Alguém me disse que não existe exceção: só escreve bem quem lê muito. Ponto. Alguém me disse que a vaidade e a empáfia são dignas de riso no jornalismo. Porque jornalistas que se julgam importantes jamais serão tão importantes quanto um dia pensaram que fossem. Alguém me disse que fazer jornalismo é simples: basta contar da maneira mais fiel e mais atraente possível o que foi visto e ouvido. É tudo. E assim haverá de ser.

Posted by geneton at 12:18 PM

julho 17, 2015

GHIGGIA, O 'CARRASCO', MANDAVA FLORES PARA OS JOGADORES BRASILEIROS

Duas cenas comoventes me vêm à lembrança agora, quando recebi a notícia da morte de Ghiggia, o mais célebre "carrasco" da história do futebol brasileiro.
Ghiggia nos recebeu para uma longa entrevista, em 2013, na casa modesta onde vivia, em Las Piedras, perto de Montevidéu.

Primeira cena: diante da câmera - e também nos bastidores - ele usou uma palavra bonita para explicar por que evitava falar da Copa de 50 quando se encontrava com os jogadores brasileiros - de quem tinha ficado amigo.

Não falava da Copa de 50 por "respeito" aos brasileiros. "Respeito" - era esta a palavra que ele usava. Porque sabia que a glória dos uruguaios em 1950 era uma dor brasileira.

Pensei, na hora: eis aí um campeão legítimo, um herói uruguaio que, por sobre toda rivalidade com o Brasil, falava em respeito - tanto tempo depois.

Segunda cena: aos 86 anos, Ghiggia fez uma pequena confissão: fazia planos de terminar logo a construção da casa - também modesta - para onde pretendia se mudar em companhia da mulher. Viúvo, tinha se apaixonado por Beatriz, quatro décadas mais nova. Os dois faziam planos para o futuro, como jovens apaixonados.

O campeão não deve ter tido tempo de se mudar para a casa que estava construindo aos poucos. Mas deixou, ali, naquele encontro com o repórter, uma dupla lição: de respeito pelos brasileiros e de amor juvenil por Beatriz.

Uma canção anarquista italiana diz: "mandem flores para os rebeldes que falharam". Era o que Ghiggia fazia: ao declarar "respeito" à Seleção Brasileira de 50, ele estava, na verdade, mandando flores para os jogadores que falharam.

Neste 16 de julho, é a nossa vez: de mandar flores para o campeão que sai de cena e para Beatriz, a última paixão de Ghiggia.

Posted by geneton at 11:31 AM

julho 09, 2015

MINEIRÃO, OITO DE JULHO: DATA DA URUCUBACA! ( MAS O SPORT CLUB DO RECIFE AVANÇA RUMO À GLÓRIA!)

Pausa para uma pequena nota futebolística. Estou convencido de que o oito de julho é a data da urucubaca para o futebol. Há exatamente um ano, o Brasil passou por aquele vexame inapagável: 7 a 1 para a Alemanha, numa semifinal de Copa do Mundo dentro de casa! Daqui a cem anos, alguém estará falando do desastre.
Ontem, novamente num oito de julho, o glorioso Sport Club do Recife, até então único time invicto no Campeonato Brasileiro, perdeu a invencibilidade justamente onde? Lá, no cenário dos 7 a 1: o Mineirão! Atlético Mineiro 2 x 1 Sport !
Conclusão: alguém deve ter deve ter enterrado uma caveira de burro em algum oito de julho imemorial metros e metros abaixo do gramado do Mineirão! Só pode ter sido! A maldição vem funcionando: ninguém passe perto do Mineirão nos dias oito de julho! É risco de desastre!
Gosto do Atlético, mas essa desfeita com o Sport vai ficar atravessada nas gargantas rubro-negras.
O Sport já não poderá ser campeão invicto, mas caminha a passos larguíssimos para o título ou, na pior das hipóteses, para uma campanha heroica, depois, na Taça Libertadores da América, como bravo, legítimo e resplandecente representante do Brasil diante de outras feras sul-americanas.
Quero ver qual é o time argentino, colombiano, paraguaio ou peruano que vai falar grosso na Ilha do Retiro!

Posted by geneton at 12:19 PM

julho 01, 2015

CHEGA DE DISCUSSÕES RASTEIRAS! ACORDA, DARCY RIBEIRO! VEM INJETAR, NO PENSAMENTO BUROCRÁTICO, UMA DOSE MACIÇA DE DELÍRIOS BRASILEIROS!

Um bom sinal: tenho notado um acréscimo no número de conhecidos que se declaram com disposição zero para enfrentar discussões políticas rasteiras.
Porque, hoje, a bem da verdade, a situação é a seguinte: quem disser que considera Fernando Henrique Cardoso um bom presidente é chamado de "direitista", "golpista", "reacionário" e outras pérolas da inteligência político-partidária. Quem disser que considera Lula um bom presidente é chamado de "bandido", "mafioso", "conivente" e outras pérolas da inteligência político-partidária.
O locutor-que-vos-fala também prefere não entrar na guerra de argumentos rasteiríssimos. É um terreno pantanoso. Há manipulação de sobra, cegueira de sobra, estupidez de sobra, relativismo moral de sobra. Há argumentos que só valem para "um lado". Estou fora.


Se alguém disser que quem apontou a roubalheira bilionária na Petrobrás não foi a imprensa ou algum partido, mas funcionários graduados da empresa, é logo chamado de golpista - no mínimo. Se alguém disser que a inclusão social é,sim, uma obrigação histórica do Brasil com os brasileiros despossuídos, é logo chamado de saqueador.
Deste momento em diante, por falta de paciência para esgrimir argumentos estupidamente rasteiros, o locutor-que-vos-fala resolve impor a si mesmo um silêncio obsequioso.
Mas, em algum lugar, lá no fundo de minhas ilusões brasileiras, continuo à espera de um governo - seja, PT, seja PSDB, seja o que for - que promova, por exemplo, uma revolução na educação: que ofereça às crianças brasileiras, como prioridade número um, uma escola de qualidade em tempo integral. É tão difícil assim?
Acorda, Darcy Ribeiro! Vem multiplicar Cieps por todo o território brasileiro, todos os sertões, todos os agrestes, todas as periferias, todos os subúrbios, todas as metrópoles! É tarefa urgente, para ontem!
Por que não fazem, já? Por que as ações são tão tímidas, tão burocráticas? A discussão útil é esta - não é a troca de insultos entre fernandohenriquistas x lulistas e outras variações.
Tenho certeza de que, na liturgia do exercício do poder, haverá sempre lugar para uma certa dose de loucura e de "irresponsabilidade" criadora - como lembrava o próprio Darcy Ribeiro. Queria ver um ministro que ocupasse a tevê às oito da noite, em rede nacional, para anunciar que, a partir de amanhã de manhã, os bilhões de reais usados, por exemplo, em publicidade oficial iriam ser imediatamente "desviados" para a construção de mil, cinco mil, dez mil, vinte mil escolas em tempo integral: as crianças teriam aula e comida.
Pablo Neruda uma vez escreveu: "Os próximos anos serão azuis".
O Brasil poderia emendar o verso: só haverá uma possibilidade de azul, no futuro, se o país se livrar de discussões políticas estúpidas, cegas e rasteiras para apostar na grandeza. Há mil maneiras de fazer esta aposta. Uma das mais óbvias é dizer: acorda, Darcy Ribeiro! Vem injetar, no pensamento burocrático, uma dose maciça de delírios brasileiros!

Posted by geneton at 12:21 PM

junho 28, 2015

....E A CEGUEIRA E A MEDIOCRIDADE DO DEBATE POLÍTICO SÃO ASSUSTADORAS. HORA DE REACENDER O FOGO DE QUEM SONHAVA COM UM DESTINO ORIGINAL PARA O BRASIL!

Cacá Diegues lamenta, em artigo publicado no Globo de hoje, que, "as discussões políticas se tornaram pobres debates entre pobres partidos tão semelhantes, incapazes de inventar um caminho para o país".
Bingo!
Em meio a um debate político marcado por uma mediocridade transbordante, uma intolerância cega e argumentos rasteiríssimos, o Brasil pede um mínimo de grandeza, um mínimo de originalidade, um mínimo de fogo criativo.
Nosso documentário "Cordilheiras no Mar: a Fúria do Fogo Bárbaro" - sobre Glauber Rocha - levou Cacá Diegues a fazer esta bela reflexão sobre o fogo glauberiano:
http://goo.gl/kFnPIW
( Aviso aos navegantes eventualmente interessados: depois ter sido exibido e agraciado com o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cinema Ibero-americano encerrado esta semana em Fortaleza e, a bem da verdade, elogiado mas também detonado por críticos, o documentário sobre Glauber deverá chegar, em data ainda a ser marcada, à tela do Canal Brasil. Daremos notícias. Por fim: filme existe para ser debatido, avaliado, aplaudido, dissecado, elogiado, crucificado. Por que não? Em meio ao festival brasileiro de vaidades, qualquer reparo sempre é tido como ofensa pessoal. Já elogios fáceis pavimentam o caminho para a auto-complacência, a glorificação da mediocridade e a tolerância com a ruindade. Isso acontece em todas as áreas: a cinematográfica, a jornalística, a televisiva, a literária etc.etc. Estou fora. Prefiro a estrada pedregosa! Que seja assim! ).

Posted by geneton at 12:16 PM

junho 26, 2015

DIANTE DOS DESTROÇOS DESTE COMEÇO DE SÉCULO, OS ESCAFANDRISTAS DO FUTURO GRITARÃO: "QUE TEMPOS MEDÍOCRES!"

Um dia, quando os escafandristas revirarem, no fundo dos mares, os destroços deste começo de século, haverão de constatar, boquiabertos: "Que época medíocre!".
Em seguida, repetirão em coro, uns olhando para os outros, pelo visor embaçado dos escafandros: "Que tempos medíocres! Política medíocre! Cinema medíocre! Música medíocre! Literatura medíocre! Jornalismo medíocre! Teatro medíocre!".


Uma alma complacente ainda exclamará, aflita: "Não sejam tão injustos! Havia as exceções de praxe!".
A matilha de escafandristas fará um leve movimento de concordância com a cabeça, como se tivesse ensaiado o gesto coletivo, mas logo retomará o coro ensurdecedor: "Que tempos medíocres! Que tempos medíocres".
Por fim, os escafandristas caminharão pelas ruínas do começo do século, com o cuidado de não pisar nos ossos medíocres dos destroços medíocres destes tempos medíocres.
Feita essa breve projeção sobre o que ocorrerá no futuro remoto,
o locutor-que-vos-fala arrisca um palpite sobre os dias que correm: o sentimento é de que os tempos são estupidamente medíocres, sim. Mas a sensação de baixo-astral que assola o Brasil com certeza é passageira.
Quem conhece o gigante - esparramado por metrópoles, florestas, rios, mares, províncias, riachos e povoados - sabe muitíssimo bem: se entrasse num consultório psiquiátrico para se consultar, o Brasil seria diagnosticado em cinco minutos como um clamoroso e auriverde exemplo de paciente maníaco-depressivo.
Dificilmente haverá na acidentada face da terra um país que passe da euforia à depressão com tanta constância e tanto fervor.
Em suma: o aparente baixo astral já, já, some.
Uma cena que se alterna com os momentos de baixo astral tomará, então, a grande tela onde se exibe a saga brasileira: como se fôssemos todos cavaleiros montados nos belos alazões da esperança, caminharemos, felizes, contra o sol, rumo a um horizonte febril e incendiado de promessas - numa cena que ficaria perfeita no fim de um filme cheio de aventuras inacreditáveis. Em vez da palavra "fim", aparecerá, na tela, a palavra "Brasil". Sempre foi assim. E assim haverá de ser.

Posted by geneton at 12:23 PM

junho 18, 2015

GLAUBER ROCHA: ANTÍDOTO FORTE, FORTÍSSIMO, CONTRA A OBVIEDADE, A CARETICE E A MEDIOCRIDADE. É HORA DE OUVI-LO DE NOVO!

Chega de choradeira! Hoje, com as imensas facilidades de captação de imagens e de edição, hoje é perfeitamente possível fazer filmes com custos irrisórios - uma fração do que se gastava antes. E assim foi feito um documentário sobre Glauber Rocha - um cineasta que apostava no debate, no confronto e na provocação contra a obviedade, a caretice e a mediocridade. Ainda bem!
São alguns dos pontos discutidos em matéria publicada hoje pelo "O Globo": o jornal dessa quinta-feira dá uma colher-de-chá ao nosso documentário "Cordilheiras no Mar: a Fúria do Fogo Bárbaro" - que será exibido, pela primeira vez, neste domingo, no Cine Ceará.
http://goo.gl/0okcqk

Posted by geneton at 12:23 PM

GLAUBER ROCHA: ANTÍDOTO FORTE, FORTÍSSIMO, CONTRA A OBVIEDADE, A CARETICE E A MEDIOCRIDADE. É HORA DE OUVI-LO DE NOVO!

Chega de choradeira! Hoje, com as imensas facilidades de captação de imagens e de edição, hoje é perfeitamente possível fazer filmes com custos irrisórios - uma fração do que se gastava antes. E assim foi feito um documentário sobre Glauber Rocha - um cineasta que apostava no debate, no confronto e na provocação contra a obviedade, a caretice e a mediocridade. Ainda bem!
São alguns dos pontos discutidos em matéria publicada hoje pelo "O Globo": o jornal dessa quinta-feira dá uma colher-de-chá ao nosso documentário "Cordilheiras no Mar: a Fúria do Fogo Bárbaro" - que será exibido, pela primeira vez, neste domingo, no Cine Ceará.
http://goo.gl/0okcqk

Posted by geneton at 12:23 PM

GLAUBER ROCHA: ANTÍDOTO FORTE, FORTÍSSIMO, CONTRA A OBVIEDADE, A CARETICE E A MEDIOCRIDADE. É HORA DE OUVI-LO DE NOVO!

Chega de choradeira! Hoje, com as imensas facilidades de captação de imagens e de edição, hoje é perfeitamente possível fazer filmes com custos irrisórios - uma fração do que se gastava antes. E assim foi feito um documentário sobre Glauber Rocha - um cineasta que apostava no debate, no confronto e na provocação contra a obviedade, a caretice e a mediocridade. Ainda bem!
São alguns dos pontos discutidos em matéria publicada hoje pelo "O Globo": o jornal dessa quinta-feira dá uma colher-de-chá ao nosso documentário "Cordilheiras no Mar: a Fúria do Fogo Bárbaro" - que será exibido, pela primeira vez, neste domingo, no Cine Ceará.
http://goo.gl/0okcqk

Posted by geneton at 12:23 PM

junho 14, 2015

...E A CONSPIRAÇÃO MUNDIAL DA MEDIOCRIDADE DEGOLOU AS CONSTELAÇÕES! MAS O SONHO DE LUZ, ALTURA E CLARIDADE VAI EXPLODIR UM DIA!

Por fim: vai aqui o texto de abertura do nosso documentário CORDILHEIRAS NO MAR: A FÚRIA DO FOGO BÁRBARO, "recitado" entre estátuas do Museu de Belas Artes por Paulo César Peréio, Aderbal Freire Filho e Ana Maria Magalhães ( o filme - sobre Glauber Rocha - será exibido na mostra competitiva do Cine Ceará, no dia 21 de junho. Depois, em data a ser marcada, ganha a tela do Canal Brasil ):
Acorda, Glauber! Vem repetir: "A arte é contrassenso político!. Nestas terras belas, onde vive um povo faminto, construiremos uma nova civilização!"


Acorda, Carlos Drummond! Ainda "precisamos descobrir o Brasil", "escondido atrás das florestas com a água dos rios no meio!". "Tanto oceano e tanta solidão!"
As ondas gritaram: nem Moscou nem Washington! Nossos barcos naufragaram todos!
Quem vai querer comprar os sonhos destroçados?
A máquina do mundo moeu as manhãs.
Quem vai revirar as ruínas?
A conspiração mundial da mediocridade degolou as constelações.
Quem vai juntar os estilhaços?
O planeta é um imenso shopping center!
Acorda, Maiakovsky! Vem repetir: "Certo ou errado, não posso ficar calmo! Decapitaram as estrelas e ensanguentaram o céu como um matadouro!"
O velho coração sonhava com fogueiras incendiando o Atlântico Sul! O mar ia pegar fogo de tanta luz! A batalha foi adiada até a próxima aurora!
As velhas utopias jogaram sangue e tanques sobre as primaveras! ...Mas o sonho de rios de leite, o sonho de luz, altura e claridade vai explodir, um dia!
Viva o fogo bárbaro de todas as ilusões! O grande fogo bárbaro brasileiro! Verdes anos, verdes mares, verdes canaviais, verdes telas, verde aurora-Pernambuco!
Já estou vendo dois mil e vinte, dois mil e trinta, dois mil relâmpagos riscando as cordilheiras! Só a miragem nos salva, só a miragem é real!
Nosso grande sonho inútil grita: velas ao mar! Velas ao mar! Velas ao mar!

Posted by geneton at 12:24 PM

junho 13, 2015

ADEUS A FERNANDO BRANT: ANOITECEU

Elis Regina dá uma interpretação arrebatadora à letra de "Conversando no Bar/ Saudade dos Aviões da Panair", escrita por Fernando Brant e musicada por Milton Nascimento. Eu me lembro do arrepio causado pela primeira audição, nos tempos da faculdade, na segunda metade dos anos setenta:
"A primeira Coca-Cola foi / me lembro bem agora / nas asas da Panair / A maior das maravilhas foi voando sobre o mundo nas asas da Panair":
http://www.kboing.com.br/elis-regina/1-1137222/
Fernando Brant morreu ontem, em Belo Horizonte, aos 68 anos. Lástima. Tinha tempo pela frente. A letra de "Canção da América", tão citada, é perfeitamente esquecível. Não se compara com as de "Saudade dos Aviões de Panair" ou de "San Vicente", belíssima:
"Coração americano / acordei de um sonho estranho":
https://www.youtube.com/watch?v=IdnCOH8oj9E
Faz algum tempo, entrevistei o ex-jogador Reinaldo, ídolo do Atlético Mineiro, sobre os bastidores da Copa de 78. Caso raro de jogador politizado e engajado na oposição ao regime militar, Reinaldo recebeu pelo correio, na concentração, na Argentina, um documento que tratava da colaboração entre ditaduras sul-americanas - a chamada Operação Condor. Guardou o documento, assustado, no fundo da mala. De volta ao Brasil, entregou o papel a Luiz Gonzaga Júnior e a Fernando Brant - de quem era amigo.


A entrevista com Reinaldo:
https://www.youtube.com/watch?v=Npae7UBeZa0
Falei com Fernando Brant, por telefone, dias antes de a matéria ir ao ar no Fantástico. Tentava achar o documento que Reinaldo entregou a Luiz Gonzaga Júnior e a ele. Brant não tinha ideia do destino dado ao papel.
Aproveitei para dizer que letras como as de Conversando no Bar e San Vicente eram inesquecíveis. Brinquei: se um dia eu tivesse escrito letras assim, já me daria por satisfeito - não faria nada na vida...Brant riu, meio encabulado com o elogio. Disse algo como: "O que é isso?".
É isso: a música brasileira perdeu um grande letrista.
Há tantas outras. O que dizer de belíssima "Promessas de Sol"? ( "Você me quer forte/ e eu não sou forte mais/ (...) Chamo pela lua de prata pra me salvar/ Rezo pelos deuses da mata pra me matar" ):
https://www.youtube.com/watch?v=a_DsDttfZhY
E "Ponta de Areia" ?:
https://www.youtube.com/watch?v=XZyYCxoW1VM
É assim: "As horas não se contavam / E o que era negro anoiteceu".

Posted by geneton at 12:25 PM

ADEUS A FERNANDO BRANT: ANOITECEU

Elis Regina dá uma interpretação arrebatadora à letra de "Conversando no Bar/ Saudade dos Aviões da Panair", escrita por Fernando Brant e musicada por Milton Nascimento. Eu me lembro do arrepio causado pela primeira audição, nos tempos da faculdade, na segunda metade dos anos setenta:
"A primeira Coca-Cola foi / me lembro bem agora / nas asas da Panair / A maior das maravilhas foi voando sobre o mundo nas asas da Panair":
http://www.kboing.com.br/elis-regina/1-1137222/
Fernando Brant morreu ontem, em Belo Horizonte, aos 68 anos. Lástima. Tinha tempo pela frente. A letra de "Canção da América", tão citada, é perfeitamente esquecível. Não se compara com as de "Saudade dos Aviões de Panair" ou de "San Vicente", belíssima:
"Coração americano / acordei de um sonho estranho":
https://www.youtube.com/watch?v=IdnCOH8oj9E
Faz algum tempo, entrevistei o ex-jogador Reinaldo, ídolo do Atlético Mineiro, sobre os bastidores da Copa de 78. Caso raro de jogador politizado e engajado na oposição ao regime militar, Reinaldo recebeu pelo correio, na concentração, na Argentina, um documento que tratava da colaboração entre ditaduras sul-americanas - a chamada Operação Condor. Guardou o documento, assustado, no fundo da mala. De volta ao Brasil, entregou o papel a Luiz Gonzaga Júnior e a Fernando Brant - de quem era amigo.


A entrevista com Reinaldo:
https://www.youtube.com/watch?v=Npae7UBeZa0
Falei com Fernando Brant, por telefone, dias antes de a matéria ir ao ar no Fantástico. Tentava achar o documento que Reinaldo entregou a Luiz Gonzaga Júnior e a ele. Brant não tinha ideia do destino dado ao papel.
Aproveitei para dizer que letras como as de Conversando no Bar e San Vicente eram inesquecíveis. Brinquei: se um dia eu tivesse escrito letras assim, já me daria por satisfeito - não faria nada na vida...Brant riu, meio encabulado com o elogio. Disse algo como: "O que é isso?".
É isso: a música brasileira perdeu um grande letrista.
Há tantas outras. O que dizer de belíssima "Promessas de Sol"? ( "Você me quer forte/ e eu não sou forte mais/ (...) Chamo pela lua de prata pra me salvar/ Rezo pelos deuses da mata pra me matar" ):
https://www.youtube.com/watch?v=a_DsDttfZhY
E "Ponta de Areia" ?:
https://www.youtube.com/watch?v=XZyYCxoW1VM
É assim: "As horas não se contavam / E o que era negro anoiteceu".

Posted by geneton at 12:25 PM

junho 11, 2015

ROBERTO CARLOS ESTAVA CERTO - COMO DOIS E DOIS SÃO CINCO

Quarta-feira, dez de junho de 2015. Justiça seja feita: o Supremo Tribunal Federal escreveu um capítulo brilhante na história da liberdade de expressão no Brasil. Por nove votos a zero, o STF mandou para o lixo a censura prévia às biografias. Ninguém votou pela manutenção do obscurantismo. A ministra Cármen Lúcia pronunciou aquela que é, desde já, presença certa na lista das frases do ano: “Cala a boca já morreu”. Ou seja: ninguém pode calar a boca de ninguém.

(É óbvio que, numa democracia, todas as partes têm todo o direito de se manifestar nos tribunais. Mas não custa nada anotar que o advogado de Roberto Carlos fez um papel patético: virou a única voz pró-obscurantismo. Peço licença aos senhores jurados para manifestar um pensamento politicamente incorreto: ao ouvir parte das perorações do representante do senhor RC, tive a tentação de pensar que advogado consegue ser pior do que jornalista! Por um bom “cachê”, um advogado é capaz de defender publicamente censura ou, por exemplo, encontrar em cinco minutos uma dúzia de atenuantes para um selvagem que ataca os outros com uma faca numa festa....).

Uma nota paralela: o país esperava, há meses, que o Senado Federal, assim como ocorrera com a Câmara dos Deputados, derrubasse a censura prévia a biografias. O Senado demorou, demorou, demorou. Não votou a matéria até hoje. Resultado: o STF é que vai ficar, com todas as honras, com os “louros” da vitória. O Senado engoliu mosca. Lamentável. Perdeu uma grande chance de tomar uma decisão histórica.

Roberto Carlos começou com toda esta confusão. Pisou na bola feíssimo.

A obsessão de Roberto Carlos em censurar uma biografia que, no fim das contas, lhe é elogiosa parece ser um caso clínico. Triste, triste, triste. Não é exagero dizer que Roberto Carlos manchou a própria biografia ao investir contra os biógrafos.

Justiça seja feita - de novo: é um grande intérprete. O repertório é cheio de altos e baixíssimos. Aquele verso “meu cachorro me sorriu latindo” é indefensável sob qualquer critério: estético, ético, veterinário, filosófico, artístico, musical, sinfônico, sociológico ou antropológico. Há momentos gloriosos: aquele disco “Roberto Carlos em ritmo de aventura” é bonito.
Idem para “O inimitável”.

Roberto Carlos cantando “Como dois e dois” - música bonita de Caetano Veloso - é emocionante:

Há uma sintonia indiscutível entre Roberto Carlos e o gosto popular.

Estive há pouco no sertão de Pernambuco, numa cidade minúscula chamada Solidão, para gravar um documentário para a Globonews.

Era dia de feira: uma caixa de som, na rua, passou o dia inteiro tocando Roberto Carlos. Numa entrevista, um morador, homem humilde que sonhava em um dia conhecer o Rio de Janeiro, dizia que admirava a cidade porque era lá que vivia a maioria dos artistas. “E Roberto Carlos, para mim, é o número um”, disse, com os olhos brilhando.

A sintonia entre RC e o gosto popular existe e sempre existiu.

Pergunta-se: por que um artista com tanta presença na história dos brasileiros se meteu numa “roubada” dessas?

Não há meias palavras: as atitudes de Roberto Carlos no caso das biografias são indefensáveis, indefensáveis, indefensáveis. A beleza de tantas das interpretações de Roberto Carlos é igualmente indiscutível.

Um exemplo aleatório, entre tantos: uma música que nem fez tanto sucesso. Chama-se “Alô”. É provável que os versos soassem banais na voz de qualquer outro intérprete. Cantados por Roberto Carlos, vão fundo. É esta a diferença: https://goo.gl/gS1dT4

Sou insuspeitíssimo para falar, porque perdi a conta de parágrafos que escrevi contra a censura prévia a biografias. Detonei as lamentabilíssimas atitudes do “Rei”. (Já o entrevistei algumas vezes. Tenho certeza de que ele jamais me dará outra entrevista. Tudo bem). Mas sei: o que Roberto Carlos já cantou é maior do que qualquer polêmica em que ele tenha se envolvido. É o que vai ficar. Um dia, a briga pela publicação das biografias estará esquecida. Uma caixa de som de alguma cidade do sertão estará tocando uma música de Roberto Carlos.

De qualquer maneira, não posso deixar de dizer: nessa confusão toda, as coisas que Roberto Carlos fez e disse estão certas, sempre estiveram certas - como dois e dois são cinco.

Posted by geneton at 12:48 PM

maio 10, 2015

A GRANDE FÁBRICA DE CHATICES

Palíndromos ( com aquelas frases tortas, ilegíveis ou simplesmente sem sentido ). Mímica. Sapateado.
Eis aí,sem tirar nem por, três das coisas mais chatas que a espécie humana já conseguiu criar.
Fico imaginando um sapateador fazendo mímica para explicar um palíndromo: tenho certeza de que o inferno, se existe, deve ser assim. Só pode ser.

Posted by geneton at 12:27 PM

A GRANDE FÁBRICA DE CHATICES

Palíndromos ( com aquelas frases tortas, ilegíveis ou simplesmente sem sentido ). Mímica. Sapateado.
Eis aí,sem tirar nem por, três das coisas mais chatas que a espécie humana já conseguiu criar.
Fico imaginando um sapateador fazendo mímica para explicar um palíndromo: tenho certeza de que o inferno, se existe, deve ser assim. Só pode ser.

Posted by geneton at 12:27 PM

A GRANDE FÁBRICA DE CHATICES

Palíndromos ( com aquelas frases tortas, ilegíveis ou simplesmente sem sentido ). Mímica. Sapateado.
Eis aí,sem tirar nem por, três das coisas mais chatas que a espécie humana já conseguiu criar.
Fico imaginando um sapateador fazendo mímica para explicar um palíndromo: tenho certeza de que o inferno, se existe, deve ser assim. Só pode ser.

Posted by geneton at 12:27 PM

A GRANDE FÁBRICA DE CHATICES

Palíndromos ( com aquelas frases tortas, ilegíveis ou simplesmente sem sentido ). Mímica. Sapateado.
Eis aí,sem tirar nem por, três das coisas mais chatas que a espécie humana já conseguiu criar.
Fico imaginando um sapateador fazendo mímica para explicar um palíndromo: tenho certeza de que o inferno, se existe, deve ser assim. Só pode ser.

Posted by geneton at 12:27 PM

maio 08, 2015

O ÚLTIMO DELÍRIO DE GLAUBER ROCHA: JOGAR A FLORESTA AMAZÔNICA NO TEATRO MUNICIPAL.

Raimundo Fagner entra no quarto do hospital em que Glauber Rocha estava internado, em Portugal. Diante da visita, Glauber "delira" sobre o sonho de montar a ópera O Guarani no Rio de Janeiro. Diz que vai jogar a floresta amazônica dentro do Teatro Municipal. Não deu tempo. A morte, essa pantera, chegou antes.
O relato sobre o último delírio de Glauber Rocha marca o depoimento de Fagner para nosso documentário CORDILHEIRAS NO MAR: A FÚRIA DO FOGO BÁRBARO - que acaba de ser selecionado para a mostra competitiva do Cine Ceará, a ser realizado em meados de junho.
A exibição no Cine Ceará será a primeiríssima do filme.
Próxima parada: Fortaleza.
Aqui, em foto de Dudu Mafra, Raimundo Fagner e o locutor-que-vos-fala, no dia da gravação do depoimento:

fagner.jpg

Posted by geneton at 12:30 PM

maio 05, 2015

O FANTASMA DE WILLIAM FAULKNER PASSEIA PELO CAIS JOSÉ ESTELITA, NO RECIFE

Faz alguns meses, publiquei, aqui, um pequeno post sobre a polêmica que agita o Recife, sobre a construção de arranha-céus.
Republico:
Uma vez, numa entrevista, ouvi a escritora Lygia Fagundes Telles dizer que, numa visita ao Brasil, o grande escritor William Faulkner, bêbado, foi até a janela, olhou a paisagem de São Paulo e perguntou, espantado: "O que é que eu estou fazendo em Chicago?".
Um pitaco de natureza estética: uma das paisagens mais bonitas do Recife é aquela vista por quem atravessa a ponte do Pina. Lá do outro lado, o cais José Estelita. Se for erguida uma fileira de arranha-céus ali, quem olhar para o cais vai ter a tentação de repetir a pergunta de Faulkner.
Vale a pena ficar parecendo com Chicago? O fantasma de William Faulkner, sóbrio, responderia: "Não!".

Posted by geneton at 12:33 PM

abril 30, 2015

A TERRA TREMEU E SANGROU PARA QUE, UM DIA, ACONTECESSEM CENAS ESPETACULARMENTE BANAIS ( AINDA BEM! )

Faz algum tempo, fiz um "tour" a pé pela Berlim do nazismo. O guia ia explicando o que tinha acontecido em cada lugar. Ao final, o guia, meio teatral, fez uma parada em frente a um banalíssimo bloco de apartamentos. Disse aos que o acompanhavam naquela peregrinação: "Vocês estão pisando num lugar importantíssimo: aqui, foi decidida a sorte do Século XX !". Tratou de avisar aos visitantes que exatamente ali um dia existiu o bunker de Adolf Hitler.


Eu me lembrei da cena porque hoje, trinta de abril, faz setenta anos que Hitler se matou, no bunker, para não ser capturado pelos soviéticos.
Hoje, aquele palco de acontecimentos épicos, como a cena final da Batalha de Berlim, é cenário de acontecimentos irretocavelmente banais.
Transeuntes alheios aos vapores da História passavam pela calçada, indiferentes ao punhado de turistas curiosos. Carros entravam e saíam do bloco de apartamentos. Crianças brincavam num pátio. Em suma: o planeta funcionava.
Um dia, a terra tremeu e sangrou, para que essas cenas aparentemente desimportantes pudessem se repetir todo dia, numa rua qualquer de Berlim. Ainda bem. Assim caminha a humanidade.

Posted by geneton at 12:33 PM

A TERRA TREMEU E SANGROU PARA QUE, UM DIA, ACONTECESSEM CENAS ESPETACULARMENTE BANAIS ( AINDA BEM! )

Faz algum tempo, fiz um "tour" a pé pela Berlim do nazismo. O guia ia explicando o que tinha acontecido em cada lugar. Ao final, o guia, meio teatral, fez uma parada em frente a um banalíssimo bloco de apartamentos. Disse aos que o acompanhavam naquela peregrinação: "Vocês estão pisando num lugar importantíssimo: aqui, foi decidida a sorte do Século XX !". Tratou de avisar aos visitantes que exatamente ali um dia existiu o bunker de Adolf Hitler.


Eu me lembrei da cena porque hoje, trinta de abril, faz setenta anos que Hitler se matou, no bunker, para não ser capturado pelos soviéticos.
Hoje, aquele palco de acontecimentos épicos, como a cena final da Batalha de Berlim, é cenário de acontecimentos irretocavelmente banais.
Transeuntes alheios aos vapores da História passavam pela calçada, indiferentes ao punhado de turistas curiosos. Carros entravam e saíam do bloco de apartamentos. Crianças brincavam num pátio. Em suma: o planeta funcionava.
Um dia, a terra tremeu e sangrou, para que essas cenas aparentemente desimportantes pudessem se repetir todo dia, numa rua qualquer de Berlim. Ainda bem. Assim caminha a humanidade.

Posted by geneton at 12:33 PM

A TERRA TREMEU E SANGROU PARA QUE, UM DIA, ACONTECESSEM CENAS ESPETACULARMENTE BANAIS ( AINDA BEM! )

Faz algum tempo, fiz um "tour" a pé pela Berlim do nazismo. O guia ia explicando o que tinha acontecido em cada lugar. Ao final, o guia, meio teatral, fez uma parada em frente a um banalíssimo bloco de apartamentos. Disse aos que o acompanhavam naquela peregrinação: "Vocês estão pisando num lugar importantíssimo: aqui, foi decidida a sorte do Século XX !". Tratou de avisar aos visitantes que exatamente ali um dia existiu o bunker de Adolf Hitler.


Eu me lembrei da cena porque hoje, trinta de abril, faz setenta anos que Hitler se matou, no bunker, para não ser capturado pelos soviéticos.
Hoje, aquele palco de acontecimentos épicos, como a cena final da Batalha de Berlim, é cenário de acontecimentos irretocavelmente banais.
Transeuntes alheios aos vapores da História passavam pela calçada, indiferentes ao punhado de turistas curiosos. Carros entravam e saíam do bloco de apartamentos. Crianças brincavam num pátio. Em suma: o planeta funcionava.
Um dia, a terra tremeu e sangrou, para que essas cenas aparentemente desimportantes pudessem se repetir todo dia, numa rua qualquer de Berlim. Ainda bem. Assim caminha a humanidade.

Posted by geneton at 12:33 PM

A TERRA TREMEU E SANGROU PARA QUE, UM DIA, ACONTECESSEM CENAS ESPETACULARMENTE BANAIS ( AINDA BEM! )

Faz algum tempo, fiz um "tour" a pé pela Berlim do nazismo. O guia ia explicando o que tinha acontecido em cada lugar. Ao final, o guia, meio teatral, fez uma parada em frente a um banalíssimo bloco de apartamentos. Disse aos que o acompanhavam naquela peregrinação: "Vocês estão pisando num lugar importantíssimo: aqui, foi decidida a sorte do Século XX !". Tratou de avisar aos visitantes que exatamente ali um dia existiu o bunker de Adolf Hitler.


Eu me lembrei da cena porque hoje, trinta de abril, faz setenta anos que Hitler se matou, no bunker, para não ser capturado pelos soviéticos.
Hoje, aquele palco de acontecimentos épicos, como a cena final da Batalha de Berlim, é cenário de acontecimentos irretocavelmente banais.
Transeuntes alheios aos vapores da História passavam pela calçada, indiferentes ao punhado de turistas curiosos. Carros entravam e saíam do bloco de apartamentos. Crianças brincavam num pátio. Em suma: o planeta funcionava.
Um dia, a terra tremeu e sangrou, para que essas cenas aparentemente desimportantes pudessem se repetir todo dia, numa rua qualquer de Berlim. Ainda bem. Assim caminha a humanidade.

Posted by geneton at 12:33 PM

abril 25, 2015

INTERROMPAM A NOVELA DAS OITO! A GUERRA COMEÇOU!

É hora de fazer uma declaração pensada sob medida para impressionar internautas distraídos :
o blogueiro-que-vos fala uma vez interrompeu a transmissão da novela da oito !
“Não é possível! Não é possível! Aposto um níquel que jornalista algum jamais conseguiria interromper o programa de maior audiência da TV brasileira !” – diz o espírito-de-porco sentado na quinta cadeira à direita de quem entra no Inferno dos Descrentes.
O meu demônio-da-guarda solta um sorriso de escárnio, idêntico aos das bruxas em filmes da Disney: “Consegue, sim ! Consegue,sim ! Basta que a Casa Branca resolva começar uma guerra!”.
Paulo Francis é que dizia:
“Todo jornalista decente é um urubu na sorte dos outros mortais. Ficamos esperando que as pessoas escorreguem numa casca de banana e batam com a cara no chão. Se tudo corre muito bem, para nós é muito mal”.
O grande repórter Joel Silveira ia direto ao ponto:
- Adoro uma guerra!
Aos fatos, pois.

Por uma “conjunção de fatores” que acontece uma vez na vida, eu estava na hora certa no lugar certo para interromper a novela das oito.
A novela se chamava “Meu Bem, Meu Mal”. A data: dezessete de janeiro de 1991. O personagem principal era um tal de Dom Lázaro Venturini, um empresário que, depois de ficar mudo em consequência de um derrame, volta falar no fim da trama, para desmascarar seus inimigos. Lima Duarte era o ator.
Em nome da precisão, diga-se que o blogueiro-que-vos-fala teve dois cúmplices na tarefa de tomar de assalto a novela das oito.
Primeiro cúmplice: o rapaz que hoje é editor-chefe do Jornal Nacional - William Bonner.
Segundo cúmplice: o técnico que estava de plantão, naquele momento, no chamado “controle-mestre” da Rede Globo, no Jardim Botânico. O controle-mestre, como o nome sugere, pode, em situações de extrema gravidade, interromper um programa para que o telespectador seja informado de uma notícia urgente.
A notícia, ali, era urgentíssima : estava começando uma guerra.
Vasculho meu pequeno e precário Museu de Papel em busca de um relato que escrevi a pedido de uma revista, "no calor da hora", sobre o que aconteceu naquela noite na redação Jornal Nacional ( eu era, na época, "editor-executivo" do Jornal Nacional. Minha função: escrever as chamadas e a "escalada" do telejornal - as manchetes que, minutos depois, seriam lidas pelas vozes imbatíveis de Sérgio Chapelin e Cid Moreira. William Bonner, também dono de um vozeirão, apresentava o Jornal da Globo. Eventualmente, substituía um dos dois titulares do JN ).
O relato de 1991:
"Quando o ex-fuzileiro naval Lee Harvey Oswald apertou o gatilho do rifle Mannlicher-Carcano contra a comitiva do presidente John Kennedy, às 12:30 da sexta-feira, vinte e dois de novembro de 1963, Walter Cronkite, a estrela máxima do telejornalismo da rede americana CBS, estava no lugar errado – mas nem tanto.
Se pudesse adivinhar o que iria acontecer, Cronkite teria chegado na véspera a Dallas para, em algum ponto da praça Dealey, viver a aventura com que todo repórter sonha: ser testemunha ocular de um fato histórico. Mas Cronkite nunca foi candidato a Nostradamus.
O despacho que a agência de notícias UPI disparou para as redações exatamente às 12:34 – quatro minutos do atentado, portanto - pegou Cronkite na sala de teletipos de CBS.
O texto do despacho urgente era curto: “Three shots were fired at president Kennedy´s motorcade today in downtown Dallas”
( “Três tiros atingiram a comitiva do presidente Kennedy durante o desfile de carro no centro de Dallas”). Criou-se, claro, um tumulto na redação. Era preciso dar uma edição extraordinária imediatamente.
Cronkite descobriu que teria de esperar dez minutos até que as luzes e as câmeras do estúdio estivessem prontas para levar ao ar a bomba. Acontece que, numa situação dessas, dez minutos significam dez mil anos. É impossível esperar.
A primeira informação foi dada em off, sem a imagem do âncora Walter Cronkite. Não havia tempo de preparar a câmera e a luz
A CBS, então, interrompeu a novela na hora do almoço com um letreiro que anunciava a edição extraordinária. A notícia – que atingiu os Estados Unidos com a potência de um “soco no estômago” em plena hora do almoço – foi dada somente com a voz, sem a imagem de Cronkite no vídeo.
O flash fatal chegou logo depois, pelo telex. Num exercício desesperado de agilidade e precisão, o flash da UPI resumia em três palavras, a uma e trinta da tarde, uma das notícias mais dramática do Século XX: “President Kennedy dead”.
Quando a tragédia se materializou em forma de uma frase, as luzes e câmeras finalmente estavam prontas, na redação da CBS. Somente aí Walter Cronkite pôde aparecer no vídeo. Com voz grave, ele levantou os olhos do pedaço de papel que tinha nas mãos, tirou os óculos e pronunciou em tom solene a notícia que, quem viu, não esqueceu: “President Kennedy died”.
Tempos depois, Cronkite descreveria assim o que sentiu quando teve de ler o primeiro flash – o dos tiros – , em off, sem aparecer no vídeo:
- “Nós tínhamos, ali, uma notícia terrível. Tínhamos de nos mobilizar. Fiquei desapontado ao saber que as câmeras iram demorar tanto para ficar prontas. Mas o fato de termos ido ao ar é o que importa. Nós fomos os primeiros a noticiar. É o que vale”.
Quando a obrigação de informar é urgentíssima, a televisão se transforma em rádio. Se não é possível ter a imagem em questão de segundos, por que não usar apenas o som ?
O fenômeno se repetiu vinte e oito anos depois, na explosão da Guerra do Golfo, um conflito que a tevê transformou em acontecimento planetário em questão de minutos. A chuva de bombas sobre Bagdá foi transmitida, num primeiro momento, apenas com o som da voz dos repórteres da CNN. Ponto. Parágrafo.
Meu nome não é Walter Cronkite, não ganho em dólar, a TV Globo não é a CBS, o Rio de Janeiro não é Nova York, Jardim Botânico não é Manhattan. Mas vivi na pele a certeza de que, numa tevê, não se pode esperar sequer por uma câmera quando se tem uma notícia histórica nas mãos.
O ajuste das câmeras e luzes num estúdio exige minutos adicionais de espera, o que, num caso desses, é fatal na velha briga pelo “furo”. As tevês vivem brigando pelo privilégio de dar as notícias em primeiro lugar. É natural. Não custa nada lembrar que uma das diferenças visíveis entre um telejornalista e uma samambaia é a obstinação em dar notícias inéditas. As outras diferenças não descobri ainda. Continuo tentando.
Quando ouvi o grito de alerta dado diante de um dos terminais de computador da redação pelo editor Aníbal Ribeiro – “a guerra começou!” – disparei pelos corredores com uma velocidade que, modéstia à parte, fez jus ao meu passado de zagueiro central amador na praia do janga, Pernambuco, Brasil.
Se aparecesse ali, naquela hora, o anabolizado Ben Johnson seria reduzido ao papel de tartaruga enferrujada. Não houve tempo de escrever nada. Trancado numa ilha de edição, às voltas com a gravação de um texto para o Jornal da Globo, o apresentador William Bonner ouviu meu grito: “Começou a guerra, porra!”.
Numa “fração de segundo”, ele disparou, também, pelos corredores das ilhas de edição. Invadimos, juntos, a sala onde fica a cabine de locução. A rapidez da equipe técnica de plantão completou o serviço: entre o alerta de Aníbal e a interrupção da novela com a “edição extra” do Jornal Nacional, passaram-se exatos 41 segundos, conforme registram os relatórios de programação que tive o cuidado de consultar depois.
Só tivemos tempo de improvisar um texto que atribuía a informação às agências de notícias. Algo assim: “As agências internacionais acabam de informar que começou o bombardeio de Bagdá”.
A novela das oito estava no ar. Mas não havia tempo de esperar pelo intervalo comercial.
(Dias antes, o então diretor da Central Globo de Jornalismo, Alberico de Sousa Cruz, tinha me perguntado qual o tempo mínimo necessário para botar no ar uma informação. Disse a ele que, numa situação extrema, era o tempo de correr da redação para a cabine. É o que terminou acontecendo….).
A revista ISTOÉ teve o cuidado de cronometrar a corrida. O plantão do Jornal Nacional foi ao ar dois minutos antes da emissora que tirou segundo lugar na batalha contra o relógio.
Numa hora dessas, quando acende o pavio de uma bomba que vai explodir diante dos olhos do telespectador, a TV cumpre o papel que o tantas vezes citado Marshall McLuhan descrevia: se o rádio é a extensão do ouvido e o cinema é a extensão do olho, a teve “é a extensão do sistema nervoso central dos telespectadores”.
É uma evidência científica indiscutível : quando o mundo vem abaixo, quando um louco atira na cabeça de um presidente, quando uma “chuva de bombas” desaba sobre Bagdá, o telejornalismo é C9H13N03 - a fórmula da adrenalina pura".
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( Faço uma busca rápida no Youtube. Termino encontrando a abertura do Jornal Nacional do dia seguinte - as primeiras notícias sobre a Guerra do Golfo:
https://www.youtube.com/watch?v=LPRy5sQxMRw )

Posted by geneton at 01:19 PM

AQUELA NOITE DE DEZEMBRO, EM FRENTE AO EDIFÍCIO DAKOTA ( E A CARTA DE JOHN LENNON QUE SÓ CHEGOU AO DESTINATÁRIO QUASE QUATRO DÉCADAS DEPOIS VIRA UM BELO FILME, JÁ EM CARTAZ! )

Um filme bonito em cartaz: "Não Olhe para Trás" - com o grande Al Pacino. Vale ver! Escrito e dirigido por Dan Fogelman, o filme é parcialmente baseado numa história real: depois de ler a entrevista de um músico, John Lennon escreve uma carta encorajadora para ele. O problema é que a carta só chegou ao destinatário quase quarenta anos depois de escrita! Alguém - certamente de olho no dinheiro que poderia render o manuscrito de um ex-beatle no auge da fama - terminou vendendo a carta para um colecionador.
Em resumo: o músico, em início de carreira, dissera, na entrevista, que a fama e a fortuna poderiam ter um efeito nocivo sobre a criação. Lennon diz na carta que o fato de ser rico ou pobre não muda necessariamente a natureza da relação com as outras pessoas. Nome do músico: Steve Tilston.
http://goo.gl/xLgEQK


Al Pacino dá o show habitual. É um dos grandes dessa geração que reuniu Jack Nickolson, Dustin Hoffman e Robert de Niro. Um ou outro terminaram fazendo filmes bobos, certamente em troca de cachês milionários. Mas estão para sempre no primeiro time. Que bom seria que não envelhecessem nunca e tratassem de brilhar para sempre em novos filmes tão bons quanto Um Estranho no Ninho, A Primeira Noite de um Homem ou Taxi Driver...
"Não Olhe para Trás" não chega a tanto, mas é um belo filme.
Já que se fala de John Lennon: pesco na minha gaveta virtual um texto escrito há algum tempo sobre a noite em que as balas de Mark Chapman derrubaram Lennon na entrada do Edifício Dakota:
--------
Bato o olho no alto da página do jornal para checar a data e se estou no planeta Terra: oito de dezembro!
A data – por um desses mecanismos pessoais e intransferíveis – deflagra uma torrente de lembranças sobre um daqueles acontecimentos que "marcam uma geração": a morte de John Lennon, que foi assassinado a tiros por um fã enlouquecido, num oito de dezembro, no saguão de entrada de um edifício chamado Dakota, em Nova York.
Quem um dia foi devoto dos Beatles deve se lembrar exatamente onde estava quando recebeu a notícia de morte de Lennon. Não sou exceção. Por coincidência, 14 anos depois, em 1994, um grande nome da MPB morreria num oito de dezembro, também em Nova York: o maestro Tom Jobim.
(Não faz tempo, um manifestante, fatigado de um mundo sem utopias, pichou num muro: "Chega de realizações! Queremos promessas!". Bingo. O meu demônio-da-guarda me sopra no ouvido, neste oito de dezembro: "Chega de notícias! Queremos lembranças!". Faço, então, uma pequena expedição pelo Boulevard da Memória).
O locutor-que-vos-fala estudava cinema e, nas "horas vagas", fazia bicos como motorista de uma família rica e camareiro de um hotel no Quartier Latin, em Paris, naquele dezembro de 1980 (um dia, quem sabe, se me sobrarem tempo e neurônios, rabiscarei as Memórias Secretas de um Camareiro Acidental...).
Dias antes, por uma grande coincidência, eu comentara com um amigo – Fernando Correia, à época estudante de economia – o plano de fazer, em Nova York, o que fizera em Paris: desembarcar "na aventura", pela simples curiosidade de ver o que se escondia além da linha do horizonte da Cidade do Recife. "Quem sabe, vou tentar entrevistar aquele alcoólatra decadente", disse, na brincadeira, numa referência injusta a Lennon.
Porteiro da noite num hotel nos arredores de Paris, este amigo ouviu no rádio, na madrugada francesa, a notícia que começava a correr mundo: John Lennon tinha sido assassinado naquela noite de inverno.
De volta à "pensão" na qual morava um punhado de brasileiros, depois de cumprir o plantão noturno, ele deixou, de manhã de bem cedo, embaixo da porta do meu quarto, um bilhete: "Bicho, mataram John Lennon!". Pensei que era brincadeira. Ao sair para a escola, em Nanterre, deixei embaixo da porta do quarto do vizinho outro aviso, em retribuição: "Bicho, mataram Fidel Castro!".
As notícias, "naquele tempo", corriam velozes, mas não na velocidade da luz, como acontece hoje. Não existia internet! As edições da manhã dos jornais franceses não publicaram nada sobre a morte de Lennon, por conta do fuso horário. Quando a bomba explodiu na Europa, os jornais já estavam na rua.
"Por desencargo", dei uma olhada nas primeiras páginas estendidas numa banca perto do metrô Place D´Italie. Nada. Perguntei a colegas que frequentavam um seminário sobre documentários, na Universidade de Nanterre: "Vocês ouviram falar alguma coisa sobre John Lennon?". Incrivelmente, nada.
O choque veio no caminho de volta para a casa. A manchete do vespertino France Soir berrava, num título que, para mim, foi inesquecível, pelo impacto: "John Lennon assassinado por um admirador decepcionado. Era o mais talentoso dos Beatles". Guardei o jornal comigo pelas décadas seguintes.
Não é exagero dizer que um geração inteira se sentiu de alguma maneira órfã naquele oito de dezembro. Perto do Natal, Joan Baez foi fazer um concerto ao ar livre, diante da Catedral de Notre Dame. Não disse nada sobre a tragédia, mas, ao final do show, cantou “Let it Be”, acompanhada apenas do violão. A multidão fez coro. A cena foi bonita.
(Fui ao show por complacência dos meus "patrões" – a família rica para quem eu "trabalhava" como motorista. O que não faz "um rapaz latino-americano /sem dinheiro no banco / sem parentes importantes", em busca de uns trocados para ir tocando a vida? O casal ia a uma ceia antecipada de Natal, na casa de uma filha. Perguntou se eu poderia fazer uma jornada extra naquela noite, já que eles queriam levar o neto de carro para o jantar em família. Era algo que só acontecia uma vez por ano. Douglas era um menino especial, incapaz de se mover sem ajuda. Aprendi com ele lições inesperadas sobre a convivência com gente especial. Promessa dois: um dia, quem sabe, se me sobrarem tempo e neurônios, rabiscarei as Memórias de um Motorista Acidental... Eu disse a meus "patrões" que sim, claro, não poderia deixar de levar Douglas e os avós para a ceia de Natal, mas gostaria de ver Joan Baez cantando na frente da Notre Dame. E eles: "Você nos deixa, vai ver e volta para nos levar de volta para casa, no fim da noite". E assim foi feito. Duvido que o casal, simpático e bem situado, imaginasse quem era a cantora de protesto Joan Baez.)
O filme "Let it Be" voltou a cartaz, num cinema perto do metrô Odeon. Fui ver. Fazia frio. A plateia era de beatlemaníacos repentinamente jogados na "orfandade".
Paulo Francis escreveria na “Folha de São Paulo”: "A morte de Lennon é o fim de uma época, talvez a última que conheçamos em que uma geração de jovens talentosos, como os Beatles, tentou humanizar o nosso mundo de poderes impiedosos, impessoais e letais. Lennon baniu Reagan, Brejnev, Israel, Síria e Jordânia do centro das notícias. Talvez porque a maioria das pessoas reconhecesse nele um ser humano, enquanto esses outros problemas não podem ser tocados pelo cidadão comum, que, se interessado neles, é submetido à dieta de “press releases” dos poderosos. Com Lennon, se foi não só uma era, nos parece, mas um anseio de simplicidades que se tornaram aparentemente impossíveis em nosso tempo".
Francis acertou na mosca: além de tudo, ali, se perdia para sempre uma espécie de inocência e de ingenuidade que, embalada por belíssimas canções, parecia protegida e inalcançável pelos horrores do mundo.
A revista “Newsweek” publicaria um lead brilhante (aos não iniciados em jornalismo: lead é o início de uma reportagem – aquelas frases em que o autor tenta fisgar logo o leitor. O lead da “Newsweek” reproduzia o momento em que a figura nefasta de Mark David Chapman, o assassino, abordou Lennon, na calçada do Edifício Dakota: "Era apenas uma voz, saída de dentro de uma noite americana: "Mister Lennon?".
Faço um pequeno tour pelo Youtube. Lá, vejo Joan Baez cantando "Let it Be", uma das melhores canções da dupla imbatível, Lennon & McCartney.
Quando o casal Rosenberg, acusado de espionagem pró-União Soviética, foi executado nos Estados Unidos, Jean Paul Sartre escreveu: "O casal Rosenberg morreu, a vida continua. Não era o que vocês queriam?".
Hoje, o assassino Mark David Chapman mofa numa prisão – e o oito de dezembro traz de volta lembranças que, aos olhos de beatlemaníacos de todas as gerações, parecerão sempre irreais e absurdas.
É inevitável fazer o cálculo inútil: quantas e quantas belas canções não deixaram de ser escritas depois daquele fim de noite de inverno em Nova Iorque?
Não era o que os beatlemaníacos queriam.
(Aqui, uma das melhores pérolas do Lennon pós-Beatle: "Mother". Em um verso, ele resume tomos e tomos de Sigmund Freud: "Mãe, não vá embora/ Pai, volte para casa")
Não se fez, em música pop, nada que igualasse a beleza de Abbey Road – o auge dos Beatles. Os versos de "Golden Slumbers" soam tristemente irônicos aos ouvidos de beatlemaníacos embalados pelas lembranças "pessoais e intransferíveis" do oito de dezembro de cada um ("Boy / Você vai carregar este peso / Vai carregar este peso/ por um longo tempo).

lennon.jpg

Posted by geneton at 12:35 PM

AQUELA NOITE DE DEZEMBRO, EM FRENTE AO EDIFÍCIO DAKOTA ( E A CARTA DE JOHN LENNON QUE SÓ CHEGOU AO DESTINATÁRIO QUASE QUATRO DÉCADAS DEPOIS VIRA UM BELO FILME, JÁ EM CARTAZ! )

Um filme bonito em cartaz: "Não Olhe para Trás" - com o grande Al Pacino. Vale ver! Escrito e dirigido por Dan Fogelman, o filme é parcialmente baseado numa história real: depois de ler a entrevista de um músico, John Lennon escreve uma carta encorajadora para ele. O problema é que a carta só chegou ao destinatário quase quarenta anos depois de escrita! Alguém - certamente de olho no dinheiro que poderia render o manuscrito de um ex-beatle no auge da fama - terminou vendendo a carta para um colecionador.
Em resumo: o músico, em início de carreira, dissera, na entrevista, que a fama e a fortuna poderiam ter um efeito nocivo sobre a criação. Lennon diz na carta que o fato de ser rico ou pobre não muda necessariamente a natureza da relação com as outras pessoas. Nome do músico: Steve Tilston.
http://goo.gl/xLgEQK


Al Pacino dá o show habitual. É um dos grandes dessa geração que reuniu Jack Nickolson, Dustin Hoffman e Robert de Niro. Um ou outro terminaram fazendo filmes bobos, certamente em troca de cachês milionários. Mas estão para sempre no primeiro time. Que bom seria que não envelhecessem nunca e tratassem de brilhar para sempre em novos filmes tão bons quanto Um Estranho no Ninho, A Primeira Noite de um Homem ou Taxi Driver...
"Não Olhe para Trás" não chega a tanto, mas é um belo filme.
Já que se fala de John Lennon: pesco na minha gaveta virtual um texto escrito há algum tempo sobre a noite em que as balas de Mark Chapman derrubaram Lennon na entrada do Edifício Dakota:
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Bato o olho no alto da página do jornal para checar a data e se estou no planeta Terra: oito de dezembro!
A data – por um desses mecanismos pessoais e intransferíveis – deflagra uma torrente de lembranças sobre um daqueles acontecimentos que "marcam uma geração": a morte de John Lennon, que foi assassinado a tiros por um fã enlouquecido, num oito de dezembro, no saguão de entrada de um edifício chamado Dakota, em Nova York.
Quem um dia foi devoto dos Beatles deve se lembrar exatamente onde estava quando recebeu a notícia de morte de Lennon. Não sou exceção. Por coincidência, 14 anos depois, em 1994, um grande nome da MPB morreria num oito de dezembro, também em Nova York: o maestro Tom Jobim.
(Não faz tempo, um manifestante, fatigado de um mundo sem utopias, pichou num muro: "Chega de realizações! Queremos promessas!". Bingo. O meu demônio-da-guarda me sopra no ouvido, neste oito de dezembro: "Chega de notícias! Queremos lembranças!". Faço, então, uma pequena expedição pelo Boulevard da Memória).
O locutor-que-vos-fala estudava cinema e, nas "horas vagas", fazia bicos como motorista de uma família rica e camareiro de um hotel no Quartier Latin, em Paris, naquele dezembro de 1980 (um dia, quem sabe, se me sobrarem tempo e neurônios, rabiscarei as Memórias Secretas de um Camareiro Acidental...).
Dias antes, por uma grande coincidência, eu comentara com um amigo – Fernando Correia, à época estudante de economia – o plano de fazer, em Nova York, o que fizera em Paris: desembarcar "na aventura", pela simples curiosidade de ver o que se escondia além da linha do horizonte da Cidade do Recife. "Quem sabe, vou tentar entrevistar aquele alcoólatra decadente", disse, na brincadeira, numa referência injusta a Lennon.
Porteiro da noite num hotel nos arredores de Paris, este amigo ouviu no rádio, na madrugada francesa, a notícia que começava a correr mundo: John Lennon tinha sido assassinado naquela noite de inverno.
De volta à "pensão" na qual morava um punhado de brasileiros, depois de cumprir o plantão noturno, ele deixou, de manhã de bem cedo, embaixo da porta do meu quarto, um bilhete: "Bicho, mataram John Lennon!". Pensei que era brincadeira. Ao sair para a escola, em Nanterre, deixei embaixo da porta do quarto do vizinho outro aviso, em retribuição: "Bicho, mataram Fidel Castro!".
As notícias, "naquele tempo", corriam velozes, mas não na velocidade da luz, como acontece hoje. Não existia internet! As edições da manhã dos jornais franceses não publicaram nada sobre a morte de Lennon, por conta do fuso horário. Quando a bomba explodiu na Europa, os jornais já estavam na rua.
"Por desencargo", dei uma olhada nas primeiras páginas estendidas numa banca perto do metrô Place D´Italie. Nada. Perguntei a colegas que frequentavam um seminário sobre documentários, na Universidade de Nanterre: "Vocês ouviram falar alguma coisa sobre John Lennon?". Incrivelmente, nada.
O choque veio no caminho de volta para a casa. A manchete do vespertino France Soir berrava, num título que, para mim, foi inesquecível, pelo impacto: "John Lennon assassinado por um admirador decepcionado. Era o mais talentoso dos Beatles". Guardei o jornal comigo pelas décadas seguintes.
Não é exagero dizer que um geração inteira se sentiu de alguma maneira órfã naquele oito de dezembro. Perto do Natal, Joan Baez foi fazer um concerto ao ar livre, diante da Catedral de Notre Dame. Não disse nada sobre a tragédia, mas, ao final do show, cantou “Let it Be”, acompanhada apenas do violão. A multidão fez coro. A cena foi bonita.
(Fui ao show por complacência dos meus "patrões" – a família rica para quem eu "trabalhava" como motorista. O que não faz "um rapaz latino-americano /sem dinheiro no banco / sem parentes importantes", em busca de uns trocados para ir tocando a vida? O casal ia a uma ceia antecipada de Natal, na casa de uma filha. Perguntou se eu poderia fazer uma jornada extra naquela noite, já que eles queriam levar o neto de carro para o jantar em família. Era algo que só acontecia uma vez por ano. Douglas era um menino especial, incapaz de se mover sem ajuda. Aprendi com ele lições inesperadas sobre a convivência com gente especial. Promessa dois: um dia, quem sabe, se me sobrarem tempo e neurônios, rabiscarei as Memórias de um Motorista Acidental... Eu disse a meus "patrões" que sim, claro, não poderia deixar de levar Douglas e os avós para a ceia de Natal, mas gostaria de ver Joan Baez cantando na frente da Notre Dame. E eles: "Você nos deixa, vai ver e volta para nos levar de volta para casa, no fim da noite". E assim foi feito. Duvido que o casal, simpático e bem situado, imaginasse quem era a cantora de protesto Joan Baez.)
O filme "Let it Be" voltou a cartaz, num cinema perto do metrô Odeon. Fui ver. Fazia frio. A plateia era de beatlemaníacos repentinamente jogados na "orfandade".
Paulo Francis escreveria na “Folha de São Paulo”: "A morte de Lennon é o fim de uma época, talvez a última que conheçamos em que uma geração de jovens talentosos, como os Beatles, tentou humanizar o nosso mundo de poderes impiedosos, impessoais e letais. Lennon baniu Reagan, Brejnev, Israel, Síria e Jordânia do centro das notícias. Talvez porque a maioria das pessoas reconhecesse nele um ser humano, enquanto esses outros problemas não podem ser tocados pelo cidadão comum, que, se interessado neles, é submetido à dieta de “press releases” dos poderosos. Com Lennon, se foi não só uma era, nos parece, mas um anseio de simplicidades que se tornaram aparentemente impossíveis em nosso tempo".
Francis acertou na mosca: além de tudo, ali, se perdia para sempre uma espécie de inocência e de ingenuidade que, embalada por belíssimas canções, parecia protegida e inalcançável pelos horrores do mundo.
A revista “Newsweek” publicaria um lead brilhante (aos não iniciados em jornalismo: lead é o início de uma reportagem – aquelas frases em que o autor tenta fisgar logo o leitor. O lead da “Newsweek” reproduzia o momento em que a figura nefasta de Mark David Chapman, o assassino, abordou Lennon, na calçada do Edifício Dakota: "Era apenas uma voz, saída de dentro de uma noite americana: "Mister Lennon?".
Faço um pequeno tour pelo Youtube. Lá, vejo Joan Baez cantando "Let it Be", uma das melhores canções da dupla imbatível, Lennon & McCartney.
Quando o casal Rosenberg, acusado de espionagem pró-União Soviética, foi executado nos Estados Unidos, Jean Paul Sartre escreveu: "O casal Rosenberg morreu, a vida continua. Não era o que vocês queriam?".
Hoje, o assassino Mark David Chapman mofa numa prisão – e o oito de dezembro traz de volta lembranças que, aos olhos de beatlemaníacos de todas as gerações, parecerão sempre irreais e absurdas.
É inevitável fazer o cálculo inútil: quantas e quantas belas canções não deixaram de ser escritas depois daquele fim de noite de inverno em Nova Iorque?
Não era o que os beatlemaníacos queriam.
(Aqui, uma das melhores pérolas do Lennon pós-Beatle: "Mother". Em um verso, ele resume tomos e tomos de Sigmund Freud: "Mãe, não vá embora/ Pai, volte para casa")
Não se fez, em música pop, nada que igualasse a beleza de Abbey Road – o auge dos Beatles. Os versos de "Golden Slumbers" soam tristemente irônicos aos ouvidos de beatlemaníacos embalados pelas lembranças "pessoais e intransferíveis" do oito de dezembro de cada um ("Boy / Você vai carregar este peso / Vai carregar este peso/ por um longo tempo).

lennon.jpg

Posted by geneton at 12:35 PM

abril 02, 2015

O DIA EM QUE RELINCHEI PELA PRIMEIRA VEZ ( OU: AUTOBIOGRAFIA COMPLETA EM QUINZE LINHAS! )

E, agora, uma pequena, rápida e inútil anotação autobiográfica. Diz a lenda que, quando me viu relinchar pela primeira vez, ainda na maternidade, cinco minutos depois de nascido, a enfermeira apostou: "Vai ser jornalista! Vai ser jornalista! Só pode ser!".
Uma muda consternação se instalou no quarto. Meu pai passou horas e horas olhando fixamente para o chão, em silêncio. Certamente, avaliava o tamanho do desastre. Os outros parentes mergulharam num "pranto convulsivo", como se dizia antigamente. O médico, experiente, se limitou a dizer: "C´est la vie! c´est la vie! Tratem de se conformar ! Poderia ser pior!".
Depois, o doutor se sentou num canto do quarto, pôs a cabeça entre as mãos e passou a repetir em voz baixa, como se pronunciasse um mantra: "Vou ser honesto: não, não poderia ser pior. Não poderia, não poderia...".
E assim tudo começou. Ao ouvir o relato, ainda agora, meu anjo-da-guarda me soprou as três palavras de sempre, ao pé do meu ouvido esquerdo: "Deus do céu, Deus do céu, Deus do céu...."

Posted by geneton at 01:22 PM

março 20, 2015

UM GRANDE CONSELHO: 'COMETAM ERROS IMPRESSIONANTES E GLORIOSOS'

Eduardo Coutinho.jpg
O que é que o documentarista brasileiro Eduardo Coutinho poderia ter em comum com Neil Gaiman – o escritor e quadrinista inglês?

O texto do discurso que Gaiman fez para os estudantes da University of Arts, na Filadélfia foi lançado há algum tempo em livro, no Brasil. As palavras de Gaiman fazem sucesso entre a rapaziada. O livro chama-se "Erros Fantásticos: O discurso 'Faça Boa Arte' - de Neil Gaiman".

Há uma ou outra "platitude", mas, em resumo, ele diz:

"Eu observava meus colegas, amigos e pessoas mais velhas e via quanto alguns eram infelizes: escutava quando me diziam que não conseguiam mais enxergar um cenário em que fariam o que sempre quiseram, porque àquela altura precisavam ganhar todo mês certa quantidade de dinheiro só para se manterem na posição em que estavam."

"Não podiam fazer o que importava, o que realmente queriam. Isso me pareceu tão trágico quanto qualquer problema no fracasso. Além disso, o maior problema do sucesso é que o mundo conspira para que você pare de fazer o que faz, só porque é bem-sucedido".

"Um dia, ergui os olhos e me dei conta de que tinha me tornado alguém cuja profissão era responder e-mails e, nas horas vagas, escrevia. Passei a responder menos mensagens e descobri, aliviado, que estava escrevendo muito mais (...)."

"A vida às vezes é dura. As coisas dão errado, na vida e no amor e nos negócios e nas amizades e na saúde e em todos os outros aspectos que podem dar errado. Quando as coisas ficarem complicadas, é assim que você deve agir: faça boa arte. É sério (...). Faça o que só você faz de melhor (...). Faça aquilo que só você pode fazer."

"O impulso, no começo, é copiar. Isso não é ruim. Muitos de nós só encontraram a própria voz depois de soar como várias pessoas. Mas a única coisa que só você e mais ninguém tem é você. Sua voz, sua mente, sua história, sua visão (....)."

"Meus projetos que funcionaram foram aqueles dos quais eu estava menos certo (...). Mas qual deve ser a graça de fazer o que você sabe que vai dar certo? E, algumas vezes, o que eu fiz não deu nada certo. Aprendi com elas tanto quanto com as que funcionaram (...). Cometam interessantes, impressionantes, gloriosos, fantásticos erros. Quebrem regras. Deixem o mundo mais interessante por estarem nele."

Como disse, ao longo do discurso há uma ou outra declaração de princípios que pode lembrar aquelas lastimáveis performances de animadores de funcionários de corporações – mas, na essência, Neil Gaiman toca no que interessa: "Faça aquilo que só você pode fazer".

O importante é apostar no incerto, cometer erros "gloriosos".

Thank you, mr. Gaiman.

Eu me lembrei da pregação de Gaiman ao ver um documentário em que o personagem principal é o documentarista Eduardo Coutinho.

Título: "Coutinho - sete de outubro". Ao contrário do que fazia habitualmente, dessa vez o cineasta Eduardo Coutinho fica diante da câmera para dar uma entrevista, conduzida pelo realizador do documentário, Carlos Nader. É como se Coutinho se transformasse em personagem de Coutinho. Bola na rede.

(O depoimento foi gravado quatro meses antes da morte de Coutinho – uma daquelas tragédias que nos deixam mudos).

Lá pelas tantas, Coutinho fala sobre o "prazer indizível" que é fazer um determinado filme num determinado momento num determinado lugar. É como se dissesse que a aventura do cinema precisa – necessariamente – ser pessoal e intransferível. Só assim vale a pena. Não pode ser delegada a outros. Porque outro realizador faria de outra maneira. A regra vale, claro, para documentários – o território que Coutinho elegeu para transitar.

O (belo) depoimento de Coutinho aponta para um caminho: o ato de fazer um filme deve ser revestido de uma devoção quase religiosa. Fazer ou não fazer passa a ser, nos delírios do realizador, uma questão de vida ou morte (a atitude aplica-se não apenas a filmes, claro, mas a qualquer "aventura" do tipo).
Em resumo: "Faça aquilo que só você pode fazer".

Somente Eduardo Coutinho poderia fazer os documentários de Eduardo Coutinho. Não é, óbvio, o único caso de cineasta com marca pessoal, mas o que ele diz, na entrevista, marca uma posição, um tardio mas bem-sucedido "projeto de vida".

É óbvio que noventa e nove vírgula noventa e nove por cento dos terráqueos permanecerão absolutamente indiferentes ao fato de que um filme "x" sairá ou não do papel, mas o realizador precisa criar a ilusão de que aquele filme é indispensável, é indispensabilíssimo – nem que seja para ele mesmo. Pouco importa – aliás – que o resultado seja eventualmente precário ou aparentemente banal. Não é este o "ponto". É o que Coutinho diz, com outras palavras,no depoimento.

A situação pode soar surrealista mas é assim: um personagem anônimo – como os que povoam os filmes de Coutinho – poderia, claro, ser filmado "n" vezes. Não haveria qualquer dificuldade. As situações eram, em tese, perfeitamente "repetíveis" - mas, como princípio, Coutinho se convencia de que tudo teria de acontecer, necessariamente, ali, naqueles trinta, quarenta ou sessenta minutos diante do entrevistado: o desnudamento, as revelações, a confissão. É uma sensação que, a rigor, move todos os entrevistadores.
Coutinho cumpria este mandamento ao pé da letra, diante de personagens anônimos que ia encontrando em apartamentos de Copacabana, morros da zona sul, casebres no sertão. Diz, no documentário, que evitava ouvir figuras públicas ou gente que ele próprio conhecia. Não ia dar certo.

As palavras de Coutinho no documentário soam fortes: resumem a necessidade de quimeras pessoais numa época dominada pela uniformidade mediocrizante.

Já estou soando como crítico de cinema. Não sou. E foi bonito ver a plateia aplaudindo Coutinho no fim do filme.

Palmas para ele. É uma grande lástima que uma carreira que, como ele dizia, começou tarde tenha sido violentamente interrompida. "A morte é uma piada. A vida é uma tragédia. Mas, dentro de nós, mesmo no maior desespero, há uma força que clama por coisas melhores", já dizia Paulo Francis.

Em última instância, "clamar por coisas melhores" é o que faz quem, como Coutinho, apostava numa aventura pessoal. Já é tarefa para uma vida.

Foto: Reprodução/GloboNews

Posted by geneton at 11:26 PM

março 13, 2015

EMPREITEIRAS DERRAMANDO BILHÕES EM CAMPANHAS ELEITORAIS: PARA QUÊ?

Um marciano curioso que desembarcasse hoje no planeta certamente perguntaria: "Terráqueos, me tirem uma dúvida, por favor: as empreiteiras doam milhões e milhões e milhões e milhões de reais às campanhas de candidatos municipais, estaduais e federais a troco de quê? É só o que eu queria saber: a troco de quê, exatamente? É uma ajuda pura, simples, benemerente e desinteressada?. Terráqueos, me digam! Não posso voltar ao meu planeta sem levar uma explicação! Vim de Marte só para ver se é verdade o que dizem por lá: a Farra das Empreiteiras com o dinheiro público, lá naquele país chamado Brasil, é uma coisa do outro mundo!".

Posted by geneton at 01:24 PM

O VERDADEIRO RESUMO DA ÓPERA

Se fosse possível fazer um resumo drástico de tudo, eu diria que tudo é assim: num belo dia, aos dezesseis, dezessete anos de idade ( mas pode ser aos aos trinta, aos cinquenta, aos setenta...) você descobre, maravilhado, que tudo, absolutamente tudo, todas as paisagens, todos os vozerios, todos os silêncios, todos os jornalistas ( especialmente! ), todos os professores, todas as guerras, todas as glórias, todos os dramas, todos os jornais, todas as rádios, todas as tevês, todos os médicos, todos os engenheiros, todas as pontes, todas as trevas, todas as auroras, todos os rebeldes, todos os brilhantes, todos os medíocres, todos os carreiristas, todos os sonhadores, todos os santos, todos os pulhas, todos os filmes, todas as teses, todas as músicas, todos os livros, todas as secas, todas as correntezas, todas as escolas, todos os vazios, todas as imensidões, tudo, tudo, tudo, todos os terráqueos, tudo não passa de uma imensa, uma tristíssima, uma divertidíssima piada. Intimamente, você faz, então, um juramento, inscrito a ferro e fogo em algum ponto do velho coração: o de carregar, até o último suspiro, a certeza inarredável de que tudo, absolutamente tudo, todas as paisagens, todos os vozerios, todos os silêncios, todos os jornalistas ( especialmente!), todos os professores, todas as guerras, todas as glórias, todos os dramas, todos os jornais, todas as rádios, todas as tevês, todos os médicos, todos os engenheiros, todas as pontes, todas as trevas, todas as auroras, todos os rebeldes, todos os brilhantes, todos os medíocres, todos os carreiristas, todos os sonhadores, todos os santos, todos os pulhas, todos os filmes, todas as teses, todas as músicas, todos os livros, todas as secas, todas as correntezas, todas as escolas, todos os vazios, todas as imensidões, tudo, tudo, tudo, todos os terráqueos, tudo não passa de uma imensa, uma tristíssima, uma divertidíssima piada. Você se declara, então, em estado de prontidão permanente contra todas as empulhações, diz para si mesmo que jamais trairá o juramento e parte - satisfeito e de banho tomado! - para as grandes lutas inúteis do dia-a-dia.

Posted by geneton at 01:23 PM

março 07, 2015

A ÚLTIMA PREVISÃO: JORNAIS IMPRESSOS VÃO DESAPARECER DAS REGIÕES METROPOLITANAS DO BRASIL EM 2027!

Lá vem o tsunami! Vem chegando, vem chegando....já chegou! Os jornais impressos vão deixar de existir, nas regiões metropolitanas brasileiras, no ano de 2027.
Quem faz a previsão é uma organização dedicada a estudar tendências e, na medida do possível, antecipar o que acontecerá no futuro. Não por acaso, chama-se Future Exploration Newtwork.
O "assustador": a organização prevê que os jornais impressos sumirão do mapa nas grandes cidades americanas já em 2017!
Ou seja: daqui a pouco.
Terminei encontrando um gráfico com estas previsões depois que o amigo @Marcelo Pimentel Lins me passou o link para um jornal digital que acaba de ser lançado em Brasília: o Fato On Line : ( http://www.fatoonline.com.br/ )
A Future Network chegou a fazer um mapa da extinção dos dinossauros de papel:
http://www.futureexploration.net/Newspaper_Extinction_Timel…
( sou da geração de papel, por supuesto. Quando começou a ouvir, tempos atrás, a previsão de que o jornal de papel um dia iria sumir, meu demônio-da-guarda fazia uma expressão de indizível incredulidade e me soprava: "Não dê ouvidos aos apocalípticos! O jornal de papel vai durar décadas!").
Não vai - pelo menos como portador de notícias. Já li em algum lugar que um saída possível para as edições de papel seria circular apenas nos fins de semana. É possível que os jornais impressos sobrevivam, mas com outro formato, completamente diferente - quem sabe, edições com "cara de revista", com reportagens "de fôlego", belos textos, perfis bem produzidos, matérias que não sejam escravas do calendário - em suma: aquela velha receita de que todos falam e ninguém faz!
Não tenho, claro, a pretensão de ficar "pontificando" sobre jornalismo, mas, depois de décadas na janela, tenho uma certeza pétrea: enquanto os "derrubadores" - e não os "levantadores" - de matéria foram maioria nas redações; enquanto jornalista continuar fazendo jornalismo para jornalista - e não para o público - será impossível desviar a caminhada rumo ao cemitério.
Aos leigos: o "derrubador" profissional é aquele jornalista entediado que, diante de um fato que qualquer criança de três anos consideraria interessante, limpa a baba, tenta abrir os olhos semicerrados e pronuncia sentenças tétricas, como: "Isso não é notícia!". Ou: "A "concorrência" já deu". Ou: "Melhor não..." - e todas as variações das sentenças de morte. O derrubador de matéria é uma erva daninha que existe, em menor ou maior grau, em todas as redações do planeta.
Não desconfia, nunca desconfiou, que os jornalistas puro-sangue são e sempre foram aqueles que, até o último respiro, vão sempre encontrar uma maneira interessante de retratar, com fidelidade, os fatos, as histórias e os personagens que, neste exato momento, estão participando da Grande Marcha da Vida - com todas as suas glórias, as suas desgraças, as suas grandezas.
Se eu fosse fazer uma lista de assuntos interessantes que já vi serem jogados por burocratas na lata de lixo jornalístico, provocaria uma crise coletiva de choro entre jornalistas novatos. Fica para depois. Um dia, quando estiver morando num quartinho na zona rural de Solidão - cidade do sertão que nunca visitei, mas que sempre me fascinou pela beleza do nome - , talvez eu me anime a fazer a Lista Negra dos Crimes de Lesa-Jornalismo Cometidos pelos Burocratas. Parece nome de CPI. Pode ser uma boa diversão para matar o tempo naquelas tardes que, em meus delírios, passam lentas em Solidão, Pernambuco.
Não, caríssimos burocratas, não existe história desinteressante. O que existe é jornalista desinteressado - ou entediado ou, simplesmente, incompetente. Ou as três coisas juntas. É uma lei da natureza: jornalistas burocratas sempre produziram, produzem e vão produzir jornalismo chato, gélido, amorfo, cinzento - seja em que plataforma for: em jornal, em revista, em TV.
Pergunta-se: quem, um dia, vai chorar a morte do jornalismo chato? Quem vai derramar lágrimas pelos burocratas?
Meu demônio-da-guarda me sopra, dessa vez com razão: "Ninguém, ninguém, ninguém".
Faço um gesto de concordância para que meu demônio-da-guarda pare de repetir a palavra "ninguém", fecho a cortina do meu circo mambembe - do qual, aliás, ele sempre foi o único espectador -, apago a luz, encosto o portão e vou embora, para bem longe, com uma certeza: não, o jornalismo não é tão importante. Não merece ocupar tanto tempo de nossas aflições. Há outras coisas infinitamente mais importantes - como a poesia, por exemplo. Ou o futebol. Ou a literatura. Ou o cinema.
Acorda, Maiakóvsky:
"Dai-nos, camarada, uma arte nova - nova! - que arranque a república da escória!".
O meu demônio-da-guarda me interrompe de novo e sai repetindo uma adaptação improvisada de Maiskóvsky: "Dai-nos, camaradas, um Jornalismo novo!".
O fantástico é que o tsunami que vem engolindo tudo - jornais, revistas, tevês - pode, sim. produzir novos e belos rebentos, inclusive no jornalismo.
Como dizia Godard, aqui citado outro dia: "É impossível evitar o futuro!".
Que venham, então, as ondas gigantes, para, pelo menos em nossas ilusões esperançosas, tornar azul o que é cinzento!

Posted by geneton at 01:24 PM

março 03, 2015

JORNALISTA DE VERDADE É AQUELE QUE, NA CAMA DO HOSPITAL, CONTA QUANTOS AVIÕES PASSARAM NO CÉU

Trombo, num dessas gavetas virtuais, com um texto que escrevi quando Joel Silveira, o maior repórter brasileiro, morreu. Convivi durante vinte anos com ele. Digo que aquele apartamento na rua Francisco Sá, em Copacabana, funcionou como uma espécie de curso alternativo de jornalismo.
Tema do nosso documentário GARRAFAS AO MAR: A VÍBORA MANDA LEMBRANÇAS - o primeiro produzido e exibido pela Globonews -, Joel era feito de um material que, lastimavelmente, é raro em redações: era um daqueles que acham que jornalista existe não para jogar notícia no lixo, mas para descrever da melhor maneira possível o grande espetáculo da vida - com suas glórias, suas tragédias, seus personagens irrepetíveis.

Quando ele morreu, tentei publicar este texto, uma espécie de obituário, no jornal. Não consegui. Deve ter ido para o lixo.
Vai aqui, como lembrança:
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O que dizer de um grande repórter ?
Diga-se que, numa tarde, sem ter o que fazer num quarto de hospital, ele foi capaz de contar o número de aviões que cruzavam os céus.
A cena, testemunhada pelo abaixo-assinado:
Enrolado num lençol verde para atenuar o frio do ar-condicionado ligado na potência máxima, o ex-correspondente de guerra Joel Silveira descobriu uma maneira originalíssima de combater o tédio que se abatia sobre ele nas tardes infindáveis do quarto 1122 do Hospital dos Servidores do Estado, no centro do Rio, numa das vezes em que esteve internado: resolveu contar quantos aviões passavam no céu.
O quarto 1122 oferece uma bela vista da Ponte Rio-Niterói. Da cama de Joel, era possível enxergar o intenso tráfego de aviões que se dirigiam ao Aeroporto Santos Dumont. “Já contei quarenta e três aviões. Agora, chega” – disse, ao dar por encerrada a apuração de dados aeronáuticos para uma reportagem que, ele sabia, jamais seria escrita.
A contagem de aviões nos céus do centro do Rio foi a última tarefa jornalística daquele que era chamado por Assis Chateaubriand de “a víbora”.
O apelido lhe foi dado pelo chefão dos Diários Associados depois que Joel escreveu uma reportagem recheada de ironias sobre as damas do soçaite paulistano. O título de “maior repórter brasileiro” também acompanhou inúmeras vezes o nome de Joel Silveira – que, aos trinta e dois anos, foi enviado por Chateaubriand para os campos de guerra na Itália,na Segunda Guerra Mundial.
”Fui para a guerra com 32 anos.Voltei com 80.O que a guerra nos tira – quando não tira a a vida – não devolve nunca mais” – diria, pelo resto da vida. Viu o sargento Wolf ser fuzilado por uma patrulha alemã. O texto que Joel mandou para os Diários Associados começava na primeira pessoa : “Vi perfeitamente quando…..”.
Joel Silveira era representante de uma categoria rara: a dos repórteres que dão um toque pessoal e inconfundível ao que escrevem. Passou a vida lamentando não ter abordado Ernest Hemingway que, solitário, bebia conhaque num café da Paris do pós-guerra.”Perdi a chance de pedir uma entrevista. O pior que poderia acontecer era levar um soco de Hemingway- o que garantiria uma bela matéria”. Rubem Braga foi companheiro de Joel na aventura européia durante a guerra.
Com Nélson Rodrigues – de quem foi companheiro de redação em publicações como a Manchete a e Última Hora – Joel tinha relações distantes.
Depois de ficar em silêncio observando Joel datilografar furiosamente um artigo na redação, Nélson Rodrigues soltou uma exclamação: “Patético !”. Dias depois, Joel devolveu o gesto. Diante da mesa de Nélson Rodrigues, bradou : “Dramático !”.
O humor afiado transformou-o em personagem de incontáveis histórias dos bastidores do jornalismo. Sempre que tinha chance, encaixava em seus artigos uma observação contra dois tipos que detestava gratuitamente : os tocadores de cavaquinho e os alpinistas.
“O cúmulo do ridículo – beirando o grotesco – é um marmanjo, gordo e barrigudo, tocando cavaquinho”- escreveu, num dos seus livros.
Em outro texto,perguntou: “Pode haver algo mais idiota do que um alpinista ? “.
Depois de consumir quantidades oceânicas de uísque, passou os últimos anos da vida abstêmio.”Já não tenho com quem beber. Meus amigos se foram. Nada é tão triste do que beber sozinho”. Passou os últimos anos declarando : “Sou a maior solidão do Brasil”.
Repórter a vida inteira, dizia que, se houvesse justiça na hierarquia das redações, os donos dos jornais seriam subordinados aos repórteres. Só teve uma experiência como dono de jornal. Publicou, no início dos anos cinqüenta, um jornal, Comício, que reunia um time de primeira : Clarice Lispector, Rubem Braga, Fernando Sabino, Carlos Castelo Branco.
Dizia que tinha perdido a conta de quantos livros publicara. Entre os títulos mais conhecidos, estão “A Guerra dos Pracinhas”, “Tempo de Contar” e o autobiográfico “Na Fogueira”.
Resumiu assim uma trajetória iniciada num jornalzinho de escola em Sergipe,em 1935 : “Passei a vida vendo a banda passar. É o que todo repórter deve fazer”. Conheceu pessoalmente dois cardeais que, depois, seriam indicados Papas : João XXIII e Paulo VI. Teve um encontro com Pio XII. Os encontros com os Papas não foram suficientes para transformá-lo em homem religioso . Cético, gostava de repetir o poeta Murilo Mendes : “Deus existe. Mas não funciona”.
Atento aos fatos até o último momento, disse-me, por telefone: “Estou morrendo. É o fim”.
Uma das lições que aprendi: jornalista de verdade é aquele capaz de contar aviões na cama de um hospital.

Posted by geneton at 01:26 PM

fevereiro 25, 2015

BRASIL ESPERA POSIÇÃO DO STF E DO SENADO SOBRE A LEI DA TESOURA ESTÚPIDA

Um assunto sumiu do noticiário, mas não deve ser esquecido jamais, sob hipótese alguma, porque afeta diretamente a liberdade de expressão: a Lei da Biografias.

Que se saiba, o Brasil é o único país do mundo em que biografados com vocação policialesca, órfãos de Adolf Hitler, podem fazer o papel de censores e simplesmente proibir previamente a publicação de um livro – ou, então, mandar os exemplares já impressos para a fogueira. A citação ao nome de Hitler não é gratuita: a visão de livros ardendo em fogueiras ou recolhidos das prateleiras por policiais provoca este sentimento.

Há um argumento pior ainda: gente que diz que biógrafos só querem ganhar dinheiro. Deus do céu. Quem faz esta "acusação" é gente que mede os valores da vida e da civilização com uma nota de cem reais na mão. Ou seja: nem merece ser levada a sério.

É patético ter de repetir: em sociedades democráticas, é livre a circulação de informação. Ninguém pode exercer a censura prévia. Ninguém.

Já se disse um trilhão de vezes, não custa nada repetir: em qualquer país civilizado do mundo, quem se sente prejudicado por uma publicação recorre à Justiça. Ponto. Se algum abuso for cometido, a Justiça sabe o que fazer. Funciona assim há séculos nas democracias.

Mas não neste país: aqui, biografados e herdeiros que tenham vocação censória vestem, lépidos, o uniforme nazista e tratam de cumprir o tristíssimo papel de censores. Neste momento, o Brasil parece uma republiqueta de décima-oitava categoria.

Deus do céu: basta ver as prateleiras de livrarias em qualquer país. Estão entulhadas de biografias. Se editores e leitores de países como Inglaterra, França, Alemanha, Estados Unidos (e centenas de outros) ouvissem alguém lhes falar a sério sobre censura prévia exercida por biografados e herdeiros, rolariam no chão de tanto rir diante de tamanha estupidez. De fato: o tema seria risível, se não representasse uma tragédia.

Pergunta-se: todos os países democráticos estão errados e só o Brasil é que acertou? Óbvio que não.

Mas nem tudo é estupidez. Como se sabe, a Câmara dos Deputados aprovou o fim da LTE – ou seja: a Lei da Tesoura Estúpida (eis aí um nome justo para tal aberração). O projeto seguiu para o Senado, que terá a grande chance de tomar uma providência de fato merecedora de aplausos nacionais. Mas as coisas andam em ritmo de tartaruga pelos corredores legislativos.

O Brasil espera o pronunciamento dos ilustríssimos senadores. Não haveria uma maneira de apressar a tramitação?

Em outra instância, uma ação que declara inconstitucional a Lei da Tesoura Estúpida corre no Supremo Tribunal Federal.

A ministra Cármen Lúcia – relatora do processo que joga no lixo esta aberração – não se pronunciou ainda. Faz meses e meses que se espera que ela dê sinal de vida.

Por ironia, ao se pronunciar sobre uma lei que trata exatamente de biografias, a ministra terá diante de si uma escolha dramática: se fizer coro com os obscurantistas que defendem censura prévia, estará jogando a própria biografia no lixo. O que se espera, claro, é que a ministra jogue no lixo não a própria biografia, mas o artigo que transforma biografados e herdeiros em censores.

Ao que se sabe, a ministra é uma figura acima de qualquer suspeita. De qualquer maneira, uma notícia preocupantíssima foi publicada, faz algum tempo: a ministra recebeu Roberto Carlos, bom cantor travestido de censor de biografias, em uma audiência. É preocupante. O que Carlos terá dito à ministra? Imagina-se que tenha feito "lobby" a favor da escuridão. É o que tem feito desde que teve a péssima ideia de virar militante da tesoura.

(Não faço estes comentários com alegria: RC é um grande cantor. Como letrista, há controvérsias: aquele verso "meu cachorro me sorriu latindo" é indefensável sob qualquer critério: estético, ético, veterinário, filosófico, artístico, musical, sinfônico, sociológico ou antropológico).

De volta às biografias: é tristíssimo que Roberto Carlos tenha manchado para sempre a própria biografia com esta cruzada obscurantista.

Pergunta-se: quantas audiências a ministra concedeu aos que consideram esta lei uma estupidez indefensável?

É estupidamente simples: se o Brasil finalmente jogar no lixo a Lei da Tesoura Estúpida, o país dará um passo adiante no difícil, esburacado e tortuoso caminho rumo à civilização. Incrivelmente, o primeiro grande passo neste sentido foi dado pela Câmara dos Deputados. Nem tudo se perdeu!

Posted by geneton at 11:37 PM

fevereiro 21, 2015

PAULO FRANCIS, O LOBO HIDRÓFOBO, DISPARA: PRESIDENTE AMERICANO É "AMÁVEL, AFÁVEL, SORRIDENTE E INCOMPETENTE" ( É NESTE DOMINGO, ÁS 23:30, NO CANAL BRASIL )

Paulo Francis dá uma longa entrevista ao histórico programa ABERTURA, em Nova Iorque, para dizer, entre outras coisas, que o presidente americano Jimmy Carter era "amável, afável, sorridente e incompetente".
Aviso aos navegantes: a entrevista vai ao ar neste domingo, às 23:30, no Canal Brasil, dentro da série de reprises especiais do ABERTURA, programa que "marcou época" na extinta TV Tupi, porque reunia inteligência e ousadia, com elenco de "convidados" notáveis: gente como Glauber Rocha, João Saldanha, Nélson Rodrigues, Darcy Ribeiro, Henfil etc.etc.etc.

Recém-saído da faculdade, eu acompanhava com toda atenção, nas noites de domingo, no Recife, as edições do programa que a TV Tupi levava ao ar. Trinta e cinco anos depois, para minha sincera surpresa, fui convidado pelo produtor do programa ABERTURA original - o homem de tevê Carlos Alberto Vizeu - para comentar as reprises. Não é minha especialidade ( em jornalismo, a única coisa que ainda me interessa é fazer perguntas em entrevistas ) mas terminei topando. Devo dizer que é uma honra ter o nome ligado, ainda que tardiamente, ao programa.
Não quero dar uma de "saudosista", mas cada reprise do ABERTURA reacende um sentimento inevitável: como o Brasil se mediocrizou! Deus do céu! Descontadas as exceções de praxe, uma espessa onda de mediocridade parece ter engolfado a música, o cinema, a literatura, o jornalismo, a política. A Conspiração Mundial da Mediocridade venceu.
Ali pela segunda metade dos anos noventa, Paulo Francis dizia que se sentia "tecnicamente morto" diante do triunfo da vulgaridade. Hoje, certamente ele diria que ficaria satisfeito em se internar voluntariamente no setor de múmias do Museu Britânico, para escapar dos respingos da Grande Onda Medíocre.
Vale ouvir, então, o que o "Lobo Hidrófobo" disse ao ABERTURA.
Virou um enorme lugar-comum dizer que Francis faz falta. E faz - muitíssima! Hoje, ele estaria certamente dizendo de Obama o que disse de Jimmy Carter.
Enquanto a reprise do ABERTURA não vai ao ar, reviro meus arquivos virtuais tão não implacáveis. Eis o texto completo de uma das entrevistas que fiz com ele ( é nesta entrevista que ele confessa que estava se achando parecido com um "lobo hidrófobo...):
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HORA DA SAUDADE. PAULO FRANCIS, RIO, 1994: RELATO COMPLETO DE UM ENCONTRO COM O "LOBO HIDRÓFOBO"
RIO - A presença de Paulo Francis intimida, porque ele é um caso clássico de "monstro sagrado" do jornalismo. Quando Jack Nickolson, no papel de âncora de telejornal de rede, vai visitar um escritório regional provoca em torno de si uma onda de silêncio reverente pontuado por olhares inquisidores,no momento em que, superior, entra na redação.A cena é do filme "Nos Bastidores da Notícia".
Paulo Francis não chega a tanto, mas, quando sai, deixa ecos atrás de si. Fiz uma entrevista com ele para o "Fantástico". Um dia depois do programa,Paulo Francis foi à redação, para, civilizadamente, dizer que tinha gostado do material. Fez uma cópia da entrevista em VHS. Ia levar para Nova Iorque. Segundos depois da saída de Francis, ouvi comentários de todo tipo. Um amigo, brincalhão, simpatizante do PT,saiu-se com essa :"Ok, agora só falta você fazer matéria com o outro Paulo - o Maluf" - uma referência enviesada às críticas contundentes que Paulo Francis passou anos fazendo à administração Erundina na Prefeitura de São Paulo. Outro amigo veio correndo me cumprimentar, brincalhão: "Gostei de ver ! Paulo Francis veio bater continência...". Luiz Petry, excelente poeta que nas horas vagas é editor do Fantástico, confessa, ao lado, que aprendeu com Paulo Francis a escrever em estilo direto, com frases curtas. O que mais um jornalista pode querer,além de espalhar influências pelas redações ?
Hélio Fernandes rugiu na Tribuna da Imprensa: "Melancólica, humilhante, ridícula e até vergonhosa a apresentação de Paulo Francis no Fantástico. É natural que ele queira iludir os espectadores para vender o seu livreco". Ninguém fica indiferente à fera.
Ao contrário de todas as aparências, Paulo Francis não late nem morde. É um "doce de pessoa" - dizem os que convivem profissionalmente com ele. Bem humorado, brincalhão, solta gargalhadas quando conta piadas sobre a aparição do "horto florestal" de Lílian Ramos no camarote de Itamar Franco, no Sambódromo. Parece sinceramente espantado quando lhe faço um breve relato das reações raivosas que provocou em Pernambuco quando deu uma pichada no suposto provincianismo do então ministro Gustavo Krause.Disse que depois elogiou a posição correta de Krause numa votação no Congresso. Além de tudo,chamou o Nordeste de região "desgraçada" - não os nordestinos.
"Desgraçado",entre outras coisas, quer dizer "muito pobre,miserável,indigente", informa o Dicionário Aurélio, nosso pai. Era,certamente,o que Paulo Francis queria dizer sobre o Nordeste. Por acaso é mentira ? Num comentário bem-humorado feito ao jornalista pernambucano George Moura - que o escolheu como tema de uma tese universitária - Francis disse,sorrindo,que o filme "Os Imperdoáveis" é sucesso em Pernambuco....
Provincianismo existe em Pernambuco e em Nova Iorque. Pausa para uma digressão na primeira pessoa do singular. Há pouco,convidado a escrever um punhado de linhas sobre um livro escrito, impresso e lançado no Recife, vi meu texto, adulterado, ser trucidado por erros de concordância. Pensei em comprar uma página inteira para dizer, em matéria paga, que Pernambuco é o único lugar do mundo em que você é convidado a fazer um elogio a um livro e o que acontece ? Suas palavras são reescritas, desarrumadas,distorcidas e, finalmente, impressas na orelha do livro. Pode existir caso maior de provincianismo ? Isso também é sintoma de desgraça. Não quer dizer que se deva condenar o Nordeste a arder no quinto dos infernos. Ponto. Parágrafo.
Francis começa a falar. Vai logo escolhendo um político pernambucano entre os pouquíssimos de quem seria capaz de comprar um carro usado. É sinal de armistício com Pernambuco ? Pode ser."Bandeira branca,amor".
Francis diz estar plenamente convencido de que não tem influência alguma sobre o comportamento dos outros.Mas tem, sim. Ninguém precisa concordar com o que ele diz, é claro. Mas a gente aprende com Francis a -pelo menos- tentar ser independente, a marcar posições,a não avalizar a mediocridade, a não seguir o rebanho geral com a docilidade de um boi zebu cabisbaixo a caminho do matadouro, a não referendar as imposturas dos poderosos. Ok, nem precisa tanto. Aprender com Paulo Francis a tentar escrever simples, direto, já é uma grande coisa. É tudo o que um jornalista deve querer.
O lobo vai falar. Senhoras e senhores,com vocês, Paulo Francis, o lobo hidrófobo - de volta às paradas de sucesso nas páginas do livro recém-lançado "Trinta Anos Esta Noite", um texto que é um achado, porque mistura em doses certas a memória pessoal com a memória nacional.
1-De qual dos políticos brasileiros você compraria um carro usado ?
Francis - De vários.Tasso Jereissati, Fernando Henrique Cardoso - a quem dou um crédito de confiança grande, porque sei que é uma pessoa honesta,que vem fazendo o melhor que pode.Como é o nome daquele prefeito do Recife ? Jarbas Vasconcelos.Três já bastam.
2-Você é frequentemente criticado porque teria se transformado de revolucionário em conservador.Você aceita essas críticas ?
Francis - Passei de criança a adulto.Eu era uma criança que confundia desejo com realidade.Eu tinha certos desejos -que eram fraternais com relação à minha situação privilegiada e à situação desprivilegiada de outras pessoas.Mas descobri,ao ver o mundo aí fora,que a maneira de resolver esses problemas não é a maneira pregada pelos principais grupos populares aqui do Brasil.A grande transformação foi esta.Vi que os países ricos são países que se abrem para o capital e fazem iniciativa privada.Como é que você vai empregar os brasileiros sem iniciativa privada ? Vai fazer de todo mundo funcionário público ? As repartições públicas já estão falindo ! E com esses milhões que estão aí o que é que você vai fazer ? É preciso abrir desde botequim a fabrica.Isso só com capital privado !
3-Você confessa hoje que tem simpatias pela social-democracia.O caminho para o Brasil pode ser esse ?
Francis - Certamente.A social democracia é imperfeita -sem dúvida- mas é a coisa mais justa que há.Porque garante o mínimo necessário a quem não pode lutar pela sobrevivência e,ao mesmo tempo,permite que quem pode se expanda sem ditadura sem nada.Veja os países mais avançados do mundo : sÃo os escandinavos.A própria Alemanha é uma social-democracia,a França ... E os Estados Unidos são uma social democracia - desorganizada,mas,se você falar assim nos Estados Unidos,eles acham que você é comunista.O que tem de auxílio às pessoas necessitadas é igual a qualquer social-democracia européia.
4-Você se considera o último representante de um tipo de jornalista que tem opinião própria e ocupa espaço privilegiado na grande imprensa ? Hoje,você é um caso único no Brasil...
Francis - Há vários outros que estão por aí.A minha tendência -escrever,discutir,ter opiniões - caiu muito de moda.A tendência hoje é fazer tudo curto,tudo pequenininho - mas trabalho também no curto e no pequenininho.Tanto é que faço comentário de um minuto na televisão. Mas há um desequilíbrio hoje entre as duas tendências.O período da minha juventude foi um grande período jornalístico,com Carlos Lacerda,Joel Silveira, Moacyr Werneck de Castro,Paulo Silveira, Octavio Malta - são incontáveis.Todos eram pessoas com opiniões definidas que se expressavam.Não estou nem julgando tendências.Só estou falando da qualidade.Hoje,na imprensa brasileira,há uma falta grande de gente que discute e dá opiniões.Eu de fato sou um dos que vai contra a corrente.
5-Quando publicou o romance Cabeça de Papel,você ficou deprimido com a falta de repercussÃo cultural aqui no Brasil.Isso ainda assusta você ?
Francis - Não. Resolvi botar o freio nos dentes e ir em frente(rindo).Você deve fazer aquilo que quer."Trinta Anos esta Noite" é um livro que senti muito prazer em escrever.Afinal de contas,1964 foi o acontecimento decisivo na minha geração.Eu tinha a idade de Cristo - 33 anos.O mundo que eu imaginava era completamente diferente do que viria a acontecer.As gerações mais jovens - que não têm idéia do que foi 1964 -sofreram sem saber uma influência profunda do acontecimento.Por isso,eu quis tornar público o meu depoimento,porque há poucas histórias de 1964. Não estou dizendo que a minha história seja a única.Mas é uma versão da história que eu conheço e testemunhei. Não pretendo saber o que estava na cabeça de A,B ou C.
6-Como é que você espera ver o Brasil nesses próximos anos ?
Francis - Eu li em sete de fevereiro de 1994 uma nota surpreendente -para mim,pelo menos - no Wall Street Journal : em 1992 e 1993,entraram mais de 50 bilhões de dolares no Brasil.Você sabe a que isso se deve ? A pequenas entreaberturas que o senhor Fernando Collor fez quando presidente,como baixar tarifas, por exemplo.Se o Brasil abrir,entram 500 bilhões de dólares ! Vai haver emprego e vai haver prosperidade.É essa a minha esperança.
7-Em qual dos atuais presidenciáveis você apostaria uma ficha ?
Francis - Não cheguei ainda a uma conclusão. Certamente não apostaria em Lula. Não há a menor dúvida, porque ele quer um retrocesso quando fala em reestatizar. O maior problema brasileiro são as estatais ! A grande dívida interna brasileira,a razão central da inflação - não a única - é esta máquina estatal que devora os recursos e toma todo o capital.Você não pode abrir uma empresa porque os juros estão na lua ! Pela constituição,o governo nÃo pode imprimir dinheiro. Então,ele tem de tomar dinheiro emprestado.Para emprestar a um governo desse,você tem de emprestar a juros altíssimos.Quanto mais diminui o dinheiro,mais aumentam os juros.
8-E se João Goulart tivesse resistido em 1964 ?
Francis - Você teria certamente o início de uma guerra civil, mas,dado o temperamento brasileiro,haveria um acordo,um armistício dos militares.Talvez se convocasse uma eleição.Nós estávamos a um ano de uma eleição. A verdade era essa.Teríamos com toda certeza uma guerra civil, porque Jango tinha amplas condições de resistência. Quanto à guerra civil,tenho certeza. Quanto ao acordo,estou especulando - haveria um acordo entre os militares para o cessar-fogo. Haveria uma eleição que estava prevista para o ano seguinte,onde Carlos Lacerda defrontaria Juscelino Kubitscheck.
9-Jango estava mal informado sobre a conspiração ?
Francis - A meu ver,estava totalmente desinformado,porque ele nÃo tinha uma assessoria capaz,o que é um problema aliás muito de político brasileiro.A assessoria militar de Jango era especialmente fraca.Eu me refiro a Assis Brasil - que era um homem de grande coragem pessoal,general corajoso pra chuchu,mas um homem entediado.Não informava Jango da disposição de outros generais,como deveria informar.
Vou fazer uma revelação a você : participei como espectador de uma reuniÃo -nem contei no livro,é uma coisa confidencial,nÃo posso nem dar o nome das pessoas.Mas participei de uma reunuiÃo de generais
que me mostrou -a mim e a outros civis- como os quadros do Terceiro Exército que tinham empossado Jango estavam sendo pouco a pouco substituídos por generais hostis ao presidente.
10-Quem foi a vedete que ia ver João Goulart no exílio ?
Francis - Há uma frase em inglês que diz:"Kiss and tell"-beijar e contar.Sou inteiramente contra essa frase....(rindo).
11-Qual foi a melhor e a pior herança deixada por 1964 ?
Francis - A melhor foi a do crescimento econômico.Pela estrutura montada no governo Castelo Branco pelo senhor Roberto Campos e pelo senhor Gouveia de Bulhões,o Brasil nos períodos seguintes -no governo Médici- cresceu como nunca na história.A pior foi a despolitização total do nosso povo- uma espécie de névoa que caiu sobre a sociedade civil brasileira e arruinou várias gerações que poderiam ter sido líderes políticos e não vieram a ser.Hoje,estamos aprendendo duramente com esses líderes de quinta categoria que temos aí
12-Você diz que quando era criança parecia um cão hidrófobo .E hoje, você se parece com o quê ?
Francis - Que tal um lobo hidrófobo ?
13-O fato de ser imitado em programas de humor incomoda voce ?
Francis - De jeito nenhum.Acho que se você é uma figura publica - como e o caso de um jornalista de televisão - você tem de estar preparado para tudo.A imitação e a mais expressiva forma de lisonja - esta e que e a verdade.
14-Qual o personagem mais interessante da história recente do Brasil ?
Francis - Acho que Getúlio Vargas inventou o Brasil moderno,o Brasil uniformizado.A influência de Getúlio Vargas é tão positiva quanto nefasta. Vargas é contraditório. O sujeito mais difamado do Brasil é um homem que participou de todas as decisões econômicas importantes do Brasil. Chama-se Roberto de Oliveira Campos - que indiscutivelmente é uma presença intelectual fortíssima na vida brasileira,mas negada pelos seus inúmeros inimigos,tanto quando Getúlio Vargas foi uma presença política muito mais forte do que qualquer outra pessoa no nosso tempo.
15-Quando é afinal que o Brasil vai ser um pais rico e feliz ?
Francis - O Brasil só não é rico porque não quer.
Viajei para o Brasil com o diretor de uma grande empresa americana - que adora o nosso país.Vai se aposentar aqui.Fica estupefacto com as chances que nós perdemos de ficarmos ricos.Temos de vencer uma certa infantilidade que há no nosso temperamento,uma confusÃo de desejo com realidade.Mas felicidade é um conceito mais complexo.Ser rico não significa necessariamente ser feliz.Mas é claro que ficar rico ajuda bastante.O Brasil tem um dever consigo próprio de eliminar as necessidades básicas do ser humano - e o Brasil não cumpre isso,os governos não cumprem isso,a nossa sociedade não cumpre isso".

Posted by geneton at 01:32 PM

fevereiro 19, 2015

UM CIENTISTA ANUNCIA QUE VAI MORRER

Em artigo publicado no New York Times, o professor Oliver Sacks
- neurologista que se consagrou como escritor - anunciou que vai morrer em breve.
Aos 81 anos, acaba de receber diagnóstico: metástase. Como ele próprio informa: um câncer que já não pode ser detido atingiu o fígado.
Disse que, daqui por diante, já não verá os telejornais da noite, já não se interessará por discussões políticas, já não acompanhará os debates sobre o aquecimento global ou a crescente desigualdade ou o Oriente Médio.


Ainda se preocupa profundamente com tais temas, mas eles "pertencem ao futuro". Sacks já não pode devotar a eles o tempo que lhe resta. Uma nota de otimismo: o esperançoso Sacks carrega a sensação de que o futuro estará nas "boas mãos" dos jovens talentosos de hoje. Neste rol, ele inclui os jovens médicos que fizeram a biópsia e lhe transmitiram a notícia que, obviamente, ele não queria ouvir.
Por ora, o que Sacks quer "é aprofundar as amizades, dizer adeus àqueles a quem amo, escrever mais, viajar - se tiver força, atingir novos níveis de entendimento".
Por fim, arremata:
"Não haverá alguém como cada um de nós quando partirmos, assim como jamais houve alguém igual a outro. Quando alguém morre não poderá ser substituído. Deixa vazios que não podem ser preenchidos, porque este é o destino genético dos seres humanos: o de serem indivíduos únicos, encontrar seus próprios caminhos, viver suas próprias vidas e morrer suas próprias mortes (...) Não posso fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão".
( Aqui, o artigo, no New York Times de hoje:
http://goo.gl/v6C3mv )

Posted by geneton at 01:27 PM

UM CIENTISTA ANUNCIA QUE VAI MORRER

Em artigo publicado no New York Times, o professor Oliver Sacks
- neurologista que se consagrou como escritor - anunciou que vai morrer em breve.
Aos 81 anos, acaba de receber diagnóstico: metástase. Como ele próprio informa: um câncer que já não pode ser detido atingiu o fígado.
Disse que, daqui por diante, já não verá os telejornais da noite, já não se interessará por discussões políticas, já não acompanhará os debates sobre o aquecimento global ou a crescente desigualdade ou o Oriente Médio.


Ainda se preocupa profundamente com tais temas, mas eles "pertencem ao futuro". Sacks já não pode devotar a eles o tempo que lhe resta. Uma nota de otimismo: o esperançoso Sacks carrega a sensação de que o futuro estará nas "boas mãos" dos jovens talentosos de hoje. Neste rol, ele inclui os jovens médicos que fizeram a biópsia e lhe transmitiram a notícia que, obviamente, ele não queria ouvir.
Por ora, o que Sacks quer "é aprofundar as amizades, dizer adeus àqueles a quem amo, escrever mais, viajar - se tiver força, atingir novos níveis de entendimento".
Por fim, arremata:
"Não haverá alguém como cada um de nós quando partirmos, assim como jamais houve alguém igual a outro. Quando alguém morre não poderá ser substituído. Deixa vazios que não podem ser preenchidos, porque este é o destino genético dos seres humanos: o de serem indivíduos únicos, encontrar seus próprios caminhos, viver suas próprias vidas e morrer suas próprias mortes (...) Não posso fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão".
( Aqui, o artigo, no New York Times de hoje:
http://goo.gl/v6C3mv )

Posted by geneton at 01:27 PM

UM CIENTISTA ANUNCIA QUE VAI MORRER

Em artigo publicado no New York Times, o professor Oliver Sacks
- neurologista que se consagrou como escritor - anunciou que vai morrer em breve.
Aos 81 anos, acaba de receber diagnóstico: metástase. Como ele próprio informa: um câncer que já não pode ser detido atingiu o fígado.
Disse que, daqui por diante, já não verá os telejornais da noite, já não se interessará por discussões políticas, já não acompanhará os debates sobre o aquecimento global ou a crescente desigualdade ou o Oriente Médio.


Ainda se preocupa profundamente com tais temas, mas eles "pertencem ao futuro". Sacks já não pode devotar a eles o tempo que lhe resta. Uma nota de otimismo: o esperançoso Sacks carrega a sensação de que o futuro estará nas "boas mãos" dos jovens talentosos de hoje. Neste rol, ele inclui os jovens médicos que fizeram a biópsia e lhe transmitiram a notícia que, obviamente, ele não queria ouvir.
Por ora, o que Sacks quer "é aprofundar as amizades, dizer adeus àqueles a quem amo, escrever mais, viajar - se tiver força, atingir novos níveis de entendimento".
Por fim, arremata:
"Não haverá alguém como cada um de nós quando partirmos, assim como jamais houve alguém igual a outro. Quando alguém morre não poderá ser substituído. Deixa vazios que não podem ser preenchidos, porque este é o destino genético dos seres humanos: o de serem indivíduos únicos, encontrar seus próprios caminhos, viver suas próprias vidas e morrer suas próprias mortes (...) Não posso fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão".
( Aqui, o artigo, no New York Times de hoje:
http://goo.gl/v6C3mv )

Posted by geneton at 01:27 PM

fevereiro 18, 2015

INFORMA O DEPARTAMENTO DE ESTATÍSTICAS CARNAVALESCAS

Deu trabalho, mas consegui fazer um cálculo rápido: se os jornais, rádios, TVs e sites recebessem uma multa a cada vez que a expressão "arrasta multidão" fosse pronunciada ou publicada na cobertura do carnaval, o dinheiro arrecadado seria suficiente para recuperar toda a grana roubada da Petrobrás e ainda sobraria verba para construir 34 ferrovias, multiplicar por quatro a capacidade de armazenamento d´água em São Paulo, equipar 435 hospitais, furar 30 mil poços no sertão nordestino, modernizar 58 portos e abrir uma estrada supermoderna ligando o Oiapoque ao Chuí. A conta é confiável.
O incrível é que ainda sobraria dinheiro para contratar uma equipe internacional de juristas de altíssimo nível para redigir uma lei que tornasse, para sempre, crime inafiançável o uso das expressões "samba no pé" e "a festa não tem hora para acabar".
PS: Por falar em carnaval: a apuração do tediosíssimo desfile das escolas de samba começa já, já. A primeira nota sai aqui e agora:
dez, nota dez para o fim do carnaval!

Posted by geneton at 01:28 PM

fevereiro 15, 2015

E, EM MEIO A UM CALOR DE MIL DESERTOS, O SOM DE UM "VENTO NORDESTE"....

Pequeno intervalo musical. Para matar a saudade: "Vento Nordeste", na bela interpretação de Terezinha de Jesus.
"Viaja o vento Nordeste / cavalo de meu segredo / Se estás comigo, distraio / Se vais, eu morro de medo".
Bela música de Sueli Costa, bela letra de Abel Silva.
Saudades nordestinas, saudades nordestinas:
https://www.youtube.com/watch?v=wTBqROsaXAU

Posted by geneton at 01:30 PM

A MÁQUINA DE FABRICAR PALAVRAS: O "TELEPROMPTER"

Navegações pelo Youtube: termino encontrando uma matéria antiga de Marcelo Tas, em que ele mostra como é possível fazer qualquer pessoa dizer qualquer coisa de maneira "convincente" diante de uma câmera. Graças a uma "máquina" chamada teleprompter, a mulata Globeleza faz discurso firme sobre os meandros da globalização da economia e a loura do Tchan pontifica corretamente sobre as leis da física....
Tas faz uma pergunta: é possível "fabricar" um político?
Munido de um fonoaudiólogo, uma maquiadora e uma figurinista, ele vai para a rua, com um teleprompter, para fazer o teste: é possível transformar, "num passe de mágica", qualquer transeunte num suposto candidato, capaz de dizer coisas com razoável firmeza diante de uma câmera?
É,sim.
Eis aí um tema que certamente renderia um documentário interessantíssimo. O personagem principal, claro, seria ela - A Incrível Máquina de Fabricar Palavras.
Divertido:
http://goo.gl/RY2FcI

Posted by geneton at 01:29 PM

janeiro 16, 2015

O SUPER-8 MANDA LEMBRANÇAS: CAETANO VELOSO, FRANCISCO JULIÃO, FUTEBOL, SUFOCOS, ESPERANÇAS, ILUSÕES. MEMÓRIAS PERNAMBUCANAS ( E PARISIENSES E ROMANAS ) NA TELA VIRTUAL!

Boemia, aqui me tens de regresso. A quem interessar possa: vão aqui, listados em bloco, os links para os curtas que o locutor-que-vos-fala realizou entre os anos setenta e o início dos anos oitenta, no Recife & alhures. Fazem parte do chamado Ciclo do Cinema Super-8. São precários, claro. Mas fazer curtas era praticamente a única maneira de fazer cinema, para a rapaziada que, como na canção de Belchior, não tinha "parentes importantes nem dinheiro no banco". Tentar fazer curtas, aos trancos e barrancos, era sempre melhor do que ficar de braços cruzados naqueles tempos de sufoco...Décadas depois, o Youtube se transformou na única tela possível para o Super-8. Ainda bem! Assim, os filmes deixam de se desintegrar, aos poucos, no fundo das gavetas. Começa a sessão.

1
"Esses Onze Aí": ( 1978. Parceria com Paulo Cunha: "um filme panfletário, a favor do futebol", numa época em que se discutia se a bola era o ópio do povo:
https://www.youtube.com/watch?v=7lFycku23ps

2
"A Flor do Lácio é Vadia": (1978. Um discurso sobre imagens de ruínas brasileiras ):
https://www.youtube.com/watch?v=qSzAY2FgzAI
3
"Funeral para a Década das Brancas Nuvens": ( 1979. Um adeus à década que se ia, em meio a desencantos e esperanças ):
https://www.youtube.com/watch?v=vkG_Ip1qv4c
4
"Fabulário Tropical": (1979. Um anti-guia turístico por paisagens que um dia serviram de cenário para loucuras brasileiras):
https://www.youtube.com/watch?v=DKWHkFYfHeQ
5
"Navegar em Terra Firme": ( 1980. Um "profeta" faz um discurso à beira-mar, entre poemas, lamentos, convocações) :
https://www.youtube.com/watch?v=alKmaeM_jYI
6
"A Esperança é um Animal Nômade": ( 1980/1981. A câmera percorre estações, becos e cemitérios de Paris, ao som de um discurso sobre decadências e insurgências):
https://www.youtube.com/watch?v=bOUyLtixq8Y
7
"Doutor Francisco": ( 1984. Curta que ficou inédito até agora: a palavra de Francisco Julião, o célebre ex-líder das Ligas Camponesas - que agitou o Nordeste antes de 1964, na briga pela reforma agrária) :
https://www.youtube.com/watch?v=fXK0abe4PKE
8
"Isso é Que é": ( 1974. Com roteiro de Amin Stepple: uma "alegoria" sobre repressões, no auge do sufoco: os realizadores eram alunos do primeiro ano de jornalismo) :
https://www.youtube.com/watch?v=TWDlL6caLw4
9
"Conteúdo Zero": ( 1974. Sons, imagens - algo tremidas - e a palavra de Caetano Veloso, numa visita ao Recife, em 1973:)
https://www.youtube.com/watch?v=lDFQvXq2Hgo

Posted by geneton at 01:33 PM

dezembro 26, 2014

DARCY RIBEIRO : AOS OLHOS DE UMA CRIANÇA, A ESCOLA PÚBLICA É UMA CASA QUE REPRESENTA O ESTADO. ASSIM, O ESTADO TEM TODA A OBRIGAÇÃO DE OFERECER UMA ESCOLA PÚBLICA DECENTE ( VALE OUVIR O QUE ELE DIZIA: NESTE DOMINGO, ÀS 23:30, NA REPRISE DO PROGRAMA ABERT

Há mil e trezentos motivos para que o Estado ofereça às crianças do país um ensino público de boa qualidade.
Um motivo que pode até parecer singelo foi citado pelo grande Darcy Ribeiro numa entrevista ao histórico programa ABERTURA - que será reapresentada, neste domingo, às 23:30, no Canal Brasil:
aos olhos das crianças, dizia ele, a escola pública é como se fosse uma casa que representa a imagem do Estado.
( Bela e sábia constatação deste brasileiro que sonhava grandezas para o Brasil: a Escola pública precisa ser uma casa que o Estado oferece às crianças ! ).
Ao oferecer escolas precárias, o Estado estará traindo uma das necessidades mais básicas de toda criança: o de ter um teto seguro, capaz de protegê-la das intempéries da ignorância e do abandono.
Três décadas depois, a entrevista completa do genial Darcy Ribeiro vai ser reapresentada dentro da série de reprises especiais do programa ABERTURA - que, não por acaso, marcou época. Vale ver o que ele tinha a dizer.

O que Darcy Ribeiro fala não perdeu a atualidade nunca.
Em outro trecho da entrevista, Darcy Ribeiro diz que os administradores precisam ter um "certo grau de irresponsabilidade" na hora de imaginar o que deve ser feito. Não falava de irresponsabilidades destrutivas, claro, mas daquela fagulha que o fazia, por exemplo, criar os Cieps ( escolas que prometiam educação em tempo integral para tirar as crianças pobres das
ruas ) ou imaginar um Sambódromo para o Rio de Janeiro.
( Uma "nota pessoal": uma vez, tive a chance de passar uma tarde no apartamento de Darcy Ribeiro, em Copacabana. Cheguei com meu velho gravador e um punhado de fitas cassete.
Tinha ido entrevistá-lo. Quando ele falava, espalhava entusiasmo em volta.
Lá pelas tantas, voltou a dizer que se orgulhava dos fracassos que colecionara ao longo das vida. Tentara salvar os índios, tentara criar uma universidade decente, tentara fazer reforma agrária. Dizia que tinha fracassado em tudo, mas detestaria estar no lugar dos que venceram. Belos fracassos!
Depois, exclamou: "Eu não mereço morrer!". Brincava: dizia que queria ser coroado logo imperador do Brasil, para realizar seus sonhos brasileiros.
Transcritas, as palavras que ouvi de Darcy Ribeiro naquela tarde que, para mim, foi luminosa preencheram cerca de setenta "laudas" - era assim que se chamavam as folhas em que eram datilografadas as matérias que os repórteres escreviam. Darcy era caudaloso, épico, exclamativo. Pertencia à tribo de um Glauber Rocha: setenta páginas! Um pequeno trecho foi publicado na finada e saudosa edição de papel do Jornal do Brasil. Ah, a velha ditadura do espaço nos jornais e do tempo na TV!
Pretendo, um dia, publicar - quem sabe, num pequeno livro- a íntegra do que ele disse. Nunca é demais passar em revista as palavras de um brasileiro que sonhava que o Brasil poderia virar uma Roma dos Trópicos - o território de uma civilização que diria palavras novas ao mundo.
Terminada a entrevista, eu disse que ele deveria ter orgulho de ter feito - ou tentado - tanta coisa pelo Brasil. Darcy não quis concordar: calculou que teria pela frente uns dez anos de vida útil. Não era tanto tempo. Disse que trocaria de bom grado tudo o que tinha feito no passado pelo tempo de vida que o repórter, bem mais jovem, teria pela frente. Eu disse que não, a troca poderia não valer a pena. E ele insistiu que sim :se pudesse, faria a troca. Terminou me ofertando uma bela dedicatória: "Quer trocar o meu passado pelo seu futuro?" ).
Darcy Ribeiro era um cometa que emitia luzes a léguas e léguas e léguas e léguas da mediocridade. Que grande falta faz ao Brasil de hoje e ao Brasil de sempre!

Posted by geneton at 01:35 PM

dezembro 23, 2014

2015 SÓ PRECISA DE UMA "CAMISA LAVADA E CLARA". É MAIS DO QUE SUFICIENTE! ( OU: PEQUENO DISCURSO A FAVOR DA OPÇÃO PREFERENCIAL PELO DESPOJAMENTO )

Deus, se existe, certamente não é perfeito, pelo seguinte motivo: tudo indica que em 2015 assuntos insuportabilissimamente chatos continuarão se infiltrando por nossos indefesos canais auditivos, como ervas daninhas. A saber: novela deve ou não ter beijo gay?; maconha deve ou não ser liberada?; alguém seria capaz de ver um programa de Xuxa para adultos? etc.etc. Sobre o "beijo gay": tanto alarido termina transformando um mero gesto de carinho entre dois adultos numa "excentricidade" horrorosa que mereceria ser discutida a sério em jornais. Ora, cada um que beije quem quiser - como, onde e quando achar conveniente, desde que não perturbe a vida alheia. Ponto. Próxima discussão, por favor. Sobre a maconha: cada um que se entupa de fumaça como, quando e onde quiser, mas ninguém precisa ficar fazendo proselitismo ou malabarismos verbais para justificar a preferência. Ninguém precisa fazer de conta que o dinheiro, no fim das contas, "não alimenta o tráfico". É obvio que alimenta. A quem ele alimentaria?
Pequenas e inúteis previsões para 2015: é certo que o desfile de horrores prosseguirá "a todo vapor". A praga dos penteados horrorosamente ridículos dos jogadores de futebol se expandirá
( quem começou esta onda mereceria uma vaga no banco de réus num Tribunal de Nuremberg redivivo!); gente "famosa" posará diante de mesas de café da manhã fake em revistas de "celebridades"...Já calculei: a cada vez que uma foto dessas é tirada, a Humanidade dá, exatamente, 3.480 passos para trás. É só fazer as contas. Atrizes patologicamente obcecadas com a balança gritarão aos quatro ventos que já perderam dez quilos - como se houvesse, no planeta, alguma ameba de fato interessada em tal contabilidade. Peruas arriscarão a saúde injetando silicone pelo corpo. Depois, desfilarão suas deformações como se fossem troféus. Ficará sempre a dúvida: por que gastam dinheiro com cirurgiões, em vez de pagar a um psicanalista ou, alternativamente, procurar um padre disposto a ouvir suas baboseiras num confessionário? ( em algum lugar do planeta, a lindíssima Charlotte Rampling continuará se recusando a fazer cirurgias que disfarcem o envelhecimento. Charlotte é que é mulher de verdade ).

Alguém já notou, mas vale o registro: o que dizer desta onda de dentes branquíssimos, milimetricamente enfileirados e, portanto, escandalosamente falsos que ornamentam o focinho de tanta gente hoje em dia? Os dentistas autores dessas "obras-de-arte kitsch" continuam soltos? Que grande cena de humor involuntário é esta? Os donos de tais fileiras de dentes ficam parecendo bonecas e bonecos de porcelana - só que capazes de emitir grunhidos. É claro que cada um faz o que quer - mas custava tanto poupar olhos e ouvidos alheios de tanto horror? Ah,sim: idiotas escondidos atrás de vidros escuros continuarão avançando o sinal com seus carrões do ano - como vi ainda há pouco.
A lista de assuntos insuportabilissimamente chatos seria suficiente para preencher uma enciclopédia. Não vale a pena. Cometi os parágrafos anteriores por pura falta do que fazer. É claro que 2015 será um ano glorioso! Porque o melhor de tudo estará sempre ao alcance da mão: um quarto minúsculo; um velho ar-condicionado para espantar os horrores do calor; TV, rádio e computador solidamente desligados e, ao alcance da mão, comprável por um punhado de reais em qualquer sebo, maravilhas como A Montanha Mágica, O Leopardo, Quarup, A Pedra do Reino, a lista não teria fim.
Digo de novo: é quase impossível "passar batido" por um livro. Eu diria: seja qual for! ( ah, a dor de saber que será impossível ler tudo o que mereceria ser lido...) .
Folheio ao acaso páginas do velho Charles Bukowski - "Pedaços de um Caderno Manchado de Vinho" :
"Passei a me fixar na direção para a qual eu deveria ir. Voltei-me para o meu deus pessoal: SIMPLICIDADE. Quanto mais compacto e menor você se tornar, menor é a chance de errar ou de mentir .(...) Palavras eram balas, raios solares. Palavras eram capazes de romper o infortúnio e a danação (...) Eu queria resistir a todas as armadilhas, para morrer junto à máquina de escrever, uma garrafa de vinho à minha esquerda e o rádio, tocando, quem sabe, Mozart, à direita".
Obrigado, velho Bukowski, por nos soprar estas palavras bêbadas num fim de noite. Caíram em minhas mãos por acaso.
O bicho disse tudo: a opção preferencial pela simplicidade e pelo despojamento é o caminho mais curto para a felicidade. Pode parecer lição copiada de um daqueles manuais estúpidos de autoajuda, mas é verdade. Sempre foi. Qualquer passo na direção contrária é traição grave ! Deve ser punida com a infelicidade.
( Acorda, Maiakóvski, vem recitar aqueles versos : "Uma camisa lavada e clara / e basta / para mim, é tudo".
Eu me lembro de que uma vez, em Moscou, em meio à cobertura de uma eleição, corri para visitar o quarto onde o poetaço Maiakóvski viveu e se matou ).
É assim: pichar num muro imaginário um imenso não às vaidades vãs, aos apelos da carreira, à corrida pelo dinheiro, às tentações do conforto, às ambições estúpidas. Intimamente, dizer não, não, não, dar boa noite ao velho bêbado, acenar para a sombra de Maiakovski e sumir na estrada incerta carregando uma camisa lavada e clara, uma camisa lavada e clara, uma camisa lavada e clara, porque "é tudo".
Pode entrar, 2015! Os militantes da tribo dos que fizeram a opção preferencial pelo despojamento te esperam. Nosso peito esperançoso estará protegido por camisas lavadas e claras. Não há força capaz de rasgá-las.

Posted by geneton at 10:21 AM

dezembro 19, 2014

A CADA VEZ QUE ALGUÉM DIZ "UM ÓCULOS" E "MEU ÓCULOS", HÁ UM TREMOR NO CEMITÉRIO SÃO JOÃO BATISTA: SÃO OS FILÓLOGOS DA ACADEMIA SE REVIRANDO NO TÚMULO....

Uma das ( poucas ) funções "nobres" de jornalistas e escritores é zelar minimamente pela língua. Em suma: jornalista precisa ser cão de guarda do idioma. É o mínimo que se pode fazer.
O locutor-que-vos-fala teve um pequeno choque visual ao ler uma entrevista com um escritor: lá pelas tantas, ele fala em "um bom óculos". Assim: "um", no singular! Lastimavelmente, o escritor não sabia que a palavra "óculos" exige, sem exceção, o artigo no plural: OS óculos!
Aqui, não há meio termo: dizer "O óculos" é errado. O motivo é o mais prosaico possível: a palavra "óculos" é plural. Como qualquer criança de dois anos e meio sabe, a concordância precisa ser feita no plural, é óbvio: OS óculos, UNS óculos, MEUS óculos, SEUS óculos.
Ninguém precisa ser doutor em língua portuguesa para saber que esta regra não comporta exceções: plural exige concordância com plural. Ponto. Eu mesmo estou longe de ser especialista em língua portuguesa. Cometo minhas derrapagens feias - mas meus ouvidos sofrem um íntimo abalo a cada vez que ouço alguém dizer "O óculos", "MEU óculos" e assim por diante.
Dizer "O óculos" é uma pequena barbaridade que vai se generalizando. Eis o cúmulo: o anúncio de uma ótica na TV diz "UM óculos" - um belíssimo exemplo de analfabetismo funcional cometido por uma agência de publicidade, com a devida aprovação do cliente, é claro! ( Fica a dúvida: quantos mil reais a agência não deve ter cobrado do cliente para escrever tal absurdo? Conclusão: quem um dia disse que nasce um otário a cada minuto acertou em cheio...).
Dou uma zapeada no rádio do carro. Um ex-ministro diz "poder vim";
Eis aí outro erro que vai se generalizando: gente alfabetizada dizendo "pode vim".....Não imagina que é "pode vir"!
Não por acaso, transeuntes mais atentos têm notado a ocorrência de pequenos abalos sísmicos nos arredores do Cemitério São João Batista. São os filólogos e mestres da Academia Brasileira de Letras se revirando em seus túmulos - a cada vez que alguém diz "O óculos", 'MEU óculos" e "pode vim".
Além do som produzido pelos tremores de terra, pode-se ouvir também, ao fundo, uma voz débil gritando inutilmente: "Socorro! Socorro! Socorro!". É a língua portuguesa - estropiada, esmurrada, agredida e pisoteada.
Mas...a luta continua.

Posted by geneton at 10:23 AM

dezembro 17, 2014

A MAIS MEDÍOCRE DAS ÉPOCAS

Se o gênio Nelson Rodrigues estivesse vivo, teria um ataque cardíaco fulminante ao ver quantidade de frases idiotas atribuídas erroneamente a ele na internet. É inacreditável.
Terminei me lembrando de uma sentença nelsonrodriguiana- esta sim, verdadeira:
“Daqui a duzentos anos, os historiadores vão chamar este final de século de a mais cínica das épocas”.
Dá vontade de emendar: daqui a duzentos anos, os historiadores vão chamar este início de século de a mais medíocre das épocas.
É impressão ou vive-se, hoje, com as exceções de praxe, um tempo de música medíocre, cinema medíocre, teatro medíocre, televisão medíocre, literatura medíocre, publicidade medíocre, jornalismo medíocre, poesia medíocre?
Não, lastimavelmente, não é impressão.
Chamem os historiadores!

Posted by geneton at 10:24 AM

dezembro 15, 2014

VIVA A SANTA INGENUIDADE! UM GRUPO DE JOVENS APONTA SEUS "BADOQUES" CONTRA OS SÍMBOLOS DAS ONIPRESENTES MULTINACIONAIS: 1974 MANDA LEMBRANÇAS, NUM CURTA METRAGEM DE CINCO MINUTOS: "ISSO É QUE É"

http://goo.gl/JIWbtn
Pequeno comentário: Numa época em que a tesoura da censura avançava, até, sobre filmes amadores em Super-8, o curta "Isso é Que é" pode ser visto como uma tentativa de falar através de metáforas e sugestões. A data: 1974. O ambiente era o que se chama hoje de "irrespirável". O Brasil saía do governo Médici para o governo Geisel. A equipe que fez o filme era, na maioria, formada por alunos do primeiro ano do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco. Não havia, por exemplo, diretórios acadêmicos - os DCEs. Fazer política estudantil era proibido por lei - pelo famoso Decreto 477. Eu tinha dezessete anos de idade, ali, em 1974: minha experiência no manejo de uma câmera era próxima de zero. Mas o roteiro, criado por Amin Stepple, uma espécie de "guru" intelectual do grupo, terminou filmado, pelas ruas do centro do Recife e num muro, no bairro de Casa Caiada, em Olinda. Há coisas que, hoje, podem parecer "ingênuas": o filme mostra jovens tentando atingir, com "badoques", símbolos de poderosas multinacionais. O "imperialismo" mostrava suas garras: a data 1822, ano da independência, some num muro, ao som da Marcha Fúnebre. A repressão é apenas sugerida, pela imagem do badoque deixado no chão e pelo som das sirenes. E o jingle da Coca-Coca dá o toque final de ironia: "isso é que é"! Tanto tempo depois, não resisto à tentação de dar um viva à ingenuidade - eternamente necessária!

Posted by geneton at 11:59 AM

TRINTA E CINCO ANOS DEPOIS, A DÚVIDA DO "MALDITO" PLÍNIO MARCOS CONTINUA ATUAL: POR QUE É QUE O TEATRO NÃO PODE ENFRENTAR O TESTE DA BILHETERIA? POR QUE USAR DINHEIRO PÚBLICO PARA FINANCIAR TUDO QUE É TIPO DE PEÇA? ( SEM "PAPAS NA LÍNGUA", PLÍNIO MARCOS D

Uma reprise do histórico programa ABERTURA
( levado ao ar originalmente pela TV Tupi e agora reapresentado pelo Canal Brasil aos domingos às 23:30 e, às segundas, às 13:30 - ou seja: já,já ) toca num ponto que provoca polêmicas até hoje. Em que situação, afinal, dinheiro público deve ser usado para financiar a produção cultural?
Plínio Marcos, dramaturgo "maldito", sem "papas na língua", fala de teatro, num depoimento levado ao ar em 1979 pelo ABERTURA: diz que as subvenções oficiais só servem para corromper o artista.
Reclama de que o governo derramava dinheiro em espetáculos de baixo nível artístico. O que era que acontecia? A subvenção oficial se tornara um mal pior até do que a censura !
( Dinheiro público, como se sabe, pode financiar produções culturais seja através de patrocínio direto, seja através da famosa "renúncia fiscal" ).
A dúvida que Plínio Marcos levanta parece razoável. Em outras palavras, ele estava perguntando: por que é que os espetáculos teatrais não podem - pura e simplesmente - enfrentar o desafio da bilheteria? A mesmíssima pergunta poderia ser feita em relação á produção de filmes.
Trinta e cinco anos depois, o desabafo de Plínio Marcos permanece atualíssimo. A discussão não se esgotou. Pelo contrário!

Posted by geneton at 10:25 AM

dezembro 11, 2014

DESCOBERTO QUANTO VALE, HOJE, A CREDIBILIDADE DAS EMPREITEIRAS!

Deu trabalho. Não sou bom em matemática - mas, depois de fazer e refazer todos os cálculos possíveis, consegui descobrir quanto vale, hoje, a credibilidade das empreiteiras envolvidas nestas roubalheiras todas, nestes superfaturamentos escandalosos e nestes assaltos sistemáticos aos cofres públicos. O resultado foi o seguinte: somada, a credibilidade das empreiteiras vale, hoje, no máximo, no máximo, no máximo, dois reais e trinta e quatro centavos. E é uma avaliação generosíssima!

Posted by geneton at 10:26 AM

dezembro 08, 2014

JOHN LENNON MANDA LEMBRANÇAS: O 8 DE DEZEMBRO DE CADA UM

Beatles.jpg

Bato o olho no alto da página do jornal para checar a data e se estou no planeta Terra: oito de dezembro!

A data – por um desses mecanismos pessoais e intransferíveis – deflagra uma torrente de lembranças sobre um daqueles acontecimentos que "marcam uma geração": a morte de John Lennon, que foi assassinado a tiros por um fã enlouquecido, num oito de dezembro, no saguão de entrada de um edifício chamado Dakota, em Nova York.

Quem um dia foi devoto dos Beatles deve se lembrar exatamente onde estava quando recebeu a notícia de morte de Lennon. Não sou exceção. Por coincidência, 14 anos depois, em 1994, um grande nome da MPB morreria num oito de dezembro, também em Nova York: o maestro Tom Jobim.

(Não faz tempo, um manifestante, fatigado de um mundo sem utopias, pichou num muro: "Chega de realizações! Queremos promessas!". Bingo. O meu demônio-da-guarda me sopra no ouvido, neste oito de dezembro: "Chega de notícias! Queremos lembranças!". Faço, então, uma pequena expedição pelo Boulevard da Memória).

O locutor-que-vos-fala estudava cinema e, nas "horas vagas", fazia bicos como motorista de uma família rica e camareiro de um hotel no Quartier Latin, em Paris, naquele dezembro de 1980 (um dia, quem sabe, se me sobrarem tempo e neurônios, rabiscarei as Memórias Secretas de um Camareiro Acidental...).
Dias antes, por uma grande coincidência, eu comentara com um amigo – Fernando Correia, à época estudante de economia – o plano de fazer, em Nova York, o que fizera em Paris: desembarcar "na aventura", pela simples curiosidade de ver o que se escondia além da linha do horizonte da Cidade do Recife. "Quem sabe, vou tentar entrevistar aquele alcoólatra decadente", disse, na brincadeira, numa referência injusta a Lennon.

Porteiro da noite num hotel nos arredores de Paris, este amigo ouviu no rádio, na madrugada francesa, a notícia que começava a correr mundo: John Lennon tinha sido assassinado naquela noite de inverno.
De volta à "pensão" na qual morava um punhado de brasileiros, depois de cumprir o plantão noturno, ele deixou, de manhã de bem cedo, embaixo da porta do meu quarto, um bilhete: "Bicho, mataram John Lennon!". Pensei que era brincadeira. Ao sair para a escola, em Nanterre, deixei embaixo da porta do quarto do vizinho outro aviso, em retribuição: "Bicho, mataram Fidel Castro!".

As notícias, "naquele tempo", corriam velozes, mas não na velocidade da luz, como acontece hoje. Não existia internet! As edições da manhã dos jornais franceses não publicaram nada sobre a morte de Lennon, por conta do fuso horário. Quando a bomba explodiu na Europa, os jornais já estavam na rua.
"Por desencargo", dei uma olhada nas primeiras páginas estendidas numa banca perto do metrô Place D´Italie. Nada. Perguntei a colegas que frequentavam um seminário sobre documentários, na Universidade de Nanterre: "Vocês ouviram falar alguma coisa sobre John Lennon?". Incrivelmente, nada.

O choque veio no caminho de volta para a casa. A manchete do vespertino France Soir berrava, num título que, para mim, foi inesquecível, pelo impacto: "John Lennon assassinado por um admirador decepcionado. Era o mais talentoso dos Beatles". Guardei o jornal comigo pelas décadas seguintes.

Não é exagero dizer que um geração inteira se sentiu de alguma maneira órfã naquele oito de dezembro. Perto do Natal, Joan Baez foi fazer um concerto ao ar livre, diante da Catedral de Notre Dame. Não disse nada sobre a tragédia, mas, ao final do show, cantou “Let it Be”, acompanhada apenas do violão. A multidão fez coro. A cena foi bonita.

(Fui ao show por complacência dos meus "patrões" – a família rica para quem eu "trabalhava" como motorista. O que não faz "um rapaz latino-americano /sem dinheiro no banco / sem parentes importantes", em busca de uns trocados para ir tocando a vida? O casal ia a uma ceia antecipada de Natal, na casa de uma filha. Perguntou se eu poderia fazer uma jornada extra naquela noite, já que eles queriam levar o neto de carro para o jantar em família. Era algo que só acontecia uma vez por ano. Douglas era um menino especial, incapaz de se mover sem ajuda. Aprendi com ele lições inesperadas sobre a convivência com gente especial. Promessa dois: um dia, quem sabe, se me sobrarem tempo e neurônios, rabiscarei as Memórias de um Motorista Acidental... Eu disse a meus "patrões" que sim, claro, não poderia deixar de levar Douglas e os avós para a ceia de Natal, mas gostaria de ver Joan Baez cantando na frente da Notre Dame. E eles: "Você nos deixa, vai ver e volta para nos levar de volta para casa, no fim da noite". E assim foi feito. Duvido que o casal, simpático e bem situado, imaginasse quem era a cantora de protesto Joan Baez.)

O filme "Let it Be" voltou a cartaz, num cinema perto do metrô Odeon. Fui ver. Fazia frio. A plateia era de beatlemaníacos repentinamente jogados na "orfandade".

Paulo Francis escreveria na “Folha de São Paulo”: "A morte de Lennon é o fim de uma época, talvez a última que conheçamos em que uma geração de jovens talentosos, como os Beatles, tentou humanizar o nosso mundo de poderes impiedosos, impessoais e letais. Lennon baniu Reagan, Brejnev, Israel, Síria e Jordânia do centro das notícias. Talvez porque a maioria das pessoas reconhecesse nele um ser humano, enquanto esses outros problemas não podem ser tocados pelo cidadão comum, que, se interessado neles, é submetido à dieta de “press releases” dos poderosos. Com Lennon, se foi não só uma era, nos parece, mas um anseio de simplicidades que se tornaram aparentemente impossíveis em nosso tempo".

Francis acertou na mosca: além de tudo, ali, se perdia para sempre uma espécie de inocência e de ingenuidade que, embalada por belíssimas canções, parecia protegida e inalcançável pelos horrores do mundo.

A revista “Newsweek” publicaria um lead brilhante (aos não iniciados em jornalismo: lead é o início de uma reportagem – aquelas frases em que o autor tenta fisgar logo o leitor. O lead da “Newsweek” reproduzia o momento em que a figura nefasta de Mark David Chapman, o assassino, abordou Lennon, na calçada do Edifício Dakota: "Era apenas uma voz, saída de dentro de uma noite americana: "Mister Lennon?".
Faço um pequeno tour pelo Youtube. Lá, vejo Joan Baez cantando "Let it Be", uma das melhores canções da dupla imbatível, Lennon & McCartney.

Quando o casal Rosenberg, acusado de espionagem pró-União Soviética, foi executado nos Estados Unidos, Jean Paul Sartre escreveu: "O casal Rosenberg morreu, a vida continua. Não era o que vocês queriam?".

Hoje, o assassino Mark David Chapman mofa numa prisão – e o oito de dezembro traz de volta lembranças que, aos olhos de beatlemaníacos de todas as gerações, parecerão sempre irreais e absurdas.
É inevitável fazer o cálculo inútil: quantas e quantas belas canções não deixaram de ser escritas depois daquele fim de noite de inverno em Nova Iorque?

Não era o que os beatlemaníacos queriam.

(Aqui, uma das melhores pérolas do Lennon pós-Beatle: "Mother". Em um verso, ele resume tomos e tomos de Sigmund Freud: "Mãe, não vá embora/ Pai, volte para casa")

Não se fez, em música pop, nada que igualasse a beleza de Abbey Road – o auge dos Beatles. Os versos de "Golden Slumbers" soam tristemente irônicos aos ouvidos de beatlemaníacos embalados pelas lembranças "pessoais e intransferíveis" do oito de dezembro de cada um ("Boy / Você vai carregar este peso / Vai carregar este peso/ por um longo tempo).

*Foto: John Lennon, Ringo Starr, Paul McCartney e George Harrison desembarcam no aeroporto John F. Kennedy Airport, em Nova York, EUA, onde são recebidos por multidão de fãs em fevereiro de 1964 (AFP)

Posted by geneton at 11:39 PM

"ERA APENAS UMA VOZ, SAÍDA DE DENTRO DE UMA NOITE AMERICANA: "MISTER LENNON!" ( OU: POR QUE TODO BEATLEMANÍACO QUE SE PREZA VAI SE LEMBRAR SEMPRE DO OITO DE DEZEMBRO ).

Bato o olho no alto da página do jornal, para checar a data e se estou no planeta terra: oito de dezembro!
A data - por um desses mecanismos pessoais e intransferíveis - deflagra uma torrente de lembranças sobre um daqueles acontecimentos que "marcam uma geração": a morte de John Lennon - assassinado a tiros por um fã enlouquecido, num oito de dezembro, no saguão de entrada de um edifício chamado Dakota, em Nova Iorque.
Quem um dia foi devoto dos Beatles deve se lembrar exatamente onde estava quando recebeu a notícia de morte de Lennon. Não sou exceção. Por coincidência, quatorze anos depois, em 1994, um grande nome da MPB morreria num oito de dezembro, também em Nova York: o maestro Tom Jobim.
( Não faz tempo, um manifestante, fatigado de um mundo sem utopias, pichou num muro: "Chega de realizações! Queremos promessas!". Bingo. O meu demônio-da-guarda me sopra no ouvido, neste oito de dezembro: "Chega de notícias! Queremos lembranças!". Faço, então, uma pequena expedição pelo Boulevard da Memória ).

O locutor-que-vos-fala estudava cinema e, nas "horas vagas", fazia bicos como motorista de uma família rica e camareiro de um hotel no Quartier Latin, em Paris, naquele dezembro de 1980 ( um dia, quem sabe, se me sobrarem tempo e neurônios, rabiscarei as Memórias Secretas de um Camareiro Acidental....).
Dias antes, por uma grande coincidência, eu comentara com um amigo - Fernando Correia, à época estudante de economia - o plano de fazer, em Nova York, o que fizera em Paris: desembarcar "na aventura", pela simples curiosidade de ver o que se escondia além da linha do horizonte da Cidade do Recife. "Quem sabe, vou tentar entrevistar aquele alcoólatra decadente" - disse, na brincadeira, numa referência injusta a Lennon.
Porteiro da noite num hotel nos arredores de Paris, este amigo ouviu no rádio, na madrugada francesa, a notícia que começava a correr mundo: John Lennon tinha sido assassinado naquela noite de inverno.
De volta à "pensão" em que morava um punhado de brasileiros, depois de cumprir o plantão noturno, ele deixou, de manhã de bem cedo, embaixo da porta do meu quarto, um bilhete: "Bicho, mataram John Lennon!". Pensei que era brincadeira. Ao sair para a escola, em Nanterre, deixei embaixo da porta do quarto do vizinho outro aviso, em retribuição: "Bicho, mataram Fidel Castro!".
As notícias, "naquele tempo", corriam velozes - mas não na velocidade da luz, como acontece hoje. Não existia internet! As edições da manhã dos jornais franceses não publicaram nada sobre a morte de Lennon, por conta do fuso horário. Quando a bomba explodiu na Europa, os jornais já estavam na rua.
"Por desencargo", dei uma olhada nas primeiras páginas estendidas numa banca perto do metrô Place D´Italie. Nada. Perguntei a colegas que frequentavam um seminário sobre documentários, na Universidade de Nanterre: "Vocês ouviram falar alguma coisa sobre John Lennon?". Incrivelmente, nada.
O choque veio no caminho de volta para a casa. A manchete do vespertino France Soir berrava, num título que, para mim, foi inesquecível, pelo impacto: "John Lennon assassinado por um admirador decepcionado. Era o mais talentoso dos Beatles". Guardei o jornal comigo pelas décadas seguintes.
Não é exagero dizer que uma geração inteira se sentiu de alguma maneira órfã naquele oito de dezembro. Perto do Natal, Joan Baez foi fazer um concerto ao ar livre, diante da Catedral de Notre Dame. Não disse nada sobre a tragédia, mas, ao final do show, cantou Let it Be, acompanhada apenas do violão. A multidão fez coro. A cena foi bonita.
( Fui ao show por complacência dos meus "patrões" - uma família rica, para quem eu "trabalhava" como motorista. O que não faz "um rapaz latino-americano /sem dinheiro no banco / sem parentes importantes", em busca de uns trocados para ir tocando a vida? O casal ia a uma ceia antecipada de Natal, na casa de uma filha. Perguntou se eu poderia fazer uma jornada extra naquela noite, já que eles queriam levar o neto de carro para o jantar em família. Era algo que só acontecia uma vez por ano. Douglas era um menino especial, incapaz de se mover por si só. Precisava de assistência. Aprendi com ele lições inesperadas sobre a convivência com gente especial. Promessa dois: um dia, quem sabe, se me sobrarem tempo e neurônios, rabiscarei as Memórias de um Motorista Acidental...Eu disse a meus "patrões" que sim, claro, não poderia deixar de levar Douglas e os avós para a ceia de Natal - mas gostaria de ver Joan Baez cantando na frente da Notre Dame. E eles: "Você nos deixa, vai ver e, depois, no leva de volta para casa, no fim da noite". E assim foi feito. Duvido que o casal, simpático e bem situado, imaginasse quem era a cantora de protesto Joan Baez. )
O filme "Let it Be" voltou a cartaz, num cinema perto do metrô Odeon. Fui ver. Fazia frio. A plateia era de beatlemaníacos repentinamente jogados na "orfandade".
Paulo Francis escreveria, na Folha de São Paulo: "A morte de Lennon é o fim de uma época, talvez a última que conheçamos em que uma geração de jovens talentosos, como os Beatles, tentou humanizar o nosso mundo de poderes impiedosos, impessoais e letais. Lennon baniu Reagan, Brejnev, Israel, Síria e Jordânia do centro das notícias. Talvez porque a maioria das pessoas reconhecesse nele um ser humano, enquanto esses outros problemas não podem ser tocados pelo cidadão comum - que, se interessado neles, é submetido à dieta de press releases dos poderosos. Com Lennon, se foi não só uma era, nos parece, mas um anseio de simplicidades que se tornaram aparentemente impossíveis em nosso tempo".
Francis acertou na mosca: além de tudo, ali, se perdia para sempre uma espécie de inocência e de ingenuidade que, embalada por belíssimas canções, parecia protegida e inalcançável pelos horrores do mundo.
A revista Newsweek publicaria um lead brilhante ( aos não iniciados em jornalismo: lead é o início de uma reportagem - aquelas frases em que o autor tenta fisgar logo o leitor. O lead da Newsweek reproduzia o momento em que a figura nefasta de Mark David Chapman - o assassino - abordou Lennon, na calçada do Edifício Dakota: "Era apenas uma voz, saída de dentro de uma noite americana: "Mister Lennon!".
Quando Lennon fez menção de se virar, para ver quem o chamara, Mark Chapmann atirou quatro vezes nas costas do ex-beatle. Depois, soltou a arma no chão, pegou no bolso do casaco um exemplar de O Apanhador no Campo de Centeio - de J.D. Salinger - e começou a ler. Não tentou fugir. Quando a polícia chegou, minutos depois, Chapmann se entregou sem resistência.
Faço um pequeno tour pelo Youtube. Lá, vejo Joan Baez cantando "Let it Be", uma das melhores canções da dupla imbatível - Lennon & McCartney:
http://goo.gl/wePC7K
Quando o casal Rosenberg, acusado de espionagem pró-União Soviética, foi executado nos Estados Unidos, Jean Paul Sartre escreveu: "O casal Rosenberg morreu, a vida continua. Não era o que vocês queriam? ".
Hoje, o assassino Mark David Chapman mofa numa prisão - e o oito de dezembro traz de volta lembranças que, aos olhos de beatlemaníacos de todas as gerações, parecerão sempre irreais e absurdas.
É inevitável fazer o cálculo inútil: quantas e quantas belas canções não deixaram de ser escritas depois daquele fim de noite de um inverno americano?
Não era o que os beatlemaníacos queriam.
( Aqui, uma das melhores pérolas do Lennon pós-Beatle:
"Mother". Em um verso, ele resume tomos e tomos de Sigmund Freud: "Mãe, não vá embora/ Pai, volte para casa":
http://goo.gl/l4odcL )
Não se fez, em música pop, nada que igualasse a beleza de Abbey Road - o auge dos Beatles. Os versos de Golden Slumbers soam tristemente irônicos aos ouvidos de beatlemaníacos embalados pelas lembranças "pessoais e intransferíveis" do oito de dezembro de cada um ( "Boy / Você vai carregar este peso / Vai carregar este peso/ por um longo tempo ):
http://goo.gl/9jvmNI

Posted by geneton at 10:26 AM

dezembro 03, 2014

EU SINTO MUITO, DARWIN, MAS VOCÊ ESTAVA BÊBADO

Toda vez que vejo um carrão avançar o sinal vermelho, guiado por um idiota protegido por vidros pretos, meu demônio interior fica repetindo obsessivamente o seguinte mantra: "Eu sinto muito, Darwin, mas você estava bêbado quando falou em evolução das espécies. Eu sinto muito, eu sinto muito, eu sinto muito mesmo...."

Posted by geneton at 01:35 PM

dezembro 02, 2014

BYE, BYE, DEZEMBRO!

Anotações de dezembro de 2013 republicadas, com pequenos acréscimos, em dezembro de 2014 ( porque vai ser sempre assim ):
BYE, BYE, DEZEMBRO!
"O GDHD ( Grande Desfile de Horrores de Dezembro ) se avizinha.
Lá vem ele, inconfundível_- como se fosse a Divisão Panzer passando por cima dos prazeres do recolhimento.
Nem preciso enumerá-los - os tais horrores - porque eles já produzem, desde já, por antecipação, nas ruas, nas lojas, nos corredores dos shoppings, a típica cacofonia do décimo segundo mês: vozerios, algazarras, o ritual de milhões de cartões de créditos zunindo no ar.
O que dizer das músicas todas & mensagens todas & subliteraturas todas & anúncios todos que atormentam nossas retinas e canais auditivos ao longo dos dezembros com suas insuportáveis e toscas ladainhas "otimistas"?
Primeiro, repito para mim mesmo, em voz baixa, como se fosse um mantra anti-GDHD: "Estou fora, estou fora, estou fora". Depois, pergunto aos céus: o que fazer para atravessar a tormenta que se avizinha?
A saída haverá de ser a de sempre: assim que dezembro chegar, vou me recolher, mudo, ao meu bunker. O mundo não sentirá a menor falta de minha desolação. Estará ocupado em povoar os corredores de shoppings. Ainda bem! Ainda bem! Ainda bem! Em meu refúgio, estarei cem por cento protegido das investidas do GDHD.
Em questão de instantes, a desolação se transformará em encantamento. É o que acontecerá quando eu começar a folhear as páginas já gastíssimas do meu exemplar de O Leopardo. Minha solidão te saúda, te saudará para sempre, Lampedusa!
( Tento reunir o que resta de minhas forças para combater o GDHD, mas, a bem da verdade, gostaria de fazer uma concessão. Dezembro terá 44.640 minutos. Desses, um - e apenas um - minuto se salvará: aquele que flagrará, no rosto das crianças, uma cintilação de legítima alegria diante de um presente de Natal, seja ele qual for ).
Feita a concessão, emudeço. E assim ficarei até que as desolações de dezembro derem lugar, aí sim, aos esplendores de janeiro. Desde já, bye, bye, dezembro. Estou fora".

Posted by geneton at 01:37 PM

novembro 30, 2014

LEI DA EXCLUSÃO MÚTUA

Artigo primeiro: se Deus existisse, não existiriam aquelas "festas de fim de ano".
Artigo segundo: se Deus existisse, não existiriam adolescentes.
Artigo terceiro: se Deus existisse, não existiriam jornalistas.
Artigo quarto: Deus existe ( é o que dizem). Festas de fim de ano, adolescentes e jornalistas também. Eis aí uma grande, intrincada e insolúvel contradição.
Três vezes por dia, pergunto, inutilmente, aos céus: "Como é possível? Como é possível? Como é possível? ".
Um silêncio de pedra é a resposta.
Continuarei tentando desvendar o enigma.

Posted by geneton at 10:29 AM

O CARRO DE TRÊS MILHÕES DE REAIS

Dou uma folheada numa revista. Lá aparece, entre os "presentes de Natal", um carro de três milhões de reais- um "Prosche Híbrido 918 Spyder" ( o ridículo da situação começa pelo nome do carro ).
Sim: três milhões. O texto diz que já há três compradores. Sim: três compradores - gente supostamente bípede, supostamente vertebrada, supostamente racional. Ou seja: que pertence à espécie humana, a mesmíssima que um dia gerou Ludwig van Beethoven, Mozart, Chopin, Miguelângelo e Shakespeare.
Meu demônio-da-guarda se agita, solta uma labareda e me faz uma pergunta, ao pé do meu ouvido, num tom de voz surpreendentemente baixo e contido: "Você sabe quantos neurônios deve ter alguém que é capaz de pagar três milhões por um carro? Aliás, nem precisaria chegar a tanto: cem mil já é um absurdo....".
Arrisco: "Três neurônios - no máximo, no máximo, no máximo, na melhor das hipóteses !".
E ele: "Acertou! Demorou, mas finalmente você acertou alguma coisa! Parabéns! Agora, pelo bem da humanidade, trate de se recolher novamente ao silêncio. É o melhor que você faz, é o melhor que você sempre fez! ".
Agradeço o cumprimento e cumpro a ordem: trato de me recolher a um silêncio obsequioso.

Posted by geneton at 10:29 AM

novembro 29, 2014

O ENTREVISTADO É CHAMADO DE "ANTIPÁTICO", "ARROGANTE" E "INTOLERANTE". E REAGE À ALTURA! ERA ASSIM O "ABERTURA" : REPRISE DO PROGRAMA DE 1979 VAI AR NESTE DOMINGO, ÀS 23:30, NO CANAL BRASIL ( COM PARTICIPAÇÕES DE FLÁVIO CAVALCANTI, JOÃO SALDANHA E GLAUBER

Um programa em que um entrevistado podia eventualmente ser chamado de "antipático, arrogante, intolerante e vaidoso". Em troca, qualifica as perguntas de "estúpidas e grosseiras". Tensão no ar!
( Que diferença de tantas entrevistas congratulatórias que infestam o jornalismo brasileiro....).
O programa se chamava Abertura. O entrevistado, neste caso, foi Flávio Cavalcanti, apresentador de TV que durante anos foi campeão de audiência ( e de polêmicas )
A entrevista completa vai ao ar neste domingo, às 23:30, no Canal Brasil, dentro da série de reprises do Abertura - programa que marcou época entre 1979 e 1980.
Flávio Cavalcanti não é a única atração da reprise:
João Saldanha, ex-técnico da seleção brasileira, entra em campo nesta reprise do Abertura não para falar de futebol, mas para analisar o pacote de medidas econômicas tomadas pelo governo.
E, por fim, Glauber Rocha dá sinal de vida, ao entrevistar a própria mulher - Paula Gaitán.
O elenco é uma pista do que era o Abertura: um programa em que havia espaço para todos os matizes políticos. João Saldanha e Flávio Cavalcanti estavam em campos radicalmente opostos. E a graça do programa era justamente esta: a de promover, nos tempos de descompressão do regime militar, um desfile de personalidades tão díspares quanto - por exemplo - Saldanha e Flávio Cavalcanrti ou Nélson Rodrigues e Miguel Arraes.
Durante treze domingos, o Abertura voltará ao ar: a chance rara de rever um momento interessantíssimo da vida brasileira. O país começava a respirar ares democráticos depois de anos e anos de sufoco.

Posted by geneton at 10:30 AM

novembro 28, 2014

O CURTA "A FLOR DO LÁCIO É VADIA" ENTRA EM CARTAZ NA TELA DA INTERNET (OU: "O BRASIL JÁ FOI PORTUGUÊS, JÁ FOI HOLANDÊS, JÁ FALA INGLÊS: NÃO É DE VOCÊS!".1978 MANDA LEMBRANÇAS, EM SEIS MINUTOS! )

http://goo.gl/OnuoO5
O texto do filme, premiado no Festival de Cinema do Recife de 1978:
"O Brasil um dia foi um sonho de Maurício de Nassau – só que não deu certo. Numa manhã de sol, embriagado pelo cheiro dos canaviais, o príncipe da Companhia das Índias Ocidentais foi à janela do palácio e declamou para o povo:
“Eu vos prometo que esta república, criada pela fusão do gênio holandês com o temperamento brasileiro, será o paraíso abaixo do equador. Não haverá fome nem pobreza. Todos poderão entrar e sair deste território. O homem aqui será livre! Glória a ti, ó boi voador, símbolo do milagre que vamos gerar neste país”.

Glória a ti, ó boi voador. O Brasil, três séculos depois, iria andar a cavalo. Não há poesia na miséria, não há paraíso abaixo do equador, nem alegria geral nem seja o que for.
Tristes trópicos. Almas líricas, paisagens coloridas, crepúsculos barrocos e barrigas vazias. Tristes trópicos de barrigas vazias!
O milagre brasileiro! Ruínas, ruínas....A cordialidade nacional! Ruínas, ruínas...O Brasil pandeiro! Ruínas, ruínas...A morenice tropical! Ruínas, ruínas...A história viva! Ruínas, ruínas...E a fome relativa, lenta e gradual. Relativa, lenta e gradual! Ruínas, ruínas, ruínas....
Pensar: o cinema comporta discursos. Citar: a câmera é um objeto que mente. Lembrar: Calabar já foi brasileiro, Zumbi já foi brasileiro. O Brasil já foi português, já foi holandês, já fala inglês – não é de vocês. Dizer: o Brasil é um país que sente saudade do futuro. Não é brincadeira: é no duro.
Dormem agora, nesse instante, índios saqueados, operários famintos, favelados, banidos, deserdados.
Atenção para o refrão: o Brasil da Rede Globo não confere com o original! E o Super-8 é fogo: a cura do ócio dos filhos da nova classe média – mas nem sempre. Tente de novo. Fique de olho na tela. A esperança é a última que nasce – na certa.
Onde anda o Super-8 no coração do Brasil? Onde anda o Palhaço Degolado nos canaviais da pernambucália?
Tristes trópicos de batuques, preguiça, lirismo e barrigas vazias. O cinema comporta discursos, desde que o país se chame Brasil.
Dançar sobre as ruínas, dançar sobre as ruínas, dançar sobre as ruínas!"

Posted by geneton at 01:39 PM

novembro 27, 2014

AQUI, "UM FILME PANFLETÁRIO, A FAVOR DO FUTEBOL": ENTRADA FRANCA! A PERNAMBUCÁLIA MANDA LEMBRANÇAS

A quem interessar possa: houve, entre a segunda metade dos anos setenta e o início dos anos oitenta, uma espécie de movimento de cinema Super-8 no Recife. Era - quase - a única maneira de fazer filmes, em meio à falta de condições e ao sufoco geral.
O locutor-que-vos-fala participou do movimento. Vai postar, nos próximos dias, nove curtas, num canal criado no Youtube.
Os monitores dos computadores se transformaram em telas - inclusive para nossos velhos e precários "filmecos", como diria Amin Stepple. Ainda bem! De outra maneira, os filmes poderiam sumir na poeira da estrada.
Em cartaz: "Esses Onze Aí" - feito em parceria com Paulo Cunha, hoje um ativíssimo professor de cinema. Tema do filme: o futebol. Vai começar a partida:

Posted by geneton at 10:33 AM

novembro 24, 2014

UM TIME DE ESCRIVÃES ANOTA TUDO, NO PORTÃO DE ENTRADA DO INFERNO E DO CÉU

É impossível comprovar, mas sempre tive a impressão de que, nos portões de entrada do céu e do inferno, há um batalhão de escrivães que vão anotando, com todo o cuidado, tudo o que cada um dos terráqueos fez aqui no planeta. Ao lado, há um espaço em que eles registram os pontos acumulados ou perdidos por cada um. Quando chegar o dia do Juízo Final, eles fecham a conta e dão o resultado.
Por exemplo :
quem um dia posou para uma revista de celebridade perde automaticamente 14.385 pontos.
Se a foto foi tirada em frente a uma mesa de "café da manhã", 112.345 pontos a menos.
Se a pose foi feita numa cama, 634.688 pontos negativos.
E assim por diante.
Os pontos perdidos são irrecuperáveis.
Fiz esta utilíssima divagação enquanto folheava uma dessas revistas, na fila de espera do barbeiro.
Que coisa...

Posted by geneton at 10:32 AM

novembro 23, 2014

O QUE O ENTÃO LÍDER SINDICAL LUÍS INÁCIO DA SILVA, O "LULA METALÚRGICO", TINHA A DIZER DURANTE UMA GREVE DE OPERÁRIOS DO ABC PAULISTA? ENTREVISTA COMPLETA VAI AO AR HOJE, NO CANAL BRASIL, NO INÍCIO DA TEMPORADA DE REPRISES DE UM PROGRAMA HISTÓRICO: O "ABE

Aviso aos navegantes: o Canal Brasil inicia, neste domingo, às onze e meia da noite, uma grande "viagem no tempo". Durante treze semanas, o canal reprisará edições do histórico programa Abertura, originalmente levado ao ar nos idos de 79/80 pela TV Tupi. O Brasil vivia tempos de "descompressão". O programa aproveitava todas as brechas.
O elenco que, a partir deste domingo, desfila no Abertura é "da pesada": Glauber Rocha, João Saldanha, Lula, FHC, Nélson Rodrigues, Chico Buarque, Paulo Francis, Darcy Ribeiro, Miguel Arraes, Leonel Brizola, Caetano Veloso, Ulysses Guimarães, Ziraldo, Antônio Callado, Plínio Marcos, Fausto Wolff, Flávio Cavalcanti, Barbosa Lima Sobrinho, Luiz Carlos Barreto, Walter Clark.
A primeira reprise traz duas atrações. Primeira: uma entrevista completa com o então líder sindical Luís Inácio da Silva, gravada em estúdio durante uma greve de operários no ABC paulista. O que o Lula sindicalista tinha a dizer? Segunda: uma performance de Glauber Rocha - que terminou se tornando uma das grandes estrelas do Abertura.

Posted by geneton at 10:32 AM

novembro 22, 2014

AQUI, "UM FILME PANFLETÁRIO, A FAVOR DO FUTEBOL": ENTRADA FRANCA! A PERNAMBUCÁLIA MANDA LEMBRANÇAS

A quem interessar possa: houve, entre a segunda metade dos anos setenta e o início dos anos oitenta, uma espécie de movimento de cinema Super-8 no Recife. Era - quase - a única maneira de fazer filmes, em meio à falta de condições e ao sufoco geral.
O locutor-que-vos-fala participou do movimento. Vai postar, nos próximos dias, nove curtas, num canal criado no Youtube.
Os monitores dos computadores se transformaram em telas - inclusive para nossos velhos e precários "filmecos", como diria Amin Stepple. Ainda bem! De outra maneira, os filmes poderiam sumir na poeira da estrada.
Em cartaz: "Esses Onze Aí" - feito em parceria com Paulo Cunha, hoje um ativíssimo professor de cinema. Tema do filme: o futebol. Vai começar a partida:

Posted by geneton at 10:33 AM

AQUI, "UM FILME PANFLETÁRIO, A FAVOR DO FUTEBOL": ENTRADA FRANCA! A PERNAMBUCÁLIA MANDA LEMBRANÇAS

A quem interessar possa: houve, entre a segunda metade dos anos setenta e o início dos anos oitenta, uma espécie de movimento de cinema Super-8 no Recife. Era - quase - a única maneira de fazer filmes, em meio à falta de condições e ao sufoco geral.
O locutor-que-vos-fala participou do movimento. Vai postar, nos próximos dias, nove curtas, num canal criado no Youtube.
Os monitores dos computadores se transformaram em telas - inclusive para nossos velhos e precários "filmecos", como diria Amin Stepple. Ainda bem! De outra maneira, os filmes poderiam sumir na poeira da estrada.
Em cartaz: "Esses Onze Aí" - feito em parceria com Paulo Cunha, hoje um ativíssimo professor de cinema. Tema do filme: o futebol. Vai começar a partida:

Posted by geneton at 10:33 AM

AQUI, "UM FILME PANFLETÁRIO, A FAVOR DO FUTEBOL": ENTRADA FRANCA! A PERNAMBUCÁLIA MANDA LEMBRANÇAS

A quem interessar possa: houve, entre a segunda metade dos anos setenta e o início dos anos oitenta, uma espécie de movimento de cinema Super-8 no Recife. Era - quase - a única maneira de fazer filmes, em meio à falta de condições e ao sufoco geral.
O locutor-que-vos-fala participou do movimento. Vai postar, nos próximos dias, nove curtas, num canal criado no Youtube.
Os monitores dos computadores se transformaram em telas - inclusive para nossos velhos e precários "filmecos", como diria Amin Stepple. Ainda bem! De outra maneira, os filmes poderiam sumir na poeira da estrada.
Em cartaz: "Esses Onze Aí" - feito em parceria com Paulo Cunha, hoje um ativíssimo professor de cinema. Tema do filme: o futebol. Vai começar a partida:

Posted by geneton at 10:33 AM

AQUI, "UM FILME PANFLETÁRIO, A FAVOR DO FUTEBOL": ENTRADA FRANCA! A PERNAMBUCÁLIA MANDA LEMBRANÇAS

A quem interessar possa: houve, entre a segunda metade dos anos setenta e o início dos anos oitenta, uma espécie de movimento de cinema Super-8 no Recife. Era - quase - a única maneira de fazer filmes, em meio à falta de condições e ao sufoco geral.
O locutor-que-vos-fala participou do movimento. Vai postar, nos próximos dias, nove curtas, num canal criado no Youtube.
Os monitores dos computadores se transformaram em telas - inclusive para nossos velhos e precários "filmecos", como diria Amin Stepple. Ainda bem! De outra maneira, os filmes poderiam sumir na poeira da estrada.
Em cartaz: "Esses Onze Aí" - feito em parceria com Paulo Cunha, hoje um ativíssimo professor de cinema. Tema do filme: o futebol. Vai começar a partida:

Posted by geneton at 10:33 AM

novembro 21, 2014

E SE AS EMPREITEIRAS DENUNCIADAS FOREM FINALMENTE DECLARADAS INIDÔNEAS E IMPEDIDAS DE PARTICIPAR DE CONCORRÊNCIAS PÚBLICAS PELOS PRÓXIMOS ANOS? ( O PEDIDO JÁ FOI FEITO ). E SE O BRASIL ABRIR AS PORTAS PARA AS EMPREITEIRAS ESTRANGEIRAS, PARA ACABAR COM O "

E uma notícia importante, importantíssima, "importantaça", nesta sexta-feira: o Ministério Público pediu ao Tribunal de Contas da União que as oito empreiteiras envolvidas nas denúncias de corrupção em obras públicas sejam declaradas "inidôneas".
Como se sabe, é tudo mega-empresa. Ganham bilhões para executar obras públicas.
Se forem declaradas inidôneas, as empreiteiras ficarão proibidas de participar de concorrências para execução de obras federais pelos próximos anos. Ia ser uma punição estrondosa.
O noticiário diz que, depois do escândalo, um tema voltou a ser considerado: o fim do veto à participação de empreiteiras estrangeiras em concorrências públicas brasileiras. Hoje, como se sabe, empreiteiras estrangeiras não podem atuar no Brasil.

Um problema sério: uma mudança na legislação dependeria do Congresso. E as empreiteiras nacionais, como se sabe, derramam milhões financiando as campanhas de deputados e senadores
( além de presidentes, prefeitos e governadores, claro ). Quantos deputados, quantos senadores votariam contra o interesse das empreiteiras? É "esperar para ver" - se o tema for mesmo levado adiante.
Em meio ao atual vendaval, duas medidas históricas poderiam ser tomadas. Primeira: proibir, sim, as empreiteiras comprovadamente corruptas ( ou corruptoras ) de participar de concorrências públicas por anos e anos e anos. Segunda: abrir o mercado para empreiteiras estrangeiras ( é claro que haveria risco de outras bandidagens - mas só nos resta esperar que a ladroagem histórica não vá se repetir ).
O país espera que deputados e senadores sintonizados com a famosa "voz rouca das ruas" levantem estas duas bandeiras - pra valer. Ou seja: castigo financeiro para empreiteiras corruptoras e fim do "cartel" .
99% da população estariam a favor. Afinal, como qualquer bebê de seis meses sabe, o dinheiro embolsado por corruptos e corruptores no festival de superfaturamentos não cai do céu: vem do bolso do contribuinte - o pagador de impostos.
Uma notícia publicada nos jornais deve ter causado uma justificadíssima onda de indignação: quando tentava reaver dinheiro, a Justiça descobriu que contas bancárias de altíssimos executivos de empreiteiras tinham sido zeradas ou exibiam saldos irrisórios nos últimos dias. Conclusão óbvia número um: quem deve teme. O dinheiro foi transferido para algum abrigo "seguro".
Conclusão óbvia número dois: eis aí o que se chama de "escracho".
http://goo.gl/dhNcXP

Posted by geneton at 10:36 AM

E SE AS EMPREITEIRAS DENUNCIADAS FOREM FINALMENTE DECLARADAS INIDÔNEAS E IMPEDIDAS DE PARTICIPAR DE CONCORRÊNCIAS PÚBLICAS PELOS PRÓXIMOS ANOS? ( O PEDIDO JÁ FOI FEITO ). E SE O BRASIL ABRIR AS PORTAS PARA AS EMPREITEIRAS ESTRANGEIRAS, PARA ACABAR COM O "

E uma notícia importante, importantíssima, "importantaça", nesta sexta-feira: o Ministério Público pediu ao Tribunal de Contas da União que as oito empreiteiras envolvidas nas denúncias de corrupção em obras públicas sejam declaradas "inidôneas".
Como se sabe, é tudo mega-empresa. Ganham bilhões para executar obras públicas.
Se forem declaradas inidôneas, as empreiteiras ficarão proibidas de participar de concorrências para execução de obras federais pelos próximos anos. Ia ser uma punição estrondosa.
O noticiário diz que, depois do escândalo, um tema voltou a ser considerado: o fim do veto à participação de empreiteiras estrangeiras em concorrências públicas brasileiras. Hoje, como se sabe, empreiteiras estrangeiras não podem atuar no Brasil.

Um problema sério: uma mudança na legislação dependeria do Congresso. E as empreiteiras nacionais, como se sabe, derramam milhões financiando as campanhas de deputados e senadores
( além de presidentes, prefeitos e governadores, claro ). Quantos deputados, quantos senadores votariam contra o interesse das empreiteiras? É "esperar para ver" - se o tema for mesmo levado adiante.
Em meio ao atual vendaval, duas medidas históricas poderiam ser tomadas. Primeira: proibir, sim, as empreiteiras comprovadamente corruptas ( ou corruptoras ) de participar de concorrências públicas por anos e anos e anos. Segunda: abrir o mercado para empreiteiras estrangeiras ( é claro que haveria risco de outras bandidagens - mas só nos resta esperar que a ladroagem histórica não vá se repetir ).
O país espera que deputados e senadores sintonizados com a famosa "voz rouca das ruas" levantem estas duas bandeiras - pra valer. Ou seja: castigo financeiro para empreiteiras corruptoras e fim do "cartel" .
99% da população estariam a favor. Afinal, como qualquer bebê de seis meses sabe, o dinheiro embolsado por corruptos e corruptores no festival de superfaturamentos não cai do céu: vem do bolso do contribuinte - o pagador de impostos.
Uma notícia publicada nos jornais deve ter causado uma justificadíssima onda de indignação: quando tentava reaver dinheiro, a Justiça descobriu que contas bancárias de altíssimos executivos de empreiteiras tinham sido zeradas ou exibiam saldos irrisórios nos últimos dias. Conclusão óbvia número um: quem deve teme. O dinheiro foi transferido para algum abrigo "seguro".
Conclusão óbvia número dois: eis aí o que se chama de "escracho".
http://goo.gl/dhNcXP

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E SE AS EMPREITEIRAS DENUNCIADAS FOREM FINALMENTE DECLARADAS INIDÔNEAS E IMPEDIDAS DE PARTICIPAR DE CONCORRÊNCIAS PÚBLICAS PELOS PRÓXIMOS ANOS? ( O PEDIDO JÁ FOI FEITO ). E SE O BRASIL ABRIR AS PORTAS PARA AS EMPREITEIRAS ESTRANGEIRAS, PARA ACABAR COM O "

E uma notícia importante, importantíssima, "importantaça", nesta sexta-feira: o Ministério Público pediu ao Tribunal de Contas da União que as oito empreiteiras envolvidas nas denúncias de corrupção em obras públicas sejam declaradas "inidôneas".
Como se sabe, é tudo mega-empresa. Ganham bilhões para executar obras públicas.
Se forem declaradas inidôneas, as empreiteiras ficarão proibidas de participar de concorrências para execução de obras federais pelos próximos anos. Ia ser uma punição estrondosa.
O noticiário diz que, depois do escândalo, um tema voltou a ser considerado: o fim do veto à participação de empreiteiras estrangeiras em concorrências públicas brasileiras. Hoje, como se sabe, empreiteiras estrangeiras não podem atuar no Brasil.

Um problema sério: uma mudança na legislação dependeria do Congresso. E as empreiteiras nacionais, como se sabe, derramam milhões financiando as campanhas de deputados e senadores
( além de presidentes, prefeitos e governadores, claro ). Quantos deputados, quantos senadores votariam contra o interesse das empreiteiras? É "esperar para ver" - se o tema for mesmo levado adiante.
Em meio ao atual vendaval, duas medidas históricas poderiam ser tomadas. Primeira: proibir, sim, as empreiteiras comprovadamente corruptas ( ou corruptoras ) de participar de concorrências públicas por anos e anos e anos. Segunda: abrir o mercado para empreiteiras estrangeiras ( é claro que haveria risco de outras bandidagens - mas só nos resta esperar que a ladroagem histórica não vá se repetir ).
O país espera que deputados e senadores sintonizados com a famosa "voz rouca das ruas" levantem estas duas bandeiras - pra valer. Ou seja: castigo financeiro para empreiteiras corruptoras e fim do "cartel" .
99% da população estariam a favor. Afinal, como qualquer bebê de seis meses sabe, o dinheiro embolsado por corruptos e corruptores no festival de superfaturamentos não cai do céu: vem do bolso do contribuinte - o pagador de impostos.
Uma notícia publicada nos jornais deve ter causado uma justificadíssima onda de indignação: quando tentava reaver dinheiro, a Justiça descobriu que contas bancárias de altíssimos executivos de empreiteiras tinham sido zeradas ou exibiam saldos irrisórios nos últimos dias. Conclusão óbvia número um: quem deve teme. O dinheiro foi transferido para algum abrigo "seguro".
Conclusão óbvia número dois: eis aí o que se chama de "escracho".
http://goo.gl/dhNcXP

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E SE AS EMPREITEIRAS DENUNCIADAS FOREM FINALMENTE DECLARADAS INIDÔNEAS E IMPEDIDAS DE PARTICIPAR DE CONCORRÊNCIAS PÚBLICAS PELOS PRÓXIMOS ANOS? ( O PEDIDO JÁ FOI FEITO ). E SE O BRASIL ABRIR AS PORTAS PARA AS EMPREITEIRAS ESTRANGEIRAS, PARA ACABAR COM O "

E uma notícia importante, importantíssima, "importantaça", nesta sexta-feira: o Ministério Público pediu ao Tribunal de Contas da União que as oito empreiteiras envolvidas nas denúncias de corrupção em obras públicas sejam declaradas "inidôneas".
Como se sabe, é tudo mega-empresa. Ganham bilhões para executar obras públicas.
Se forem declaradas inidôneas, as empreiteiras ficarão proibidas de participar de concorrências para execução de obras federais pelos próximos anos. Ia ser uma punição estrondosa.
O noticiário diz que, depois do escândalo, um tema voltou a ser considerado: o fim do veto à participação de empreiteiras estrangeiras em concorrências públicas brasileiras. Hoje, como se sabe, empreiteiras estrangeiras não podem atuar no Brasil.

Um problema sério: uma mudança na legislação dependeria do Congresso. E as empreiteiras nacionais, como se sabe, derramam milhões financiando as campanhas de deputados e senadores
( além de presidentes, prefeitos e governadores, claro ). Quantos deputados, quantos senadores votariam contra o interesse das empreiteiras? É "esperar para ver" - se o tema for mesmo levado adiante.
Em meio ao atual vendaval, duas medidas históricas poderiam ser tomadas. Primeira: proibir, sim, as empreiteiras comprovadamente corruptas ( ou corruptoras ) de participar de concorrências públicas por anos e anos e anos. Segunda: abrir o mercado para empreiteiras estrangeiras ( é claro que haveria risco de outras bandidagens - mas só nos resta esperar que a ladroagem histórica não vá se repetir ).
O país espera que deputados e senadores sintonizados com a famosa "voz rouca das ruas" levantem estas duas bandeiras - pra valer. Ou seja: castigo financeiro para empreiteiras corruptoras e fim do "cartel" .
99% da população estariam a favor. Afinal, como qualquer bebê de seis meses sabe, o dinheiro embolsado por corruptos e corruptores no festival de superfaturamentos não cai do céu: vem do bolso do contribuinte - o pagador de impostos.
Uma notícia publicada nos jornais deve ter causado uma justificadíssima onda de indignação: quando tentava reaver dinheiro, a Justiça descobriu que contas bancárias de altíssimos executivos de empreiteiras tinham sido zeradas ou exibiam saldos irrisórios nos últimos dias. Conclusão óbvia número um: quem deve teme. O dinheiro foi transferido para algum abrigo "seguro".
Conclusão óbvia número dois: eis aí o que se chama de "escracho".
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Posted by geneton at 10:36 AM

E SE AS EMPREITEIRAS DENUNCIADAS FOREM FINALMENTE DECLARADAS INIDÔNEAS E IMPEDIDAS DE PARTICIPAR DE CONCORRÊNCIAS PÚBLICAS PELOS PRÓXIMOS ANOS? ( O PEDIDO JÁ FOI FEITO )

E uma notícia importante, importantíssima, "importantaça", nesta sexta-feira: o Ministério Público pediu ao Tribunal de Contas da União que as oito empreiteiras envolvidas nas denúncias de corrupção em obras públicas sejam declaradas "inidôneas".
Como se sabe, é tudo mega-empresa. Ganham bilhões para executar obras públicas.
Se forem declaradas inidôneas, as empreiteiras ficarão proibidas de participar de concorrências para execução de obras federais pelos próximos anos. Ia ser uma punição estrondosa.
O noticiário diz que, depois do escândalo, um tema voltou a ser considerado: o fim do veto à participação de empreiteiras estrangeiras em concorrências públicas brasileiras. Hoje, como se sabe, empreiteiras estrangeiras não podem atuar no Brasil.

Um problema sério: uma mudança na legislação dependeria do Congresso. E as empreiteiras nacionais, como se sabe, derramam milhões financiando as campanhas de deputados e senadores
( além de presidentes, prefeitos e governadores, claro ). Quantos deputados, quantos senadores votariam contra o interesse das empreiteiras? É "esperar para ver" - se o tema for mesmo levado adiante.
Em meio ao atual vendaval, duas medidas históricas poderiam ser tomadas. Primeira: proibir, sim, as empreiteiras comprovadamente corruptas ( ou corruptoras ) de participar de concorrências públicas por anos e anos e anos. Segunda: abrir o mercado para empreiteiras estrangeiras ( é claro que haveria risco de outras bandidagens - mas só nos resta esperar que a ladroagem histórica não vá se repetir ).
O país espera que deputados e senadores sintonizados com a famosa "voz rouca das ruas" levantem estas duas bandeiras - pra valer. Ou seja: castigo financeiro para empreiteiras corruptoras e fim do "cartel" .
99% da população estariam a favor. Afinal, como qualquer bebê de seis meses sabe, o dinheiro embolsado por corruptos e corruptores no festival de superfaturamentos não cai do céu: vem do bolso do contribuinte - o pagador de impostos.
Uma notícia publicada nos jornais deve ter causado uma justificadíssima onda de indignação: quando tentava reaver dinheiro, a Justiça descobriu que contas bancárias de altíssimos executivos de empreiteiras tinham sido zeradas ou exibiam saldos irrisórios nos últimos dias. Conclusão óbvia número um: quem deve teme. O dinheiro foi transferido para algum abrigo "seguro".
Conclusão óbvia número dois: eis aí o que se chama de "escracho".
http://goo.gl/dhNcXP

Posted by geneton at 10:36 AM

novembro 18, 2014

E O BRASIL PEDE, COM VOZ TRÊMULA E ASSUSTADA: "QUERO MEU DINHEIRO DE VOLTA! QUERO MEU DINHEIRO DE VOLTA!"

Os jornais de hoje trazem um número assustador - para dizer o mínimo. Um contrato de uma empreiteira - a Odebrecht - com a Petrobrás estava orçado em 825 milhões de dólares. Depois das denúncias de superfaturamento, o orçamento caiu para 481 milhões. Ou seja: 344 milhões de dólares eram superfaturados.
Todas, todas, todas as grandes empreiteiras estão envolvidas neste maga-escândalo. Não é novidade, todo mundo já cansou de saber: empreiteiras estão envolvidas em 99,8% de escândalos em que há dinheiro público. Sempre estiveram. O Grande Festival de Superfaturamentos parece que nunca saiu de cartaz.
( Nem faz tanto tempo: fiz uma longa entrevista com o senador Pedro Simon, em Brasília. Lá pelas tantas, ele lamentou, com aquele ar dramático: todas as tentativas de criar uma CPI de verdade - capaz de fazer uma grande devassa nos contratos de empreiteiras com os governos - eram sistematicamente barradas pelo Congresso. Não por acaso, é claro, as empreiteiras derramam, historicamente, bilhões de reais financiando campanhas eleitorais em todos os níveis ).


Uma pergunta fica no ar: quem confia, hoje, na lisura das centenas, milhares de contratos firmados entre empreiteiras e governos?
Nunca seria tarde para começar uma devassa histórica. O Brasil economizaria bilhões de dólares. Ou seriam trilhões?
O certo é que - lastimavelmente - esses contratos milionários são tão confiáveis quanto uma nota de três reais. Basta ver o número publicado pelo jornal, um caso entre tantos: depois de uma mera revisão, um contrato da Odebrecht com a Petrobrás caiu de 825 milhões para 344 milhões ( de dólares!). E o dinheiro que os delatores vão devolver ao Estado já chega a meio bilhão de reais. Isso é somente "a ponta do iceberg", como se diz. Quantos e quantos bilhões não foram embolsados para sempre, ao longo dos anos?
O pior é que o dinheiro que some no ralo não cai do céu, é claro: todo mês, religiosamente, sai do bolso do pobre do contribuinte - nós todos!.
E, em meio ao grande festival, acossado por todos os lados e saqueado pelos piratas do dinheiro público, o Brasil pede, com voz trêmula e assustada: "Quero meu dinheiro de volta! Quero meu dinheiro de volta! Quero meu dinheiro de volta!".

Posted by geneton at 10:38 AM

novembro 17, 2014

EVIDÊNCIA MATEMÁTICA: A DIFERENÇA ENTRE UM CORRUPTO, UM CORRUPTOR E UM BANDIDO É IGUAL A............ZERO!

Faz pouco tempo - era o começo de outubro - o locutor-que-vos-fala perguntava, aqui, por que diabos nunca ninguém tinha visto um corruptor algemado. Parecia algo distante. Se, ao final de todo este escândalo trilionário, corruptores e corruptos forem para a cadeia, quem vai sair ganhando - finalmente! - é um personagem que cansou de ser saqueado, vilipendiado e assaltado: ele, o Brasil...
A rápida "meditação" de outubro, aqui republicada:
E O BRASIL ESPERA PELO DIA DE VER UM CORRUPTOR ALGEMADO! É TÃO BANDIDO QUANTO O CORRUPTO!
Por fim: a coluna de política do Globo de hoje traz uma notícia que, se confirmada, é importantíssima. Diz que o ministro do STF encarregado do escândalo da Petrobrás pretende partir pra cima das empreiteiras e empresários corruptores. Não ficará apenas nos corrompidos. Se corruptores forem finalmente desmascarados e punidos, o Brasil dará um imenso passo adiante. O dinheiro que engorda as contas bancárias dos corruptos - todo mundo sabe - é público. Ou seja: é do povo. E, antes de chegar ao bolso dos corruptos, foi surrupiado pelos corruptores - em forma de superfaturamentos escandalosos em obras públicas, por exemplo. O que o corruptor faz é dividir com o corrupto o resultado do assalto à mão desarmada ao pobre do contribuinte. Por que nunca ninguém viu um corruptor algemado? Eis aí uma das dez mil perguntas brasileiras que atravessam as décadas sem resposta....

Posted by geneton at 10:39 AM

EVIDÊNCIA MATEMÁTICA: A DIFERENÇA ENTRE UM CORRUPTO, UM CORRUPTOR E UM BANDIDO É IGUAL A............ZERO!

Faz pouco tempo - era o começo de outubro - o locutor-que-vos-fala perguntava, aqui, por que diabos nunca ninguém tinha visto um corruptor algemado. Parecia algo distante. Se, ao final de todo este escândalo trilionário, corruptores e corruptos forem para a cadeia, quem vai sair ganhando - finalmente! - é um personagem que cansou de ser saqueado, vilipendiado e assaltado: ele, o Brasil...
A rápida "meditação" de outubro, aqui republicada:
E O BRASIL ESPERA PELO DIA DE VER UM CORRUPTOR ALGEMADO! É TÃO BANDIDO QUANTO O CORRUPTO!
Por fim: a coluna de política do Globo de hoje traz uma notícia que, se confirmada, é importantíssima. Diz que o ministro do STF encarregado do escândalo da Petrobrás pretende partir pra cima das empreiteiras e empresários corruptores. Não ficará apenas nos corrompidos. Se corruptores forem finalmente desmascarados e punidos, o Brasil dará um imenso passo adiante. O dinheiro que engorda as contas bancárias dos corruptos - todo mundo sabe - é público. Ou seja: é do povo. E, antes de chegar ao bolso dos corruptos, foi surrupiado pelos corruptores - em forma de superfaturamentos escandalosos em obras públicas, por exemplo. O que o corruptor faz é dividir com o corrupto o resultado do assalto à mão desarmada ao pobre do contribuinte. Por que nunca ninguém viu um corruptor algemado? Eis aí uma das dez mil perguntas brasileiras que atravessam as décadas sem resposta....

Posted by geneton at 10:39 AM

novembro 13, 2014

SOCORRO! ESTÃO TENTANDO ACABAR COM O SOTAQUE NORDESTINO! ESTÃO CHAMANDO "ÓLINDA" DE "ÔLINDA"! ESTÃO CHAMANDO "PÉRNAMBUCO" DE "PÊRNAMBUCO"! ESTÃO CHAMANDO "SÉRTÃO" DE "SÊRTÃO"! ESTÃO CHAMANDO "PÉTRÓLINA" DE "PÊTRÔLINA"! QUEM INVENTOU ESSA DESGRACEIRA?

Rápida navegação pelo Recife. "Missão": participar de uma mesa na Fliporto, domingo, sobre as entrevistas com Ariano Suassuna, ao lado de Vladimir Carvalho - grande documentarista - e Samarone Lima, poeta e ex-assessor de Suassuna. Faço as contas, reviro velhos recortes: vejo que a primeira entrevista que fiz com Ariano Suassuna foi publicada em 1974 no Diário de Pernambuco. 1974! Lá se vão quarenta anos de perguntas e respostas. Repórter já não tão iniciante aos dezoito anos de idade, "persegui" Ariano Suassuna por corredores da Universidade, naquele final de 1974, em busca de uma declaração para uma matéria que tratava da deturpação do famoso "espírito do Natal". Deve ser dura a vida de intelectuais convocados a dar opinião sobre tudo e sobre todos. Assim caminha ( ou caminhava ) o jornalismo.

Um rápido comentário sobre uma "praga" que vem se disseminando em TODAS as emissoras de TV de Pernambuco ( não tive tempo de ouvir, mas não duvido que a erva daninha já tenha chegado ao rádio, também ): em nome não se sabe de quê, estão assassinando o sotaque nordestino! Já tinha ouvido falar sobre este atentado, mas, agora, com os ouvidos minimamente apurados, constatei o lamentabilíssimo e risível absurdo.
Que é o seguinte: uma das características mais marcantes do falar nordestino é, sempre foi e será a pronúncia aberta das vogais. Aqui, a gente não diz "côração": diz "córação". Não diz "môrena". Diz "mórena". E assim por diante. Quem é daqui não diz "Ôlinda". Nunca, jamais, sob hipótese alguma. Nativos dizem "Ólinda". Sempre dirão. Ainda bem.
Pois bem: numa triste "macaqueção" de outros sotaques, tidos - talvez - como mais "civilizados" ( Deus do céu...), o que é que se ouve aos borbotões em TVs e rádios? Gente daqui pronunciando coisas que, a ouvidos nordestinos, como os deste locutor-que-vos-fala, soam falsas, artificialíssimas e francamente absurdas: "Ôlinda" em vez de "Ólinda"; "Pêrnambuco" em vez de "Pérnambguco"; "Pêtrôlina" em vez de "Pétrólina", "sêrtão" em vez de "sértão"; "Rêcife" em vez do pernambucaníssimo "Ricife".
O pior é que meios de comunicação cometem esta "macaqueação" em massa - mas cem por cento da população continuam pronunciando as vogais como sempre pronunciaram, nos últimos e nos próximos séculos: com as vogais abertas, é claro.
Bastaria fazer uma pesquisa: não existe um só habitante de "Ólinda" que chame a cidade de "Ôlinda" - mas as TVs e, talvez, as rádios chamam. E o que dizer de "sêrtão"? Deus do céu, Deus do céu, Deus do céu.
O locutor-que-vos-fala não é especialista em fonética, em linguística, em sotaques - mas ninguém precisa ser doutor no assunto para constatar este Festival de Pronúncias Absurdas.
Qual é o objetivo deste ataque em massa contra o sotaque nordestino? Por que diabos passaram a achar que pronunciar as vogais com o som aberto "pega mal"? Deixo no ar a dúvida: a que se deve esta praga? Quem foi o gênio que achou que "pega mal" dizer "Ólinda"? É complexo de inferioridade? É imitação pura e simples? Ninguém vai fazer nada contra?
Que se lance uma campanha ( inútil, é claro ) pela volta das vogais abertas e em defesa do sotaque nordestino - urgente, já!
Tudo devia ser tão natural: cada um deve falar - simplesmente - como se fala no lugar onde nasceu ou se criou. É assim em qualquer lugar do mundo. Mas, não....
O locutor-que-vos-fala estará de bom grado na primeira barricada que se erga em defesa das vogais nordestinas!

Posted by geneton at 10:40 AM

SOCORRO! ESTÃO TENTANDO ACABAR COM O SOTAQUE NORDESTINO! ESTÃO CHAMANDO "ÓLINDA" DE "ÔLINDA"! ESTÃO CHAMANDO "PÉRNAMBUCO" DE "PÊRNAMBUCO"! ESTÃO CHAMANDO "SÉRTÃO" DE "SÊRTÃO"! ESTÃO CHAMANDO "PÉTRÓLINA" DE "PÊTRÔLINA"! QUEM INVENTOU ESSA DESGRACEIRA?

Rápida navegação pelo Recife. "Missão": participar de uma mesa na Fliporto, domingo, sobre as entrevistas com Ariano Suassuna, ao lado de Vladimir Carvalho - grande documentarista - e Samarone Lima, poeta e ex-assessor de Suassuna. Faço as contas, reviro velhos recortes: vejo que a primeira entrevista que fiz com Ariano Suassuna foi publicada em 1974 no Diário de Pernambuco. 1974! Lá se vão quarenta anos de perguntas e respostas. Repórter já não tão iniciante aos dezoito anos de idade, "persegui" Ariano Suassuna por corredores da Universidade, naquele final de 1974, em busca de uma declaração para uma matéria que tratava da deturpação do famoso "espírito do Natal". Deve ser dura a vida de intelectuais convocados a dar opinião sobre tudo e sobre todos. Assim caminha ( ou caminhava ) o jornalismo.

Um rápido comentário sobre uma "praga" que vem se disseminando em TODAS as emissoras de TV de Pernambuco ( não tive tempo de ouvir, mas não duvido que a erva daninha já tenha chegado ao rádio, também ): em nome não se sabe de quê, estão assassinando o sotaque nordestino! Já tinha ouvido falar sobre este atentado, mas, agora, com os ouvidos minimamente apurados, constatei o lamentabilíssimo e risível absurdo.
Que é o seguinte: uma das características mais marcantes do falar nordestino é, sempre foi e será a pronúncia aberta das vogais. Aqui, a gente não diz "côração": diz "córação". Não diz "môrena". Diz "mórena". E assim por diante. Quem é daqui não diz "Ôlinda". Nunca, jamais, sob hipótese alguma. Nativos dizem "Ólinda". Sempre dirão. Ainda bem.
Pois bem: numa triste "macaqueção" de outros sotaques, tidos - talvez - como mais "civilizados" ( Deus do céu...), o que é que se ouve aos borbotões em TVs e rádios? Gente daqui pronunciando coisas que, a ouvidos nordestinos, como os deste locutor-que-vos-fala, soam falsas, artificialíssimas e francamente absurdas: "Ôlinda" em vez de "Ólinda"; "Pêrnambuco" em vez de "Pérnambguco"; "Pêtrôlina" em vez de "Pétrólina", "sêrtão" em vez de "sértão"; "Rêcife" em vez do pernambucaníssimo "Ricife".
O pior é que meios de comunicação cometem esta "macaqueação" em massa - mas cem por cento da população continuam pronunciando as vogais como sempre pronunciaram, nos últimos e nos próximos séculos: com as vogais abertas, é claro.
Bastaria fazer uma pesquisa: não existe um só habitante de "Ólinda" que chame a cidade de "Ôlinda" - mas as TVs e, talvez, as rádios chamam. E o que dizer de "sêrtão"? Deus do céu, Deus do céu, Deus do céu.
O locutor-que-vos-fala não é especialista em fonética, em linguística, em sotaques - mas ninguém precisa ser doutor no assunto para constatar este Festival de Pronúncias Absurdas.
Qual é o objetivo deste ataque em massa contra o sotaque nordestino? Por que diabos passaram a achar que pronunciar as vogais com o som aberto "pega mal"? Deixo no ar a dúvida: a que se deve esta praga? Quem foi o gênio que achou que "pega mal" dizer "Ólinda"? É complexo de inferioridade? É imitação pura e simples? Ninguém vai fazer nada contra?
Que se lance uma campanha ( inútil, é claro ) pela volta das vogais abertas e em defesa do sotaque nordestino - urgente, já!
Tudo devia ser tão natural: cada um deve falar - simplesmente - como se fala no lugar onde nasceu ou se criou. É assim em qualquer lugar do mundo. Mas, não....
O locutor-que-vos-fala estará de bom grado na primeira barricada que se erga em defesa das vogais nordestinas!

Posted by geneton at 10:40 AM

SOCORRO! ESTÃO TENTANDO ACABAR COM O SOTAQUE NORDESTINO! ESTÃO CHAMANDO "ÓLINDA" DE "ÔLINDA"! ESTÃO CHAMANDO "PÉRNAMBUCO" DE "PÊRNAMBUCO"! ESTÃO CHAMANDO "SÉRTÃO" DE "SÊRTÃO"! ESTÃO CHAMANDO "PÉTRÓLINA" DE "PÊTRÔLINA"! QUEM INVENTOU ESSA DESGRACEIRA?

Rápida navegação pelo Recife. "Missão": participar de uma mesa na Fliporto, domingo, sobre as entrevistas com Ariano Suassuna, ao lado de Vladimir Carvalho - grande documentarista - e Samarone Lima, poeta e ex-assessor de Suassuna. Faço as contas, reviro velhos recortes: vejo que a primeira entrevista que fiz com Ariano Suassuna foi publicada em 1974 no Diário de Pernambuco. 1974! Lá se vão quarenta anos de perguntas e respostas. Repórter já não tão iniciante aos dezoito anos de idade, "persegui" Ariano Suassuna por corredores da Universidade, naquele final de 1974, em busca de uma declaração para uma matéria que tratava da deturpação do famoso "espírito do Natal". Deve ser dura a vida de intelectuais convocados a dar opinião sobre tudo e sobre todos. Assim caminha ( ou caminhava ) o jornalismo.

Um rápido comentário sobre uma "praga" que vem se disseminando em TODAS as emissoras de TV de Pernambuco ( não tive tempo de ouvir, mas não duvido que a erva daninha já tenha chegado ao rádio, também ): em nome não se sabe de quê, estão assassinando o sotaque nordestino! Já tinha ouvido falar sobre este atentado, mas, agora, com os ouvidos minimamente apurados, constatei o lamentabilíssimo e risível absurdo.
Que é o seguinte: uma das características mais marcantes do falar nordestino é, sempre foi e será a pronúncia aberta das vogais. Aqui, a gente não diz "côração": diz "córação". Não diz "môrena". Diz "mórena". E assim por diante. Quem é daqui não diz "Ôlinda". Nunca, jamais, sob hipótese alguma. Nativos dizem "Ólinda". Sempre dirão. Ainda bem.
Pois bem: numa triste "macaqueção" de outros sotaques, tidos - talvez - como mais "civilizados" ( Deus do céu...), o que é que se ouve aos borbotões em TVs e rádios? Gente daqui pronunciando coisas que, a ouvidos nordestinos, como os deste locutor-que-vos-fala, soam falsas, artificialíssimas e francamente absurdas: "Ôlinda" em vez de "Ólinda"; "Pêrnambuco" em vez de "Pérnambguco"; "Pêtrôlina" em vez de "Pétrólina", "sêrtão" em vez de "sértão"; "Rêcife" em vez do pernambucaníssimo "Ricife".
O pior é que meios de comunicação cometem esta "macaqueação" em massa - mas cem por cento da população continuam pronunciando as vogais como sempre pronunciaram, nos últimos e nos próximos séculos: com as vogais abertas, é claro.
Bastaria fazer uma pesquisa: não existe um só habitante de "Ólinda" que chame a cidade de "Ôlinda" - mas as TVs e, talvez, as rádios chamam. E o que dizer de "sêrtão"? Deus do céu, Deus do céu, Deus do céu.
O locutor-que-vos-fala não é especialista em fonética, em linguística, em sotaques - mas ninguém precisa ser doutor no assunto para constatar este Festival de Pronúncias Absurdas.
Qual é o objetivo deste ataque em massa contra o sotaque nordestino? Por que diabos passaram a achar que pronunciar as vogais com o som aberto "pega mal"? Deixo no ar a dúvida: a que se deve esta praga? Quem foi o gênio que achou que "pega mal" dizer "Ólinda"? É complexo de inferioridade? É imitação pura e simples? Ninguém vai fazer nada contra?
Que se lance uma campanha ( inútil, é claro ) pela volta das vogais abertas e em defesa do sotaque nordestino - urgente, já!
Tudo devia ser tão natural: cada um deve falar - simplesmente - como se fala no lugar onde nasceu ou se criou. É assim em qualquer lugar do mundo. Mas, não....
O locutor-que-vos-fala estará de bom grado na primeira barricada que se erga em defesa das vogais nordestinas!

Posted by geneton at 10:40 AM

novembro 09, 2014

O EX-COMUNISTA JORGE AMADO VÊ, ATORDOADO, AS IMAGENS DA QUEDA DO MURO DE BERLIM: UM MUNDO DESABAVA ALI, HÁ EXATOS 25 ANOS ( AQUI, O ESCRITOR FALA DO ESPANTO QUE SENTIU )

Reviro meus arquivos (não tão) implacáveis, em busca de uma entrevista que fiz com Jorge Amado no momento em que o socialismo virava pó. O ex-comunista Jorge Amado via com espanto o desfile de imagens surpreendentes pela TV, como manifestantes dançando sobre as ruínas do Muro de Berlim ou o queda do ditadores como o romeno Nicolae Ceausesco, personagem de uma cena patética: reuniu a multidão para aplaudi-lo, mas foi silenciado por vaias.

Amado se declarava atordoado com a “rapidez imensa” dos fatos exibidos pela TV, o que o levou a confessar a um amigo, o cineasta Costa Gavras: somente ali, ao testemunhar o desabamento dos regimes socialistas, ele se deu conta da importância da televisão. A entrevista:
Socialismo? “Nunca houve”. O que existia era “uma mentira imensa”, “uma falsificação completa”. Quem faz afirmações tão contundentes, como se quisesse fechar um ciclo de desilusões, é o homem que, um dia, num livro que hoje renega, descreveu assim a figura do ditador Stalin: “Mestre, guia e pai, o maior cientista do mundo de hoje, o maior estadista, o maior general, aquilo que de melhor a humanidade produziu” ( O Mundo de Paz).
Jorge Amado, o maior best-seller da literatura brasileira, recordista de traduções, ex-deputado do Partido Comunista, anuncia, nesta entrevista exclusiva, que ainda não se recuperou da perplexidade causada pela “experiência terrível” : viu cinco imagens de TV destroçarem um mundo de crenças no chamado “socialismo real”.
Primeira imagem: o Muro de Berlim caindo.
Segunda: um estudante anônimo enfrentando os tanques na Praça da Paz Celestial.
Terceira: uma estátua de Lênin desabando no leste europeu.
Quarta: a multidão vaiando o ditador romeno Ceausescu.
Quinta: um manifestante soviético empunhando o cartaz “Operários de Todo o Mundo, Perdoai-nos”.
Impressionado, passou uma noite discutindo o poder destas imagens com o amigo Costa Gavras, cienasta de Estado de Sítio e Desaparecido, durante um encontro em Paris. Ainda espantado com a “rapidez dos fatos”, Jorge Amado repete um ensinamento que extraiu de um aprendizado “sofrido, longo e cruel: “O coletivo não é o oposto do indivíduo. Sem considerar o indivíduo como ser humano, não se pode pensar em socialismo”.
Do refúgio parisiense, onde se esconde dos jornalistas porque quer dar forma definitiva ao romance chamado Bóris, o Vermelho, Jorge Amado manda dizer que “escreve muito mal”, é uma “negação como contista” e,pior, não sabe “contar histórias”. Como se não bastasse, confessa que é um eterno candidato a vagabundo – que só quer ser lembrado, no futuro, como “um baiano romântico e sensual”.
GMN: As mudanças no Leste europeu e na União Soviética de Gorbatchev- que parecem ter desorientado as esquerdas no mundo inteiro - abalaram o senhor também ?
Jorge Amado: “Eu me desorientei – e muito – antes, quando descobri que Stalin não era o pai dos povos, ao contrário do que sempre pensei. Aquele foi um processo doloroso, difícil, cruel e demorado. A maioria das causas dos acontecimentos atuais talvez já fossem claras para mim. Mas os acontecimentos são de uma rapidez imensa.
Jantei com Costa Gavras, meu amigo. Discutimos esta situação: não é só um mundo que acabou. É tudo o que foi a vida e o objetivo de luta de milhões de pessoas. É gente que lutou com generosidade e coragem e foi presa e torturada por lutar por uma coisa que – de repente – se acaba. A pergunta que você pode me fazer agora é a seguinte: é o socialismo que não presta ou é a falsificação do socialismo ? O que é que acontece nestes países ? Já não são regimes socialistas nem a Polônia nem a Hungria nem a Tchecoslováquia nem a Alemanha oriental. Já estão deixando de ser socialistas a Bulgária, a Romênia e até a Albânia! Mas não acredito que o socialismo, como ideia, deixe de ser o que representa como avanço e como um passo adiante. Nunca houve socialismo, como não houve democracia. Como a implantação dos regimes socialistas foi baseada naquilo que é fundamentalmente errado - a ditadura de classe – , houve, então, uma falsificação total e completa !
O mundo era um antes da revolução de outubro, na Rússia. Passou, depois, a ser outro. Estados ditos socialistas – mas que não eram, na realidade – podem deixar de existir. Isso não quer dizer,no entanto, que os valores novos trazidos pela Revolução de outubro - como uma consciência coletiva maior e fraternal – não persistam. Persistem. O que acontece é que o mundo não será mesmo igual. Já não é. O capitalismo de hoje também já não é o mesmo de antes. Não sou sociólogo. Eu via sempre, na televisão, no Brasil, que todo dia apareciam dois, três cientistas políticos. É cientista político pra burro. É uma quantidade imensa. São formidáveis. Não sou cientista político – infelizmente – nem crítico literário. Mas vem à minha casa gente que lutou toda a vida. De repente, um mundo vem abaixo!
Durante o encontro com Costa Gavras, eu disse que – de repente - estou me dando conta da importância da televisão. Via na TV as imagens do muro de Berlim. Vi o homem parando os tanques na China. E as imagens do ditador da Romênia? Reuniu duzentas mil pessoas para aplaudi-lo, mas, de repente, a multidão começa a vaiá-lo. A imagem do ditador na tribuna é inesquecível. Outra imagem :uma imensa estátua de Lênin com uma corda no pescoço. E o pessoal puxando para derrubá-la. Devo dizer a você que aquilo me picou o coração. É todo um mundo que vem se acabando – e desabando em cima da cabeça da gente. É terrível para algumas pessoas – que devem se sentir suicidas, sem ter o que fazer da vida. Não sou sociólogo, mas sem democracia não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo como ser humano, você não pode pensar em socialismo”.
GMN: A denúncia do stalinismo provocou um choque ainda maior no senhor ?
Jorge Amado: “O choque veio já antes da denúncia, porque eu vinha sabendo das coisas. Mas é evidente que a denúncia de Kruschev trouxe coisas de que eu não fazia a mínima ideia”.
GMN: Mikail Gorbachev é o ídolo de Jorge Amado hoje ?
Jorge Amado: “Meu último ídolo chama-se Stálin. Já não tenho ídolos – há tempos. Como ídolo, Stalin é o bastante. É suficiente…Gorbachev é um grande estadista do nosso tempo. Todos nós devemos a ele um fato importante: o perigo de uma guerra atômica – que iria acabar com a vida sobre a Terra – diminuiu muito. O que é que Gorbachev faz ? O que ele faz é expor a verdade. Havia uma mentira imensa que dizia: “O socialismo é este”. De repente, a gente viu que não era. Outra imagem de TV que me impressionou foi transmitida durante a comemoração do aniversário da Revolução de outubro. Durante uma manifestação de cento e ciquenta mil pessoas em Moscou, dois cartazes me marcaram muito. Um dizia: “Setenta anos para chegara a nada”. E outro: “Proletários de todo o mundo, perdoai-nos”. São dois negócios terríveis”.
GMN: O senhor diz que o mundo de tantas pessoas que deram a vida toda a estes ideais desabou diante desses mudanças todas. Seu mundo desabou, politicamente ?
Jorge Amado: “Eu já vinha dizendo que, sem democracia, não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo ser humano não se pode pensar em socialismo. O que vai existir é, sempre, uma falsificação. São coisas que, para mim, ficaram claras, dentro de um processo sofrido, longo e cruel”.
GMN: O livro Os Dentes do Dragão traz o registro do atrito que houve entre o senhor e Oswald de Andrade, na época em que ambos militavam no Partido Comunista. Oswald de Andrade escreveu: “Numa reunião do comitê de escritores, diante de quize pessoas do PC, apelei para que o sr. Jorge Amado se retirasse de São Paulo e denunciei-o como espião barato do nazismo. Em 1940, Jorge convidou-se no Rio para almoçar na Brahma com um alemão altamente situado na embaixada e na agência Transocean, para que esse alemão me oferecesse escrever um livro em defesa da Alemanha. Recusei e Jorge ficou surpreendido, pois aceitara várias encomendas desse gênero do mesmo alemão”. Houve uma briga séria?
Jorge Amado: “Houve, realmente, um atrito. Oswald – de quem eu era amigo – desejava ser candidato a deputado na chapa do Partido Comunista. Não foi. Não sei porque – talvez porque outras pessoas tivesse feito intriga – Oswald achou que eu tinha concorrido para que ele não entrasse na chapa. O que aconteceu, na verdade, foi o contrário. Eu lutei – e muito – para que ele entrasse na chapa do partido. Não consegui. Oswaldo não entrou. Atribuiu a mim este fato, o que fez com se afastasse de mim. Depois, voltamos às boas – ele, infelizmente, já enfermo. Não sei se Oswald pediu a minha exclusão do partido. Não vale a pena falar sobre este assunto”.
GMN: Mas ele pediu a exclusão do senhor do Partido Comunista ?
Jorge Amado: “Isso, se houve, não sei”.
GMN :Oswald de Andrade cita também o encontro que teve com o senhor e com um alemão na embaixada. O senhor se lembra ?
Jorge Amado: “Não”.
GMN : Ao se referir ao ato de escrever, o senhor já disse: “Quanto à escrita propriamente dita, aceito palpite”. O senhor aceita palpite de quem ?
Jorge Amado: “Quem palpita é Zélia ( Gattai ), porque vive ao meu lado. Sou mau datilógrafo. Só escrevo com dois dedos. Emendo muito. Hoje, escrevo e reescrevo. Quando jovem, emendava pouco. A gente vai perdendo aquele elan da juventude e vai ganhando experiência. A escrita, então, passa a ser sempre difícil. Você escreve e reescreve. Depois, quando parece que o texto ficou do meu agrado, Zélia bate à máquina uma cópia que ainda vou ler e reler. É aí que ela dá palpite. A partir de certo momento do livro, dou a ler a meu irmão James Amado, uma opinião que levo em conta. E ele lê – e palpita”.
GMN :Não é uma contradição o mais famoso escritor brasileiro dizer que escreve “mal” , como o senhor diz?
Jorge Amado: “Para começar, sou contra este tipo de qualificativo – “o mais”, “o maior”. É difícil dizer quem é “o mais”, “o maior”, “o melhor”. Há os que são bons. Outros são ótimos. Não sou uma pessoa que se considere isso ou aquilo. Não sei que adjetivo usar, mas sou bastante modesto, humilde e crítico a meu respeito. Há uma pergunta que - adiante – você já não me fará. É esta: “E o Prêmio Nobel ? Você não acha que vai ganhar ?”. Por que eu haveria de ter ? Nunca esperei. Desejar é outra coisa. Aspirar é outra coisa. Aliás, nunca aspirei a prêmio nenhum. Nunca lutei por nenhum prêmio. Nunca fui candidato. Quem deve ganhar os prêmios é o livro, não o autor. Uma das coisas mais tristes da vida literária é ver um sujeito cavando um prêmio. É um horror. Quando me dão, fico satisfeito. Eu me admiro por que é que haveria de ganhar o Prêmio Nobel. É um prêmio para grandes, grandes escritores. Não me considero como tal”.
GMN: O senhor acha que escreve mal de verdade ?
Jorge Amado: “Eu escrevo muito mal”.
GMN: Que reparos, então, o senhor faz a seus textos ?
Jorge Amado: “A crítica faz tantos reparos….Não sou um escritor que trabalha. Um crítico francês chamado Jean Rocha escreveu todo um livro sobre mim. Disse que escrevo bem. Não ouso fazer tal afirmação. Porque há os que dizem que não existe quem escreva pior do que eu. Sou um escritor que nunca teve a unanimidade da crítica. O País do Carnaval foi o meu único livro unanimemente elogiado. Eu era um menino…. (N: Quando terminou de escrever o livro, Jorge Amado tinha tinha 18 anos). Desde então, tenho levado pau. Nunca nenhum outro livro meu, a partir de então, recolheu unanimidade. A crítica sempre foi polêmica em torno do meu trabalho. Também sou uma negação como contista. O que aparece como conto meu por aí é sobra de romance, coisas que não foram adiante ou que não usei”.
GMN : Escrever, para o senhor, é uma necessidade física ? Em algum momento, o senhor já admitiu a possibilidade de deixar de escrever ?
Jorge Amado: “Sempre penso, com grande desejo, em não fazer nada. Minha tendência é vagabundar, andar, ver pessoas e coisas, ler livros. Mas sempre o livro se impõe a mim. Já há algum tempo, estou resistindo a ir para a máquina de escrever, pela terceira vez, para tentar escrever um livro chamado Bóris, o Vermelho. Em 1984, minha filha morava no Maranhão. Viajei até lá para, um pouco escondido, tentar escrever Bóris. Acabei começando um livro chamado Tocaia Grande, concluído dois anos depois. O livro foi escrito em várias casas no Brasil. Fiquei fugindo de uma para outra- só que me descobriam. Vim em 1987 para Paris, para tentar escrever Bóris. Mas escrevi O Sumiço da Santa, porque descobri que nunca tinha feito um livro sobre sincretismo cultural e religioso, algo que é presente na maioria dos meus romances, mas nunca como tema central. Não pude escrever Bóris porque a estrutura da narrativa não estava suficientemente madura na minha cabeça.
Vou ter de explicar a você a minha forma de trabalhar: quando tenho a ideia de um livro, trato de amadurecê-la na cabeça, antes de ir para a máquina - mas não no sentido do que seria a história do livro. Não sei contar uma história. Minha mulher senta com os netos e conta uma história que eu mesmo ouço com imenso prazer. Zélia inventa. Já eu sou incapaz. O enredo – ou a história dos meus livros – decorre dos personagens. Porque os personagens é que os fazem. Nunca sei, hoje, o que vai acontecer no dia dee amanhã com a história. Os personagens é que vão construindo a história aos poucos. Um personagem que coloco ali, por uma necessidade técnica, por um detalhe, de repente vive e cresce. A história decorre dos personagens. É uma coisa vivida, em vez de ser inventada. Nunca penso em termos de história. Penso, sim, em figuras, em ambientes e em como será a arquitetura da narrativa. Busco encontrar o começo. Porque o começo do livro é que é difícil – exatamente porque não sei contar uma história. Não tenho a invenção da história. É difícil. Preciso que os personagens comecem a ficar de pé – e a andar com seus pés, para que a história também ande. Duas vezes pensei que Bóris estivesse maduro. Quando fui para a máquina, vi que não era o que queria.
O que quero fazer, no livro, é o perfil de um jovem brasileiro entre 18 e 20 anos na década de 70. É apenas um jovem. Mas as circunstâncias da vida política brasileira na época – uma ditadura militar, com tudo o que ela representava – levam a que ele desempenhe um determinado papel que não sei exatamente qual é. Isso virá. Não me amedronto, porque, quando escrevo, a história sempre vem”.
GMN: O senhor terminou de escrever o romance de estreia, O País do Carnaval, há exatamente 60 anos, em 1930. Tempos depois, chamou o livro de “um caderno de aprendiz”. Qual é o principal reparo que o Jorge Amado de 78 anos faz, hoje, ao Jorge Amado de 18 anos, como romancista ?
Jorge Amado: “O País do Carnaval e Cacau e Suor são cadernos de um aprendiz de romancista. O principal reparo que faço – sobretudo a O País do Carnaval – é que é um romance com bastante influência europeia. Sobre o romance pesa – e muito – uma visão europeia do Brasil. Eu era um menino influenciado, de um lado, pela leitura de uma literatura europeia, e, de outro, pelo Modernismo – que, apesar cultivar uma brasilidade e um lado nacionalista na Antropofagia, também tinha europeia, sobretudo da França e da Itália. As primeiras obras de Oswald de Andrade, como Os Condenados, são bastante influenciadas por D`Annunzio. O meu é um livro europeizante – de certa maneira”.
GMN: Curiosamente, o personagem principal do livro chega da Europa e volta para lá…
Jorge Amado: “O personagem passa pelo Brasil. A tradução francesa de O País do Carnaval só foi feita agora pela Editora Gallimard, sessenta anos depois da publicação. Nunca permiti a tradução de O País do Carnaval até há póucos anos. Quando completei setenta e cinco anos, um dos meus editores italianos fez uma tradução do livro – na verdade, uma edição especial, quase universitária, com estudos. Era uma homenagem aos setenta e cinco anos, fora das coleções normais. Não pude impedir a tradução. A partir daí é que a Gallimard comprou os direitos da tradução em francês. São as duas únicas línguas em que foi traduzido. Com a tradução francesa, recebi, há poucos dias, um telefonema de uma editora dos Estados Unidos que quer comprar O País do Carnaval. Não decidi ainda se aceitarei ou não”.
GMN: Por que o senhor – que conheceu grandes figuras da literatura e da política do mundo inteiro - nunca se animou a escrever uma autobiografia ?
Jorge Amado: “Prefiro escrever romance. Enquanto eu puder trabalhar numa obra de criação, acho preferível. Quando sentir que já não posso, quem sabe eu me volte para uma autobiografia. Mas não é algo que me tente”.
GMN: O senhor não dá importância a depoimentos históricos de escritores ?
Jorge Amado: “Gosto de ler biografias e memórias – com prazer. Não incluo nos meus projetos, por ora, escrever minha autobiografia. Mas quem sabe?”.
GMN : Nélson Rodrigues disse que, se algum dia alguém fosse escrever um verbete sobre ele, bastaria redigir uma frase : “Nélson Rodrigues – também conhecido como flor da obsessão”. Se o senhor fosse escrever um verbete sobre Jorge Amado, quais palavras usaria ? Como é que o senhor gostaria de ser lembrado daqui a 50 anos numa enciclopédia ?
Jorge Amado : “Um baiano romântico e sensual. Eu me pareço com meus personagens - às vezes, também com as mulheres”.
(Entrevista gravada em 1990)

Posted by geneton at 10:40 AM

O EX-COMUNISTA JORGE AMADO VÊ, ATORDOADO, AS IMAGENS DA QUEDA DO MURO DE BERLIM: UM MUNDO DESABAVA ALI, HÁ EXATOS 25 ANOS ( AQUI, O ESCRITOR FALA DO ESPANTO QUE SENTIU )

Reviro meus arquivos (não tão) implacáveis, em busca de uma entrevista que fiz com Jorge Amado no momento em que o socialismo virava pó. O ex-comunista Jorge Amado via com espanto o desfile de imagens surpreendentes pela TV, como manifestantes dançando sobre as ruínas do Muro de Berlim ou o queda do ditadores como o romeno Nicolae Ceausesco, personagem de uma cena patética: reuniu a multidão para aplaudi-lo, mas foi silenciado por vaias.

Amado se declarava atordoado com a “rapidez imensa” dos fatos exibidos pela TV, o que o levou a confessar a um amigo, o cineasta Costa Gavras: somente ali, ao testemunhar o desabamento dos regimes socialistas, ele se deu conta da importância da televisão. A entrevista:
Socialismo? “Nunca houve”. O que existia era “uma mentira imensa”, “uma falsificação completa”. Quem faz afirmações tão contundentes, como se quisesse fechar um ciclo de desilusões, é o homem que, um dia, num livro que hoje renega, descreveu assim a figura do ditador Stalin: “Mestre, guia e pai, o maior cientista do mundo de hoje, o maior estadista, o maior general, aquilo que de melhor a humanidade produziu” ( O Mundo de Paz).
Jorge Amado, o maior best-seller da literatura brasileira, recordista de traduções, ex-deputado do Partido Comunista, anuncia, nesta entrevista exclusiva, que ainda não se recuperou da perplexidade causada pela “experiência terrível” : viu cinco imagens de TV destroçarem um mundo de crenças no chamado “socialismo real”.
Primeira imagem: o Muro de Berlim caindo.
Segunda: um estudante anônimo enfrentando os tanques na Praça da Paz Celestial.
Terceira: uma estátua de Lênin desabando no leste europeu.
Quarta: a multidão vaiando o ditador romeno Ceausescu.
Quinta: um manifestante soviético empunhando o cartaz “Operários de Todo o Mundo, Perdoai-nos”.
Impressionado, passou uma noite discutindo o poder destas imagens com o amigo Costa Gavras, cienasta de Estado de Sítio e Desaparecido, durante um encontro em Paris. Ainda espantado com a “rapidez dos fatos”, Jorge Amado repete um ensinamento que extraiu de um aprendizado “sofrido, longo e cruel: “O coletivo não é o oposto do indivíduo. Sem considerar o indivíduo como ser humano, não se pode pensar em socialismo”.
Do refúgio parisiense, onde se esconde dos jornalistas porque quer dar forma definitiva ao romance chamado Bóris, o Vermelho, Jorge Amado manda dizer que “escreve muito mal”, é uma “negação como contista” e,pior, não sabe “contar histórias”. Como se não bastasse, confessa que é um eterno candidato a vagabundo – que só quer ser lembrado, no futuro, como “um baiano romântico e sensual”.
GMN: As mudanças no Leste europeu e na União Soviética de Gorbatchev- que parecem ter desorientado as esquerdas no mundo inteiro - abalaram o senhor também ?
Jorge Amado: “Eu me desorientei – e muito – antes, quando descobri que Stalin não era o pai dos povos, ao contrário do que sempre pensei. Aquele foi um processo doloroso, difícil, cruel e demorado. A maioria das causas dos acontecimentos atuais talvez já fossem claras para mim. Mas os acontecimentos são de uma rapidez imensa.
Jantei com Costa Gavras, meu amigo. Discutimos esta situação: não é só um mundo que acabou. É tudo o que foi a vida e o objetivo de luta de milhões de pessoas. É gente que lutou com generosidade e coragem e foi presa e torturada por lutar por uma coisa que – de repente – se acaba. A pergunta que você pode me fazer agora é a seguinte: é o socialismo que não presta ou é a falsificação do socialismo ? O que é que acontece nestes países ? Já não são regimes socialistas nem a Polônia nem a Hungria nem a Tchecoslováquia nem a Alemanha oriental. Já estão deixando de ser socialistas a Bulgária, a Romênia e até a Albânia! Mas não acredito que o socialismo, como ideia, deixe de ser o que representa como avanço e como um passo adiante. Nunca houve socialismo, como não houve democracia. Como a implantação dos regimes socialistas foi baseada naquilo que é fundamentalmente errado - a ditadura de classe – , houve, então, uma falsificação total e completa !
O mundo era um antes da revolução de outubro, na Rússia. Passou, depois, a ser outro. Estados ditos socialistas – mas que não eram, na realidade – podem deixar de existir. Isso não quer dizer,no entanto, que os valores novos trazidos pela Revolução de outubro - como uma consciência coletiva maior e fraternal – não persistam. Persistem. O que acontece é que o mundo não será mesmo igual. Já não é. O capitalismo de hoje também já não é o mesmo de antes. Não sou sociólogo. Eu via sempre, na televisão, no Brasil, que todo dia apareciam dois, três cientistas políticos. É cientista político pra burro. É uma quantidade imensa. São formidáveis. Não sou cientista político – infelizmente – nem crítico literário. Mas vem à minha casa gente que lutou toda a vida. De repente, um mundo vem abaixo!
Durante o encontro com Costa Gavras, eu disse que – de repente - estou me dando conta da importância da televisão. Via na TV as imagens do muro de Berlim. Vi o homem parando os tanques na China. E as imagens do ditador da Romênia? Reuniu duzentas mil pessoas para aplaudi-lo, mas, de repente, a multidão começa a vaiá-lo. A imagem do ditador na tribuna é inesquecível. Outra imagem :uma imensa estátua de Lênin com uma corda no pescoço. E o pessoal puxando para derrubá-la. Devo dizer a você que aquilo me picou o coração. É todo um mundo que vem se acabando – e desabando em cima da cabeça da gente. É terrível para algumas pessoas – que devem se sentir suicidas, sem ter o que fazer da vida. Não sou sociólogo, mas sem democracia não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo como ser humano, você não pode pensar em socialismo”.
GMN: A denúncia do stalinismo provocou um choque ainda maior no senhor ?
Jorge Amado: “O choque veio já antes da denúncia, porque eu vinha sabendo das coisas. Mas é evidente que a denúncia de Kruschev trouxe coisas de que eu não fazia a mínima ideia”.
GMN: Mikail Gorbachev é o ídolo de Jorge Amado hoje ?
Jorge Amado: “Meu último ídolo chama-se Stálin. Já não tenho ídolos – há tempos. Como ídolo, Stalin é o bastante. É suficiente…Gorbachev é um grande estadista do nosso tempo. Todos nós devemos a ele um fato importante: o perigo de uma guerra atômica – que iria acabar com a vida sobre a Terra – diminuiu muito. O que é que Gorbachev faz ? O que ele faz é expor a verdade. Havia uma mentira imensa que dizia: “O socialismo é este”. De repente, a gente viu que não era. Outra imagem de TV que me impressionou foi transmitida durante a comemoração do aniversário da Revolução de outubro. Durante uma manifestação de cento e ciquenta mil pessoas em Moscou, dois cartazes me marcaram muito. Um dizia: “Setenta anos para chegara a nada”. E outro: “Proletários de todo o mundo, perdoai-nos”. São dois negócios terríveis”.
GMN: O senhor diz que o mundo de tantas pessoas que deram a vida toda a estes ideais desabou diante desses mudanças todas. Seu mundo desabou, politicamente ?
Jorge Amado: “Eu já vinha dizendo que, sem democracia, não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo ser humano não se pode pensar em socialismo. O que vai existir é, sempre, uma falsificação. São coisas que, para mim, ficaram claras, dentro de um processo sofrido, longo e cruel”.
GMN: O livro Os Dentes do Dragão traz o registro do atrito que houve entre o senhor e Oswald de Andrade, na época em que ambos militavam no Partido Comunista. Oswald de Andrade escreveu: “Numa reunião do comitê de escritores, diante de quize pessoas do PC, apelei para que o sr. Jorge Amado se retirasse de São Paulo e denunciei-o como espião barato do nazismo. Em 1940, Jorge convidou-se no Rio para almoçar na Brahma com um alemão altamente situado na embaixada e na agência Transocean, para que esse alemão me oferecesse escrever um livro em defesa da Alemanha. Recusei e Jorge ficou surpreendido, pois aceitara várias encomendas desse gênero do mesmo alemão”. Houve uma briga séria?
Jorge Amado: “Houve, realmente, um atrito. Oswald – de quem eu era amigo – desejava ser candidato a deputado na chapa do Partido Comunista. Não foi. Não sei porque – talvez porque outras pessoas tivesse feito intriga – Oswald achou que eu tinha concorrido para que ele não entrasse na chapa. O que aconteceu, na verdade, foi o contrário. Eu lutei – e muito – para que ele entrasse na chapa do partido. Não consegui. Oswaldo não entrou. Atribuiu a mim este fato, o que fez com se afastasse de mim. Depois, voltamos às boas – ele, infelizmente, já enfermo. Não sei se Oswald pediu a minha exclusão do partido. Não vale a pena falar sobre este assunto”.
GMN: Mas ele pediu a exclusão do senhor do Partido Comunista ?
Jorge Amado: “Isso, se houve, não sei”.
GMN :Oswald de Andrade cita também o encontro que teve com o senhor e com um alemão na embaixada. O senhor se lembra ?
Jorge Amado: “Não”.
GMN : Ao se referir ao ato de escrever, o senhor já disse: “Quanto à escrita propriamente dita, aceito palpite”. O senhor aceita palpite de quem ?
Jorge Amado: “Quem palpita é Zélia ( Gattai ), porque vive ao meu lado. Sou mau datilógrafo. Só escrevo com dois dedos. Emendo muito. Hoje, escrevo e reescrevo. Quando jovem, emendava pouco. A gente vai perdendo aquele elan da juventude e vai ganhando experiência. A escrita, então, passa a ser sempre difícil. Você escreve e reescreve. Depois, quando parece que o texto ficou do meu agrado, Zélia bate à máquina uma cópia que ainda vou ler e reler. É aí que ela dá palpite. A partir de certo momento do livro, dou a ler a meu irmão James Amado, uma opinião que levo em conta. E ele lê – e palpita”.
GMN :Não é uma contradição o mais famoso escritor brasileiro dizer que escreve “mal” , como o senhor diz?
Jorge Amado: “Para começar, sou contra este tipo de qualificativo – “o mais”, “o maior”. É difícil dizer quem é “o mais”, “o maior”, “o melhor”. Há os que são bons. Outros são ótimos. Não sou uma pessoa que se considere isso ou aquilo. Não sei que adjetivo usar, mas sou bastante modesto, humilde e crítico a meu respeito. Há uma pergunta que - adiante – você já não me fará. É esta: “E o Prêmio Nobel ? Você não acha que vai ganhar ?”. Por que eu haveria de ter ? Nunca esperei. Desejar é outra coisa. Aspirar é outra coisa. Aliás, nunca aspirei a prêmio nenhum. Nunca lutei por nenhum prêmio. Nunca fui candidato. Quem deve ganhar os prêmios é o livro, não o autor. Uma das coisas mais tristes da vida literária é ver um sujeito cavando um prêmio. É um horror. Quando me dão, fico satisfeito. Eu me admiro por que é que haveria de ganhar o Prêmio Nobel. É um prêmio para grandes, grandes escritores. Não me considero como tal”.
GMN: O senhor acha que escreve mal de verdade ?
Jorge Amado: “Eu escrevo muito mal”.
GMN: Que reparos, então, o senhor faz a seus textos ?
Jorge Amado: “A crítica faz tantos reparos….Não sou um escritor que trabalha. Um crítico francês chamado Jean Rocha escreveu todo um livro sobre mim. Disse que escrevo bem. Não ouso fazer tal afirmação. Porque há os que dizem que não existe quem escreva pior do que eu. Sou um escritor que nunca teve a unanimidade da crítica. O País do Carnaval foi o meu único livro unanimemente elogiado. Eu era um menino…. (N: Quando terminou de escrever o livro, Jorge Amado tinha tinha 18 anos). Desde então, tenho levado pau. Nunca nenhum outro livro meu, a partir de então, recolheu unanimidade. A crítica sempre foi polêmica em torno do meu trabalho. Também sou uma negação como contista. O que aparece como conto meu por aí é sobra de romance, coisas que não foram adiante ou que não usei”.
GMN : Escrever, para o senhor, é uma necessidade física ? Em algum momento, o senhor já admitiu a possibilidade de deixar de escrever ?
Jorge Amado: “Sempre penso, com grande desejo, em não fazer nada. Minha tendência é vagabundar, andar, ver pessoas e coisas, ler livros. Mas sempre o livro se impõe a mim. Já há algum tempo, estou resistindo a ir para a máquina de escrever, pela terceira vez, para tentar escrever um livro chamado Bóris, o Vermelho. Em 1984, minha filha morava no Maranhão. Viajei até lá para, um pouco escondido, tentar escrever Bóris. Acabei começando um livro chamado Tocaia Grande, concluído dois anos depois. O livro foi escrito em várias casas no Brasil. Fiquei fugindo de uma para outra- só que me descobriam. Vim em 1987 para Paris, para tentar escrever Bóris. Mas escrevi O Sumiço da Santa, porque descobri que nunca tinha feito um livro sobre sincretismo cultural e religioso, algo que é presente na maioria dos meus romances, mas nunca como tema central. Não pude escrever Bóris porque a estrutura da narrativa não estava suficientemente madura na minha cabeça.
Vou ter de explicar a você a minha forma de trabalhar: quando tenho a ideia de um livro, trato de amadurecê-la na cabeça, antes de ir para a máquina - mas não no sentido do que seria a história do livro. Não sei contar uma história. Minha mulher senta com os netos e conta uma história que eu mesmo ouço com imenso prazer. Zélia inventa. Já eu sou incapaz. O enredo – ou a história dos meus livros – decorre dos personagens. Porque os personagens é que os fazem. Nunca sei, hoje, o que vai acontecer no dia dee amanhã com a história. Os personagens é que vão construindo a história aos poucos. Um personagem que coloco ali, por uma necessidade técnica, por um detalhe, de repente vive e cresce. A história decorre dos personagens. É uma coisa vivida, em vez de ser inventada. Nunca penso em termos de história. Penso, sim, em figuras, em ambientes e em como será a arquitetura da narrativa. Busco encontrar o começo. Porque o começo do livro é que é difícil – exatamente porque não sei contar uma história. Não tenho a invenção da história. É difícil. Preciso que os personagens comecem a ficar de pé – e a andar com seus pés, para que a história também ande. Duas vezes pensei que Bóris estivesse maduro. Quando fui para a máquina, vi que não era o que queria.
O que quero fazer, no livro, é o perfil de um jovem brasileiro entre 18 e 20 anos na década de 70. É apenas um jovem. Mas as circunstâncias da vida política brasileira na época – uma ditadura militar, com tudo o que ela representava – levam a que ele desempenhe um determinado papel que não sei exatamente qual é. Isso virá. Não me amedronto, porque, quando escrevo, a história sempre vem”.
GMN: O senhor terminou de escrever o romance de estreia, O País do Carnaval, há exatamente 60 anos, em 1930. Tempos depois, chamou o livro de “um caderno de aprendiz”. Qual é o principal reparo que o Jorge Amado de 78 anos faz, hoje, ao Jorge Amado de 18 anos, como romancista ?
Jorge Amado: “O País do Carnaval e Cacau e Suor são cadernos de um aprendiz de romancista. O principal reparo que faço – sobretudo a O País do Carnaval – é que é um romance com bastante influência europeia. Sobre o romance pesa – e muito – uma visão europeia do Brasil. Eu era um menino influenciado, de um lado, pela leitura de uma literatura europeia, e, de outro, pelo Modernismo – que, apesar cultivar uma brasilidade e um lado nacionalista na Antropofagia, também tinha europeia, sobretudo da França e da Itália. As primeiras obras de Oswald de Andrade, como Os Condenados, são bastante influenciadas por D`Annunzio. O meu é um livro europeizante – de certa maneira”.
GMN: Curiosamente, o personagem principal do livro chega da Europa e volta para lá…
Jorge Amado: “O personagem passa pelo Brasil. A tradução francesa de O País do Carnaval só foi feita agora pela Editora Gallimard, sessenta anos depois da publicação. Nunca permiti a tradução de O País do Carnaval até há póucos anos. Quando completei setenta e cinco anos, um dos meus editores italianos fez uma tradução do livro – na verdade, uma edição especial, quase universitária, com estudos. Era uma homenagem aos setenta e cinco anos, fora das coleções normais. Não pude impedir a tradução. A partir daí é que a Gallimard comprou os direitos da tradução em francês. São as duas únicas línguas em que foi traduzido. Com a tradução francesa, recebi, há poucos dias, um telefonema de uma editora dos Estados Unidos que quer comprar O País do Carnaval. Não decidi ainda se aceitarei ou não”.
GMN: Por que o senhor – que conheceu grandes figuras da literatura e da política do mundo inteiro - nunca se animou a escrever uma autobiografia ?
Jorge Amado: “Prefiro escrever romance. Enquanto eu puder trabalhar numa obra de criação, acho preferível. Quando sentir que já não posso, quem sabe eu me volte para uma autobiografia. Mas não é algo que me tente”.
GMN: O senhor não dá importância a depoimentos históricos de escritores ?
Jorge Amado: “Gosto de ler biografias e memórias – com prazer. Não incluo nos meus projetos, por ora, escrever minha autobiografia. Mas quem sabe?”.
GMN : Nélson Rodrigues disse que, se algum dia alguém fosse escrever um verbete sobre ele, bastaria redigir uma frase : “Nélson Rodrigues – também conhecido como flor da obsessão”. Se o senhor fosse escrever um verbete sobre Jorge Amado, quais palavras usaria ? Como é que o senhor gostaria de ser lembrado daqui a 50 anos numa enciclopédia ?
Jorge Amado : “Um baiano romântico e sensual. Eu me pareço com meus personagens - às vezes, também com as mulheres”.
(Entrevista gravada em 1990)

Posted by geneton at 10:40 AM

O EX-COMUNISTA JORGE AMADO VÊ, ATORDOADO, AS IMAGENS DA QUEDA DO MURO DE BERLIM: UM MUNDO DESABAVA ALI, HÁ EXATOS 25 ANOS ( AQUI, O ESCRITOR FALA DO ESPANTO QUE SENTIU )

Reviro meus arquivos (não tão) implacáveis, em busca de uma entrevista que fiz com Jorge Amado no momento em que o socialismo virava pó. O ex-comunista Jorge Amado via com espanto o desfile de imagens surpreendentes pela TV, como manifestantes dançando sobre as ruínas do Muro de Berlim ou o queda do ditadores como o romeno Nicolae Ceausesco, personagem de uma cena patética: reuniu a multidão para aplaudi-lo, mas foi silenciado por vaias.

Amado se declarava atordoado com a “rapidez imensa” dos fatos exibidos pela TV, o que o levou a confessar a um amigo, o cineasta Costa Gavras: somente ali, ao testemunhar o desabamento dos regimes socialistas, ele se deu conta da importância da televisão. A entrevista:
Socialismo? “Nunca houve”. O que existia era “uma mentira imensa”, “uma falsificação completa”. Quem faz afirmações tão contundentes, como se quisesse fechar um ciclo de desilusões, é o homem que, um dia, num livro que hoje renega, descreveu assim a figura do ditador Stalin: “Mestre, guia e pai, o maior cientista do mundo de hoje, o maior estadista, o maior general, aquilo que de melhor a humanidade produziu” ( O Mundo de Paz).
Jorge Amado, o maior best-seller da literatura brasileira, recordista de traduções, ex-deputado do Partido Comunista, anuncia, nesta entrevista exclusiva, que ainda não se recuperou da perplexidade causada pela “experiência terrível” : viu cinco imagens de TV destroçarem um mundo de crenças no chamado “socialismo real”.
Primeira imagem: o Muro de Berlim caindo.
Segunda: um estudante anônimo enfrentando os tanques na Praça da Paz Celestial.
Terceira: uma estátua de Lênin desabando no leste europeu.
Quarta: a multidão vaiando o ditador romeno Ceausescu.
Quinta: um manifestante soviético empunhando o cartaz “Operários de Todo o Mundo, Perdoai-nos”.
Impressionado, passou uma noite discutindo o poder destas imagens com o amigo Costa Gavras, cienasta de Estado de Sítio e Desaparecido, durante um encontro em Paris. Ainda espantado com a “rapidez dos fatos”, Jorge Amado repete um ensinamento que extraiu de um aprendizado “sofrido, longo e cruel: “O coletivo não é o oposto do indivíduo. Sem considerar o indivíduo como ser humano, não se pode pensar em socialismo”.
Do refúgio parisiense, onde se esconde dos jornalistas porque quer dar forma definitiva ao romance chamado Bóris, o Vermelho, Jorge Amado manda dizer que “escreve muito mal”, é uma “negação como contista” e,pior, não sabe “contar histórias”. Como se não bastasse, confessa que é um eterno candidato a vagabundo – que só quer ser lembrado, no futuro, como “um baiano romântico e sensual”.
GMN: As mudanças no Leste europeu e na União Soviética de Gorbatchev- que parecem ter desorientado as esquerdas no mundo inteiro - abalaram o senhor também ?
Jorge Amado: “Eu me desorientei – e muito – antes, quando descobri que Stalin não era o pai dos povos, ao contrário do que sempre pensei. Aquele foi um processo doloroso, difícil, cruel e demorado. A maioria das causas dos acontecimentos atuais talvez já fossem claras para mim. Mas os acontecimentos são de uma rapidez imensa.
Jantei com Costa Gavras, meu amigo. Discutimos esta situação: não é só um mundo que acabou. É tudo o que foi a vida e o objetivo de luta de milhões de pessoas. É gente que lutou com generosidade e coragem e foi presa e torturada por lutar por uma coisa que – de repente – se acaba. A pergunta que você pode me fazer agora é a seguinte: é o socialismo que não presta ou é a falsificação do socialismo ? O que é que acontece nestes países ? Já não são regimes socialistas nem a Polônia nem a Hungria nem a Tchecoslováquia nem a Alemanha oriental. Já estão deixando de ser socialistas a Bulgária, a Romênia e até a Albânia! Mas não acredito que o socialismo, como ideia, deixe de ser o que representa como avanço e como um passo adiante. Nunca houve socialismo, como não houve democracia. Como a implantação dos regimes socialistas foi baseada naquilo que é fundamentalmente errado - a ditadura de classe – , houve, então, uma falsificação total e completa !
O mundo era um antes da revolução de outubro, na Rússia. Passou, depois, a ser outro. Estados ditos socialistas – mas que não eram, na realidade – podem deixar de existir. Isso não quer dizer,no entanto, que os valores novos trazidos pela Revolução de outubro - como uma consciência coletiva maior e fraternal – não persistam. Persistem. O que acontece é que o mundo não será mesmo igual. Já não é. O capitalismo de hoje também já não é o mesmo de antes. Não sou sociólogo. Eu via sempre, na televisão, no Brasil, que todo dia apareciam dois, três cientistas políticos. É cientista político pra burro. É uma quantidade imensa. São formidáveis. Não sou cientista político – infelizmente – nem crítico literário. Mas vem à minha casa gente que lutou toda a vida. De repente, um mundo vem abaixo!
Durante o encontro com Costa Gavras, eu disse que – de repente - estou me dando conta da importância da televisão. Via na TV as imagens do muro de Berlim. Vi o homem parando os tanques na China. E as imagens do ditador da Romênia? Reuniu duzentas mil pessoas para aplaudi-lo, mas, de repente, a multidão começa a vaiá-lo. A imagem do ditador na tribuna é inesquecível. Outra imagem :uma imensa estátua de Lênin com uma corda no pescoço. E o pessoal puxando para derrubá-la. Devo dizer a você que aquilo me picou o coração. É todo um mundo que vem se acabando – e desabando em cima da cabeça da gente. É terrível para algumas pessoas – que devem se sentir suicidas, sem ter o que fazer da vida. Não sou sociólogo, mas sem democracia não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo como ser humano, você não pode pensar em socialismo”.
GMN: A denúncia do stalinismo provocou um choque ainda maior no senhor ?
Jorge Amado: “O choque veio já antes da denúncia, porque eu vinha sabendo das coisas. Mas é evidente que a denúncia de Kruschev trouxe coisas de que eu não fazia a mínima ideia”.
GMN: Mikail Gorbachev é o ídolo de Jorge Amado hoje ?
Jorge Amado: “Meu último ídolo chama-se Stálin. Já não tenho ídolos – há tempos. Como ídolo, Stalin é o bastante. É suficiente…Gorbachev é um grande estadista do nosso tempo. Todos nós devemos a ele um fato importante: o perigo de uma guerra atômica – que iria acabar com a vida sobre a Terra – diminuiu muito. O que é que Gorbachev faz ? O que ele faz é expor a verdade. Havia uma mentira imensa que dizia: “O socialismo é este”. De repente, a gente viu que não era. Outra imagem de TV que me impressionou foi transmitida durante a comemoração do aniversário da Revolução de outubro. Durante uma manifestação de cento e ciquenta mil pessoas em Moscou, dois cartazes me marcaram muito. Um dizia: “Setenta anos para chegara a nada”. E outro: “Proletários de todo o mundo, perdoai-nos”. São dois negócios terríveis”.
GMN: O senhor diz que o mundo de tantas pessoas que deram a vida toda a estes ideais desabou diante desses mudanças todas. Seu mundo desabou, politicamente ?
Jorge Amado: “Eu já vinha dizendo que, sem democracia, não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo ser humano não se pode pensar em socialismo. O que vai existir é, sempre, uma falsificação. São coisas que, para mim, ficaram claras, dentro de um processo sofrido, longo e cruel”.
GMN: O livro Os Dentes do Dragão traz o registro do atrito que houve entre o senhor e Oswald de Andrade, na época em que ambos militavam no Partido Comunista. Oswald de Andrade escreveu: “Numa reunião do comitê de escritores, diante de quize pessoas do PC, apelei para que o sr. Jorge Amado se retirasse de São Paulo e denunciei-o como espião barato do nazismo. Em 1940, Jorge convidou-se no Rio para almoçar na Brahma com um alemão altamente situado na embaixada e na agência Transocean, para que esse alemão me oferecesse escrever um livro em defesa da Alemanha. Recusei e Jorge ficou surpreendido, pois aceitara várias encomendas desse gênero do mesmo alemão”. Houve uma briga séria?
Jorge Amado: “Houve, realmente, um atrito. Oswald – de quem eu era amigo – desejava ser candidato a deputado na chapa do Partido Comunista. Não foi. Não sei porque – talvez porque outras pessoas tivesse feito intriga – Oswald achou que eu tinha concorrido para que ele não entrasse na chapa. O que aconteceu, na verdade, foi o contrário. Eu lutei – e muito – para que ele entrasse na chapa do partido. Não consegui. Oswaldo não entrou. Atribuiu a mim este fato, o que fez com se afastasse de mim. Depois, voltamos às boas – ele, infelizmente, já enfermo. Não sei se Oswald pediu a minha exclusão do partido. Não vale a pena falar sobre este assunto”.
GMN: Mas ele pediu a exclusão do senhor do Partido Comunista ?
Jorge Amado: “Isso, se houve, não sei”.
GMN :Oswald de Andrade cita também o encontro que teve com o senhor e com um alemão na embaixada. O senhor se lembra ?
Jorge Amado: “Não”.
GMN : Ao se referir ao ato de escrever, o senhor já disse: “Quanto à escrita propriamente dita, aceito palpite”. O senhor aceita palpite de quem ?
Jorge Amado: “Quem palpita é Zélia ( Gattai ), porque vive ao meu lado. Sou mau datilógrafo. Só escrevo com dois dedos. Emendo muito. Hoje, escrevo e reescrevo. Quando jovem, emendava pouco. A gente vai perdendo aquele elan da juventude e vai ganhando experiência. A escrita, então, passa a ser sempre difícil. Você escreve e reescreve. Depois, quando parece que o texto ficou do meu agrado, Zélia bate à máquina uma cópia que ainda vou ler e reler. É aí que ela dá palpite. A partir de certo momento do livro, dou a ler a meu irmão James Amado, uma opinião que levo em conta. E ele lê – e palpita”.
GMN :Não é uma contradição o mais famoso escritor brasileiro dizer que escreve “mal” , como o senhor diz?
Jorge Amado: “Para começar, sou contra este tipo de qualificativo – “o mais”, “o maior”. É difícil dizer quem é “o mais”, “o maior”, “o melhor”. Há os que são bons. Outros são ótimos. Não sou uma pessoa que se considere isso ou aquilo. Não sei que adjetivo usar, mas sou bastante modesto, humilde e crítico a meu respeito. Há uma pergunta que - adiante – você já não me fará. É esta: “E o Prêmio Nobel ? Você não acha que vai ganhar ?”. Por que eu haveria de ter ? Nunca esperei. Desejar é outra coisa. Aspirar é outra coisa. Aliás, nunca aspirei a prêmio nenhum. Nunca lutei por nenhum prêmio. Nunca fui candidato. Quem deve ganhar os prêmios é o livro, não o autor. Uma das coisas mais tristes da vida literária é ver um sujeito cavando um prêmio. É um horror. Quando me dão, fico satisfeito. Eu me admiro por que é que haveria de ganhar o Prêmio Nobel. É um prêmio para grandes, grandes escritores. Não me considero como tal”.
GMN: O senhor acha que escreve mal de verdade ?
Jorge Amado: “Eu escrevo muito mal”.
GMN: Que reparos, então, o senhor faz a seus textos ?
Jorge Amado: “A crítica faz tantos reparos….Não sou um escritor que trabalha. Um crítico francês chamado Jean Rocha escreveu todo um livro sobre mim. Disse que escrevo bem. Não ouso fazer tal afirmação. Porque há os que dizem que não existe quem escreva pior do que eu. Sou um escritor que nunca teve a unanimidade da crítica. O País do Carnaval foi o meu único livro unanimemente elogiado. Eu era um menino…. (N: Quando terminou de escrever o livro, Jorge Amado tinha tinha 18 anos). Desde então, tenho levado pau. Nunca nenhum outro livro meu, a partir de então, recolheu unanimidade. A crítica sempre foi polêmica em torno do meu trabalho. Também sou uma negação como contista. O que aparece como conto meu por aí é sobra de romance, coisas que não foram adiante ou que não usei”.
GMN : Escrever, para o senhor, é uma necessidade física ? Em algum momento, o senhor já admitiu a possibilidade de deixar de escrever ?
Jorge Amado: “Sempre penso, com grande desejo, em não fazer nada. Minha tendência é vagabundar, andar, ver pessoas e coisas, ler livros. Mas sempre o livro se impõe a mim. Já há algum tempo, estou resistindo a ir para a máquina de escrever, pela terceira vez, para tentar escrever um livro chamado Bóris, o Vermelho. Em 1984, minha filha morava no Maranhão. Viajei até lá para, um pouco escondido, tentar escrever Bóris. Acabei começando um livro chamado Tocaia Grande, concluído dois anos depois. O livro foi escrito em várias casas no Brasil. Fiquei fugindo de uma para outra- só que me descobriam. Vim em 1987 para Paris, para tentar escrever Bóris. Mas escrevi O Sumiço da Santa, porque descobri que nunca tinha feito um livro sobre sincretismo cultural e religioso, algo que é presente na maioria dos meus romances, mas nunca como tema central. Não pude escrever Bóris porque a estrutura da narrativa não estava suficientemente madura na minha cabeça.
Vou ter de explicar a você a minha forma de trabalhar: quando tenho a ideia de um livro, trato de amadurecê-la na cabeça, antes de ir para a máquina - mas não no sentido do que seria a história do livro. Não sei contar uma história. Minha mulher senta com os netos e conta uma história que eu mesmo ouço com imenso prazer. Zélia inventa. Já eu sou incapaz. O enredo – ou a história dos meus livros – decorre dos personagens. Porque os personagens é que os fazem. Nunca sei, hoje, o que vai acontecer no dia dee amanhã com a história. Os personagens é que vão construindo a história aos poucos. Um personagem que coloco ali, por uma necessidade técnica, por um detalhe, de repente vive e cresce. A história decorre dos personagens. É uma coisa vivida, em vez de ser inventada. Nunca penso em termos de história. Penso, sim, em figuras, em ambientes e em como será a arquitetura da narrativa. Busco encontrar o começo. Porque o começo do livro é que é difícil – exatamente porque não sei contar uma história. Não tenho a invenção da história. É difícil. Preciso que os personagens comecem a ficar de pé – e a andar com seus pés, para que a história também ande. Duas vezes pensei que Bóris estivesse maduro. Quando fui para a máquina, vi que não era o que queria.
O que quero fazer, no livro, é o perfil de um jovem brasileiro entre 18 e 20 anos na década de 70. É apenas um jovem. Mas as circunstâncias da vida política brasileira na época – uma ditadura militar, com tudo o que ela representava – levam a que ele desempenhe um determinado papel que não sei exatamente qual é. Isso virá. Não me amedronto, porque, quando escrevo, a história sempre vem”.
GMN: O senhor terminou de escrever o romance de estreia, O País do Carnaval, há exatamente 60 anos, em 1930. Tempos depois, chamou o livro de “um caderno de aprendiz”. Qual é o principal reparo que o Jorge Amado de 78 anos faz, hoje, ao Jorge Amado de 18 anos, como romancista ?
Jorge Amado: “O País do Carnaval e Cacau e Suor são cadernos de um aprendiz de romancista. O principal reparo que faço – sobretudo a O País do Carnaval – é que é um romance com bastante influência europeia. Sobre o romance pesa – e muito – uma visão europeia do Brasil. Eu era um menino influenciado, de um lado, pela leitura de uma literatura europeia, e, de outro, pelo Modernismo – que, apesar cultivar uma brasilidade e um lado nacionalista na Antropofagia, também tinha europeia, sobretudo da França e da Itália. As primeiras obras de Oswald de Andrade, como Os Condenados, são bastante influenciadas por D`Annunzio. O meu é um livro europeizante – de certa maneira”.
GMN: Curiosamente, o personagem principal do livro chega da Europa e volta para lá…
Jorge Amado: “O personagem passa pelo Brasil. A tradução francesa de O País do Carnaval só foi feita agora pela Editora Gallimard, sessenta anos depois da publicação. Nunca permiti a tradução de O País do Carnaval até há póucos anos. Quando completei setenta e cinco anos, um dos meus editores italianos fez uma tradução do livro – na verdade, uma edição especial, quase universitária, com estudos. Era uma homenagem aos setenta e cinco anos, fora das coleções normais. Não pude impedir a tradução. A partir daí é que a Gallimard comprou os direitos da tradução em francês. São as duas únicas línguas em que foi traduzido. Com a tradução francesa, recebi, há poucos dias, um telefonema de uma editora dos Estados Unidos que quer comprar O País do Carnaval. Não decidi ainda se aceitarei ou não”.
GMN: Por que o senhor – que conheceu grandes figuras da literatura e da política do mundo inteiro - nunca se animou a escrever uma autobiografia ?
Jorge Amado: “Prefiro escrever romance. Enquanto eu puder trabalhar numa obra de criação, acho preferível. Quando sentir que já não posso, quem sabe eu me volte para uma autobiografia. Mas não é algo que me tente”.
GMN: O senhor não dá importância a depoimentos históricos de escritores ?
Jorge Amado: “Gosto de ler biografias e memórias – com prazer. Não incluo nos meus projetos, por ora, escrever minha autobiografia. Mas quem sabe?”.
GMN : Nélson Rodrigues disse que, se algum dia alguém fosse escrever um verbete sobre ele, bastaria redigir uma frase : “Nélson Rodrigues – também conhecido como flor da obsessão”. Se o senhor fosse escrever um verbete sobre Jorge Amado, quais palavras usaria ? Como é que o senhor gostaria de ser lembrado daqui a 50 anos numa enciclopédia ?
Jorge Amado : “Um baiano romântico e sensual. Eu me pareço com meus personagens - às vezes, também com as mulheres”.
(Entrevista gravada em 1990)

Posted by geneton at 10:40 AM

O EX-COMUNISTA JORGE AMADO VÊ, ATORDOADO, AS IMAGENS DA QUEDA DO MURO DE BERLIM: UM MUNDO DESABAVA ALI, HÁ EXATOS 25 ANOS ( AQUI, O ESCRITOR FALA DO ESPANTO QUE SENTIU )

Reviro meus arquivos (não tão) implacáveis, em busca de uma entrevista que fiz com Jorge Amado no momento em que o socialismo virava pó. O ex-comunista Jorge Amado via com espanto o desfile de imagens surpreendentes pela TV, como manifestantes dançando sobre as ruínas do Muro de Berlim ou o queda do ditadores como o romeno Nicolae Ceausesco, personagem de uma cena patética: reuniu a multidão para aplaudi-lo, mas foi silenciado por vaias.

Amado se declarava atordoado com a “rapidez imensa” dos fatos exibidos pela TV, o que o levou a confessar a um amigo, o cineasta Costa Gavras: somente ali, ao testemunhar o desabamento dos regimes socialistas, ele se deu conta da importância da televisão. A entrevista:
Socialismo? “Nunca houve”. O que existia era “uma mentira imensa”, “uma falsificação completa”. Quem faz afirmações tão contundentes, como se quisesse fechar um ciclo de desilusões, é o homem que, um dia, num livro que hoje renega, descreveu assim a figura do ditador Stalin: “Mestre, guia e pai, o maior cientista do mundo de hoje, o maior estadista, o maior general, aquilo que de melhor a humanidade produziu” ( O Mundo de Paz).
Jorge Amado, o maior best-seller da literatura brasileira, recordista de traduções, ex-deputado do Partido Comunista, anuncia, nesta entrevista exclusiva, que ainda não se recuperou da perplexidade causada pela “experiência terrível” : viu cinco imagens de TV destroçarem um mundo de crenças no chamado “socialismo real”.
Primeira imagem: o Muro de Berlim caindo.
Segunda: um estudante anônimo enfrentando os tanques na Praça da Paz Celestial.
Terceira: uma estátua de Lênin desabando no leste europeu.
Quarta: a multidão vaiando o ditador romeno Ceausescu.
Quinta: um manifestante soviético empunhando o cartaz “Operários de Todo o Mundo, Perdoai-nos”.
Impressionado, passou uma noite discutindo o poder destas imagens com o amigo Costa Gavras, cienasta de Estado de Sítio e Desaparecido, durante um encontro em Paris. Ainda espantado com a “rapidez dos fatos”, Jorge Amado repete um ensinamento que extraiu de um aprendizado “sofrido, longo e cruel: “O coletivo não é o oposto do indivíduo. Sem considerar o indivíduo como ser humano, não se pode pensar em socialismo”.
Do refúgio parisiense, onde se esconde dos jornalistas porque quer dar forma definitiva ao romance chamado Bóris, o Vermelho, Jorge Amado manda dizer que “escreve muito mal”, é uma “negação como contista” e,pior, não sabe “contar histórias”. Como se não bastasse, confessa que é um eterno candidato a vagabundo – que só quer ser lembrado, no futuro, como “um baiano romântico e sensual”.
GMN: As mudanças no Leste europeu e na União Soviética de Gorbatchev- que parecem ter desorientado as esquerdas no mundo inteiro - abalaram o senhor também ?
Jorge Amado: “Eu me desorientei – e muito – antes, quando descobri que Stalin não era o pai dos povos, ao contrário do que sempre pensei. Aquele foi um processo doloroso, difícil, cruel e demorado. A maioria das causas dos acontecimentos atuais talvez já fossem claras para mim. Mas os acontecimentos são de uma rapidez imensa.
Jantei com Costa Gavras, meu amigo. Discutimos esta situação: não é só um mundo que acabou. É tudo o que foi a vida e o objetivo de luta de milhões de pessoas. É gente que lutou com generosidade e coragem e foi presa e torturada por lutar por uma coisa que – de repente – se acaba. A pergunta que você pode me fazer agora é a seguinte: é o socialismo que não presta ou é a falsificação do socialismo ? O que é que acontece nestes países ? Já não são regimes socialistas nem a Polônia nem a Hungria nem a Tchecoslováquia nem a Alemanha oriental. Já estão deixando de ser socialistas a Bulgária, a Romênia e até a Albânia! Mas não acredito que o socialismo, como ideia, deixe de ser o que representa como avanço e como um passo adiante. Nunca houve socialismo, como não houve democracia. Como a implantação dos regimes socialistas foi baseada naquilo que é fundamentalmente errado - a ditadura de classe – , houve, então, uma falsificação total e completa !
O mundo era um antes da revolução de outubro, na Rússia. Passou, depois, a ser outro. Estados ditos socialistas – mas que não eram, na realidade – podem deixar de existir. Isso não quer dizer,no entanto, que os valores novos trazidos pela Revolução de outubro - como uma consciência coletiva maior e fraternal – não persistam. Persistem. O que acontece é que o mundo não será mesmo igual. Já não é. O capitalismo de hoje também já não é o mesmo de antes. Não sou sociólogo. Eu via sempre, na televisão, no Brasil, que todo dia apareciam dois, três cientistas políticos. É cientista político pra burro. É uma quantidade imensa. São formidáveis. Não sou cientista político – infelizmente – nem crítico literário. Mas vem à minha casa gente que lutou toda a vida. De repente, um mundo vem abaixo!
Durante o encontro com Costa Gavras, eu disse que – de repente - estou me dando conta da importância da televisão. Via na TV as imagens do muro de Berlim. Vi o homem parando os tanques na China. E as imagens do ditador da Romênia? Reuniu duzentas mil pessoas para aplaudi-lo, mas, de repente, a multidão começa a vaiá-lo. A imagem do ditador na tribuna é inesquecível. Outra imagem :uma imensa estátua de Lênin com uma corda no pescoço. E o pessoal puxando para derrubá-la. Devo dizer a você que aquilo me picou o coração. É todo um mundo que vem se acabando – e desabando em cima da cabeça da gente. É terrível para algumas pessoas – que devem se sentir suicidas, sem ter o que fazer da vida. Não sou sociólogo, mas sem democracia não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo como ser humano, você não pode pensar em socialismo”.
GMN: A denúncia do stalinismo provocou um choque ainda maior no senhor ?
Jorge Amado: “O choque veio já antes da denúncia, porque eu vinha sabendo das coisas. Mas é evidente que a denúncia de Kruschev trouxe coisas de que eu não fazia a mínima ideia”.
GMN: Mikail Gorbachev é o ídolo de Jorge Amado hoje ?
Jorge Amado: “Meu último ídolo chama-se Stálin. Já não tenho ídolos – há tempos. Como ídolo, Stalin é o bastante. É suficiente…Gorbachev é um grande estadista do nosso tempo. Todos nós devemos a ele um fato importante: o perigo de uma guerra atômica – que iria acabar com a vida sobre a Terra – diminuiu muito. O que é que Gorbachev faz ? O que ele faz é expor a verdade. Havia uma mentira imensa que dizia: “O socialismo é este”. De repente, a gente viu que não era. Outra imagem de TV que me impressionou foi transmitida durante a comemoração do aniversário da Revolução de outubro. Durante uma manifestação de cento e ciquenta mil pessoas em Moscou, dois cartazes me marcaram muito. Um dizia: “Setenta anos para chegara a nada”. E outro: “Proletários de todo o mundo, perdoai-nos”. São dois negócios terríveis”.
GMN: O senhor diz que o mundo de tantas pessoas que deram a vida toda a estes ideais desabou diante desses mudanças todas. Seu mundo desabou, politicamente ?
Jorge Amado: “Eu já vinha dizendo que, sem democracia, não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo ser humano não se pode pensar em socialismo. O que vai existir é, sempre, uma falsificação. São coisas que, para mim, ficaram claras, dentro de um processo sofrido, longo e cruel”.
GMN: O livro Os Dentes do Dragão traz o registro do atrito que houve entre o senhor e Oswald de Andrade, na época em que ambos militavam no Partido Comunista. Oswald de Andrade escreveu: “Numa reunião do comitê de escritores, diante de quize pessoas do PC, apelei para que o sr. Jorge Amado se retirasse de São Paulo e denunciei-o como espião barato do nazismo. Em 1940, Jorge convidou-se no Rio para almoçar na Brahma com um alemão altamente situado na embaixada e na agência Transocean, para que esse alemão me oferecesse escrever um livro em defesa da Alemanha. Recusei e Jorge ficou surpreendido, pois aceitara várias encomendas desse gênero do mesmo alemão”. Houve uma briga séria?
Jorge Amado: “Houve, realmente, um atrito. Oswald – de quem eu era amigo – desejava ser candidato a deputado na chapa do Partido Comunista. Não foi. Não sei porque – talvez porque outras pessoas tivesse feito intriga – Oswald achou que eu tinha concorrido para que ele não entrasse na chapa. O que aconteceu, na verdade, foi o contrário. Eu lutei – e muito – para que ele entrasse na chapa do partido. Não consegui. Oswaldo não entrou. Atribuiu a mim este fato, o que fez com se afastasse de mim. Depois, voltamos às boas – ele, infelizmente, já enfermo. Não sei se Oswald pediu a minha exclusão do partido. Não vale a pena falar sobre este assunto”.
GMN: Mas ele pediu a exclusão do senhor do Partido Comunista ?
Jorge Amado: “Isso, se houve, não sei”.
GMN :Oswald de Andrade cita também o encontro que teve com o senhor e com um alemão na embaixada. O senhor se lembra ?
Jorge Amado: “Não”.
GMN : Ao se referir ao ato de escrever, o senhor já disse: “Quanto à escrita propriamente dita, aceito palpite”. O senhor aceita palpite de quem ?
Jorge Amado: “Quem palpita é Zélia ( Gattai ), porque vive ao meu lado. Sou mau datilógrafo. Só escrevo com dois dedos. Emendo muito. Hoje, escrevo e reescrevo. Quando jovem, emendava pouco. A gente vai perdendo aquele elan da juventude e vai ganhando experiência. A escrita, então, passa a ser sempre difícil. Você escreve e reescreve. Depois, quando parece que o texto ficou do meu agrado, Zélia bate à máquina uma cópia que ainda vou ler e reler. É aí que ela dá palpite. A partir de certo momento do livro, dou a ler a meu irmão James Amado, uma opinião que levo em conta. E ele lê – e palpita”.
GMN :Não é uma contradição o mais famoso escritor brasileiro dizer que escreve “mal” , como o senhor diz?
Jorge Amado: “Para começar, sou contra este tipo de qualificativo – “o mais”, “o maior”. É difícil dizer quem é “o mais”, “o maior”, “o melhor”. Há os que são bons. Outros são ótimos. Não sou uma pessoa que se considere isso ou aquilo. Não sei que adjetivo usar, mas sou bastante modesto, humilde e crítico a meu respeito. Há uma pergunta que - adiante – você já não me fará. É esta: “E o Prêmio Nobel ? Você não acha que vai ganhar ?”. Por que eu haveria de ter ? Nunca esperei. Desejar é outra coisa. Aspirar é outra coisa. Aliás, nunca aspirei a prêmio nenhum. Nunca lutei por nenhum prêmio. Nunca fui candidato. Quem deve ganhar os prêmios é o livro, não o autor. Uma das coisas mais tristes da vida literária é ver um sujeito cavando um prêmio. É um horror. Quando me dão, fico satisfeito. Eu me admiro por que é que haveria de ganhar o Prêmio Nobel. É um prêmio para grandes, grandes escritores. Não me considero como tal”.
GMN: O senhor acha que escreve mal de verdade ?
Jorge Amado: “Eu escrevo muito mal”.
GMN: Que reparos, então, o senhor faz a seus textos ?
Jorge Amado: “A crítica faz tantos reparos….Não sou um escritor que trabalha. Um crítico francês chamado Jean Rocha escreveu todo um livro sobre mim. Disse que escrevo bem. Não ouso fazer tal afirmação. Porque há os que dizem que não existe quem escreva pior do que eu. Sou um escritor que nunca teve a unanimidade da crítica. O País do Carnaval foi o meu único livro unanimemente elogiado. Eu era um menino…. (N: Quando terminou de escrever o livro, Jorge Amado tinha tinha 18 anos). Desde então, tenho levado pau. Nunca nenhum outro livro meu, a partir de então, recolheu unanimidade. A crítica sempre foi polêmica em torno do meu trabalho. Também sou uma negação como contista. O que aparece como conto meu por aí é sobra de romance, coisas que não foram adiante ou que não usei”.
GMN : Escrever, para o senhor, é uma necessidade física ? Em algum momento, o senhor já admitiu a possibilidade de deixar de escrever ?
Jorge Amado: “Sempre penso, com grande desejo, em não fazer nada. Minha tendência é vagabundar, andar, ver pessoas e coisas, ler livros. Mas sempre o livro se impõe a mim. Já há algum tempo, estou resistindo a ir para a máquina de escrever, pela terceira vez, para tentar escrever um livro chamado Bóris, o Vermelho. Em 1984, minha filha morava no Maranhão. Viajei até lá para, um pouco escondido, tentar escrever Bóris. Acabei começando um livro chamado Tocaia Grande, concluído dois anos depois. O livro foi escrito em várias casas no Brasil. Fiquei fugindo de uma para outra- só que me descobriam. Vim em 1987 para Paris, para tentar escrever Bóris. Mas escrevi O Sumiço da Santa, porque descobri que nunca tinha feito um livro sobre sincretismo cultural e religioso, algo que é presente na maioria dos meus romances, mas nunca como tema central. Não pude escrever Bóris porque a estrutura da narrativa não estava suficientemente madura na minha cabeça.
Vou ter de explicar a você a minha forma de trabalhar: quando tenho a ideia de um livro, trato de amadurecê-la na cabeça, antes de ir para a máquina - mas não no sentido do que seria a história do livro. Não sei contar uma história. Minha mulher senta com os netos e conta uma história que eu mesmo ouço com imenso prazer. Zélia inventa. Já eu sou incapaz. O enredo – ou a história dos meus livros – decorre dos personagens. Porque os personagens é que os fazem. Nunca sei, hoje, o que vai acontecer no dia dee amanhã com a história. Os personagens é que vão construindo a história aos poucos. Um personagem que coloco ali, por uma necessidade técnica, por um detalhe, de repente vive e cresce. A história decorre dos personagens. É uma coisa vivida, em vez de ser inventada. Nunca penso em termos de história. Penso, sim, em figuras, em ambientes e em como será a arquitetura da narrativa. Busco encontrar o começo. Porque o começo do livro é que é difícil – exatamente porque não sei contar uma história. Não tenho a invenção da história. É difícil. Preciso que os personagens comecem a ficar de pé – e a andar com seus pés, para que a história também ande. Duas vezes pensei que Bóris estivesse maduro. Quando fui para a máquina, vi que não era o que queria.
O que quero fazer, no livro, é o perfil de um jovem brasileiro entre 18 e 20 anos na década de 70. É apenas um jovem. Mas as circunstâncias da vida política brasileira na época – uma ditadura militar, com tudo o que ela representava – levam a que ele desempenhe um determinado papel que não sei exatamente qual é. Isso virá. Não me amedronto, porque, quando escrevo, a história sempre vem”.
GMN: O senhor terminou de escrever o romance de estreia, O País do Carnaval, há exatamente 60 anos, em 1930. Tempos depois, chamou o livro de “um caderno de aprendiz”. Qual é o principal reparo que o Jorge Amado de 78 anos faz, hoje, ao Jorge Amado de 18 anos, como romancista ?
Jorge Amado: “O País do Carnaval e Cacau e Suor são cadernos de um aprendiz de romancista. O principal reparo que faço – sobretudo a O País do Carnaval – é que é um romance com bastante influência europeia. Sobre o romance pesa – e muito – uma visão europeia do Brasil. Eu era um menino influenciado, de um lado, pela leitura de uma literatura europeia, e, de outro, pelo Modernismo – que, apesar cultivar uma brasilidade e um lado nacionalista na Antropofagia, também tinha europeia, sobretudo da França e da Itália. As primeiras obras de Oswald de Andrade, como Os Condenados, são bastante influenciadas por D`Annunzio. O meu é um livro europeizante – de certa maneira”.
GMN: Curiosamente, o personagem principal do livro chega da Europa e volta para lá…
Jorge Amado: “O personagem passa pelo Brasil. A tradução francesa de O País do Carnaval só foi feita agora pela Editora Gallimard, sessenta anos depois da publicação. Nunca permiti a tradução de O País do Carnaval até há póucos anos. Quando completei setenta e cinco anos, um dos meus editores italianos fez uma tradução do livro – na verdade, uma edição especial, quase universitária, com estudos. Era uma homenagem aos setenta e cinco anos, fora das coleções normais. Não pude impedir a tradução. A partir daí é que a Gallimard comprou os direitos da tradução em francês. São as duas únicas línguas em que foi traduzido. Com a tradução francesa, recebi, há poucos dias, um telefonema de uma editora dos Estados Unidos que quer comprar O País do Carnaval. Não decidi ainda se aceitarei ou não”.
GMN: Por que o senhor – que conheceu grandes figuras da literatura e da política do mundo inteiro - nunca se animou a escrever uma autobiografia ?
Jorge Amado: “Prefiro escrever romance. Enquanto eu puder trabalhar numa obra de criação, acho preferível. Quando sentir que já não posso, quem sabe eu me volte para uma autobiografia. Mas não é algo que me tente”.
GMN: O senhor não dá importância a depoimentos históricos de escritores ?
Jorge Amado: “Gosto de ler biografias e memórias – com prazer. Não incluo nos meus projetos, por ora, escrever minha autobiografia. Mas quem sabe?”.
GMN : Nélson Rodrigues disse que, se algum dia alguém fosse escrever um verbete sobre ele, bastaria redigir uma frase : “Nélson Rodrigues – também conhecido como flor da obsessão”. Se o senhor fosse escrever um verbete sobre Jorge Amado, quais palavras usaria ? Como é que o senhor gostaria de ser lembrado daqui a 50 anos numa enciclopédia ?
Jorge Amado : “Um baiano romântico e sensual. Eu me pareço com meus personagens - às vezes, também com as mulheres”.
(Entrevista gravada em 1990)

Posted by geneton at 10:40 AM

O EX-COMUNISTA JORGE AMADO VÊ, ATORDOADO, AS IMAGENS DA QUEDA DO MURO DE BERLIM: UM MUNDO DESABAVA ALI, HÁ EXATOS 25 ANOS ( AQUI, O ESCRITOR FALA DO ESPANTO QUE SENTIU )

Reviro meus arquivos (não tão) implacáveis, em busca de uma entrevista que fiz com Jorge Amado no momento em que o socialismo virava pó. O ex-comunista Jorge Amado via com espanto o desfile de imagens surpreendentes pela TV, como manifestantes dançando sobre as ruínas do Muro de Berlim ou o queda do ditadores como o romeno Nicolae Ceausesco, personagem de uma cena patética: reuniu a multidão para aplaudi-lo, mas foi silenciado por vaias.

Amado se declarava atordoado com a “rapidez imensa” dos fatos exibidos pela TV, o que o levou a confessar a um amigo, o cineasta Costa Gavras: somente ali, ao testemunhar o desabamento dos regimes socialistas, ele se deu conta da importância da televisão. A entrevista:
Socialismo? “Nunca houve”. O que existia era “uma mentira imensa”, “uma falsificação completa”. Quem faz afirmações tão contundentes, como se quisesse fechar um ciclo de desilusões, é o homem que, um dia, num livro que hoje renega, descreveu assim a figura do ditador Stalin: “Mestre, guia e pai, o maior cientista do mundo de hoje, o maior estadista, o maior general, aquilo que de melhor a humanidade produziu” ( O Mundo de Paz).
Jorge Amado, o maior best-seller da literatura brasileira, recordista de traduções, ex-deputado do Partido Comunista, anuncia, nesta entrevista exclusiva, que ainda não se recuperou da perplexidade causada pela “experiência terrível” : viu cinco imagens de TV destroçarem um mundo de crenças no chamado “socialismo real”.
Primeira imagem: o Muro de Berlim caindo.
Segunda: um estudante anônimo enfrentando os tanques na Praça da Paz Celestial.
Terceira: uma estátua de Lênin desabando no leste europeu.
Quarta: a multidão vaiando o ditador romeno Ceausescu.
Quinta: um manifestante soviético empunhando o cartaz “Operários de Todo o Mundo, Perdoai-nos”.
Impressionado, passou uma noite discutindo o poder destas imagens com o amigo Costa Gavras, cienasta de Estado de Sítio e Desaparecido, durante um encontro em Paris. Ainda espantado com a “rapidez dos fatos”, Jorge Amado repete um ensinamento que extraiu de um aprendizado “sofrido, longo e cruel: “O coletivo não é o oposto do indivíduo. Sem considerar o indivíduo como ser humano, não se pode pensar em socialismo”.
Do refúgio parisiense, onde se esconde dos jornalistas porque quer dar forma definitiva ao romance chamado Bóris, o Vermelho, Jorge Amado manda dizer que “escreve muito mal”, é uma “negação como contista” e,pior, não sabe “contar histórias”. Como se não bastasse, confessa que é um eterno candidato a vagabundo – que só quer ser lembrado, no futuro, como “um baiano romântico e sensual”.
GMN: As mudanças no Leste europeu e na União Soviética de Gorbatchev- que parecem ter desorientado as esquerdas no mundo inteiro - abalaram o senhor também ?
Jorge Amado: “Eu me desorientei – e muito – antes, quando descobri que Stalin não era o pai dos povos, ao contrário do que sempre pensei. Aquele foi um processo doloroso, difícil, cruel e demorado. A maioria das causas dos acontecimentos atuais talvez já fossem claras para mim. Mas os acontecimentos são de uma rapidez imensa.
Jantei com Costa Gavras, meu amigo. Discutimos esta situação: não é só um mundo que acabou. É tudo o que foi a vida e o objetivo de luta de milhões de pessoas. É gente que lutou com generosidade e coragem e foi presa e torturada por lutar por uma coisa que – de repente – se acaba. A pergunta que você pode me fazer agora é a seguinte: é o socialismo que não presta ou é a falsificação do socialismo ? O que é que acontece nestes países ? Já não são regimes socialistas nem a Polônia nem a Hungria nem a Tchecoslováquia nem a Alemanha oriental. Já estão deixando de ser socialistas a Bulgária, a Romênia e até a Albânia! Mas não acredito que o socialismo, como ideia, deixe de ser o que representa como avanço e como um passo adiante. Nunca houve socialismo, como não houve democracia. Como a implantação dos regimes socialistas foi baseada naquilo que é fundamentalmente errado - a ditadura de classe – , houve, então, uma falsificação total e completa !
O mundo era um antes da revolução de outubro, na Rússia. Passou, depois, a ser outro. Estados ditos socialistas – mas que não eram, na realidade – podem deixar de existir. Isso não quer dizer,no entanto, que os valores novos trazidos pela Revolução de outubro - como uma consciência coletiva maior e fraternal – não persistam. Persistem. O que acontece é que o mundo não será mesmo igual. Já não é. O capitalismo de hoje também já não é o mesmo de antes. Não sou sociólogo. Eu via sempre, na televisão, no Brasil, que todo dia apareciam dois, três cientistas políticos. É cientista político pra burro. É uma quantidade imensa. São formidáveis. Não sou cientista político – infelizmente – nem crítico literário. Mas vem à minha casa gente que lutou toda a vida. De repente, um mundo vem abaixo!
Durante o encontro com Costa Gavras, eu disse que – de repente - estou me dando conta da importância da televisão. Via na TV as imagens do muro de Berlim. Vi o homem parando os tanques na China. E as imagens do ditador da Romênia? Reuniu duzentas mil pessoas para aplaudi-lo, mas, de repente, a multidão começa a vaiá-lo. A imagem do ditador na tribuna é inesquecível. Outra imagem :uma imensa estátua de Lênin com uma corda no pescoço. E o pessoal puxando para derrubá-la. Devo dizer a você que aquilo me picou o coração. É todo um mundo que vem se acabando – e desabando em cima da cabeça da gente. É terrível para algumas pessoas – que devem se sentir suicidas, sem ter o que fazer da vida. Não sou sociólogo, mas sem democracia não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo como ser humano, você não pode pensar em socialismo”.
GMN: A denúncia do stalinismo provocou um choque ainda maior no senhor ?
Jorge Amado: “O choque veio já antes da denúncia, porque eu vinha sabendo das coisas. Mas é evidente que a denúncia de Kruschev trouxe coisas de que eu não fazia a mínima ideia”.
GMN: Mikail Gorbachev é o ídolo de Jorge Amado hoje ?
Jorge Amado: “Meu último ídolo chama-se Stálin. Já não tenho ídolos – há tempos. Como ídolo, Stalin é o bastante. É suficiente…Gorbachev é um grande estadista do nosso tempo. Todos nós devemos a ele um fato importante: o perigo de uma guerra atômica – que iria acabar com a vida sobre a Terra – diminuiu muito. O que é que Gorbachev faz ? O que ele faz é expor a verdade. Havia uma mentira imensa que dizia: “O socialismo é este”. De repente, a gente viu que não era. Outra imagem de TV que me impressionou foi transmitida durante a comemoração do aniversário da Revolução de outubro. Durante uma manifestação de cento e ciquenta mil pessoas em Moscou, dois cartazes me marcaram muito. Um dizia: “Setenta anos para chegara a nada”. E outro: “Proletários de todo o mundo, perdoai-nos”. São dois negócios terríveis”.
GMN: O senhor diz que o mundo de tantas pessoas que deram a vida toda a estes ideais desabou diante desses mudanças todas. Seu mundo desabou, politicamente ?
Jorge Amado: “Eu já vinha dizendo que, sem democracia, não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo ser humano não se pode pensar em socialismo. O que vai existir é, sempre, uma falsificação. São coisas que, para mim, ficaram claras, dentro de um processo sofrido, longo e cruel”.
GMN: O livro Os Dentes do Dragão traz o registro do atrito que houve entre o senhor e Oswald de Andrade, na época em que ambos militavam no Partido Comunista. Oswald de Andrade escreveu: “Numa reunião do comitê de escritores, diante de quize pessoas do PC, apelei para que o sr. Jorge Amado se retirasse de São Paulo e denunciei-o como espião barato do nazismo. Em 1940, Jorge convidou-se no Rio para almoçar na Brahma com um alemão altamente situado na embaixada e na agência Transocean, para que esse alemão me oferecesse escrever um livro em defesa da Alemanha. Recusei e Jorge ficou surpreendido, pois aceitara várias encomendas desse gênero do mesmo alemão”. Houve uma briga séria?
Jorge Amado: “Houve, realmente, um atrito. Oswald – de quem eu era amigo – desejava ser candidato a deputado na chapa do Partido Comunista. Não foi. Não sei porque – talvez porque outras pessoas tivesse feito intriga – Oswald achou que eu tinha concorrido para que ele não entrasse na chapa. O que aconteceu, na verdade, foi o contrário. Eu lutei – e muito – para que ele entrasse na chapa do partido. Não consegui. Oswaldo não entrou. Atribuiu a mim este fato, o que fez com se afastasse de mim. Depois, voltamos às boas – ele, infelizmente, já enfermo. Não sei se Oswald pediu a minha exclusão do partido. Não vale a pena falar sobre este assunto”.
GMN: Mas ele pediu a exclusão do senhor do Partido Comunista ?
Jorge Amado: “Isso, se houve, não sei”.
GMN :Oswald de Andrade cita também o encontro que teve com o senhor e com um alemão na embaixada. O senhor se lembra ?
Jorge Amado: “Não”.
GMN : Ao se referir ao ato de escrever, o senhor já disse: “Quanto à escrita propriamente dita, aceito palpite”. O senhor aceita palpite de quem ?
Jorge Amado: “Quem palpita é Zélia ( Gattai ), porque vive ao meu lado. Sou mau datilógrafo. Só escrevo com dois dedos. Emendo muito. Hoje, escrevo e reescrevo. Quando jovem, emendava pouco. A gente vai perdendo aquele elan da juventude e vai ganhando experiência. A escrita, então, passa a ser sempre difícil. Você escreve e reescreve. Depois, quando parece que o texto ficou do meu agrado, Zélia bate à máquina uma cópia que ainda vou ler e reler. É aí que ela dá palpite. A partir de certo momento do livro, dou a ler a meu irmão James Amado, uma opinião que levo em conta. E ele lê – e palpita”.
GMN :Não é uma contradição o mais famoso escritor brasileiro dizer que escreve “mal” , como o senhor diz?
Jorge Amado: “Para começar, sou contra este tipo de qualificativo – “o mais”, “o maior”. É difícil dizer quem é “o mais”, “o maior”, “o melhor”. Há os que são bons. Outros são ótimos. Não sou uma pessoa que se considere isso ou aquilo. Não sei que adjetivo usar, mas sou bastante modesto, humilde e crítico a meu respeito. Há uma pergunta que - adiante – você já não me fará. É esta: “E o Prêmio Nobel ? Você não acha que vai ganhar ?”. Por que eu haveria de ter ? Nunca esperei. Desejar é outra coisa. Aspirar é outra coisa. Aliás, nunca aspirei a prêmio nenhum. Nunca lutei por nenhum prêmio. Nunca fui candidato. Quem deve ganhar os prêmios é o livro, não o autor. Uma das coisas mais tristes da vida literária é ver um sujeito cavando um prêmio. É um horror. Quando me dão, fico satisfeito. Eu me admiro por que é que haveria de ganhar o Prêmio Nobel. É um prêmio para grandes, grandes escritores. Não me considero como tal”.
GMN: O senhor acha que escreve mal de verdade ?
Jorge Amado: “Eu escrevo muito mal”.
GMN: Que reparos, então, o senhor faz a seus textos ?
Jorge Amado: “A crítica faz tantos reparos….Não sou um escritor que trabalha. Um crítico francês chamado Jean Rocha escreveu todo um livro sobre mim. Disse que escrevo bem. Não ouso fazer tal afirmação. Porque há os que dizem que não existe quem escreva pior do que eu. Sou um escritor que nunca teve a unanimidade da crítica. O País do Carnaval foi o meu único livro unanimemente elogiado. Eu era um menino…. (N: Quando terminou de escrever o livro, Jorge Amado tinha tinha 18 anos). Desde então, tenho levado pau. Nunca nenhum outro livro meu, a partir de então, recolheu unanimidade. A crítica sempre foi polêmica em torno do meu trabalho. Também sou uma negação como contista. O que aparece como conto meu por aí é sobra de romance, coisas que não foram adiante ou que não usei”.
GMN : Escrever, para o senhor, é uma necessidade física ? Em algum momento, o senhor já admitiu a possibilidade de deixar de escrever ?
Jorge Amado: “Sempre penso, com grande desejo, em não fazer nada. Minha tendência é vagabundar, andar, ver pessoas e coisas, ler livros. Mas sempre o livro se impõe a mim. Já há algum tempo, estou resistindo a ir para a máquina de escrever, pela terceira vez, para tentar escrever um livro chamado Bóris, o Vermelho. Em 1984, minha filha morava no Maranhão. Viajei até lá para, um pouco escondido, tentar escrever Bóris. Acabei começando um livro chamado Tocaia Grande, concluído dois anos depois. O livro foi escrito em várias casas no Brasil. Fiquei fugindo de uma para outra- só que me descobriam. Vim em 1987 para Paris, para tentar escrever Bóris. Mas escrevi O Sumiço da Santa, porque descobri que nunca tinha feito um livro sobre sincretismo cultural e religioso, algo que é presente na maioria dos meus romances, mas nunca como tema central. Não pude escrever Bóris porque a estrutura da narrativa não estava suficientemente madura na minha cabeça.
Vou ter de explicar a você a minha forma de trabalhar: quando tenho a ideia de um livro, trato de amadurecê-la na cabeça, antes de ir para a máquina - mas não no sentido do que seria a história do livro. Não sei contar uma história. Minha mulher senta com os netos e conta uma história que eu mesmo ouço com imenso prazer. Zélia inventa. Já eu sou incapaz. O enredo – ou a história dos meus livros – decorre dos personagens. Porque os personagens é que os fazem. Nunca sei, hoje, o que vai acontecer no dia dee amanhã com a história. Os personagens é que vão construindo a história aos poucos. Um personagem que coloco ali, por uma necessidade técnica, por um detalhe, de repente vive e cresce. A história decorre dos personagens. É uma coisa vivida, em vez de ser inventada. Nunca penso em termos de história. Penso, sim, em figuras, em ambientes e em como será a arquitetura da narrativa. Busco encontrar o começo. Porque o começo do livro é que é difícil – exatamente porque não sei contar uma história. Não tenho a invenção da história. É difícil. Preciso que os personagens comecem a ficar de pé – e a andar com seus pés, para que a história também ande. Duas vezes pensei que Bóris estivesse maduro. Quando fui para a máquina, vi que não era o que queria.
O que quero fazer, no livro, é o perfil de um jovem brasileiro entre 18 e 20 anos na década de 70. É apenas um jovem. Mas as circunstâncias da vida política brasileira na época – uma ditadura militar, com tudo o que ela representava – levam a que ele desempenhe um determinado papel que não sei exatamente qual é. Isso virá. Não me amedronto, porque, quando escrevo, a história sempre vem”.
GMN: O senhor terminou de escrever o romance de estreia, O País do Carnaval, há exatamente 60 anos, em 1930. Tempos depois, chamou o livro de “um caderno de aprendiz”. Qual é o principal reparo que o Jorge Amado de 78 anos faz, hoje, ao Jorge Amado de 18 anos, como romancista ?
Jorge Amado: “O País do Carnaval e Cacau e Suor são cadernos de um aprendiz de romancista. O principal reparo que faço – sobretudo a O País do Carnaval – é que é um romance com bastante influência europeia. Sobre o romance pesa – e muito – uma visão europeia do Brasil. Eu era um menino influenciado, de um lado, pela leitura de uma literatura europeia, e, de outro, pelo Modernismo – que, apesar cultivar uma brasilidade e um lado nacionalista na Antropofagia, também tinha europeia, sobretudo da França e da Itália. As primeiras obras de Oswald de Andrade, como Os Condenados, são bastante influenciadas por D`Annunzio. O meu é um livro europeizante – de certa maneira”.
GMN: Curiosamente, o personagem principal do livro chega da Europa e volta para lá…
Jorge Amado: “O personagem passa pelo Brasil. A tradução francesa de O País do Carnaval só foi feita agora pela Editora Gallimard, sessenta anos depois da publicação. Nunca permiti a tradução de O País do Carnaval até há póucos anos. Quando completei setenta e cinco anos, um dos meus editores italianos fez uma tradução do livro – na verdade, uma edição especial, quase universitária, com estudos. Era uma homenagem aos setenta e cinco anos, fora das coleções normais. Não pude impedir a tradução. A partir daí é que a Gallimard comprou os direitos da tradução em francês. São as duas únicas línguas em que foi traduzido. Com a tradução francesa, recebi, há poucos dias, um telefonema de uma editora dos Estados Unidos que quer comprar O País do Carnaval. Não decidi ainda se aceitarei ou não”.
GMN: Por que o senhor – que conheceu grandes figuras da literatura e da política do mundo inteiro - nunca se animou a escrever uma autobiografia ?
Jorge Amado: “Prefiro escrever romance. Enquanto eu puder trabalhar numa obra de criação, acho preferível. Quando sentir que já não posso, quem sabe eu me volte para uma autobiografia. Mas não é algo que me tente”.
GMN: O senhor não dá importância a depoimentos históricos de escritores ?
Jorge Amado: “Gosto de ler biografias e memórias – com prazer. Não incluo nos meus projetos, por ora, escrever minha autobiografia. Mas quem sabe?”.
GMN : Nélson Rodrigues disse que, se algum dia alguém fosse escrever um verbete sobre ele, bastaria redigir uma frase : “Nélson Rodrigues – também conhecido como flor da obsessão”. Se o senhor fosse escrever um verbete sobre Jorge Amado, quais palavras usaria ? Como é que o senhor gostaria de ser lembrado daqui a 50 anos numa enciclopédia ?
Jorge Amado : “Um baiano romântico e sensual. Eu me pareço com meus personagens - às vezes, também com as mulheres”.
(Entrevista gravada em 1990)

Posted by geneton at 10:40 AM

O EX-COMUNISTA JORGE AMADO VÊ, ATORDOADO, AS IMAGENS DA QUEDA DO MURO DE BERLIM: UM MUNDO DESABAVA ALI, HÁ EXATOS 25 ANOS ( AQUI, O ESCRITOR FALA DO ESPANTO QUE SENTIU )

Reviro meus arquivos (não tão) implacáveis, em busca de uma entrevista que fiz com Jorge Amado no momento em que o socialismo virava pó. O ex-comunista Jorge Amado via com espanto o desfile de imagens surpreendentes pela TV, como manifestantes dançando sobre as ruínas do Muro de Berlim ou o queda do ditadores como o romeno Nicolae Ceausesco, personagem de uma cena patética: reuniu a multidão para aplaudi-lo, mas foi silenciado por vaias.

Amado se declarava atordoado com a “rapidez imensa” dos fatos exibidos pela TV, o que o levou a confessar a um amigo, o cineasta Costa Gavras: somente ali, ao testemunhar o desabamento dos regimes socialistas, ele se deu conta da importância da televisão. A entrevista:
Socialismo? “Nunca houve”. O que existia era “uma mentira imensa”, “uma falsificação completa”. Quem faz afirmações tão contundentes, como se quisesse fechar um ciclo de desilusões, é o homem que, um dia, num livro que hoje renega, descreveu assim a figura do ditador Stalin: “Mestre, guia e pai, o maior cientista do mundo de hoje, o maior estadista, o maior general, aquilo que de melhor a humanidade produziu” ( O Mundo de Paz).
Jorge Amado, o maior best-seller da literatura brasileira, recordista de traduções, ex-deputado do Partido Comunista, anuncia, nesta entrevista exclusiva, que ainda não se recuperou da perplexidade causada pela “experiência terrível” : viu cinco imagens de TV destroçarem um mundo de crenças no chamado “socialismo real”.
Primeira imagem: o Muro de Berlim caindo.
Segunda: um estudante anônimo enfrentando os tanques na Praça da Paz Celestial.
Terceira: uma estátua de Lênin desabando no leste europeu.
Quarta: a multidão vaiando o ditador romeno Ceausescu.
Quinta: um manifestante soviético empunhando o cartaz “Operários de Todo o Mundo, Perdoai-nos”.
Impressionado, passou uma noite discutindo o poder destas imagens com o amigo Costa Gavras, cienasta de Estado de Sítio e Desaparecido, durante um encontro em Paris. Ainda espantado com a “rapidez dos fatos”, Jorge Amado repete um ensinamento que extraiu de um aprendizado “sofrido, longo e cruel: “O coletivo não é o oposto do indivíduo. Sem considerar o indivíduo como ser humano, não se pode pensar em socialismo”.
Do refúgio parisiense, onde se esconde dos jornalistas porque quer dar forma definitiva ao romance chamado Bóris, o Vermelho, Jorge Amado manda dizer que “escreve muito mal”, é uma “negação como contista” e,pior, não sabe “contar histórias”. Como se não bastasse, confessa que é um eterno candidato a vagabundo – que só quer ser lembrado, no futuro, como “um baiano romântico e sensual”.
GMN: As mudanças no Leste europeu e na União Soviética de Gorbatchev- que parecem ter desorientado as esquerdas no mundo inteiro - abalaram o senhor também ?
Jorge Amado: “Eu me desorientei – e muito – antes, quando descobri que Stalin não era o pai dos povos, ao contrário do que sempre pensei. Aquele foi um processo doloroso, difícil, cruel e demorado. A maioria das causas dos acontecimentos atuais talvez já fossem claras para mim. Mas os acontecimentos são de uma rapidez imensa.
Jantei com Costa Gavras, meu amigo. Discutimos esta situação: não é só um mundo que acabou. É tudo o que foi a vida e o objetivo de luta de milhões de pessoas. É gente que lutou com generosidade e coragem e foi presa e torturada por lutar por uma coisa que – de repente – se acaba. A pergunta que você pode me fazer agora é a seguinte: é o socialismo que não presta ou é a falsificação do socialismo ? O que é que acontece nestes países ? Já não são regimes socialistas nem a Polônia nem a Hungria nem a Tchecoslováquia nem a Alemanha oriental. Já estão deixando de ser socialistas a Bulgária, a Romênia e até a Albânia! Mas não acredito que o socialismo, como ideia, deixe de ser o que representa como avanço e como um passo adiante. Nunca houve socialismo, como não houve democracia. Como a implantação dos regimes socialistas foi baseada naquilo que é fundamentalmente errado - a ditadura de classe – , houve, então, uma falsificação total e completa !
O mundo era um antes da revolução de outubro, na Rússia. Passou, depois, a ser outro. Estados ditos socialistas – mas que não eram, na realidade – podem deixar de existir. Isso não quer dizer,no entanto, que os valores novos trazidos pela Revolução de outubro - como uma consciência coletiva maior e fraternal – não persistam. Persistem. O que acontece é que o mundo não será mesmo igual. Já não é. O capitalismo de hoje também já não é o mesmo de antes. Não sou sociólogo. Eu via sempre, na televisão, no Brasil, que todo dia apareciam dois, três cientistas políticos. É cientista político pra burro. É uma quantidade imensa. São formidáveis. Não sou cientista político – infelizmente – nem crítico literário. Mas vem à minha casa gente que lutou toda a vida. De repente, um mundo vem abaixo!
Durante o encontro com Costa Gavras, eu disse que – de repente - estou me dando conta da importância da televisão. Via na TV as imagens do muro de Berlim. Vi o homem parando os tanques na China. E as imagens do ditador da Romênia? Reuniu duzentas mil pessoas para aplaudi-lo, mas, de repente, a multidão começa a vaiá-lo. A imagem do ditador na tribuna é inesquecível. Outra imagem :uma imensa estátua de Lênin com uma corda no pescoço. E o pessoal puxando para derrubá-la. Devo dizer a você que aquilo me picou o coração. É todo um mundo que vem se acabando – e desabando em cima da cabeça da gente. É terrível para algumas pessoas – que devem se sentir suicidas, sem ter o que fazer da vida. Não sou sociólogo, mas sem democracia não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo como ser humano, você não pode pensar em socialismo”.
GMN: A denúncia do stalinismo provocou um choque ainda maior no senhor ?
Jorge Amado: “O choque veio já antes da denúncia, porque eu vinha sabendo das coisas. Mas é evidente que a denúncia de Kruschev trouxe coisas de que eu não fazia a mínima ideia”.
GMN: Mikail Gorbachev é o ídolo de Jorge Amado hoje ?
Jorge Amado: “Meu último ídolo chama-se Stálin. Já não tenho ídolos – há tempos. Como ídolo, Stalin é o bastante. É suficiente…Gorbachev é um grande estadista do nosso tempo. Todos nós devemos a ele um fato importante: o perigo de uma guerra atômica – que iria acabar com a vida sobre a Terra – diminuiu muito. O que é que Gorbachev faz ? O que ele faz é expor a verdade. Havia uma mentira imensa que dizia: “O socialismo é este”. De repente, a gente viu que não era. Outra imagem de TV que me impressionou foi transmitida durante a comemoração do aniversário da Revolução de outubro. Durante uma manifestação de cento e ciquenta mil pessoas em Moscou, dois cartazes me marcaram muito. Um dizia: “Setenta anos para chegara a nada”. E outro: “Proletários de todo o mundo, perdoai-nos”. São dois negócios terríveis”.
GMN: O senhor diz que o mundo de tantas pessoas que deram a vida toda a estes ideais desabou diante desses mudanças todas. Seu mundo desabou, politicamente ?
Jorge Amado: “Eu já vinha dizendo que, sem democracia, não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo ser humano não se pode pensar em socialismo. O que vai existir é, sempre, uma falsificação. São coisas que, para mim, ficaram claras, dentro de um processo sofrido, longo e cruel”.
GMN: O livro Os Dentes do Dragão traz o registro do atrito que houve entre o senhor e Oswald de Andrade, na época em que ambos militavam no Partido Comunista. Oswald de Andrade escreveu: “Numa reunião do comitê de escritores, diante de quize pessoas do PC, apelei para que o sr. Jorge Amado se retirasse de São Paulo e denunciei-o como espião barato do nazismo. Em 1940, Jorge convidou-se no Rio para almoçar na Brahma com um alemão altamente situado na embaixada e na agência Transocean, para que esse alemão me oferecesse escrever um livro em defesa da Alemanha. Recusei e Jorge ficou surpreendido, pois aceitara várias encomendas desse gênero do mesmo alemão”. Houve uma briga séria?
Jorge Amado: “Houve, realmente, um atrito. Oswald – de quem eu era amigo – desejava ser candidato a deputado na chapa do Partido Comunista. Não foi. Não sei porque – talvez porque outras pessoas tivesse feito intriga – Oswald achou que eu tinha concorrido para que ele não entrasse na chapa. O que aconteceu, na verdade, foi o contrário. Eu lutei – e muito – para que ele entrasse na chapa do partido. Não consegui. Oswaldo não entrou. Atribuiu a mim este fato, o que fez com se afastasse de mim. Depois, voltamos às boas – ele, infelizmente, já enfermo. Não sei se Oswald pediu a minha exclusão do partido. Não vale a pena falar sobre este assunto”.
GMN: Mas ele pediu a exclusão do senhor do Partido Comunista ?
Jorge Amado: “Isso, se houve, não sei”.
GMN :Oswald de Andrade cita também o encontro que teve com o senhor e com um alemão na embaixada. O senhor se lembra ?
Jorge Amado: “Não”.
GMN : Ao se referir ao ato de escrever, o senhor já disse: “Quanto à escrita propriamente dita, aceito palpite”. O senhor aceita palpite de quem ?
Jorge Amado: “Quem palpita é Zélia ( Gattai ), porque vive ao meu lado. Sou mau datilógrafo. Só escrevo com dois dedos. Emendo muito. Hoje, escrevo e reescrevo. Quando jovem, emendava pouco. A gente vai perdendo aquele elan da juventude e vai ganhando experiência. A escrita, então, passa a ser sempre difícil. Você escreve e reescreve. Depois, quando parece que o texto ficou do meu agrado, Zélia bate à máquina uma cópia que ainda vou ler e reler. É aí que ela dá palpite. A partir de certo momento do livro, dou a ler a meu irmão James Amado, uma opinião que levo em conta. E ele lê – e palpita”.
GMN :Não é uma contradição o mais famoso escritor brasileiro dizer que escreve “mal” , como o senhor diz?
Jorge Amado: “Para começar, sou contra este tipo de qualificativo – “o mais”, “o maior”. É difícil dizer quem é “o mais”, “o maior”, “o melhor”. Há os que são bons. Outros são ótimos. Não sou uma pessoa que se considere isso ou aquilo. Não sei que adjetivo usar, mas sou bastante modesto, humilde e crítico a meu respeito. Há uma pergunta que - adiante – você já não me fará. É esta: “E o Prêmio Nobel ? Você não acha que vai ganhar ?”. Por que eu haveria de ter ? Nunca esperei. Desejar é outra coisa. Aspirar é outra coisa. Aliás, nunca aspirei a prêmio nenhum. Nunca lutei por nenhum prêmio. Nunca fui candidato. Quem deve ganhar os prêmios é o livro, não o autor. Uma das coisas mais tristes da vida literária é ver um sujeito cavando um prêmio. É um horror. Quando me dão, fico satisfeito. Eu me admiro por que é que haveria de ganhar o Prêmio Nobel. É um prêmio para grandes, grandes escritores. Não me considero como tal”.
GMN: O senhor acha que escreve mal de verdade ?
Jorge Amado: “Eu escrevo muito mal”.
GMN: Que reparos, então, o senhor faz a seus textos ?
Jorge Amado: “A crítica faz tantos reparos….Não sou um escritor que trabalha. Um crítico francês chamado Jean Rocha escreveu todo um livro sobre mim. Disse que escrevo bem. Não ouso fazer tal afirmação. Porque há os que dizem que não existe quem escreva pior do que eu. Sou um escritor que nunca teve a unanimidade da crítica. O País do Carnaval foi o meu único livro unanimemente elogiado. Eu era um menino…. (N: Quando terminou de escrever o livro, Jorge Amado tinha tinha 18 anos). Desde então, tenho levado pau. Nunca nenhum outro livro meu, a partir de então, recolheu unanimidade. A crítica sempre foi polêmica em torno do meu trabalho. Também sou uma negação como contista. O que aparece como conto meu por aí é sobra de romance, coisas que não foram adiante ou que não usei”.
GMN : Escrever, para o senhor, é uma necessidade física ? Em algum momento, o senhor já admitiu a possibilidade de deixar de escrever ?
Jorge Amado: “Sempre penso, com grande desejo, em não fazer nada. Minha tendência é vagabundar, andar, ver pessoas e coisas, ler livros. Mas sempre o livro se impõe a mim. Já há algum tempo, estou resistindo a ir para a máquina de escrever, pela terceira vez, para tentar escrever um livro chamado Bóris, o Vermelho. Em 1984, minha filha morava no Maranhão. Viajei até lá para, um pouco escondido, tentar escrever Bóris. Acabei começando um livro chamado Tocaia Grande, concluído dois anos depois. O livro foi escrito em várias casas no Brasil. Fiquei fugindo de uma para outra- só que me descobriam. Vim em 1987 para Paris, para tentar escrever Bóris. Mas escrevi O Sumiço da Santa, porque descobri que nunca tinha feito um livro sobre sincretismo cultural e religioso, algo que é presente na maioria dos meus romances, mas nunca como tema central. Não pude escrever Bóris porque a estrutura da narrativa não estava suficientemente madura na minha cabeça.
Vou ter de explicar a você a minha forma de trabalhar: quando tenho a ideia de um livro, trato de amadurecê-la na cabeça, antes de ir para a máquina - mas não no sentido do que seria a história do livro. Não sei contar uma história. Minha mulher senta com os netos e conta uma história que eu mesmo ouço com imenso prazer. Zélia inventa. Já eu sou incapaz. O enredo – ou a história dos meus livros – decorre dos personagens. Porque os personagens é que os fazem. Nunca sei, hoje, o que vai acontecer no dia dee amanhã com a história. Os personagens é que vão construindo a história aos poucos. Um personagem que coloco ali, por uma necessidade técnica, por um detalhe, de repente vive e cresce. A história decorre dos personagens. É uma coisa vivida, em vez de ser inventada. Nunca penso em termos de história. Penso, sim, em figuras, em ambientes e em como será a arquitetura da narrativa. Busco encontrar o começo. Porque o começo do livro é que é difícil – exatamente porque não sei contar uma história. Não tenho a invenção da história. É difícil. Preciso que os personagens comecem a ficar de pé – e a andar com seus pés, para que a história também ande. Duas vezes pensei que Bóris estivesse maduro. Quando fui para a máquina, vi que não era o que queria.
O que quero fazer, no livro, é o perfil de um jovem brasileiro entre 18 e 20 anos na década de 70. É apenas um jovem. Mas as circunstâncias da vida política brasileira na época – uma ditadura militar, com tudo o que ela representava – levam a que ele desempenhe um determinado papel que não sei exatamente qual é. Isso virá. Não me amedronto, porque, quando escrevo, a história sempre vem”.
GMN: O senhor terminou de escrever o romance de estreia, O País do Carnaval, há exatamente 60 anos, em 1930. Tempos depois, chamou o livro de “um caderno de aprendiz”. Qual é o principal reparo que o Jorge Amado de 78 anos faz, hoje, ao Jorge Amado de 18 anos, como romancista ?
Jorge Amado: “O País do Carnaval e Cacau e Suor são cadernos de um aprendiz de romancista. O principal reparo que faço – sobretudo a O País do Carnaval – é que é um romance com bastante influência europeia. Sobre o romance pesa – e muito – uma visão europeia do Brasil. Eu era um menino influenciado, de um lado, pela leitura de uma literatura europeia, e, de outro, pelo Modernismo – que, apesar cultivar uma brasilidade e um lado nacionalista na Antropofagia, também tinha europeia, sobretudo da França e da Itália. As primeiras obras de Oswald de Andrade, como Os Condenados, são bastante influenciadas por D`Annunzio. O meu é um livro europeizante – de certa maneira”.
GMN: Curiosamente, o personagem principal do livro chega da Europa e volta para lá…
Jorge Amado: “O personagem passa pelo Brasil. A tradução francesa de O País do Carnaval só foi feita agora pela Editora Gallimard, sessenta anos depois da publicação. Nunca permiti a tradução de O País do Carnaval até há póucos anos. Quando completei setenta e cinco anos, um dos meus editores italianos fez uma tradução do livro – na verdade, uma edição especial, quase universitária, com estudos. Era uma homenagem aos setenta e cinco anos, fora das coleções normais. Não pude impedir a tradução. A partir daí é que a Gallimard comprou os direitos da tradução em francês. São as duas únicas línguas em que foi traduzido. Com a tradução francesa, recebi, há poucos dias, um telefonema de uma editora dos Estados Unidos que quer comprar O País do Carnaval. Não decidi ainda se aceitarei ou não”.
GMN: Por que o senhor – que conheceu grandes figuras da literatura e da política do mundo inteiro - nunca se animou a escrever uma autobiografia ?
Jorge Amado: “Prefiro escrever romance. Enquanto eu puder trabalhar numa obra de criação, acho preferível. Quando sentir que já não posso, quem sabe eu me volte para uma autobiografia. Mas não é algo que me tente”.
GMN: O senhor não dá importância a depoimentos históricos de escritores ?
Jorge Amado: “Gosto de ler biografias e memórias – com prazer. Não incluo nos meus projetos, por ora, escrever minha autobiografia. Mas quem sabe?”.
GMN : Nélson Rodrigues disse que, se algum dia alguém fosse escrever um verbete sobre ele, bastaria redigir uma frase : “Nélson Rodrigues – também conhecido como flor da obsessão”. Se o senhor fosse escrever um verbete sobre Jorge Amado, quais palavras usaria ? Como é que o senhor gostaria de ser lembrado daqui a 50 anos numa enciclopédia ?
Jorge Amado : “Um baiano romântico e sensual. Eu me pareço com meus personagens - às vezes, também com as mulheres”.
(Entrevista gravada em 1990)

Posted by geneton at 10:40 AM

O EX-COMUNISTA JORGE AMADO VÊ, ATORDOADO, AS IMAGENS DA QUEDA DO MURO DE BERLIM: UM MUNDO DESABAVA ALI, HÁ EXATOS 25 ANOS ( AQUI, O ESCRITOR FALA DO ESPANTO QUE SENTIU )

Reviro meus arquivos (não tão) implacáveis, em busca de uma entrevista que fiz com Jorge Amado no momento em que o socialismo virava pó. O ex-comunista Jorge Amado via com espanto o desfile de imagens surpreendentes pela TV, como manifestantes dançando sobre as ruínas do Muro de Berlim ou o queda do ditadores como o romeno Nicolae Ceausesco, personagem de uma cena patética: reuniu a multidão para aplaudi-lo, mas foi silenciado por vaias.

Amado se declarava atordoado com a “rapidez imensa” dos fatos exibidos pela TV, o que o levou a confessar a um amigo, o cineasta Costa Gavras: somente ali, ao testemunhar o desabamento dos regimes socialistas, ele se deu conta da importância da televisão. A entrevista:
Socialismo? “Nunca houve”. O que existia era “uma mentira imensa”, “uma falsificação completa”. Quem faz afirmações tão contundentes, como se quisesse fechar um ciclo de desilusões, é o homem que, um dia, num livro que hoje renega, descreveu assim a figura do ditador Stalin: “Mestre, guia e pai, o maior cientista do mundo de hoje, o maior estadista, o maior general, aquilo que de melhor a humanidade produziu” ( O Mundo de Paz).
Jorge Amado, o maior best-seller da literatura brasileira, recordista de traduções, ex-deputado do Partido Comunista, anuncia, nesta entrevista exclusiva, que ainda não se recuperou da perplexidade causada pela “experiência terrível” : viu cinco imagens de TV destroçarem um mundo de crenças no chamado “socialismo real”.
Primeira imagem: o Muro de Berlim caindo.
Segunda: um estudante anônimo enfrentando os tanques na Praça da Paz Celestial.
Terceira: uma estátua de Lênin desabando no leste europeu.
Quarta: a multidão vaiando o ditador romeno Ceausescu.
Quinta: um manifestante soviético empunhando o cartaz “Operários de Todo o Mundo, Perdoai-nos”.
Impressionado, passou uma noite discutindo o poder destas imagens com o amigo Costa Gavras, cienasta de Estado de Sítio e Desaparecido, durante um encontro em Paris. Ainda espantado com a “rapidez dos fatos”, Jorge Amado repete um ensinamento que extraiu de um aprendizado “sofrido, longo e cruel: “O coletivo não é o oposto do indivíduo. Sem considerar o indivíduo como ser humano, não se pode pensar em socialismo”.
Do refúgio parisiense, onde se esconde dos jornalistas porque quer dar forma definitiva ao romance chamado Bóris, o Vermelho, Jorge Amado manda dizer que “escreve muito mal”, é uma “negação como contista” e,pior, não sabe “contar histórias”. Como se não bastasse, confessa que é um eterno candidato a vagabundo – que só quer ser lembrado, no futuro, como “um baiano romântico e sensual”.
GMN: As mudanças no Leste europeu e na União Soviética de Gorbatchev- que parecem ter desorientado as esquerdas no mundo inteiro - abalaram o senhor também ?
Jorge Amado: “Eu me desorientei – e muito – antes, quando descobri que Stalin não era o pai dos povos, ao contrário do que sempre pensei. Aquele foi um processo doloroso, difícil, cruel e demorado. A maioria das causas dos acontecimentos atuais talvez já fossem claras para mim. Mas os acontecimentos são de uma rapidez imensa.
Jantei com Costa Gavras, meu amigo. Discutimos esta situação: não é só um mundo que acabou. É tudo o que foi a vida e o objetivo de luta de milhões de pessoas. É gente que lutou com generosidade e coragem e foi presa e torturada por lutar por uma coisa que – de repente – se acaba. A pergunta que você pode me fazer agora é a seguinte: é o socialismo que não presta ou é a falsificação do socialismo ? O que é que acontece nestes países ? Já não são regimes socialistas nem a Polônia nem a Hungria nem a Tchecoslováquia nem a Alemanha oriental. Já estão deixando de ser socialistas a Bulgária, a Romênia e até a Albânia! Mas não acredito que o socialismo, como ideia, deixe de ser o que representa como avanço e como um passo adiante. Nunca houve socialismo, como não houve democracia. Como a implantação dos regimes socialistas foi baseada naquilo que é fundamentalmente errado - a ditadura de classe – , houve, então, uma falsificação total e completa !
O mundo era um antes da revolução de outubro, na Rússia. Passou, depois, a ser outro. Estados ditos socialistas – mas que não eram, na realidade – podem deixar de existir. Isso não quer dizer,no entanto, que os valores novos trazidos pela Revolução de outubro - como uma consciência coletiva maior e fraternal – não persistam. Persistem. O que acontece é que o mundo não será mesmo igual. Já não é. O capitalismo de hoje também já não é o mesmo de antes. Não sou sociólogo. Eu via sempre, na televisão, no Brasil, que todo dia apareciam dois, três cientistas políticos. É cientista político pra burro. É uma quantidade imensa. São formidáveis. Não sou cientista político – infelizmente – nem crítico literário. Mas vem à minha casa gente que lutou toda a vida. De repente, um mundo vem abaixo!
Durante o encontro com Costa Gavras, eu disse que – de repente - estou me dando conta da importância da televisão. Via na TV as imagens do muro de Berlim. Vi o homem parando os tanques na China. E as imagens do ditador da Romênia? Reuniu duzentas mil pessoas para aplaudi-lo, mas, de repente, a multidão começa a vaiá-lo. A imagem do ditador na tribuna é inesquecível. Outra imagem :uma imensa estátua de Lênin com uma corda no pescoço. E o pessoal puxando para derrubá-la. Devo dizer a você que aquilo me picou o coração. É todo um mundo que vem se acabando – e desabando em cima da cabeça da gente. É terrível para algumas pessoas – que devem se sentir suicidas, sem ter o que fazer da vida. Não sou sociólogo, mas sem democracia não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo como ser humano, você não pode pensar em socialismo”.
GMN: A denúncia do stalinismo provocou um choque ainda maior no senhor ?
Jorge Amado: “O choque veio já antes da denúncia, porque eu vinha sabendo das coisas. Mas é evidente que a denúncia de Kruschev trouxe coisas de que eu não fazia a mínima ideia”.
GMN: Mikail Gorbachev é o ídolo de Jorge Amado hoje ?
Jorge Amado: “Meu último ídolo chama-se Stálin. Já não tenho ídolos – há tempos. Como ídolo, Stalin é o bastante. É suficiente…Gorbachev é um grande estadista do nosso tempo. Todos nós devemos a ele um fato importante: o perigo de uma guerra atômica – que iria acabar com a vida sobre a Terra – diminuiu muito. O que é que Gorbachev faz ? O que ele faz é expor a verdade. Havia uma mentira imensa que dizia: “O socialismo é este”. De repente, a gente viu que não era. Outra imagem de TV que me impressionou foi transmitida durante a comemoração do aniversário da Revolução de outubro. Durante uma manifestação de cento e ciquenta mil pessoas em Moscou, dois cartazes me marcaram muito. Um dizia: “Setenta anos para chegara a nada”. E outro: “Proletários de todo o mundo, perdoai-nos”. São dois negócios terríveis”.
GMN: O senhor diz que o mundo de tantas pessoas que deram a vida toda a estes ideais desabou diante desses mudanças todas. Seu mundo desabou, politicamente ?
Jorge Amado: “Eu já vinha dizendo que, sem democracia, não se pode construir o socialismo. O coletivo não é o oposto do indivíduo, como foi nestes países. Sem considerar o indivíduo ser humano não se pode pensar em socialismo. O que vai existir é, sempre, uma falsificação. São coisas que, para mim, ficaram claras, dentro de um processo sofrido, longo e cruel”.
GMN: O livro Os Dentes do Dragão traz o registro do atrito que houve entre o senhor e Oswald de Andrade, na época em que ambos militavam no Partido Comunista. Oswald de Andrade escreveu: “Numa reunião do comitê de escritores, diante de quize pessoas do PC, apelei para que o sr. Jorge Amado se retirasse de São Paulo e denunciei-o como espião barato do nazismo. Em 1940, Jorge convidou-se no Rio para almoçar na Brahma com um alemão altamente situado na embaixada e na agência Transocean, para que esse alemão me oferecesse escrever um livro em defesa da Alemanha. Recusei e Jorge ficou surpreendido, pois aceitara várias encomendas desse gênero do mesmo alemão”. Houve uma briga séria?
Jorge Amado: “Houve, realmente, um atrito. Oswald – de quem eu era amigo – desejava ser candidato a deputado na chapa do Partido Comunista. Não foi. Não sei porque – talvez porque outras pessoas tivesse feito intriga – Oswald achou que eu tinha concorrido para que ele não entrasse na chapa. O que aconteceu, na verdade, foi o contrário. Eu lutei – e muito – para que ele entrasse na chapa do partido. Não consegui. Oswaldo não entrou. Atribuiu a mim este fato, o que fez com se afastasse de mim. Depois, voltamos às boas – ele, infelizmente, já enfermo. Não sei se Oswald pediu a minha exclusão do partido. Não vale a pena falar sobre este assunto”.
GMN: Mas ele pediu a exclusão do senhor do Partido Comunista ?
Jorge Amado: “Isso, se houve, não sei”.
GMN :Oswald de Andrade cita também o encontro que teve com o senhor e com um alemão na embaixada. O senhor se lembra ?
Jorge Amado: “Não”.
GMN : Ao se referir ao ato de escrever, o senhor já disse: “Quanto à escrita propriamente dita, aceito palpite”. O senhor aceita palpite de quem ?
Jorge Amado: “Quem palpita é Zélia ( Gattai ), porque vive ao meu lado. Sou mau datilógrafo. Só escrevo com dois dedos. Emendo muito. Hoje, escrevo e reescrevo. Quando jovem, emendava pouco. A gente vai perdendo aquele elan da juventude e vai ganhando experiência. A escrita, então, passa a ser sempre difícil. Você escreve e reescreve. Depois, quando parece que o texto ficou do meu agrado, Zélia bate à máquina uma cópia que ainda vou ler e reler. É aí que ela dá palpite. A partir de certo momento do livro, dou a ler a meu irmão James Amado, uma opinião que levo em conta. E ele lê – e palpita”.
GMN :Não é uma contradição o mais famoso escritor brasileiro dizer que escreve “mal” , como o senhor diz?
Jorge Amado: “Para começar, sou contra este tipo de qualificativo – “o mais”, “o maior”. É difícil dizer quem é “o mais”, “o maior”, “o melhor”. Há os que são bons. Outros são ótimos. Não sou uma pessoa que se considere isso ou aquilo. Não sei que adjetivo usar, mas sou bastante modesto, humilde e crítico a meu respeito. Há uma pergunta que - adiante – você já não me fará. É esta: “E o Prêmio Nobel ? Você não acha que vai ganhar ?”. Por que eu haveria de ter ? Nunca esperei. Desejar é outra coisa. Aspirar é outra coisa. Aliás, nunca aspirei a prêmio nenhum. Nunca lutei por nenhum prêmio. Nunca fui candidato. Quem deve ganhar os prêmios é o livro, não o autor. Uma das coisas mais tristes da vida literária é ver um sujeito cavando um prêmio. É um horror. Quando me dão, fico satisfeito. Eu me admiro por que é que haveria de ganhar o Prêmio Nobel. É um prêmio para grandes, grandes escritores. Não me considero como tal”.
GMN: O senhor acha que escreve mal de verdade ?
Jorge Amado: “Eu escrevo muito mal”.
GMN: Que reparos, então, o senhor faz a seus textos ?
Jorge Amado: “A crítica faz tantos reparos….Não sou um escritor que trabalha. Um crítico francês chamado Jean Rocha escreveu todo um livro sobre mim. Disse que escrevo bem. Não ouso fazer tal afirmação. Porque há os que dizem que não existe quem escreva pior do que eu. Sou um escritor que nunca teve a unanimidade da crítica. O País do Carnaval foi o meu único livro unanimemente elogiado. Eu era um menino…. (N: Quando terminou de escrever o livro, Jorge Amado tinha tinha 18 anos). Desde então, tenho levado pau. Nunca nenhum outro livro meu, a partir de então, recolheu unanimidade. A crítica sempre foi polêmica em torno do meu trabalho. Também sou uma negação como contista. O que aparece como conto meu por aí é sobra de romance, coisas que não foram adiante ou que não usei”.
GMN : Escrever, para o senhor, é uma necessidade física ? Em algum momento, o senhor já admitiu a possibilidade de deixar de escrever ?
Jorge Amado: “Sempre penso, com grande desejo, em não fazer nada. Minha tendência é vagabundar, andar, ver pessoas e coisas, ler livros. Mas sempre o livro se impõe a mim. Já há algum tempo, estou resistindo a ir para a máquina de escrever, pela terceira vez, para tentar escrever um livro chamado Bóris, o Vermelho. Em 1984, minha filha morava no Maranhão. Viajei até lá para, um pouco escondido, tentar escrever Bóris. Acabei começando um livro chamado Tocaia Grande, concluído dois anos depois. O livro foi escrito em várias casas no Brasil. Fiquei fugindo de uma para outra- só que me descobriam. Vim em 1987 para Paris, para tentar escrever Bóris. Mas escrevi O Sumiço da Santa, porque descobri que nunca tinha feito um livro sobre sincretismo cultural e religioso, algo que é presente na maioria dos meus romances, mas nunca como tema central. Não pude escrever Bóris porque a estrutura da narrativa não estava suficientemente madura na minha cabeça.
Vou ter de explicar a você a minha forma de trabalhar: quando tenho a ideia de um livro, trato de amadurecê-la na cabeça, antes de ir para a máquina - mas não no sentido do que seria a história do livro. Não sei contar uma história. Minha mulher senta com os netos e conta uma história que eu mesmo ouço com imenso prazer. Zélia inventa. Já eu sou incapaz. O enredo – ou a história dos meus livros – decorre dos personagens. Porque os personagens é que os fazem. Nunca sei, hoje, o que vai acontecer no dia dee amanhã com a história. Os personagens é que vão construindo a história aos poucos. Um personagem que coloco ali, por uma necessidade técnica, por um detalhe, de repente vive e cresce. A história decorre dos personagens. É uma coisa vivida, em vez de ser inventada. Nunca penso em termos de história. Penso, sim, em figuras, em ambientes e em como será a arquitetura da narrativa. Busco encontrar o começo. Porque o começo do livro é que é difícil – exatamente porque não sei contar uma história. Não tenho a invenção da história. É difícil. Preciso que os personagens comecem a ficar de pé – e a andar com seus pés, para que a história também ande. Duas vezes pensei que Bóris estivesse maduro. Quando fui para a máquina, vi que não era o que queria.
O que quero fazer, no livro, é o perfil de um jovem brasileiro entre 18 e 20 anos na década de 70. É apenas um jovem. Mas as circunstâncias da vida política brasileira na época – uma ditadura militar, com tudo o que ela representava – levam a que ele desempenhe um determinado papel que não sei exatamente qual é. Isso virá. Não me amedronto, porque, quando escrevo, a história sempre vem”.
GMN: O senhor terminou de escrever o romance de estreia, O País do Carnaval, há exatamente 60 anos, em 1930. Tempos depois, chamou o livro de “um caderno de aprendiz”. Qual é o principal reparo que o Jorge Amado de 78 anos faz, hoje, ao Jorge Amado de 18 anos, como romancista ?
Jorge Amado: “O País do Carnaval e Cacau e Suor são cadernos de um aprendiz de romancista. O principal reparo que faço – sobretudo a O País do Carnaval – é que é um romance com bastante influência europeia. Sobre o romance pesa – e muito – uma visão europeia do Brasil. Eu era um menino influenciado, de um lado, pela leitura de uma literatura europeia, e, de outro, pelo Modernismo – que, apesar cultivar uma brasilidade e um lado nacionalista na Antropofagia, também tinha europeia, sobretudo da França e da Itália. As primeiras obras de Oswald de Andrade, como Os Condenados, são bastante influenciadas por D`Annunzio. O meu é um livro europeizante – de certa maneira”.
GMN: Curiosamente, o personagem principal do livro chega da Europa e volta para lá…
Jorge Amado: “O personagem passa pelo Brasil. A tradução francesa de O País do Carnaval só foi feita agora pela Editora Gallimard, sessenta anos depois da publicação. Nunca permiti a tradução de O País do Carnaval até há póucos anos. Quando completei setenta e cinco anos, um dos meus editores italianos fez uma tradução do livro – na verdade, uma edição especial, quase universitária, com estudos. Era uma homenagem aos setenta e cinco anos, fora das coleções normais. Não pude impedir a tradução. A partir daí é que a Gallimard comprou os direitos da tradução em francês. São as duas únicas línguas em que foi traduzido. Com a tradução francesa, recebi, há poucos dias, um telefonema de uma editora dos Estados Unidos que quer comprar O País do Carnaval. Não decidi ainda se aceitarei ou não”.
GMN: Por que o senhor – que conheceu grandes figuras da literatura e da política do mundo inteiro - nunca se animou a escrever uma autobiografia ?
Jorge Amado: “Prefiro escrever romance. Enquanto eu puder trabalhar numa obra de criação, acho preferível. Quando sentir que já não posso, quem sabe eu me volte para uma autobiografia. Mas não é algo que me tente”.
GMN: O senhor não dá importância a depoimentos históricos de escritores ?
Jorge Amado: “Gosto de ler biografias e memórias – com prazer. Não incluo nos meus projetos, por ora, escrever minha autobiografia. Mas quem sabe?”.
GMN : Nélson Rodrigues disse que, se algum dia alguém fosse escrever um verbete sobre ele, bastaria redigir uma frase : “Nélson Rodrigues – também conhecido como flor da obsessão”. Se o senhor fosse escrever um verbete sobre Jorge Amado, quais palavras usaria ? Como é que o senhor gostaria de ser lembrado daqui a 50 anos numa enciclopédia ?
Jorge Amado : “Um baiano romântico e sensual. Eu me pareço com meus personagens - às vezes, também com as mulheres”.
(Entrevista gravada em 1990)

Posted by geneton at 10:40 AM

novembro 05, 2014

UM SUSTO NO AR – E AS MENSAGENS QUE JAMAIS CHEGARÃO AOS DESTINATÁRIOS

Já tinha ouvido falar no silêncio que precede as tempestades.

Agora, conheci o bicho pessoalmente – ele, o silêncio coletivo movido pelo medo.

Quem viaja de avião teme intimamente pelo dia em que o comandante vai pegar o microfone e, em vez de dar as boas-vindas e aquelas informações clássicas sobre tempo de voo e condições meteorológicas, avisará que há "um problema".

Demorou, mas aconteceu: o comandante pegou o microfone e avisou aos passageiros que o avião tinha apresentado um "problema técnico". Primeira reação: “Não é possível! Logo hoje e logo no meu voo!”, devem ter pensado os senhores passageiros. O locutor-que-vos-fala ocupava o assento 11C.

Pior: o avião teria de fazer um pouso não-programado.

Em resumo e em bom português: a situação era de emergência.

O avião tinha acabado de levantar voo do Aeroporto Santos Dumont, às cinco da tarde da quarta-feira da semana passada. Iria para Belo Horizonte. Eu estava a caminho do Fórum das Letras, em Ouro Preto.
Uns dez minutos depois da decolagem, veio o aviso. O avião, recém-saído do Santos Dumont, iria fazer um pouso – não previsto, obviamente – no Aeroporto do Galeão.

Em meus delírios de passageiro temeroso, eu imaginava que, numa situação assim, haveria algum pânico, alguma inquietação, alguma erupção coletiva de medo. Que nada.

Olho para os passageiros. Um silêncio absoluto se instala a bordo. Ninguém diz nada, nada, nada, nada. Ninguém se anima, sequer, a fazer uma mísera pergunta à aeromoça.

O pouso no outro aeroporto demora séculos (numa situação assim, quando os passageiros não fazem a menor ideia da natureza do "problema técnico", cada segundo parece demorar um minuto: cada minuto parece durar uma hora e, cada hora, um século).

O avião passou cerca de quarenta minutos, ou seja, quarenta séculos, voando em círculos, ora sobre o mar, ora sobre a terra.

E todo mundo esperando, intimamente, pelo estrondo final. Ah, o estrondo, o estampido, o relâmpago final viria assim, sem aviso prévio (é o que a gente pensa, mas não diz).

Confesso que uma taquicardia agitou minhas florestas interiores.

Faço, a mim mesmo, a pergunta fatal: o que seria pior? Desabar sobre o mar ou sobre a terra? A resposta que dou a mim mesmo: silêncio.

Olho para um vizinho: seus olhos estão fechados. Tenho vontade de perguntar: “Nós estamos na iminência de viver um momento épico – uma catástrofe nos céus de São Sebastião do Rio de Janeiro –, e você fecha os olhos, impassível?”.

Não pergunto. Se perguntasse, quem sabe, a resposta seria a mesma: o silêncio.

O que fazer para que os minutos passem logo?

Fico pensando o que é que eu poderia escrever como últimas e inúteis palavras. Quem sabe, eu poderia, no último minuto, rabiscá-las num guardanapo de papel e guardá-las numa garrafa plástica que, com sorte, poderia boiar, se o avião se precipitasse sobre as águas... Um dia, quem sabe, um escafandrista encontraria a garrafa já cheia de lodo, perto do assento 11C – o meu.

Lá estaria a declaração final: "A humanidade só será feliz no dia em que o último derrubador de matéria for enforcado nas tripas do penúltimo!". Mas... Não, não valeria desperdiçar esta chance com uma queixa contra jornalistas que passam a vida jogando notícia no lixo. Não, o jornalismo não é tão importante. Não mereceria, jamais, ser agraciado com as últimas palavras de quem quer que seja.

Uma alternativa seria exclamar por escrito, no guardanapo: "A Terra é um equívoco giratório! A Terra é um equívoco giratório!".

Ou, quem sabe, um apelo: "Deus, se você existe, dê um sinal – já, neste minuto. Quero lhe fazer umas perguntas. É agora ou nunca!".

Eu bem que poderia deixar uma mensagem cifrada perguntando por onde andaria a moça argentina que, num dia hoje remotíssimo, vi num trem e de quem nunca me esqueci. Como ela se chama? Dolores? Cristina? Como mandar uma mensagem final para um rosto sem nome? A mensagem jamais chegará.

Neste momento, enquanto a taquicardia parece embalar meus íntimos delírios, chego à conclusão definitiva: não, não adianta mandar mensagens para ninguém. Porque elas não chegarão. A vida é assim: uma gloriosa coleção de mensagens que jamais chegarão aos destinatários.

Eis aí, afinal, a solução! As últimas palavras bem que podem ser estas vinte e duas: "A vida é uma gloriosa coleção de mensagens que cada um de nós carrega dentro de si, mas jamais enviará aos destinatários!". É isso! É isso! Só agora descobri, enquanto espero o estampido final.

Neste momento, depois de séculos de íntima angústia dos passageiros, o avião finalmente faz o pouso não previsto. O piloto não nos diz o que aconteceu de errado. Fica em silêncio, exatamente como nós todos, os que imaginaram enviar inúteis mensagens para destinatários que jamais as receberiam.

E a noite na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro pôde seguir, sem assistir ao clarão fatal que, em nossos mais secretos delírios, poderia acontecer a qualquer momento, em algum ponto do céu, entre o Santos Dumont e o Galeão.

PS: Ah, sim: os senhores passageiros foram reacomodados em outro avião. E a vida continuou – rumo a Belo Horizonte. Nunca um nome de cidade pareceu tão apropriado.

Posted by geneton at 11:55 PM

DESTINO: LOUISIANA

Faz tempo, faz séculos: ali pelo início dos anos setenta, uma música chamada Louisiana tocava direto no rádio. Devo ter ouvido também quando - com meus quatorze, quinze anos da idade - passava pela calçada de uma loja de discos na cidade do Recife. Dali em diante, por algum motivo insondável, "Louisiana" passou a ser sinônimo de um lugar distante e meio inalcançável. ( De resto, o que Louisiana poderia significar para um menino que sonhava com distâncias num Recife bonito, provinciano e ensolarado ?).
Nunca fui a Louisiana. Não posso nem quero ir - para não quebrar o encanto. Mas, como na letra da música bonita, tenho certeza de que "I'm on my way to Louisiana" - estou indo para Louisiana. Não vou chegar, não quero chegar, não devo chegar - mas estou indo para Louisiana desde então.
Acabo de fazer a declaração mais inútil do ano de 2014: estou indo para Louisiana.
A estrada é longa e cheia de solavancos, mas, no fundo, é a única coisa que vale a pena fazer: ir para Louisiana - seja como for.
( E. como tudo na vida, aquela música remota foi parar na internet:
http://goo.gl/35UiVh )

Posted by geneton at 10:28 AM

DESTINO: LOUISIANA

Faz tempo, faz séculos: ali pelo início dos anos setenta, uma música chamada Louisiana tocava direto no rádio. Devo ter ouvido também quando - com meus quatorze, quinze anos da idade - passava pela calçada de uma loja de discos na cidade do Recife. Dali em diante, por algum motivo insondável, "Louisiana" passou a ser sinônimo de um lugar distante e meio inalcançável. ( De resto, o que Louisiana poderia significar para um menino que sonhava com distâncias num Recife bonito, provinciano e ensolarado ?).
Nunca fui a Louisiana. Não posso nem quero ir - para não quebrar o encanto. Mas, como na letra da música bonita, tenho certeza de que "I'm on my way to Louisiana" - estou indo para Louisiana. Não vou chegar, não quero chegar, não devo chegar - mas estou indo para Louisiana desde então.
Acabo de fazer a declaração mais inútil do ano de 2014: estou indo para Louisiana.
A estrada é longa e cheia de solavancos, mas, no fundo, é a única coisa que vale a pena fazer: ir para Louisiana - seja como for.
( E. como tudo na vida, aquela música remota foi parar na internet:
http://goo.gl/35UiVh )

Posted by geneton at 10:28 AM

novembro 02, 2014

...E A PALAVRA HERZOG PROVOCA EMOÇÃO NUMA NOITE EM OURO PRETO, NO BRASIL DE 2014

Um breve informe sobre uma rápida viagem a Ouro Preto, para participar do Forum das Letras ( fica consignada na ata a alegria de reencontrar e ouvir feras do jornalismo como Audálio Dantas, Ricardo Kotscho, Paulo Markun, Mário Magalhães e a de conhecer pessoalmente Lira Neto, Eliane Brum, Daniela Arbex, Natália Viana. Reunido, este time - que mistura várias gerações - formaria, com toda certeza, uma belíssima redação de repórteres. É tudo "repórter de nascença". Feras, feras, feras ).
Houve um momento de forte emoção: num debate sobre os famosos "anos de chumbo", o escritor Mário Prata - que estava na plateia - levantou-se, pegou o microfone e disse, emocionado, que Vladimir Herzog poderia - e deveria - estar ali, naquela mesa, se não tivesse sido martirizado nos porões do DOI-CODI, naquele outubro de 1975. Com a voz embargada, Mário Prata quase não consegue terminar a frase. ( O locutor-que-vos-fala, um dos integrantes da mesa competentemente mediada por Manuel da Costa Pinto, confessa que sentiu um nó na garganta...).
Não quero soar "grandiloquente", mas não há como não pensar:
é possível que jamais se conheçam os nomes dos que torturaram Vladimir Herzog. Mas, quase quarenta anos depois, a palavra Herzog ainda é capaz de causar justíssima comoção numa mesa de debates. ( o Caso Herzog - aliás - inspira até hoje reportagens que levantam prêmios, como aquela que Cláudio Renato Passavante fez para a Globonews com o juiz que responsabilizou o Estado pela morte do jornalista ou como o relato que Audálio Dantas fez, há pouco, em livro. É triste, é tristíssimo, mas o martírio não foi em vão. Ficou como símbolo de um horror que não haverá de se repetir ).
A gente se lembra da figura magra de Ulysses Guimarães, o chefe da oposição parlamentar ao regime dos generais, dizendo que "a pátria é Rubens Paiva - não os facínoras que o mataram".
Em algum lugar daquela sala em Ouro Preto, as palavras de Ulysses Guimarães reverberavam, em pleno 2014. Que seja assim pelas décadas vindouras.

Posted by geneton at 10:43 AM

...E A PALAVRA HERZOG PROVOCA EMOÇÃO NUMA NOITE EM OURO PRETO, NO BRASIL DE 2014

Um breve informe sobre uma rápida viagem a Ouro Preto, para participar do Forum das Letras ( fica consignada na ata a alegria de reencontrar e ouvir feras do jornalismo como Audálio Dantas, Ricardo Kotscho, Paulo Markun, Mário Magalhães e a de conhecer pessoalmente Lira Neto, Eliane Brum, Daniela Arbex, Natália Viana. Reunido, este time - que mistura várias gerações - formaria, com toda certeza, uma belíssima redação de repórteres. É tudo "repórter de nascença". Feras, feras, feras ).
Houve um momento de forte emoção: num debate sobre os famosos "anos de chumbo", o escritor Mário Prata - que estava na plateia - levantou-se, pegou o microfone e disse, emocionado, que Vladimir Herzog poderia - e deveria - estar ali, naquela mesa, se não tivesse sido martirizado nos porões do DOI-CODI, naquele outubro de 1975. Com a voz embargada, Mário Prata quase não consegue terminar a frase. ( O locutor-que-vos-fala, um dos integrantes da mesa competentemente mediada por Manuel da Costa Pinto, confessa que sentiu um nó na garganta...).
Não quero soar "grandiloquente", mas não há como não pensar:
é possível que jamais se conheçam os nomes dos que torturaram Vladimir Herzog. Mas, quase quarenta anos depois, a palavra Herzog ainda é capaz de causar justíssima comoção numa mesa de debates. ( o Caso Herzog - aliás - inspira até hoje reportagens que levantam prêmios, como aquela que Cláudio Renato Passavante fez para a Globonews com o juiz que responsabilizou o Estado pela morte do jornalista ou como o relato que Audálio Dantas fez, há pouco, em livro. É triste, é tristíssimo, mas o martírio não foi em vão. Ficou como símbolo de um horror que não haverá de se repetir ).
A gente se lembra da figura magra de Ulysses Guimarães, o chefe da oposição parlamentar ao regime dos generais, dizendo que "a pátria é Rubens Paiva - não os facínoras que o mataram".
Em algum lugar daquela sala em Ouro Preto, as palavras de Ulysses Guimarães reverberavam, em pleno 2014. Que seja assim pelas décadas vindouras.

Posted by geneton at 10:43 AM

...E A PALAVRA HERZOG PROVOCA EMOÇÃO NUMA NOITE EM OURO PRETO, NO BRASIL DE 2014

Um breve informe sobre uma rápida viagem a Ouro Preto, para participar do Forum das Letras ( fica consignada na ata a alegria de reencontrar e ouvir feras do jornalismo como Audálio Dantas, Ricardo Kotscho, Paulo Markun, Mário Magalhães e a de conhecer pessoalmente Lira Neto, Eliane Brum, Daniela Arbex, Natália Viana. Reunido, este time - que mistura várias gerações - formaria, com toda certeza, uma belíssima redação de repórteres. É tudo "repórter de nascença". Feras, feras, feras ).
Houve um momento de forte emoção: num debate sobre os famosos "anos de chumbo", o escritor Mário Prata - que estava na plateia - levantou-se, pegou o microfone e disse, emocionado, que Vladimir Herzog poderia - e deveria - estar ali, naquela mesa, se não tivesse sido martirizado nos porões do DOI-CODI, naquele outubro de 1975. Com a voz embargada, Mário Prata quase não consegue terminar a frase. ( O locutor-que-vos-fala, um dos integrantes da mesa competentemente mediada por Manuel da Costa Pinto, confessa que sentiu um nó na garganta...).
Não quero soar "grandiloquente", mas não há como não pensar:
é possível que jamais se conheçam os nomes dos que torturaram Vladimir Herzog. Mas, quase quarenta anos depois, a palavra Herzog ainda é capaz de causar justíssima comoção numa mesa de debates. ( o Caso Herzog - aliás - inspira até hoje reportagens que levantam prêmios, como aquela que Cláudio Renato Passavante fez para a Globonews com o juiz que responsabilizou o Estado pela morte do jornalista ou como o relato que Audálio Dantas fez, há pouco, em livro. É triste, é tristíssimo, mas o martírio não foi em vão. Ficou como símbolo de um horror que não haverá de se repetir ).
A gente se lembra da figura magra de Ulysses Guimarães, o chefe da oposição parlamentar ao regime dos generais, dizendo que "a pátria é Rubens Paiva - não os facínoras que o mataram".
Em algum lugar daquela sala em Ouro Preto, as palavras de Ulysses Guimarães reverberavam, em pleno 2014. Que seja assim pelas décadas vindouras.

Posted by geneton at 10:43 AM

outubro 27, 2014

COMO SEMPRE: JORNALISMO A FAVOR NÃO EXISTE. SE É A FAVOR, NÃO É JORNALISMO. SE É JORNALISMO, NÃO É FAVOR.

Um amigo registra, no Twitter, uma ideia que ouviu: que tal se fosse criado um partido que jamais almejasse conquistar o Poder? O papel do partido seria o de exercer oposição permanente - no legislativo, qualquer que fosse o governo.
Eis aí uma bela ideia ( se bem que inviável, utópica e improvável ). Mas as ideias inviáveis, utópicas e improváveis são as melhores. Sempre foram. Eu seria capaz de me filiar a este partido - que jamais existirá. Poderia até sugerir um nome: POP ( Partido de Oposição Permanente ). E um slogan: "Seja contra. Seja POP".

A bem da verdade, todo e qualquer jornalista - pelo menos enquanto estivesse no exercício da profissão - deveria, simbolicamente, se filiar ao POP. Porque o papel do jornalismo é, por natureza, por princípio, por convicção, o de exercer uma oposição permanente ao Poder. Não importa quem esteja no poder: pode ser PT, PMDB, PSDB, DEM, o Papa, a Rainha, seja o que for.
Jornalismo é jornalismo. Propaganda é propaganda. Jornalismo é jornalismo. Militância é militância. São coisas que, feito água e óleo, não se misturam. Sempre foi assim. Que assim seja, para sempre.
Quando um cruza o caminho do outro, o resultado é o de sempre: perda total. Lá se foi a confiança, a credibilidade, a isenção.
Jornalismo a favor não existe. Se é a favor, não é jornalismo. Se é jornalismo, não é a favor. Ponto.
PS: Feitas estas breves e inúteis considerações, o locutor-que-vos-fala se declara horrorizado com o grande festival de mentiras e desinformação registrado nesta campanha eleitoral, a mais radicalizada das últimas décadas.
As chamadas "redes sociais" serviram de palco para a encenação de uma infindável lista de absurdos. Militantes pró-Dilma faziam, sem o menor constrangimento, insinuações de baixíssimo nível contra Aécio Neves. Militantes pró-Aécio enxergavam em Dilma a versão planaltina da Besta do Apocalipse. Deus do céu. Quanta cegueira, quanto primarismo, quanta intolerância, quanta estupidez.
Se este nível de mútua intransigência se repetir nos próximos embates, o Jornalismo ( aquele de verdade - que nunca é a favor de "a" nem de "b" e não se confunde com militância, propaganda ou engajamento ) terá um belo e difícil papel a cumprir: o de tentar jogar fachos de luz na treva da intolerância.
Quem diria! O "bom e velho" jornalismo, tal como existia antes, pode até estar morrendo - mas pode ganhar, em futuras campanhas eleitorais, um novo e inesperado fôlego. É um mero palpite de quem acompanhou, na arquibancada, a Guerra de 2014.

Posted by geneton at 12:05 PM

COMO SEMPRE: JORNALISMO A FAVOR NÃO EXISTE. SE É A FAVOR, NÃO É JORNALISMO. SE É JORNALISMO, NÃO É FAVOR.

Um amigo registra, no Twitter, uma ideia que ouviu: que tal se fosse criado um partido que jamais almejasse conquistar o Poder? O papel do partido seria o de exercer oposição permanente - no legislativo, qualquer que fosse o governo.
Eis aí uma bela ideia ( se bem que inviável, utópica e improvável ). Mas as ideias inviáveis, utópicas e improváveis são as melhores. Sempre foram. Eu seria capaz de me filiar a este partido - que jamais existirá. Poderia até sugerir um nome: POP ( Partido de Oposição Permanente ). E um slogan: "Seja contra. Seja POP".
A bem da verdade, todo e qualquer jornalista - pelo menos enquanto estivesse no exercício da profissão - deveria, simbolicamente, se filiar ao POP. Porque o papel do jornalismo é, por natureza, por princípio, por convicção, o de exercer uma oposição permanente ao Poder. Não importa quem esteja no poder: pode ser PT, PMDB, PSDB, DEM, o Papa, a Rainha, seja o que for.
Jornalismo é jornalismo. Propaganda é propaganda. Jornalismo é jornalismo. Militância é militância. São coisas que, feito água e óleo, não se misturam. Sempre foi assim. Que assim seja, para sempre.
Quando um cruza o caminho do outro, o resultado é o de sempre: perda total. Lá se foi a confiança, a credibilidade, a isenção.
Jornalismo a favor não existe. Se é a favor, não é jornalismo. Se é jornalismo, não é a favor. Ponto.
PS: Feitas estas breves e inúteis considerações, o locutor-que-vos-fala se declara horrorizado com o grande festival de mentiras e desinformação registrado nesta campanha eleitoral, a mais radicalizada das últimas décadas.
As chamadas "redes sociais" serviram de palco para a encenação de uma infindável lista de absurdos. Militantes pró-Dilma faziam, sem o menor constrangimento, insinuações de baixíssimo nível contra Aécio Neves. Militantes pró-Aécio enxergavam em Dilma a versão planaltina da Besta do Apocalipse. Deus do céu. Quanta cegueira, quanto primarismo, quanta intolerância, quanta estupidez.
Se este nível de mútua intransigência se repetir nos próximos embates, o Jornalismo ( aquele de verdade - que nunca é a favor de "a" nem de "b" e não se confunde com militância, propaganda ou engajamento ) terá um belo e difícil papel a cumprir: o de tentar jogar fachos de luz na treva da intolerância.
Quem diria! O "bom e velho" jornalismo, tal como existia antes, pode até estar morrendo - mas pode ganhar, em futuras campanhas eleitorais, um novo e inesperado fôlego. É um mero palpite de quem acompanhou, na arquibancada, a Guerra de 2014.

Posted by geneton at 10:50 AM

COMO SEMPRE: JORNALISMO A FAVOR NÃO EXISTE. SE É A FAVOR, NÃO É JORNALISMO. SE É JORNALISMO, NÃO É FAVOR.

Um amigo registra, no Twitter, uma ideia que ouviu: que tal se fosse criado um partido que jamais almejasse conquistar o Poder? O papel do partido seria o de exercer oposição permanente - no legislativo, qualquer que fosse o governo.
Eis aí uma bela ideia ( se bem que inviável, utópica e improvável ). Mas as ideias inviáveis, utópicas e improváveis são as melhores. Sempre foram. Eu seria capaz de me filiar a este partido - que jamais existirá. Poderia até sugerir um nome: POP ( Partido de Oposição Permanente ). E um slogan: "Seja contra. Seja POP".
A bem da verdade, todo e qualquer jornalista - pelo menos enquanto estivesse no exercício da profissão - deveria, simbolicamente, se filiar ao POP. Porque o papel do jornalismo é, por natureza, por princípio, por convicção, o de exercer uma oposição permanente ao Poder. Não importa quem esteja no poder: pode ser PT, PMDB, PSDB, DEM, o Papa, a Rainha, seja o que for.
Jornalismo é jornalismo. Propaganda é propaganda. Jornalismo é jornalismo. Militância é militância. São coisas que, feito água e óleo, não se misturam. Sempre foi assim. Que assim seja, para sempre.
Quando um cruza o caminho do outro, o resultado é o de sempre: perda total. Lá se foi a confiança, a credibilidade, a isenção.
Jornalismo a favor não existe. Se é a favor, não é jornalismo. Se é jornalismo, não é a favor. Ponto.
PS: Feitas estas breves e inúteis considerações, o locutor-que-vos-fala se declara horrorizado com o grande festival de mentiras e desinformação registrado nesta campanha eleitoral, a mais radicalizada das últimas décadas.
As chamadas "redes sociais" serviram de palco para a encenação de uma infindável lista de absurdos. Militantes pró-Dilma faziam, sem o menor constrangimento, insinuações de baixíssimo nível contra Aécio Neves. Militantes pró-Aécio enxergavam em Dilma a versão planaltina da Besta do Apocalipse. Deus do céu. Quanta cegueira, quanto primarismo, quanta intolerância, quanta estupidez.
Se este nível de mútua intransigência se repetir nos próximos embates, o Jornalismo ( aquele de verdade - que nunca é a favor de "a" nem de "b" e não se confunde com militância, propaganda ou engajamento ) terá um belo e difícil papel a cumprir: o de tentar jogar fachos de luz na treva da intolerância.
Quem diria! O "bom e velho" jornalismo, tal como existia antes, pode até estar morrendo - mas pode ganhar, em futuras campanhas eleitorais, um novo e inesperado fôlego. É um mero palpite de quem acompanhou, na arquibancada, a Guerra de 2014.

Posted by geneton at 10:50 AM

COMO SEMPRE: JORNALISMO A FAVOR NÃO EXISTE. SE É A FAVOR, NÃO É JORNALISMO. SE É JORNALISMO, NÃO É FAVOR.

Um amigo registra, no Twitter, uma ideia que ouviu: que tal se fosse criado um partido que jamais almejasse conquistar o Poder? O papel do partido seria o de exercer oposição permanente - no legislativo, qualquer que fosse o governo.
Eis aí uma bela ideia ( se bem que inviável, utópica e improvável ). Mas as ideias inviáveis, utópicas e improváveis são as melhores. Sempre foram. Eu seria capaz de me filiar a este partido - que jamais existirá. Poderia até sugerir um nome: POP ( Partido de Oposição Permanente ). E um slogan: "Seja contra. Seja POP".
A bem da verdade, todo e qualquer jornalista - pelo menos enquanto estivesse no exercício da profissão - deveria, simbolicamente, se filiar ao POP. Porque o papel do jornalismo é, por natureza, por princípio, por convicção, o de exercer uma oposição permanente ao Poder. Não importa quem esteja no poder: pode ser PT, PMDB, PSDB, DEM, o Papa, a Rainha, seja o que for.
Jornalismo é jornalismo. Propaganda é propaganda. Jornalismo é jornalismo. Militância é militância. São coisas que, feito água e óleo, não se misturam. Sempre foi assim. Que assim seja, para sempre.
Quando um cruza o caminho do outro, o resultado é o de sempre: perda total. Lá se foi a confiança, a credibilidade, a isenção.
Jornalismo a favor não existe. Se é a favor, não é jornalismo. Se é jornalismo, não é a favor. Ponto.
PS: Feitas estas breves e inúteis considerações, o locutor-que-vos-fala se declara horrorizado com o grande festival de mentiras e desinformação registrado nesta campanha eleitoral, a mais radicalizada das últimas décadas.
As chamadas "redes sociais" serviram de palco para a encenação de uma infindável lista de absurdos. Militantes pró-Dilma faziam, sem o menor constrangimento, insinuações de baixíssimo nível contra Aécio Neves. Militantes pró-Aécio enxergavam em Dilma a versão planaltina da Besta do Apocalipse. Deus do céu. Quanta cegueira, quanto primarismo, quanta intolerância, quanta estupidez.
Se este nível de mútua intransigência se repetir nos próximos embates, o Jornalismo ( aquele de verdade - que nunca é a favor de "a" nem de "b" e não se confunde com militância, propaganda ou engajamento ) terá um belo e difícil papel a cumprir: o de tentar jogar fachos de luz na treva da intolerância.
Quem diria! O "bom e velho" jornalismo, tal como existia antes, pode até estar morrendo - mas pode ganhar, em futuras campanhas eleitorais, um novo e inesperado fôlego. É um mero palpite de quem acompanhou, na arquibancada, a Guerra de 2014.

Posted by geneton at 10:50 AM

outubro 25, 2014

...E ELA ACORDARÁ SEGUNDA-FEIRA SONHADORA COMO SEMPRE

Termina uma campanha extraordinariamente radicalizada. E, para fechar a "Semana Musical", bem que vale ouvir de novo aqueles versos ingênuos e bonitos de "Amanhã" - de Guilherme Arantes -, cantados por Caetano Veloso:
"Amanhã / a luminosidade / alheia a qualquer vontade / há de imperar / há de imperar /(....) Amanhã / ódios aplacados /
temores abrandados / será pleno / será pleno".
"Ódios aplacados, temores abrandados": é o que se pode esperar.

Porque não custa lembrar que, acima de todas as ofensas, todos os ataques, todos os bate-bocas, todas as intolerâncias, todas as siglas, todas as divisões, todas as bandeiras, todas as paixões e todos os desamores eleitorais, ela acordará segunda-feira radiosa como sempre, carente como sempre, bonita como sempre, sofrida como sempre, sonhadora como sempre, necessitada como sempre, emotiva como sempre, alegre como sempre, tolerante como sempre, maltratada como sempre, generosa como sempre;
ela - que nunca deixou de esperar sinceramente pelo império da felicidade;
ela - que amanhã, nas ruas, nas florestas, nos planaltos, nos pantanais, nas planícies, nos sertões, nos becos, nas estradas, nas metrópoles, verá tanta gente indo para as ruas com o título de eleitor e a secreta esperança de sempre nas mãos, num espetáculo tantas vezes suprimido;
ela - que em algum momento da festa vai se lembrar comovida dos que sonharam com a democracia nos tempos de escuridão;
ela - que inventou a palavra "saudade";
ela - que nasceu para, teimosamente, reinventar o sentido de todos os futuros;
ela, a nossa Mãe Gentil, com toda certeza só espera que, "ódios aplacados/ temores abrandados", o amanhã seja pleno.
Parece ingênuo. E é. Eu me lembro da pichação feita por um estudante que, nesta época de pragmatismos, escreveu num muro: "Chega de realizações. Queremos promessas!".
E o amanhã, na pior das hipóteses, jamais deixará de ser, pelo menos, uma promessa - especialmente para quem teve a ventura de nascer nesta república belamente ancorada às margens do Atlântico Sul.
http://goo.gl/jk7UsH

Posted by geneton at 12:08 PM

outubro 20, 2014

O PLANETA VIVE UMA NOVA "ERA BREJNEV": A GLM ( GRANDE COLIGAÇÃO DA MEDIOCRIDADE ) SE ESPALHA POR TODOS OS ESPAÇOS ( OU: VALE VER O DOCUMENTÁRIO "LIBERTEM ANGELA DAVIS" - ANTES QUE SAIA DE CARTAZ )

Um belo documentário em cartaz: "Libertem Angela Davis" - a saga da ativista americana punida por se declarar integrante do Partido Comunista e por ter ligações com integrantes dos Panteras Negras.
Virou ícone de uma época de militância. ( A quem interessar possa: o documentário entrou em cartaz em poucas salas e poucos horários. Em breve, sumirá das telas. Vale ver enquanto é tempo...).
Terminada a exibição, uma sensação esquisita fica no ar: definitivamente, era outra a substância dos tempos em que manifestantes iam para a rua, no mundo todo, para gritar pela libertação de Angela Davis ou para pedir um planeta melhor.
Um cronista uma vez escreveu que o mundo assistiu, nos anos setenta, à ascensão de lideres medíocres no lugar de líderes carismáticos: aquele foi o tempo de Leonid Brejnev ( burocrata-mor ) no lugar de Nikita Kruschev, na União Soviética; Richard Nixon no lugar de John Kennedy; o Papa Paulo VI no lugar de João XXIII; Pompidou no lugar de De Gaulle, na França.
Agora, o planeta parece viver uma nova "Era Brejnev": tempos de política medíocre, cinema medíocre, jornalismo medíocre, música medíocre, literatura medíocre.
Nunca o fogo dos dissidentes foi tão necessário - e tão ausente.
Era Brejnev: tomare que passe logo. A Grande Coligação da Mediocridade tomou conta do planeta.

Posted by geneton at 11:26 AM

outubro 17, 2014

QUERO QUE TUDO MELHORE

"Quero que tudo melhore" - em resumo, é o que devem querer, sinceramente, 99 % dos eleitores brasileiros, dilmistas, aecistas ou seja lá o que for.
Mas assusta o nível de radicalização que esta campanha para presidente atingiu: eleitores confrontando eleitores, eleitores desqualificando eleitores. Qualquer que seja o resultado, parece certo que o país sairá das urnas dividido - meio a meio.
O que é que cada de nós poderia dizer ao Brasil às vésperas de uma eleição?
Apenas: "Quero que tudo melhore" - como naquela música bonita, "Água".
Só existe uma maneira de dizer "quero que tudo melhore" numa eleição: votando.
Deveria ser simples assim: cada um votando no candidato que cada um acredita que vá fazer o Brasil melhorar. Deveria ser - mas não é.

É hora - quem sabe- de um pequeno intervalo musical :

Posted by geneton at 11:28 AM

outubro 16, 2014

E A ELEIÇÃO VAI PARA OS PÊNALTIS....

Uma campanha eleitoral pode ficar parecida com uma partida de futebol.
O primeiro turno corresponde ao "tempo normal": são noventa dias de campanha, noventa minutos de jogo,
O segundo turno é a "prorrogação".
Pelo visto, a eleição para presidente vai ser decidida nos pênaltis!
Quem vai bater o pênalti que decidirá a parada? Nordeste? São Paulo? Minas? Rio?
Como diria Galvão Bueno num daqueles jogos que caminham dramaticamente para os pênaltis, "haja coração!"

Posted by geneton at 11:29 AM

outubro 09, 2014

"E PASSAMOS / CARREGADOS DE FLORES SUFOCADAS / MAS, DENTRO, NO CORAÇÃO/ EU SEI / A VIDA BATE / SUBTERRANEAMENTE, A VIDA BATE"

( OU: O DIA EM QUE O POETA GULLAR DESCOBRIU QUE "AS PAREDES, OS PRÉDIOS, AS RUAS, SÃO INDIFERENTES AO QUE A GENTE PENSOU, SOFREU E CHOROU. TUDO SE APAGA").
Ferreira Gullar acaba de ser eleito para a Academia Brasileira de Letras. Só faltou um voto para a unanimidade. Um dos acadêmicos preferiu votar em branco.
Aqui, um relato sobre uma de nossas entrevistas - em que ele fala da experiência de rever o país em que tinha vivido momentos dramáticos, no exílio:

-----------------------------------------
Um poeta brasileiro – que também era militante político – desembarca no Chile, no início dos anos setenta, para viver uma experiência que tinha tudo para ser historicamente fascinante: pela primeira vez, o país era governado por um presidente socialista que chegara ao poder pelo voto direto.
Exilados brasileiros apostavam que uma primavera estava nascendo ao pé da Cordilheira dos Andes. O Eldorado dos militantes políticos ganhava um novo nome: Santiago do Chile.
O poeta era Ferreira Gullar. O presidente era Salvador Allende. A experiência terminou em tragédia: as Forças Armadas bombardearam o Palácio de La Moneda no dia 11 de Setembro de 1973.
Allende saiu do Palácio sem vida ( há controvérsias sobre se teria cometido suicídio ou se teria sido morto, o que não faz tanta diferença).
A Junta Militar, comandada pelo general Augusto Pinochet, instalou uma ditadura que, como se sabe, não brincou em serviço. Há relatos de cenas tétricas: helicópteros pousavam no gramado do Estádio Nacional para recolher presos que, em seguida, desapareciam. Nem sempre se sabia para onde eram levados. Pelo menos cinco exilados brasileiros estão até hoje desaparecidos.
Traumatizado pela experiência que viveu no país, Ferreira Gullar passou décadas sem voltar ao Chile. Quando finalmente voltou, teve sentimentos “contraditórios”.
Nesta expedição de volta ao cenário das turbulências que testemunhou no início dos anos setenta, o poeta Ferreira Gullar contemplou, por exemplo, a fachada do Palácio de La Moneda. Pegou um táxi para visitar a rua onde vivera.
Descobriu que a paisagem é absolutamente indiferente ao que a gente sente. As cidades, diz ele, são feitas de “pedra”. Não se contaminam com as lembranças, dramas, aventuras, alegrias, tragédias e vitórias de cada um. A memória é algo pessoal e intransferível – que cada um carrega dentro de si, até o dia do apagão final. Fora deste território feito de lembranças, o que há é a paisagem, com seus palácios, edifícios, ruas, becos e avenidas, gloriosamente indiferentes aos nossos espantos.
Um trecho da entrevista que Ferreira Gullar nos concedeu para o DOSSIÊ GLOBONEWS:
“Estava lá o mesmo palácio onde Salvador Allende foi assassinado e diante do qual fiquei tantas vezes em manifestações políticas. Não havia mais nada. Era aquele silêncio. Eu, então, senti saudade daqueles tempos. Agora, tudo está tranquilo, mas falta o fogo, a luta pelo mundo melhor e pela transformação! A gente nunca está contente”.
“De repente, estou de novo diante daquele prédio – e não ficou nada do que aconteceu lá. O porteiro que me recebe não sabe quem sou nem sabe que morei ali. A escada é a mesma, os degraus são os mesmos. Mas não têm nenhuma marca de mim ou do que aconteceu. Da mesma maneira que diante do La Moneda, falei assim: mas cadê aquelas coisas que aconteceram aqui ? Cadê a tragédia ? Cadê o drama humano ? Apagou tudo! Por um lado, tudo bem: o Chile agora é muito mais feliz do que naquele momento. Mas é uma coisa contraditória. Porque a gente vê que nós, na verdade, é que carregamos as coisas conosco”.
“Fui ao prédio onde morei, na avenida Providência. Era diferente. Não reconheci. A sensação que dá é essa: as paredes, as ruas não guardam nada da gente. É como se nada tivesse acontecido ! Está tudo em minha cabeça. É tudo memória minha. As paredes, os prédios, as ruas são indiferentes ao que a gente faz, ao que a gente pensou, sofreu e chorou. Tudo se apaga”.
Ferreira Gullar é um poetaço.
Um trecho do belo “A Vida Bate” :
“Alguns viajam:
vão a Nova York,
a Santiago do Chile.
Outros ficam
mesmo na Rua da Alfândega,
detrás de balcões e de guichês.
Vista do alto,
com seus bairros e ruas e avenidas,
a cidade é o refúgio do homem,
pertence a todos e a ninguém.
São pessoas que passam sem falar
e estão cheias de vozes
e ruínas.
És Antônio ?
És Francisco ?
És Mariana ?
Onde escondeste o verde
clarão dos dias?
E passamos
carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate.
Subterraneamente,
a vida bate.
Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as penas da lei,
em teu pulso,
a vida bate.
E é essa clandestina esperança
misturada ao sal do mar
que me sustenta
esta tarde
debruçado à janela de meu quarto em Ipanema
na América Latina”

Posted by geneton at 11:30 AM

outubro 08, 2014

A ESCRITORA ROSA DESCOBRE NUMA BALEIA O GRANDE SEGREDO DAS PALAVRAS: "DISPARAMOS PALAVRAS CONTRA A MORTE - MAS O TEMPO É UM DRAGÃO DE PELE IMPENETRÁVEL QUE DEVORA TUDO".

O nome : Rosa. É assim que se chama a mulher que telefona para a redação tarde da noite à procura de um repórter. Quer dar uma notícia sobre "a aparição de uma baleia". O repórter suspira, desalentado: a mulher - que fala com sotaque espanhol - deve ser uma dessas loucas que escrevem cartas para as redações ou ligam de madrugada para dar notícias absurdas sobre profecias, iluminações, códigos, conspirações, segredos.

O sotaque só serve para agravar a suspeita: o espanhol é a língua preferida por cartomantes que inventam nomes e carregam no sotaque para impressionar os desesperados que as procuram.
Rosa insiste: a notícia sobre a aparição da baleia merece ser ouvida porque é algo "sumamente importante". A entrevista fica marcada para o dia seguinte, num lugar improvável : um banco de praça. Rosa chega na hora marcada: meio-dia ( Noto que os cabelos pretos estão penteados como se, numa subversão absurda do calendário, ela estivesse posando, hoje, para uma foto que já nasce amarelada, num álbum dos anos setenta. Aquele corte de cabelo um dia foi chamado de Pigmalião. Virou febre, nos anos setenta, não em homenagem ao escultor da mitologia, mas porque era usado por uma atriz numa novelinha medíocre das sete da noite. Ah, o implacável poder simplificador da televisão...)
Rosa se move com gestos rápidos. Informa a idade: 56 anos. Traz, nas mãos, um livro em que, na capa, a imagem de uma menina de vestido rosa se sobrepõe a uma velha foto de família. Os outros nove personagens retratados na capa estão em preto-e-branco. Só a menina ganhou a graça da cor.
Noto um detalhe banal: o título do livro que ela traz para a entrevista tem doze letras. Por um segundo, cedo às tentações da superstição: são doze os apóstolos, são doze os signos, são doze os meses do ano, são doze as horas que dividem as duas metades do dia. As doze letras do título terão algum significado? Não! - repreendo-me, em silêncio. Toda superstição é idiota.
Não há tempo a perder. Pergunto como foi, afinal, a aparição da baleia. Por que diabos a aparição de um animal terá sido tão aterradora, tão reveladora e tão importante? Rosa move a cabeça em direção ao gravador que seguro nas mãos. Não quer que o alvoroço do barulho de carros na rua e de crianças na praça encubra o que ela vai falar:
- "De repente, sem nenhum aviso, aconteceu. Um estampido aterrador agitou o mar ao nosso lado: era um jato d´água, o jato de uma baleia, poderoso, enorme, espumante, uma voragem que nos encharcou e fez o Pacífico ferver em torno de nós. E o ruído, aquele som incrível, aquele bramido primordial, uma respiração oceânica, o alento do mundo. Essa sensação foi a primeira: ensurdecedora, ofuscante; e, imediatamente depois, emergiu a baleia. Primeiro, emergiu o focinho, que logo depois tornou a se meter debaixo d´água;e depois veio deslizando todo o resto, numa onda imensa, num colossal arco de carne sobre a superfície, carne e mais carne, brilhante e escura, emborrachada e ao mesmo tempo pétrea, e num determinado momento passou o olho, um olho redondo e inteligente que se fixou em nós, um olhar intenso vindo do abismo. Quando já estávamos sem fôlego diante da enormidade do animal, ergueu a toda altura aquela cauda gigantesca e afundou-a com elegante lentidão na vertical; e, em todo esse deslocamento do seu corpo tremendo, não fez qualquer marola, não provocou a menor salpicadura nem emitiu nenhum ruído além do suave cicio de sua carne monumental acariciando a água. Quando desapareceu, imediatamente depois de ter mergulhado, foi como se nunca houvesse estado ali".
Rosa fala sem tomar fôlego. Diz que a aparição da baleia pode significar para todos o que significou para ela: a descoberta do Cálice Sagrado, a visão inesquecível que lhe abriu as portas para desvendar o Grande Segredo das Palavras, esta obsessão que há séculos mobiliza tanta gente:
- "Com a escrita é a mesma coisa: muitas vezes, você intui que o segredo do universo está do outro lado da ponta dos seus dedos, uma catarata de palavras perfeitas, a obra essencial que dá sentido a tudo. Você está no próprio limiar da criação, e em sua cabeça eclodem tramas admiráveis, romances imensos, baleias grandiosas que só revelam o relâmpago do seu dorso molhado, ou melhor, fragmentos desse dorso, pedaços dessa baleia, migalhas de beleza que permitem intuir a beleza insuportável do animal inteiro ;mas em seguida, antes de você ter tempo de fazer alguma coisa, antes de poder calcular seu volume e sua forma, antes de entender o sentido do seu olhar perfurante, a prodigiosa besta submerge e o mundo fica quieto e surdo e tão vazio".
Pergunto: o que fazer com as palavras, depois da revelação de que elas, no fim, não conseguirão desvendar a "beleza insuportável" do grande animal ? Que utilidade elas terão ?
-"Disparamos palavras contra a morte, como arqueiros de cima das ameias de um castelo em ruínas. Mas o tempo é um dragão de pele impenetrável que devora tudo. Ninguém vai se lembrar da maioria de nós dentro de alguns séculos: para todos os efeitos, será como se não houvéssemos existido. O esquecimento absoluto daqueles que nos precederam é um manto pesado, é a derrota com a qual nascemos e para a qual nos dirigimos. É o nosso pecado original".
Se a batalha contra esse "dragão de pele impenetrável" um dia estará perdida, por que, então, insistir na tarefa de erguer barricadas com as palavras ?
- "Isto é a escrita: o esforço de transcender a individualidade e a miséria humana, a ânsia de nos unir aos outros num todo, o desejo de sobrepor-nos à escuridão, à dor, ao caos, à morte".
Você diz que escolheu escrever romances para participar dessa batalha. Por que essa escolha ?
"Escrever romances implica atrever-se a completar o monumental percurso que tira você de si mesmo e permite se ver no convento, no mundo, no todo. E, depois de fazer esse esforço supremo de entendimento, depois de quase tocar por um instante na visão que completa e fulmina, regressamos mancando para nossa cela, para o encerro de nossa estreita individualidade, e tentamos nos resignar a morrer".
A fita termina. Rosa soletra o sobrenome : Montero, sem "i". Rosa Montero. Deixa de presente o livro com o título de doze letras ("A Louca da Casa").
Despede-se com um leve meneio de cabeça. Começa a caminhar em direção ao portão de ferro que, à noite, protegerá a praça da invasão dos mendigos. Dá meia volta, pede para o repórter checar se o gravador funcionou. Fica aliviada quando vê que as pilhas funcionaram, sim. "Gravou tudo", digo. "Por supuesto", ela responde.
E vai embora.
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PS: Tanto os encontros com a escritora espanhola Rosa Montero quanto as perguntas da entrevista são imaginários. Mas as respostas da escritora sobre as baleias e as palavras são verdadeiras: foram extraídas do livro "A Louca da Casa", publicado no Brasil pela Ediouro. Recomendadíssimo.

Posted by geneton at 11:59 AM

outubro 07, 2014

CENAS BRASILEIRAS: BOCA DE ÁLCOOL, BOCA DE URNA. E "HAVIA O POVO NA TARDE"

A caminho da seção eleitoral, passo em frente a uma birosca batizada com um nome genial, na Cruzada São Sebastião, no Leblon: "Boca de Álcool". O nome estava escrito a mão, num pedaço de papelão que pendia numa grade. A boca estava fechada hoje, dia de votar. ( Fico imaginando: quantos milhões de reais um publicitário não cobraria para inventar um nome tão simples, tão sugestivo e tão bem humorado - uma brincadeira com "Boca de Fumo"? O "marqueteiro" da Cruzada criou de graça ).
Enfrento uma pequena odisseia. A escola em que votava fechou. Vou a um novo endereço, indicado num site - a dez quarteirões de distância. Chego lá, nada de urna. Um guarda, na calçada, entretido com o celular, avisa: "Veio uma galera procurando a seção, mas não é aqui". Onde é, então? "Não sei informar". E volta ao celular, alheio aos movimentos da galera. Um fiscal informa que a zona, na verdade, mudou para um banco. Volto dez quarteirões. ( depois, descubro que o site que consultei trata da eleição para o Conselho Tutelar...).
Consigo votar. Cruzo, na fila de votantes, com um conterrâneo: Alceu Valença. Fica brincando com sotaque "estrangeirado" que de vez em quando ouve no Leblon.
Dou por encerrada a pequena aventura eleitoral.
"E havia o povo na tarde / e havia o povo na tarde", como naquela música bonita, com jeito de aboio:
http://goo.gl/CIG7jL
Agora, depois de descobrir a Boca de Álcool, é esperar pela Boca de Urna.

Posted by geneton at 11:32 AM

outubro 06, 2014

E SE HOUVESSE OUTRA ELEIÇÃO AMANHÃ?

Se houvesse amanhã de manhã uma eleição direta para escolha de livros inesquecíveis, eu iria à urna para votar em "A Montanha Mágica", "O Leopardo", "Quarup" e, sim, "O Romance d´A Pedra do Reino".
Se houvesse uma eleição para a mulher mais bonita que já apareceu numa tela, eu votaria em Charlotte Rampling naquele filme de Woody Allen, "Stardust Memories":
http://goo.gl/J71klB
Se houvesse eleição para a visão mais esplendorosa que já tive, eu votaria naquele fim de madrugada em que, perdido, entrei numa ruela em Veneza e deparei com a Praça de São Marcos deserta e iluminada pelos primeiros raios avermelhados da manhã. Os ornamentos dourados da torre da Basílica de São Marcos cintilavam. Meu peito descrente deu uma fraquejada: deve haver alguma força maior por trás de tanta beleza.
Se houvesse eleição direta para a cena mais saudosa, eu votaria naquela em que vi Olinda se distanciando pelo espelho retrovisor do meu velho Fusca azul, também numa madrugada, às vésperas de uma partida que se revelaria definitiva, enquanto o rádio tocava, casualmente, "Canteiros":
http://goo.gl/cit5Sl
Se houvesse uma eleição para o melhor disco de música pop que já ouvi, eu votaria, sem reservas, em Abbey Road. Se fosse para escolher uma faixa, eu votaria em Golden Slumbers ( "Boy/ você vai carregar este peso por um longo tempo") :
http://goo.gl/VhLfsL
Se houvesse uma eleição para o post mais inútil do Facebook, eu votaria neste e daria por encerrados os trabalhos.

Posted by geneton at 11:31 AM

outubro 04, 2014

...E, NEM FAZ TANTO TEMPO, A ESCOLHA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA PODIA DEPENDER DA VONTADE DE UM SÓ HOMEM ( AQUI, UM GENERAL EMITE SINAIS PARA UM CORONEL ). LONGA VIDA ÀS URNAS!

O tempo voa: já faz um quarto de século que o Brasil voltou a ter eleições diretas para a Presidência da República, depois do apagão verde-oliva! É hora da sétima eleição pós-redemocratização. ( O Brasil, como se sabe, votou em 1989, em 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 ).
A história do tempo em que a escolha do Presidente podia eventualmente depender da vontade de um só homem continua a ser contada. É tarefa que dura décadas.
Aqui, um relato sobre uma cena dos bastidores do poder de um tempo em que Presidentes eram escolhidos no quartel: o dia em que o general Médici disse que queria “passar o bastão” para Jarbas Passarinho:

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Bato na porta da casa de um personagem que poderia ter sido presidente da República durante o regime militar.
( Aos que desembarcaram ontem no Planeta Brasil: nem faz tanto tempo, a escolha do nome de quem ocuparia o posto de presidente da República não era tarefa dos milhões de eleitores. Dependia da vontade de um fechadíssimo colegiado de militares. O Congresso Nacional apenas referendava o nome de quem já tinha sido escolhido nos quartéis).
Quando o marechal Costa e Silva morreu, em 1969, o nome do coronel da reserva Jarbas Passarinho chegou a ser cogitado para sucedê-lo na Presidência da República.
Quem resolveu botar o nome de Passarinho na roda foi um general que, por coincidência, viria a ser o ungido: Emílio Garrastazu Médici. Coronel da reserva, Passarinho ocupava o Ministério do Trabalho no governo Costa e Silva.
O plano de Médici – o de submeter o nome do coronel da reserva Jarbas Passarinho ao crivo do colegiado verde-oliva como possível sucessor de Costa e Silva - não prosperou. Quando, por fim, foi indicado para a Presidência, o general Médici nomeou Passarinho para o Ministério da Educação. Em resumo: o homem que Médici queria ver na presidência terminou virando ministro do próprio Médici. Adiante,o general emitiria outro sinal de que queria ver Passarinho na Presidência.
Quem descreve estas cenas de um tempo em que voto popular para Presidência era um luxo inalcançável é o homem que esteve no centro destas cenas de bastidores do poder militar.
Ei-lo: o ex-ministro, ex-senador e ex-governador Jarbas Passarinho mora no fim de uma rua de pouquíssimo movimento no Lago Norte, em Brasília.
Solitário, contempla os livros da biblioteca abarrotada. Lá estão volumes e volumes de memória política e militar de personagens de todos os “matizes ideológicos”. Aqui, a ex-dama de ferro britânica Margareth Thatcher se mistura com o trotskista Jacob Gorender, autor de um volume que passa em revista a luta armada contra a ditadura militar.
Nossa expedição ao refúgio do ex-ministro rendeu um programa, o DOSSIÊ GLOBONEWS. Tive o cuidado de levar para a entrevista o áudio da famosa reunião em que o regime militar decretou o AI-5, no dia 13 de dezembro de 1968. Ao justificar por que estava votando a favor do ato, o então ministro Passarinho fez, naquela sexta-feira aziaga de 1968, duas declarações marcantes. Primeiro, admitiu, sem meias palavras, que o país estava mergulhando numa ditadura. Em seguida, disse que mandava “às favas” todos os “escrúpulos de consciência”. Tanto tempo depois, o ministro ouviu, circunspecto, a gravação. Disse que, sob circunstâncias idênticas, assinaria de novo o ato, porque os chefes militares o convenceram de que, dentro da normalidade democrática, não conseguiriam manter a ordem. Certo de que,um dia, seria cobrado por ter assinado um ato que teria um efeito devastador sobre a democracia, Passarinho teve o cuidado de fazer um bilhete manuscrito, endereçado à mulher - D. Ruth – e ao filho mais velho.
Dias depois, voltei a procurá-lo, para que ele descrevesse cenas que não chegaram a ser abordadas na gravação para a TV : o dia em que o general Médici emitiu um sinal de que queria ver Jarbas Passarinho entronizado no Palácio do Planalto.
A gravação:
O senhor foi cotado para suceder o presidente Costa e Silva. Em algum momento, o general Médici tratou com o senhor sobre este assunto ?
Jarbas Passarinho: “Daniel Krieger (senador pelo Rio Grande do Sul) conta que, quando Médici comandava o III Exército, o chamou a Porto Alegre para dizer que gostaria de levar ao comando uma chapa para a sucessão de Costa e Silva. A chapa que Médici submetia a Krieger seria: eu para a presidência da República e Daniel Krieger para a vice.
Num ato de extrema dignidade, Krieger, que era nosso guru político, concordou. Eu tinha passado pouco tempo no Senado naquele tempo, porque fui logo para o ministério. Médici trouxe a sugestão. E não foi bem sucedido na proposta de apresentar esta chapa ao colégio eleitoral”.
A chapa não foi bem sucedida porque o senhor não era general : era apenas coronel ?
Jarbas Passarinho: “A cena é atribuída a um dos generais mais prestigiosos – que disse: “Gosto muito de Passarinho, mas não bato continência para coronel”…Isso foi muito falado – e nunca admitido”.
A frase é atribuída ao general Orlando Geisel…
Passarinho: “A frase foi atribuída a ele, mas não confirmada….”
Em algum momento na sucessão de Costa e Silva o general Médici chegou a falar com o senhor ou só falou com o senador Daniel Krieger ?
Passarinho: “O general Médici falou com Krieger, mas também com o Estado Maior do III Exército,em Porto Alegre. O coronel Hestel,membro do Estado Maior, me comunicou que o general Médici tinha dito a eles que iria fazer a proposta”.
Obviamente, a possibilidade de ser presidente da República lhe passou pela cabeça. O senhor chegou a pensar no que faria ?
Passarinho: “Não cheguei, talvez porque tivesse chegado, quase tranquilamente, à conclusão de que era, no caso da sucessão de Costa e Silva, o momento era muito prematuro para mim. Já no caso da sucessão do próprio Médici, ele teve uma palavra que fica comigo. Vim dos Estados Unidos, onde estava numa reunião dos ministros do trabalho das Américas. Médici me recebeu na Ilha do Governador, no Rio, onde estava preparando o governo. Neste momento, ele mostrou claramente, com palavras, algo que tenho guardado comigo….”
Ou seja: ele citou o senhor como o possível sucessor ?
Passarinho: “Houve um fato concreto: Médici estava fumando. Acabou de fumar. Enrolou o que restou do cigarro no maço e me passou aquilo. Como eu não fumava, na hora não entendi o gesto. Médici, então, me disse: “Quero lhe passar o bastão”. O governo Médici não tinha nem começado! Àquela altura, sete dos generais da minha turma já tinham as quatro estrelas. Hélio Fernandes tinha dito,na Tribuna da Imprensa, que eu não era benquisto. Os sete generais, então, escreveram uma carta em que falavam, claríssimamente, sobre o apoio que me davam”.
A cena do cigarro foi a última vez em que ele insinuou que o senhor poderia ser indicado ?
Passarinho: “Sim. Seis meses depois, numa conversa com Médici, eu disse: “Presidente, tenho muitas dificuldades, entre nós mesmos…”. E ele fez com a cabeça um sinal de “sim”, sem dar uma palavra”.
As “diferenças” eram militares ?
Passarinho: “Não. Eu não sentia diferenças militares, porque nunca senti agressão neste sentido. O Exército sempre foi muito honroso para mim, o tempo todo, em todas as funções posteriores que exerci. Deu-me o título de professor emérito da Escola do Estado Maior e o diploma de doutor em ciências militares”.
As diferenças eram políticas, então. Havia grupos que não queriam que a candidatura Passarinho prosperasse. Que grupos eram esses ?
Passarinho: “Não identifiquei. Quando falei com o Presidente Médici, sabia que havia resistências a mim. Chegaram a pensar que eu era “infiltrado” na Revolução….”
Quanto à frase atribuída ao general Orlando Geisel – de que não bateria continência para um coronel : vem daí a distância do senhor em relação ao presidente Geisel ?
Passarinho : “A distância minha com Geisel era muito marcada porque o gabinete, chefiado na Casa Civil pelo general Golbery, tinha, contra mim, argumentos políticos que envolviam o Pará. Defendiam o rapaz que foi meu aluno, meu cadete e, depois, meu tenente, com quem fui capitão e com quem eu tinha rompido- o tal do Alacid ( Passarinho refere-se a Alacid Nunes – que foi indicado pelo general Geisel,em 1978, para governar o Pará). O general Moraes Rego, meu colega na Escola Preparatória de Cadetes, em Porto Alegre, também era deste grupo – que procurava me atingir de qualquer maneira, ainda que sem nenhum motivo. Não apresentavam nenhum fato real. Era apenas : “Não cabe, não tem sentido” . De qualquer maneira, não fiz nada no sentido de voltar ao governo do Pará. Não tinha nenhuma aspiração. O meu desejo era ficar junto com os meus. Não iria me separar da família aqui em Brasília. Fui, então, deslocado para o posto de líder do governo Figueiredo. O presidente Geisel,numa carta que tenho, diz que não teve nada com a escolha,mas que compreendeu que minha ida para o governo Figueiredo era muito mais importante. O “ciclo militar”, aliás, já estava declinante. Chamo de “ciclo”. Regime militar o que conheci no Peru. Quando fui lá, em visita oficial, o general Alvarado começou o discurso dizendo assim: “O governo das Forças Armadas e do povo do Peru”. Isso é que entendi como governo militar”.
O principal motivo,nos anos dos governos militares, foi, afinal, o fato de a patente do senhor não ser a de general ?
Passarinho: “Nunca foi confirmada nem nunca foi desmentida esta história de que Orlando Geisel teria dito que não bateria continência para coronel. Orlando Geisel me tratava muitíssimo bem, diferente do Ernesto Geisel- que tinha reservas que membros do gabinete constituíram…Quando já estávamos no governo Figueiredo, Golbery me disse : “Eu não podia comparar Alacid com vosmicê”…Golbery tinha a mania de chamar os outros de “vosmicê”. Mas disse que foi subordinado do general Cordeiro de Farias. E Cordeiro era inteiramente ligado a Alacid – que foi ajudante de ordens…”.
O fato de não ter sido,no final das contas, Presidente da República virou uma frustração para o senhor ?
Passarinho: “Digo, com absoluta sinceridade, que não virou”.
( entrevista gravada em 2010 )

Posted by geneton at 11:33 AM

outubro 03, 2014

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO - CAPÍTULO 5 E ÚLTIMO

É uma ilusão achar que o jornalismo vai melhorar o mundo- mas, se você não tiver essa ilusão, é melhor desistir. Ter uma atitude entediada diante do trabalho é desastroso para você, para o leitor, para o telespectador, para o internauta, para o ouvinte, para o jornalismo e para o Brasil. ( OU: DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO - CAPÍTULO 5 E ÚLTIMO)
( Depoimento colhido por alunas do curso de jornalismo da Universidade do Povo/ SP e publicado num livro que reúne entrevistas de quinze repórteres brasileiros sobre a profissão:
http://goo.gl/cQQwaB
É longo. Republicado, aqui, "em capítulos", como uma pequena contribuição a estudantes eventualmente interessados no que diz um quase-dinossauro:
Gravando! ):

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Você pediu à ex-primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher para ela se definir em uma palavra. Como você se define em uma palavra?
GMN: "Iludido. É uma ilusão achar que o jornalismo vai melhorar o mundo, mas, se você não tiver essa ilusão, é melhor desistir. As grandes ilusões é que movem o mundo. Sempre foi assim. Se a gente se prender estritamente à banalidade do real, não fará nada. Prefiro tentar ver o que se esconde atrás da linha do horizonte.
Com o tempo, você vai conquistando o equilíbrio entre a ilusão e a realidade. Tantas vezes, você acha, ingenuamente, que vai abalar a República. Depois, percebe que não abala nada. Você chega à seguinte conclusão: se uma matéria que você fez conseguir mexer com apenas uma pessoa, já estará de bom tamanho.
O que você não pode é ter uma atitude entediada diante do trabalho. Isso é desastroso para você, para o leitor, para o telespectador, para o internauta, para o ouvinte, para o jornalismo e para o Brasil. Prefiro ser iludido.
Declaro-me oficialmente em estado de rebelião permanente contra essa mentalidade burocrática do jornalismo. Isso pode não ter a menor importância para ninguém, mas, para mim, tem. Ou você mantém a ilusão ou você morre. De resto, desconfio que, no fundo, o que me move a me dedicar ao jornalismo é um certo e difuso sentimento de solidariedade para com os outros. É como Paulo Francis disse um dia: "A morte é uma piada. A vida é uma tragédia. Mas, dentro de nós, mesmo no maior desespero, há uma força que clama por coisas melhores". Eu acrescentaria: a minha força - pequena, pequeníssima - clama por um jornalismo melhor. Por que não? Posso fazer chegar ao público informações que de alguma maneira sejam úteis e lancem uma ou outra luz sobre o absurdo da vida. É minha maneira de ser solidário com meus semelhantes, com meus pobres sonhos e com meu país".
Como você se descobriu jornalista?
GMN: "Ainda não me descobri. O “pior” é que essa brincadeira já dura 40 anos. É inacreditável que ainda hoje eu tenha dúvidas sobre o jornalismo. Eu tinha que ter resolvido essa questão há muito tempo ou abandonado logo a área. Isso de vez em quando me incomoda.
Não tive nenhuma influência familiar para ser jornalista. Meu pai era agrônomo e fazendeiro. Minha mãe foi professora. Digo - brincando - que a primeira manifestação “clínica” que eu tive do jornalismo aconteceu quando era criança. Nem sonhava em ser jornalista, mas me lembro de que ficava no muro da minha casa, no bairro da Torre, no Recife, com um caderno em que anotava a placa dos carros que passavam na rua. Anos depois, fiquei pensando se já estava com essa “doença” em mim...
Quando tinha 13 anos, comecei a escrever algumas coisas. Imagine a qualidade dos textos! [risos]. Uma prima do meu pai mandou esses textos para o suplemento infantil do Diário de Pernambuco. Os textos começaram a ser publicados no suplemento infantil do jornal, mas nem passava pela minha cabeça fazer jornalismo profissionalmente".

Como foi esse início no Diário de Pernambuco?
GMN: "Depois que esses textos começaram a ser publicados no suplemento, fui chamado para ir à redação. Um jornalista do Diário leu meus textos e duvidou: “Deve ser o pai quem escreve essas coisas. Chama ele aqui”. Eu tinha 15 anos de idade. Era a primeira vez que eu pisava num jornal. Vou me lembrar para sempre do cheiro, das máquinas, daquela fumaceira na redação. Todo mundo fumava.
Uma das primeiras reportagens que fiz me deu uma lição definitiva. O diretor do Diário, um jornalista vibrador chamado Antônio Camelo, me mandou fazer uma matéria no Hospital da Tamarineira [nome popular do Hospital Ulysses Pernambucano, em Recife]: “Entre lá, pule o muro, diga que você tem uma irmã internada, invente qualquer coisa. Quero uma reportagem lá!”, ele me disse. Naquela petulância típica dos 16 anos de idade, eu disse a ele: “Deixe comigo!”.
Quando chegamos ao hospital, o fotógrafo ficou do lado de fora. Entrei sozinho e me misturei aos pacientes. Digo – brincando - que ninguém notou que eu não era um paciente! Só aí já haveria assunto para dez anos de psicanálise. Os pacientes disseram: “A comida aqui é horrível, vem pedra no meio do feijão. É tudo sem gosto”. Saí do hospital e voltei – desta vez, me apresentando como repórter e ao lado do fotógrafo. Procurei a direção do hospital. A diretora deu uma versão diferente dos fatos: “Aqui, nós temos uma equipe de nutricionistas. Segunda-feira é dia de carne; terça, peixe; quarta, frango”. Aprendi, ali, uma lição. Há sempre duas versões para um fato: a verdadeira e a oficial. Isso vale até hoje para mim. Deve valer para todos os jornalistas".

Dessa primeira fase, houve mais algum episódio que te marcou?
GMN: "Vivi uma cena que ficou meio folclórica. Se eu fosse fazer um livro de memórias, usaria esse caso no título. Eu tinha um editor-chefe, que até hoje permanece no Diário de Pernambuco, como diretor. Chama-se Gladstone Vieira Belo [atual vice-presidente do jornal]. Quando nós, repórteres, voltávamos da rua, ele ficava circulando pela redação, com as mãos para trás, olhando por cima do nosso ombro o texto que batíamos na máquina de escrever.
Um vez, eu estava querendo enfeitar um lead. Ou seja: escrever uma frase “bonita” para começar uma matéria. Gladstone olhou o texto, bateu nas minhas costas e disse, ironicamente: “O Clube da Poesia fica na rua Aurora! Aqui é a redação do Diário de Pernambuco!”.
Com certeza, eu estava cometendo, ali, alguma pérola da subliteratura universal [risos]. Ao longo da carreira, você aprende essas coisas: não querer fazer poesia, por exemplo, numa redação".
Qual matéria é considerada como divisor de águas na sua carreira?
GMN: "É difícil apontar uma em especial. Tive um encontro marcante com o Nelson Rodrigues. Eu estava lendo O Reacionário [publicado em 1977] - uma coletânea de textos brilhantes. As crônicas de Nelson Rodrigues são obras-primas - uma leitura que recomendo. Ninguém sabe usar adjetivo como ele.
Com relação à "experiência humana", a maioria das entrevistas deixa alguma coisa em você. Uma situação curiosa aconteceu quando consegui a entrevista com James Earl Ray, assassino de Martin Luther King [ativista político norte-americano, morto em 1968, que lutou em defesa dos direitos sociais para os negros e mulheres]. Tive a chance rara de entrar numa penitenciária de segurança máxima. Carimbaram as mãos da gente - a minha e a do cinegrafista Hélio Alvarez - com um código. O guarda me disse que trocam aquele código a cada dia. É para evitar que um visitante troque de lugar com um prisioneiro. O carimbo é checado na saída.
Passamos por uma sequência de portões de ferro. A porta da frente só se abria quando a detrás fechava. Chegamos a uma pequena sala, para onde o assassino foi levado. Ficamos sozinhos com ele. Eu tinha levado para a entrevista um livro que ele tinha escrito para se defender. Quando acabou a entrevista, fiquei com uma dúvida: “peço ou não autógrafo? Meu Deus, este sujeito é um assassino, matou Martin Luther King. Vou pedir um autógrafo a ele??? É o cúmulo!”. Mas terminei pedindo. Como jornalista, você vive situações que, em outras circunstâncias, jamais viveria".
A revista Realidade, ou qualquer projeto similar, teria espaço no mercado jornalístico atual ou seria uma utopia?
GMN: "Teria espaço. Eu, pelo menos, sinto falta de uma revista que trouxesse grandes reportagens, perfis, entrevistas de peso. Hoje, existe uma ou outra publicação que chega perto, como a [revista] Piauí . Quando chego a uma banca de jornal, tenho a impressão de que a gente vive a era do "jornalismo “endocrinológico”. Todas as publicações querem ensinar o leitor a emagrecer, a engordar, a fazer exercício, a começar uma dieta. Não aguento mais, pelo amor de Deus!
Não sou exatamente um saudosista, mas, quando eu estava na faculdade, havia nas bancas O Pasquim, que eu adorava, o Movimento, o Opinião, o Bondinho, várias opções interessantes. Eu me lembro da revista Status, por exemplo. Trazia mulheres nuas, mas publicava também matérias ótimas. Não faz tempo, comprei no sebo um exemplar que tinha Paulo Francis entrevistando Truman Capote [escritor americano, autor de A Sangue Frio], um conto de Gabriel García Marquez [escritor colombiano, autor do romance Cem Anos de Solidão, Nobel da Literatura, em 1982] e um artigo de Antonio Callado [jornalista, escritor, autor de Quarup].
Hoje, não vejo nada assim. Há também outro vício do jornalismo: a ideia de que os textos, para serem lidos, precisam ser necessariamente curtos. Meu documentário Canções do exílio traz um texto, lido pelo Paulo César Pereio, em que digo algo assim: “ por que tudo tem que ser despedaçado, cortado, desossado...?”. Parte-se do princípio de que ninguém quer saber de nada: tudo precisa ser telegráfico. Discordo dessa ideia. Se aparecesse uma revista de reportagem com textos aprofundados, como a Realidade, muita gente iria gostar. Um amigo meu jornalista, cineasta, chamado Amin Stepple, dizia que tinha certeza de que existia uma conspiração internacional da mediocridade. Hoje, depois de analisar friamente, estou convencido de que esta conspiração não apenas existe, mas domina tudo, não só o jornalismo".
Quais seriam as vantagens da Internet para o jornalismo?
GMN: "Em última instância, a internet dispensou a figura do editor. Se eu quiser, crio um blog agora, neste minuto, escrevo um texto do jeito que quiser e alguém pode ler em Hong Kong. É óbvio que jamais terá o alcance de um jornal impresso, mas, pelo menos, me livrei da figura do editor, uma entidade que, em alguns casos, tem um papel trágico. Nesse sentido, a Internet foi um milagre para o jornalismo.
A grande novidade também é que a Internet “dessacralizou” a figura do jornalista como único intermediário entre os fatos e o público. De certa maneira, hoje todo mundo pode fazer jornalismo. Mas é preciso atentar para algo importante: já que todo mundo vai participar dessa festa, então é preciso obedecer a algumas regras básicas. Não se pode mentir, não se pode deturpar.
Não tenho preconceito algum contra as novas mídias. Aquele modelo clássico de poucos órgãos - que falavam para todo mundo ao mesmo tempo - caiu. Houve um "estilhaçamento" radical, centenas de milhares de blogs e sites falam para públicos localizados. É uma coisa completamente estilhaçada, uma novidade. Não se sabe aonde é que vai dar. O que sabe, com certeza, é que a única coisa que salva a imprensa tradicional é a credibilidade. Eis aí um valor que vai permanecer, em meio ao vendaval. O que salva o The New York Times, por exemplo, é que no dia em que você lê uma notícia como “Bin Laden morreu” num blog, você vai correndo ao site do NY Times para ver se é verdade".

Como surgiu a ideia do documentário Canções do exílio?
GMN: "Em janeiro de 1972, Caetano Veloso voltou do exílio e fez um show no Recife, no Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães, o “Geraldão”, que ainda existe. Fui entrevistá-lo. Não lembro se foi por conta própria ou se alguém me pediu. Caetano Veloso foi a primeira pessoa famosa que entrevistei. Naquela época, entrevistei também Gilberto Gil.
Em 2010, resolvi fazer o documentário “Canções do Exílio”, porque queria pegar o depoimento dos dois hoje, quase 40 anos depois da volta do exílio, para fechar um ciclo. Em qualquer profissão - não interessa se você é jornalista ou gari, astronauta ou artesão - é preciso ter um lema, uma bandeira para seguir. Entre outras quinhentas mil bandeiras que eu poderia escolher do jornalismo, há uma que elegi pra mim: “Fazer jornalismo é produzir memória”. É minha modesta contribuição como jornalista: produzir memória para o Brasil".

Posted by geneton at 11:35 AM

E O BRASIL ESPERA PELO DIA DE VER UM CORRUPTOR ALGEMADO! É TÃO BANDIDO QUANTO O CORRUPTO!

Por fim: a coluna de política do Globo de hoje traz uma notícia que, se confirmada, é importantíssima. Diz que o ministro do STF encarregado do escândalo da Petrobrás pretende partir pra cima das empreiteiras e empresários corruptores. Não ficará apenas nos corrompidos. Se corruptores forem finalmente desmascarados e punidos, o Brasil dará um imenso passo adiante. O dinheiro que engorda as contas bancárias dos corruptos - todo mundo sabe - é público. Ou seja: é do povo. E, antes de chegar ao bolso dos corruptos, foi surrupiado pelos corruptores - em forma de superfaturamentos escandalosos em obras públicas, por exemplo. O que o corruptor faz é dividir com o corrupto o resultado do assalto à mão desarmada ao pobre do contribuinte. Por que nunca ninguém viu um corruptor algemado? Eis aí uma das dez mil perguntas brasileiras que atravessam as décadas sem resposta....

Posted by geneton at 11:34 AM

outubro 02, 2014

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO - CAPÍTULO 4

JORNALISTA NÃO PODE SER TIETE - NUNCA, JAMAIS, EM SITUAÇÃO ALGUMA ( OU: DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO -
CAPÍTULO 4)
( Depoimento colhido por alunas do curso de jornalismo da Universidade do Povo/ SP e publicado num livro que reúne entrevistas de quinze repórteres brasileiros sobre a profissão:
http://goo.gl/cQQwaB
É longo. Vou republicá-lo aqui, "em capítulos", como uma pequena contribuição a estudantes eventualmente interessados no que diz um quase-dinossauro:
Gravando! ):

Hoje em dia, nas redações, é comum o repórter realizar apurações por telefone. Qual é a sua opinião a respeito?
GMN: "Não tenho, sinceramente, preconceito contra apuração por telefone. É claro que nada substitui o contato pessoal. É muito bom entrevistar a pessoa frente a frente, olho no olho. É possível perceber as reações, os gestos, o silêncio, as pausas, as vacilações. Tudo serve como informação sobre o entrevistado. Mas fiz quinhentas mil matérias por telefone, especialmente em jornal.
Eu me lembro quando liguei na casa de uma sobrevivente do Titanic [Eva Hart, em 1992]. Gravei nossa conversa. Daria uma página de jornal. Carlos Drummond de Andrade foi o caso “mais telefônico” que eu tive [risos]. Drummond se sentia melhor falando por telefone do que pessoalmente. Eu ficava ligando para ele quando eu trabalhava no Jornal da Globo. Se não me engano, foi Ziraldo quem disse que Drummond era um ser “eminentemente telefônico”. Já o grande poeta João Cabral de Melo Neto disse que, quanto mais perto você estivesse fisicamente de Drummond, mais ele parecia distante.
Agora, quanto mais longe você estivesse, mais ele se abriria. O telefone, então, era a “arma” ideal.
Preparei um questionário com cerca de 70 perguntas: tudo o que eu queria saber sobre Drummond. Armei o gravador na minha casa, liguei e ele atendeu. Estava gravando desde que ele disse “alô”. Brinco que quebrei o sigilo telefônico do maior poeta brasileiro. Havia um pretexto para a entrevista, porque o poema “No meio do caminho” faria 60 anos em 1988. Usei esse argumento. Drummond contra-argumentou que não valia a pena lembrar desse aniversário.
Quando insisti para que ele desse a entrevista, ele disse que não daria, porque a filha estava doente no hospital. Quando perguntei se poderia ser por telefone, ele disse que poderia falar comigo naquele momento, porque estava disponível. Ao ouvir a resposta de Drummond, senti como se estivesse fazendo um gol no Maracanã [risos]. Gravei toda a entrevista. Depois, escrevi o livro Dossiê Drummond. Dezessete dias após a entrevista, Drummond morreu. Aquele longa entrevista telefônica terminou se tornando, então, uma espécie de testamento do poeta. Se eu tivesse tido a atitude de dizer “não, por telefone, não” ou “não quero, porque telefone tira a proximidade”, eu teria perdido a entrevista com Carlos Drummond de Andrade, uma das mais marcantes que fiz na vida. Transcritas, as respostas de Drummond por telefone deram duas mil linhas datilografadas.
Conclusão: se não der para fazer pessoalmente, faça por telefone, código Morse, fumaça, qualquer coisa. Isso é absolutamente secundário em alguns casos".

Você já entrevistou mestres como os escritores João Cabral de Melo Neto e Nelson Rodrigues. Foi pautado para essas entrevistas ou você mesmo escolhe seus entrevistados?
GMN: "Em 98% dos casos, tomei a iniciativa de entrevistar. Se em alguns momentos eu me deixasse levar pelo que a profissão estava me oferecendo, hoje eu estaria, certamente, fazendo uma coisa completamente diferente - e pior - do que estou fazendo.
Há algum tempo, por algum motivo, o tipo de matéria que eu sempre fiz já não encontrava espaço na TV aberta. Tomei iniciativa de ir fazer outra coisa. Bati em outra porta. Bem ou mal, o importante, para mim, é fazer reportagem e entrevista, nem que seja em "circuito fechado".
Fui para Globo News. Quanto a Drummond, tomei a iniciativa, ninguém me pediu para fazer. Idem no caso do Rubem Fonseca, que detestava jornalista. Uma amiga minha havia me dito que Rubem Fonseca faria uma conferência em Paris. Fui até a conferência e o abordei. Rubem Fonseca disse que não daria entrevista. Ainda brincou: disse que era tímido. Insisti, mas vi que ele não daria. Então, ele me disse: “Grave o que eu vou falar. Depois, você faz o que quiser”.
Gravei toda a conferência. Voltei para o Brasil, transcrevi a fala, que era um depoimento biográfico em primeira pessoa. Ninguém me pediu para fazer. Deixei o texto pronto na portaria do Jornal do Brasil, endereçado a Zuenir Ventura, que eu não conhecia pessoalmente. Avisei que era um depoimento do Rubem Fonseca. Zuenir terminou contando esta história no livro de memórias que publicou. Disse que, quando a secretária lhe disse que um repórter chamado Geneton tinha deixado uma matéria com Rubem Fonseca, pensou: “Isso não deve ser verdade. Primeiro: Rubem Fonseca não fala. Segundo: não pode existir alguém chamado ‘Geneton’, ainda mais Neto. Quer dizer que existem três Genetons? O pai, o filho e o neto? Impossível!” [risos]. Virou "folclore".
Não existem, na verdade, três "Genetons" na família, mas dois: meu avô e eu...De qualquer maneira, quando pegou a reportagem que deixei no JB, endereçada a ele, Zuenir viu que era verdade. Publicou aquilo sem mudar uma vírgula. Quando o Rubens Fonseca ficou sabendo do texto, levou um susto. Não acreditava [risos]. O caso me motivou a ir atrás de Carlos Drummond de Andrade. É o que eu digo: ou você toma iniciativa ou fica esperando que as coisas caiam do céu. É melhor você entrar em campo".

Você comentou há pouco que gostaria de ter entrevistado o ex-presidente George Bush. Por quê?
GMN: "Para entender essa mentalidade meio “fundamentalista” americana. Teria curiosidade de falar sobre o Iraque, as dúvidas que vão ficar, a decisão de invadir o país. Entrevistei um assessor do Bush e ele me explicou algumas coisas a respeito, mas, em última instância, como a decisão é sempre do presidente, seria interessante falar com o próprio Bush. Poderia ser por telefone, se ele não quisesse pessoalmente..."
Qual pergunta direta você faria para o Bush, por exemplo?
GMN: “O senhor se arrepende da decisão de ter invadido o Iraque?” Poderia ser um bom começo ou não, porque o melhor é deixar as perguntas mais incômodas para o final".
Então, o melhor é deixar as perguntas incômodas para o final... Já passou por alguma experiência, durante uma entrevista, que gerou uma reação surpreendente?
GMN: "É melhor começar com assuntos mais leves, até que tenha construído um clima para as perguntas mais incisivas. Mas nem sempre é assim. Quando fiz uma primeira entrevista com o [ex-presidente Fernando] Collor, resolvi iniciar com algumas opiniões que Pedro Collor tinha dito sobre ele. Pedro Collor tinha falado: “Fernando era predestinado, inteligente, carismático, comunicativo, demagogo, irresponsável, ambicioso, vingativo e ganancioso”. Então, comecei a entrevista dizendo ao ex-presidente: “o senhor é predestinado, inteligente [...] vingativo e ganancioso”. E ele só me olhando [risos]. Então, completei: “São palavras do seu irmão”. Aquilo criou um clima tenso a princípio, mas terminou com ele reagindo bem à entrevista.
É difícil lembrar totalmente, mas já houve caso de eu tocar num assunto e o entrevistado não gostar. A entrevista mexe um pouco com a vaidade do entrevistado. Há várias estratégias que podem ser usadas numa entrevista. Se há alguma coisa que mexe com o ego do entrevistado, como um elogio que alguém fez sobre ele, você pode usar numa pergunta para deixar o entrevistado mais à vontade. Assim, depois, você pode fazer as perguntas mais duras. Mas a regra geral é basicamente essa: deixar as perguntas mais incômodas para o final. Isso funciona sempre".
Analisando seu jeito de entrevistar, percebemos que você costuma fazer perguntas que exigem respostas descritivas do entrevistado. Por exemplo, em 2011, na entrevista com Ethan McCord, ex-soldado americano que atuou na guerra do Iraque e foi repreendido pelo Exército dos EUA por salvar crianças durante um bombardeio, você fez a seguinte pergunta: “como era um dia típico na guerra?”. Isso é proposital?
GMN: "As entrevistas descritivas são as que rendem mais em televisão. Posso citar vários casos. Um exemplo é o do ex-senador Paulo Brossard. Fiz uma entrevista recentemente com ele. Pedi que ele descrevesse o dia em que José Sarney iria renunciar à presidência da República. E ele contou: “Cheguei ao gabinete, Sarney disse que iria renunciar. Fiquei perplexo”. Dá quase pra ver a cena. É o tipo de descrição que pode virar, também, um documento.
Sobre o caso do soldado americano: a entrevista ficou forte porque ele foi "descritivo". Disse que se aproximou da van e viu a menina ferida lá dentro. Isso dá uma dramaticidade que dispensa adjetivos: é uma coisa factual. O jornalismo precisa se render à força avassaladora dos fatos. Gosto de entrevistas que são essencialmente descritivas, mais do que as opinativas. É uma escolha que faço.
A entrevista pode render mais se o entrevistado se preocupar mais com a descrição do que com a opinião. É o que aconteceu com Newton Cruz, por exemplo. Durante a entrevista, ele deu opiniões, mas descreveu com detalhes cenas dos bastidores da noite em que aconteceu o atentado ao Riocentro. Nesta hora, jornalismo pode produzir um documento, o tal "primeiro rascunho da História". Tenho uma obsessão com essa capacidade do jornalismo de produzir memória".
Já aconteceu alguma situação embaraçosa durante as entrevistas?
GMN: "Fiquei em uma situação meio deselegante em relação ao caso que o repórter Carl Bernstein teve com a atriz Elizabeth Taylor. Perguntei se ela não era "velha demais" para ele. Percebi que ele ficou no limite [risos].
Já levei até um fora uma vez, mas desse eu gostei, porque não foi agressivo. Aconteceu com Charlotte Rampling, aquela atriz inglesa. Quando eu tinha 17 anos, era Deus e ela para mim. Sempre achei Charlotte Rampling linda. Quando ela esteve no Rio para um festival, arrumaram uma entrevista para o Fantástico. Fui fazer. Ela tem aquela elegância inglesa, é meio lady, admirável. Uma das coisas interessantes é que ela se recusa a fazer operação plástica. É uma postura louvável. É linda até hoje, mas poderia ser uma daquelas peruas siliconadas.
Durante a entrevista, perguntei: “você se sente discriminada por essa indústria da juventude, pelo fato de assumir a idade?” E ela me rebateu: “Discriminada...como?”. Falei: “Pelo fato de você...”. Irritada, ela nem esperou que eu completasse: “mas por que você me pergunta isso?” Deixamos essa parte no ar na entrevista da Globo News. Ao final, ela se levantou e eu agradeci.
A cena genial aconteceu quando ela estava saindo da sala. O cinegrafista continuou gravando. Ela me disse : “See you next time” [Vejo você na próxima vez]. Um segundo depois, virou para trás e disse: “Maybe...”[talvez]. E foi embora. Num estilo inglês, ela estava me dizendo, na verdade: “Nunca mais!”. Isso é que é ser elegante!
Houve quem achasse que fui meio deselegante com ela por tocar no assunto da idade, mas a entrevista rendeu bem justamente por essa razão. É muito melhor que ficar dizendo: “ah, você é linda. Você continua muito bonita”. Eu me esforço tremendamente para não passar recibo de admirador. Jornalista não pode ser tiete".
Muita gente opta pelo jornalismo pelo glamour que a carreira pode oferecer. Qual é a sua opinião a respeito?
GMN: "Jornalista convive com celebridades. Mas, se achar que pertence àquele mundo, estará morto como jornalista. Uma cena surrealista que passei, por exemplo, foi com o ex-presidente Collor. A imagem que sempre tive é aquela dos tempos em que ele era presidente: todo pomposo, descia a rampa do Palácio do Planalto, em Brasília.
Quando acabou a entrevista, em Maceió, para aquela série sobre ex-presidentes que fiz para o Fantástico, ele desceu com a gente até o carro, na maior simplicidade. Só não pegou o equipamento do cinegrafista porque não pedimos. Começamos a conversar sobre a revista Realidade. Ele dizendo: “Gostava muito da Realidade, me lembro do Pelé na capa”. Situações assim oferecem um risco ao jornalista: o de se achar “íntimo” de celebridades. Mas é preciso separar drasticamente as coisas".
Você costuma afirmar que no Brasil não há uma tradição de prosa clara, de um texto plenamente compreensível. Por quê?
GMN: "Estou citando Paulo Francis [1930-1997] - que fez essa afirmação em um encontro na Folha de São Paulo. Francis lamentava o fato de o Brasil não ter criado uma tradição de texto claro, ou seja, "uma prosa clara e instruída". Ainda vivemos o equívoco de achar que escrever difícil é escrever bem, mas é exatamente o contrário.
O próprio texto do Paulo Francis é um belo exemplo de como escrever simples e bem, independentemente de você concordar ou não com o que Paulo Francis dizia. O texto era arrebatador.
Em televisão, a falta de clareza é muito mais grave. Em jornal, você pode reler uma frase que não entendeu, mas a TV não lhe dá essa chance.
O próprio Paulo Francis escreveu: “Nossa imprensa: chata, previsível e empolada. Como é chata, meu Deus!”. Dou toda a razão a ele. Se você pegar um texto jornalístico de Paulo Francis e comparar com o que se vê corriqueiramente nos jornais, notará em cinco segundos a diferença. Não é possível começar cinco parágrafos de uma matéria com “segundo ele”. Eis aí um exemplo da chatice! O texto dá tédio. Depois, os jornais ficam reclamando que estão perdendo leitores...
Falo como leitor: outro problema é a falta aguda de criatividade. Há 40 anos se diz que o jornal não deve repetir o que a televisão deu. Quem, no entanto, abrir o jornal do dia seguinte, verá, na primeira página, 90% daquilo que já soube na véspera pela televisão. É algo que hoje já acontece também com a TV em relação à Internet. Quem tiver vasculhado a Internet já estará sabendo das notícias mais importantes quando for ver o telejornal. A informação instantânea, tornada real pela fantástica Internet, cria novos problemas para os "velhos meios".
Fiz um teste, uma vez. O Brasil tinha ganhado da Argentina por 2 a 0. Disse: “99% da população brasileira já conhecem esse resultado. Se amanhã o jornal botar na manchete que o Brasil ganhou de 2 a 0 da Argentina, é melhor fechar”. Não deu outra. A manchete era essa [risos]. É uma dessas situações tristes da imprensa escrita.
Em congressos de jornalismo, vivem dizendo que o jornal tem que oferecer uma abordagem diferenciada, aprofundar mais, fazer um texto bem cuidado, investir na reportagem. O diagnóstico já foi dado há décadas. Mas, guardadas as exceções, os jornais continuam fazendo exatamente o oposto. Ou seja: tudo errado. Não avançam um milímetro em relação ao que a televisão ou que a própria Internet já deu. Nesse ponto, a situação do jornal é meio dramática. Ou muda ou morre"

É uma coisa do Brasil mesmo ou acontece também no exterior?
GMN: "Posso falar da Inglaterra. Talvez porque tenha morado lá, eu me confesso meio anglófilo em matéria de gosto de imprensa. Quando lia as edições dominicais dos "jornais de qualidade" ingleses e os comparava com os do Brasil, era deprimente. A palavra é essa. Depressão profunda.
Você não consegue largar o jornal britânico. São pautas diferentes, textos bem escritos, uma diagramação bonita. Bastar pegar o Sunday Telegraph para ver a quantidade de matérias especiais. Eu estava lá na eleição do Tony Blair [então candidato a Primeiro-Ministro pelo Partido Trabalhista]. Aqui no Brasil, por exemplo, quando sai uma pesquisa do Ibope, o Jornal Nacional dá o resultado na véspera, e, nos jornais do dia seguinte, na primeira página, 90% dos textos dizem: “Lula tem 55%, Serra tem 30%”....
Tinha saído uma pesquisa que apontava que o Partido Trabalhista iria ganhar a eleição. Quem estava no poder era o John Major [do Partido Conservador]. O Daily Telegraph, em vez de botar o velho título “Ibope dá vantagem a Lula”, que é o que os jornais daqui fazem, pegou uma foto do John Major sozinho em frente à Downing Street [residência oficial do Primeiro-Ministro da Inglaterra]. O titulo era: "Este homem pensa que vai ganhar a eleição". Quer dizer: quem bate os olhos numa chamada desta já fica interessado pelo assunto. É um jeito pouco óbvio e nada burocrático de dar uma notícia que a TV, aliás, já tinha dado".

Posted by geneton at 11:36 AM

outubro 01, 2014

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO - CAPÍTULO 3

"NÃO SE PODE SAIR DA REDAÇÃO COM A MATÉRIA PRÉ-CONCEBIDA" . OU: DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO - CAPÍTULO 3

( Depoimento colhido por alunas do curso de jornalismo da Universidade do Povo/ SP e publicado num livro que reúne entrevistas de quinze repórteres brasileiros sobre a profissão:
http://goo.gl/cQQwaB
É longo. Vou republicá-lo aqui, "em capítulos", como uma pequena contribuição a estudantes eventualmente interessados no que diz um quase-dinossauro:
Gravando! ):

Houve, nas entrevistas que você fez com o general Newton Cruz e com o general Leônidas Pires, que chefiou o DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações/ Centro de Operações de Defesa Interna - do I Exército no Rio de Janeiro entre março de 1974 e janeiro de 1977), algo que foi dito que o incomodou?


GMN: "Já me perguntaram até se fiquei com medo. Não fiquei com medo, mas, em alguns momentos, quando os generais me dirigiam perguntas, evitei responder, porque minha função, ali, era a de jornalista: eu não estava ali pra fazer um debate com Leônidas Pires ou com o Newton Cruz. Mas quando o general Leônidas falou sobre algo que me pareceu muito injusto sobre o [ex-governador] Miguel Arraes ter "fugido", tive que lembrar que Arraes foi deposto do governo, preso na ilha de Fernando de Noronha e exilado. Teve de sair do Brasil.
Em outro momento da entrevista, ao falar sobre mortes na luta armada, o general perguntava: “É duro de ouvir ? É duro de ouvir? ”. Também há outra parte em que ele disse que nós, da imprensa, tínhamos acesso a eles [generais] na época da ditadura. Tive que rebater, porque não era o que acontecia.
Perguntaram uma vez, logo depois da entrevista, qual havia sido a minha impressão. A impressão que me deu foi a de que eles [generais] falavam com toda convicção, não estavam fazendo teatro ali.
Para eles, a atitude que tomaram em 1964 foi “salvacionista”. Dizem, convictos, que cumpriram uma missão naquele momento, porque, como o Brasil seria "dominado" pelo comunismo, eles "salvaram" o país. A repercussão das entrevistas foi surpreendente.
Ficou claro, para mim, que havia uma sede de informação pela versão dos militares. Já fiz quinhentas matérias com militantes, com gente que sofreu tortura, mas deu para sentir que o público tem o desejo de conhecer a opinião dos militares. Há muitos e muitos personagens que precisam ser ouvidos para esclarecer o que aconteceu. O Brasil vive uma democracia. Devemos, necessariamente, ouvir a voz dos militares, inclusive as mais chocantes".
Como você conseguiu a entrevista com eles? Foi na primeira tentativa?
GMN: "Consegui depois de alguma insistência. Não foi fácil. Só consegui que eles marcassem após a quarta tentativa. O momento era bom: os generais estavam "fora da mídia", meio esquecidos. Em casos assim, é o momento ideal. Isso aconteceu com os dois.
Quando pedi a entrevista a Newton Cruz, ele inicialmente recusou. Disse que já não tinha o que falar sobre o período da ditadura. Não queria se meter em "confusão". Fiquei insistindo. Era perto do Natal. O general chegou a dizer - brincando - que era mal educado e se alterava em entrevistas. “Vou gritar, não vai dar certo”, ele me disse. Eu pensava: “Tomara que ele faça isso, quando eu for gravar a entrevista” [risos]. Continuei insistindo até que ele topou.
Com o general Leônidas, foi a mesma coisa, porque ele não queria falar, mas aí você pode recorrer à vaidade. Eu disse a ele que era essencial que ele desse depoimento sobre os bastidores da noite em que o ex-presidente Tancredo Neves passou no hospital. Era importante ter este registro. E ele terminou aceitando.
Um dia antes da entrevista, liguei pra confirmar e ele disse: “Você se esqueceu que está tratando com um "milico"? Se eu marquei amanhã às cinco horas da tarde, então está confirmado amanhã às cinco! Não tem essa história de vamos ver”. Engraçado.
Um detalhe curioso na entrevista com o general Leônidas: quando fomos gravar, havia um vaso de rosas atrás do lugar onde ele se sentaria. E ele o tirou. É só um detalhe, mas achei interessante. Não sei o que tinha ali, mas ele tirou. Talvez tenha achado que não ia combinar muito.
Os dois generais foram, para mim, exemplos ostensivos de como você não pode se deixar levar por preferências políticas. O importante era tratar os dois com justiça. Ou seja: ser jornalisticamente justo. É o mínimo que um jornalista pode fazer".
O general Leônidas Pires pediu para que a entrevista dele não fosse editada. Acha que ele disse isso por medo de haver alguma manipulação ou frase tirada do contexto?
GMN: "O general disse que podíamos pegar uma frase ali e tirar do contexto, o que sabemos que é verdade. Resolvi deixar o pedido do general no ar. Se eu pegasse uma frase solta, poderia, sim, distorcer o que foi dito. Nesse ponto, temos que reconhecer que esse é um poder que o jornalista possui. É o poder de apresentar uma personalidade ao público. Temos um enorme poder de manipular e omitir. Uma vez, um articulista escreveu uma coisa politicamente incorreta, mas que é, de certa maneira, verdadeira. Disse que, em última instância, quem manda no veículo de comunicação é o dono, claro, mas o poder exercido na redação pelos jornalistas é enorme".

Como foi entrevistar Carl Bernstein, jornalista que ao lado do colega Bob Woodward, foi responsável pela série de matérias do The Washington Post sobre o caso Watergate, que levou, em 1974, à renúncia do presidente republicano Richard Nixon?
GMN: "A entrevista com Bernstein foi uma lição que eu tive. Quando era repórter do Washington Post, Carl Bernstein realizou, ao lado de Bob Woodward, aquele sonho de derrubar um presidente da República.
Digo - brincando - que jornalista tem que querer derrubar alguém. Se não for o presidente da República, pode ser o síndico do prédio, o presidente do Palmeiras, o diretor da limpeza urbana, mas precisa derrubar [risos]. Eis uma boa bandeira. Tive que me controlar para não bancar o tiete na entrevista com ele. Fiquei me contendo.
Quando acabou a entrevista, Bernstein estava tirando o microfone e disse: “Ah, essa foi uma das melhores entrevistas que já dei pra televisão!”. Virei pro cinegrafista e disse: “Se você não gravou isso, eu te mato!” [risos] E ele me falou: “Ainda estava ligado”. E eu: “Graças a Deus!”. [risos] Não é todo dia que se recebe um elogio de um jornalista deste calibre, habituado a dar entrevistas a TVs de todo o mundo. São histórias de bastidores.
Depois que gravamos, Bernstein me perguntou: “Você vai para onde?”. Estávamos em São Paulo. Respondi: “Estou indo para o Rio”. E ele disse: “Ah, então me dê o seu contato, porque eu vou te ligar.” Eu fiquei pensando: “Duvido... Carl Bernstein vai me procurar?!”.
Gravei a conferência que ele fez na Câmara Americana de Comércio em setembro de 2007 e fui embora. Quando eu chego em casa, no dia seguinte, tinha um recado na secretária eletrônica: “Hello, Geneton. This is Carl Bernstein. [Olá, Geneton. Aqui é o Carl Bernstein.]”. Pensei: “Que negócio é esse?”. A gravação continuou: “Eu quero convidar você para um jantar hoje lá na Urca. Me ligue no número tal”. É claro que eu gravei essa mensagem e falei para o pessoal de casa: se alguém apagar, vai de castigo ! [risos]. Liguei, mas ele não estava. Deixei um recado. Quando chego no computador, vejo um e-mail de Carl Berstein dizendo: “Quero me encontrar com você”.
Sou um bicho para sair de casa. Não costumo sair, mas não podia perder aquela oportunidade. Então, fui. O encontro aconteceu na casa de uma promoter na Urca. Assim que cheguei, ele disse: “Esse aí fez uma excelente entrevista comigo”. Falou para todo mundo ouvir. Fiquei meio constrangido. O encontro foi aquela coisa social. Eu não ia ficar em cima do cara.
Uma coisa interessante, que cito no livro Dossiê História [2007], é que a gente percebe que, quando o sujeito é bom jornalista, ele é jornalista o tempo todo. Durante o encontro, Bernstein falou: “O que você acha daquela catedral [catedral Metropolitana] aqui no Rio?”. É que ele tinha passado no centro do Rio, visto aquela catedral toda estranha e queria a opinião das pessoas.
A mulher de Bernstein, uma lourona americana, brincou: “Ele é assim até lá em casa. Se vou fazer compras e volto com outra marca de açúcar, ele fica perguntando por que eu mudei de marca”.
Posso dizer que fazer essa entrevista foi um pequeno curso de jornalismo. Tenho Bernstein como ídolo. Eu sei que ele não tem aquele texto maravilhoso do Gay Talese [um dos pais do New Journalism, movimento que revolucionou o texto jornalístico nos EUA, na década de 60], mas as atitudes de Bernstein como jornalista são admiráveis. Afinal, ele revelou, junto com Bob Woodward, um escândalo que provocou a queda do presidente dos Estados Unidos! Quando ele escreve sobre o caso, é de maneira factual: não faz julgamentos. Teve obsessão com a apuração. Não é algo ideológico. Isso eu acho fundamental. Não era, certamente, simpático a Nixon. Não sei em quem ele votava. Tudo indica que votaria no Partido Democrata, mas se aproximou dos assessores de Nixon, que era republicano, para conseguir informações estratégicas. Disse que tudo o que descobriu sobre o caso nasceu da apuração - e não de visões pré-concebidas sobre este ou aquele personagem. Isso vale para todo mundo. Você não pode sair da redação com a matéria pré-concebida".

Posted by geneton at 11:39 AM

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO - CAPÍTULO 3

"NÃO SE PODE SAIR DA REDAÇÃO COM A MATÉRIA PRÉ-CONCEBIDA" . OU: DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO - CAPÍTULO 3

( Depoimento colhido por alunas do curso de jornalismo da Universidade do Povo/ SP e publicado num livro que reúne entrevistas de quinze repórteres brasileiros sobre a profissão:
http://goo.gl/cQQwaB
É longo. Vou republicá-lo aqui, "em capítulos", como uma pequena contribuição a estudantes eventualmente interessados no que diz um quase-dinossauro:
Gravando! ):

Houve, nas entrevistas que você fez com o general Newton Cruz e com o general Leônidas Pires, que chefiou o DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações/ Centro de Operações de Defesa Interna - do I Exército no Rio de Janeiro entre março de 1974 e janeiro de 1977), algo que foi dito que o incomodou?
GMN: "Já me perguntaram até se fiquei com medo. Não fiquei com medo, mas, em alguns momentos, quando os generais me dirigiam perguntas, evitei responder, porque minha função, ali, era a de jornalista: eu não estava ali pra fazer um debate com Leônidas Pires ou com o Newton Cruz. Mas quando o general Leônidas falou sobre algo que me pareceu muito injusto sobre o [ex-governador] Miguel Arraes ter "fugido", tive que lembrar que Arraes foi deposto do governo, preso na ilha de Fernando de Noronha e exilado. Teve de sair do Brasil.
Em outro momento da entrevista, ao falar sobre mortes na luta armada, o general perguntava: “É duro de ouvir ? É duro de ouvir? ”. Também há outra parte em que ele disse que nós, da imprensa, tínhamos acesso a eles [generais] na época da ditadura. Tive que rebater, porque não era o que acontecia.
Perguntaram uma vez, logo depois da entrevista, qual havia sido a minha impressão. A impressão que me deu foi a de que eles [generais] falavam com toda convicção, não estavam fazendo teatro ali.
Para eles, a atitude que tomaram em 1964 foi “salvacionista”. Dizem, convictos, que cumpriram uma missão naquele momento, porque, como o Brasil seria "dominado" pelo comunismo, eles "salvaram" o país. A repercussão das entrevistas foi surpreendente.
Ficou claro, para mim, que havia uma sede de informação pela versão dos militares. Já fiz quinhentas matérias com militantes, com gente que sofreu tortura, mas deu para sentir que o público tem o desejo de conhecer a opinião dos militares. Há muitos e muitos personagens que precisam ser ouvidos para esclarecer o que aconteceu. O Brasil vive uma democracia. Devemos, necessariamente, ouvir a voz dos militares, inclusive as mais chocantes".
Como você conseguiu a entrevista com eles? Foi na primeira tentativa?
GMN: "Consegui depois de alguma insistência. Não foi fácil. Só consegui que eles marcassem após a quarta tentativa. O momento era bom: os generais estavam "fora da mídia", meio esquecidos. Em casos assim, é o momento ideal. Isso aconteceu com os dois.
Quando pedi a entrevista a Newton Cruz, ele inicialmente recusou. Disse que já não tinha o que falar sobre o período da ditadura. Não queria se meter em "confusão". Fiquei insistindo. Era perto do Natal. O general chegou a dizer - brincando - que era mal educado e se alterava em entrevistas. “Vou gritar, não vai dar certo”, ele me disse. Eu pensava: “Tomara que ele faça isso, quando eu for gravar a entrevista” [risos]. Continuei insistindo até que ele topou.
Com o general Leônidas, foi a mesma coisa, porque ele não queria falar, mas aí você pode recorrer à vaidade. Eu disse a ele que era essencial que ele desse depoimento sobre os bastidores da noite em que o ex-presidente Tancredo Neves passou no hospital. Era importante ter este registro. E ele terminou aceitando.
Um dia antes da entrevista, liguei pra confirmar e ele disse: “Você se esqueceu que está tratando com um "milico"? Se eu marquei amanhã às cinco horas da tarde, então está confirmado amanhã às cinco! Não tem essa história de vamos ver”. Engraçado.
Um detalhe curioso na entrevista com o general Leônidas: quando fomos gravar, havia um vaso de rosas atrás do lugar onde ele se sentaria. E ele o tirou. É só um detalhe, mas achei interessante. Não sei o que tinha ali, mas ele tirou. Talvez tenha achado que não ia combinar muito.
Os dois generais foram, para mim, exemplos ostensivos de como você não pode se deixar levar por preferências políticas. O importante era tratar os dois com justiça. Ou seja: ser jornalisticamente justo. É o mínimo que um jornalista pode fazer".
O general Leônidas Pires pediu para que a entrevista dele não fosse editada. Acha que ele disse isso por medo de haver alguma manipulação ou frase tirada do contexto?
GMN: "O general disse que podíamos pegar uma frase ali e tirar do contexto, o que sabemos que é verdade. Resolvi deixar o pedido do general no ar. Se eu pegasse uma frase solta, poderia, sim, distorcer o que foi dito. Nesse ponto, temos que reconhecer que esse é um poder que o jornalista possui. É o poder de apresentar uma personalidade ao público. Temos um enorme poder de manipular e omitir. Uma vez, um articulista escreveu uma coisa politicamente incorreta, mas que é, de certa maneira, verdadeira. Disse que, em última instância, quem manda no veículo de comunicação é o dono, claro, mas o poder exercido na redação pelos jornalistas é enorme".

Como foi entrevistar Carl Bernstein, jornalista que ao lado do colega Bob Woodward, foi responsável pela série de matérias do The Washington Post sobre o caso Watergate, que levou, em 1974, à renúncia do presidente republicano Richard Nixon?
GMN: "A entrevista com Bernstein foi uma lição que eu tive. Quando era repórter do Washington Post, Carl Bernstein realizou, ao lado de Bob Woodward, aquele sonho de derrubar um presidente da República.
Digo - brincando - que jornalista tem que querer derrubar alguém. Se não for o presidente da República, pode ser o síndico do prédio, o presidente do Palmeiras, o diretor da limpeza urbana, mas precisa derrubar [risos]. Eis uma boa bandeira. Tive que me controlar para não bancar o tiete na entrevista com ele. Fiquei me contendo.
Quando acabou a entrevista, Bernstein estava tirando o microfone e disse: “Ah, essa foi uma das melhores entrevistas que já dei pra televisão!”. Virei pro cinegrafista e disse: “Se você não gravou isso, eu te mato!” [risos] E ele me falou: “Ainda estava ligado”. E eu: “Graças a Deus!”. [risos] Não é todo dia que se recebe um elogio de um jornalista deste calibre, habituado a dar entrevistas a TVs de todo o mundo. São histórias de bastidores.
Depois que gravamos, Bernstein me perguntou: “Você vai para onde?”. Estávamos em São Paulo. Respondi: “Estou indo para o Rio”. E ele disse: “Ah, então me dê o seu contato, porque eu vou te ligar.” Eu fiquei pensando: “Duvido... Carl Bernstein vai me procurar?!”.
Gravei a conferência que ele fez na Câmara Americana de Comércio em setembro de 2007 e fui embora. Quando eu chego em casa, no dia seguinte, tinha um recado na secretária eletrônica: “Hello, Geneton. This is Carl Bernstein. [Olá, Geneton. Aqui é o Carl Bernstein.]”. Pensei: “Que negócio é esse?”. A gravação continuou: “Eu quero convidar você para um jantar hoje lá na Urca. Me ligue no número tal”. É claro que eu gravei essa mensagem e falei para o pessoal de casa: se alguém apagar, vai de castigo ! [risos]. Liguei, mas ele não estava. Deixei um recado. Quando chego no computador, vejo um e-mail de Carl Berstein dizendo: “Quero me encontrar com você”.
Sou um bicho para sair de casa. Não costumo sair, mas não podia perder aquela oportunidade. Então, fui. O encontro aconteceu na casa de uma promoter na Urca. Assim que cheguei, ele disse: “Esse aí fez uma excelente entrevista comigo”. Falou para todo mundo ouvir. Fiquei meio constrangido. O encontro foi aquela coisa social. Eu não ia ficar em cima do cara.
Uma coisa interessante, que cito no livro Dossiê História [2007], é que a gente percebe que, quando o sujeito é bom jornalista, ele é jornalista o tempo todo. Durante o encontro, Bernstein falou: “O que você acha daquela catedral [catedral Metropolitana] aqui no Rio?”. É que ele tinha passado no centro do Rio, visto aquela catedral toda estranha e queria a opinião das pessoas.
A mulher de Bernstein, uma lourona americana, brincou: “Ele é assim até lá em casa. Se vou fazer compras e volto com outra marca de açúcar, ele fica perguntando por que eu mudei de marca”.
Posso dizer que fazer essa entrevista foi um pequeno curso de jornalismo. Tenho Bernstein como ídolo. Eu sei que ele não tem aquele texto maravilhoso do Gay Talese [um dos pais do New Journalism, movimento que revolucionou o texto jornalístico nos EUA, na década de 60], mas as atitudes de Bernstein como jornalista são admiráveis. Afinal, ele revelou, junto com Bob Woodward, um escândalo que provocou a queda do presidente dos Estados Unidos! Quando ele escreve sobre o caso, é de maneira factual: não faz julgamentos. Teve obsessão com a apuração. Não é algo ideológico. Isso eu acho fundamental. Não era, certamente, simpático a Nixon. Não sei em quem ele votava. Tudo indica que votaria no Partido Democrata, mas se aproximou dos assessores de Nixon, que era republicano, para conseguir informações estratégicas. Disse que tudo o que descobriu sobre o caso nasceu da apuração - e não de visões pré-concebidas sobre este ou aquele personagem. Isso vale para todo mundo. Você não pode sair da redação com a matéria pré-concebida".

Posted by geneton at 11:37 AM

setembro 30, 2014

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO - CAPÍTULO 2

"O jornalista precisa se vacinar contra o engajamento ideológico. Não é vacina opcional: é vacina obrigatória! É como vacina contra paralisia infantil: todos devem tomar" OU: DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO - CAPÍTULO 2

( Depoimento colhido por alunas do curso de jornalismo da Universidade do Povo/ SP e publicado num livro que reúne entrevistas de quinze repórteres brasileiros sobre a profissão:
http://goo.gl/cQQwaB
É longo. Vou republicá-lo aqui, "em capítulos", como uma pequena contribuição a estudantes eventualmente interessados no que diz um quase-dinossauro:
Gravando! ):
Você fala muito que a “frigidez editorial” prejudica o jornalismo. Como ela pode ser combatida?
GMN: "É uma doença terrível na redação: a Síndrome da Frigidez Editorial. Batizei esta doença. Deveria registrar o nome na Organização Mundial da Saúde. O que é esta Síndrome? É a doença do jornalista que, depois de anos de profissão, perde a capacidade de se espantar diante da realidade. Se perde este fogo, o jornalista deve mudar de profissão. Porque passa a ser nocivo ao jornalismo.


Não estou falando de algo abstrato, mas de uma situação real, palpável, comprovável no dia a dia das redações. Cansei de ver em redações um clima de tédio total entre os jornalistas. Se você atravessar a rua, for à padaria e comentar que entrevistou uma velhinha que foi passageira do Titanic, provavelmente os "ouvintes" farão perguntas e se interessarão pelo assunto, enquanto muitos jornalistas dirão, com os olhos semicerrados de tédio: "Ah, mas já faz 100 anos que o Titanic afundou...".
Quando falo de frigidez editorial, estou criticando a atitude entediada. Neste sentido é que faço questão absoluta de não me enquadrar no "universo mental" dos jornalistas. Nesse universo, você corre o risco de se julgar mais importante do que você realmente é. O mundo real é mais interessante do que o mundo dos jornalistas. É o que mostra minha experiência de vida. Cansei de ver, ouvir e encontrar leitores e telespectadores mais interessados pelos fatos do que jornalistas.
Para que possam contribuir com esse "mundo real", os jornalistas têm que ter uma atitude de permanente espanto. Precisam ser "levantadores", não "derrubadores" de matéria. É aí que entra em cena, gloriosamente, a Nossa Senhora do Perpétuo Espanto. Quando criou esta "entidade", Kurt Vonnegut não estava se referindo ao jornalismo, mas essa “santa” deveria ser proclamada padroeira plenipotenciária da nossa profissão. O jornalista precisa manter, em algum ponto de suas florestas interiores, aquela chama, aquela faísca, aquele espanto que se vê no brilho dos olhos de um estagiário - ou de uma criança.
Quando você se guia pelo entusiasmo das pessoas que estão fora da redação, o resultado do trabalho é melhor do que se você se guiasse pelo tédio dos que estão dentro".

Você se dedica muito ao gênero entrevista. Por que se especializou nesse gênero e o que considera importante para desempenhá-lo com eficiência?
GMN: "Gosto de fazer, porque a entrevista é a matéria-prima do jornalismo. Tenho uma crítica seriíssima a fazer ao tom das entrevistas feitas pela imprensa brasileira. São excessivamente congratulatórias, principalmente em televisão. Entrevista deve ser um instrumento de revelação - não de congratulação ao entrevistado! É o que adotei como princípio geral para mim. Não quero ser amigo do entrevistado. Não devo ser. É um pecado capital. Acontece especialmente aqui no Brasil, quando o jornalista entrevista celebridades.
Você pode ver uma coletiva de um presidente americano, por exemplo. O jornalista lá é incisivo e diz: “o senhor mentiu...”. Eventualmente, pode parecer agressivo, mas é o papel da imprensa. E o presidente vai responder!
Outro pecado capital é o engajamento ideológico. O ex-presidente americano George Bush é tão interessante pra mim, jornalisticamente falando, quanto Fidel Castro. Adoraria entrevistar os dois, mas, para ser sincero, conheço jornalistas que se recusariam a entrevistar o Bush, por conta de ideologia. É claro que tenho minhas opiniões políticas, mas lugar de fazer "patrulhagem ideológica" é na urna, no dia da eleição. Não é na redação, sob hipótese alguma.
Quando entrevistei o [general] Newton Cruz, disse a ele, no final da entrevista: “não quero bancar o bom moço, porque o jornalista vive é de sangue. Quero manchete, quero escândalo, quero causar embaraço para o entrevistado, mas quero dizer que, jornalisticamente falando, o senhor me interessa tanto quanto Luís Carlos Prestes, o líder comunista”.
Eu não estava ali pra fazer patrulhagem ideológica em cima do general. Estava atrás de revelações. Com um entrevistado como ele, você consegue informações ricas sobre o regime militar. Mas existem jornalistas que se recusariam a entrevistar o general Newton Cruz, porque ele tinha fama de linha dura.
Meu princípio é o seguinte: antes de pisar numa redação, o jornalista precisa se vacinar contra o engajamento ideológico. Não é vacina opcional: é vacina obrigatória! É como vacina contra paralisia infantil: todos devem tomar.
Outro problema: como passa a vida lidando com o que é extraordinário, o jornalista corre o sério risco de passar a achar que o extraordinário é ordinário. Transforma-se naquela figura triste do “derrubador de matéria”, um bicho que infesta as redações. De maneira grosseira, divido os jornalistas em duas categorias: os bons, os tais “levantadores de matérias”, são aqueles que você pode pautar para falar de uma xícara e eles vão inventar um jeito interessante para escrever a respeito. Os ruins, em geral, são os “derrubadores”.
Repito: faço questão de não me enquadrar no universo mental da média dos jornalistas. Estou fora. Prefiro ser um "pária". O que o jornalista "tradicional" diz é : “Ah, fulano já deu esta declaração não sei onde, não vou dar essa matéria não”. Ou então a frase tétrica:
“A Folha já deu”. Não me interessa se a Folha deu! O bom jornalista vai procurar fazer de um jeito diferente, vai pensar numa maneira de avançar no assunto, vai descobrir um novo personagem, vai contar aquela história de uma maneira mais interessante!
Se Roberto Carlos já deu mil entrevistas, por que na milésima primeira eu não posso tirar algo novo? É preciso ter esta atitude. O jornalista pode até voltar de mão abanando, mas, pelo menos, tentou. Um bom lema é aquela frase de Angie, uma música bonita dos Rolling Stones: "Você não pode dizer que a gente não tentou".
Você já entrevistou muitas personalidades históricas. Qual personalidade não está mais viva e você gostaria de ter entrevistado?
GMN: "Quando fiz esta pergunta a Joel Silveira, uma espécie de guru meu, ele disse: “a entrevista que eu queria fazer era com Hitler. Perguntaria a ele: por que o senhor não insistiu na carreira de pintor? O mundo iria ganhar um pintor medíocre, mas, em compensação, iria se livrar de um dos maiores tiranos da história...”. Joel brincou que, nesse momento, entrariam cinco guardas na sala e o levariam até o cadafalso para matá-lo [risos]. “Mas pelo menos teria feito a pergunta”. Um dos que gostaria de entrevistar seria Hitler mesmo. A princípio, para mim, todo mundo é “entrevistável”.

Posted by geneton at 01:06 PM

RÁPIDA NOTÍCIA SOBRE CINEMA: QUE A LUZ DOS DISSIDENTES BRILHE NAS TELAS DO PLANETA!

Um filme sobre futebol - belo, original, bem fotografado e bem montado- acaba de sair do forno: Campo de Jogo - de Eryk Rocha. Em exibição no FestRio. Vale ver! Ao lançar o filme, esta noite, Eryk Rocha reclamou da "ditadura dos números" no cinema brasileiro. De fato: nem tudo é bilheteria neste planeta. Filmes que - por exemplo - produzem beleza ou inquietação terão sempre um papel fundamental a cumprir. Que a luz dos dissidentes brilhe nas telas!

Posted by geneton at 11:38 AM

setembro 29, 2014

A PEDIDO DE UM GRUPO DE ESTUDANTES, DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE VELHO SENHOR - O TAL DO JORNALISMO - 1

Fui procurado por alunos do curso de Jornalismo da Faculdade do Povo ( São Paulo ). Estavam fazendo entrevistas com trinta repórteres brasileiros. Queriam reunir, em livro, experiências que pudessem ser úteis aos estudantes. Sempre que alguém me pede um depoimento deste tipo, minha primeira reação é perguntar, sinceramente: "Quem? Eu? Pelo amor de Deus!". Mas....termino me rendendo, intimamente, a um argumento: por que não passar adiante, para os que se iniciam na profissão, coisas que a gente viu, ouviu e tentou aprender pelo caminho afora? Qual é o problema? É a "vida aos outros legada" - de que falava o belo poema de Carlos Drummond de Andrade. Sempre achei risível a pretensão descabida de jornalistas que se julgam mais importantes do que realmente são - mas juro solenemente, em nome de Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, que não é o meu caso. Feita esta ressalva, encarei o questionário.
( O depoimento, colhido pelas alunas Jessyca Tamyres dos Santos e Daniela Gualassi, virou um extenso capítulo de um livro, organizado pela professora Patrícia Paixão:
http://goo.gl/cQQwaB
É longo. Vou republicá-lo aqui, "em capítulos", a partir de hoje - como uma pequena contribuição a estudantes eventualmente interessados no que diz um quase-dinossauro ) :


Gravando!
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Você é formado em Jornalismo, mas já trabalhava na área quando começou a faculdade. Sentiu alguma diferença entre teoria e prática?
GMN: "Quando comecei o curso de Jornalismo, na Universidade Católica, já tinha experiência em redação, porque comecei a trabalhar no Diário de Pernambuco dois anos antes de fazer vestibular. Mas alguns professores não tinham esta experiência. Usavam, por exemplo, livros europeus sobre jornalismo que traziam organogramas que simplesmente não existiam nos jornais locais, como o próprio Diário.
Eu chegava ao jornal pelas duas horas da tarde. Recebia das mãos do chefe de reportagem as pautas e saía com o fotógrafo na Kombi de reportagem. Voltava para a redação no final da tarde e escrevia tudo correndo. A prática era assim, bem diferente da teoria que eu ouvia na sala de aula.
Sempre quando me perguntam sobre a necessidade de diploma de Jornalismo, digo que ninguém ficou mais burro por estudar. Vá fazer faculdade, então! O que deve ser discutido é a natureza do que se ensina na faculdade. Porque, em alguns casos, em seis meses numa redação você aprende mais do que em quatro anos numa faculdade. Talvez pudesse ser criada uma especialização de um ano. Um estudante de Medicina, para aprender a operar, tem de passar cinco anos na faculdade. Agora, para informar que “a presidente Dilma Rousseff assinou ontem um convênio no Recife para evitar enchentes”, não é preciso tanto tempo assim. Pelo amor de Deus, não é!
A técnica jornalística é simples. Depois de tantos anos frequentando redações, digo o seguinte: os jornalistas mais qualificados são os que investem por conta própria em si mesmos. Saiu a coletânea de textos de Paulo Francis, por exemplo? Encontrou os livros de Gay Talese? As reportagens de Joel Silveira? Uma antologia de Rubem Braga? As matérias de Elio Gaspari ? Vá lá, compre e leia. Tenha curiosidade. Garimpe na Internet. Vá ver o filme Todos os homens do presidente [de Alan Pakula]. Não dá para ficar esperando sentado as coisas caírem no colo. Não espere que o planeta vá ficar dando tapinhas de reconhecimento nas suas costas. Pelo contrário. Aliás, é preciso aprender a conviver também com a rejeição profissional. Faz parte do circo. Já vi matérias minhas serem jogadas no lixo em série, uma atrás da outra. Já fui profissionalmente assassinado por editores.
Estou usando uma linguagem de tabloide sensacionalista inglês para dramatizar uma situação, mas é verdade: já fui profissionalmente assassinado. Fui abatido a tiros "n" vezes. Minha relação com o Jornalismo, então, é totalmente acidentada. Pode soar pretensioso, mas não é: prefiro ser um dissidente. Em qualquer situação, não apenas no Jornalismo, sempre preferi os dissidentes, os outsiders, os rejeitados. Em 98% dos casos, são mais interessantes do que os "aderentes". Viva a dissidência!
Se ser Jornalista é jogar notícia no lixo, estou fora. Não me enquadro neste “universo mental”. Prefiro imaginar, ingenuamente, que o jornalismo pode ser vívido, interessante, luminoso. Não há assunto desinteressante. O que há são maneiras desinteressantes de contar o que aconteceu. Ou seja: desinteressante é o jornalista. Não é a vida. Se eu pudesse escolher e se ainda houvesse tempo, talvez, até, eu preferisse criar cabras em Santa Maria da Boa Vista. Mas, feitas as contas, eu sei, no íntimo, lá no fundo, que, a essa altura do campeonato, minha maneira de fazer algo minimamente útil é exercer o jornalismo com devoção. Quando eu sentir a tentação de virar um burocrata derrubador de matéria, aí sim, prometo sair de cena, desaparecer do mapa e pegar o primeiro ônibus para Santa Maria da Boa Vista. Nunca estive em Santa Maria, mas o nome, pelo menos, é bonito".

Percebemos que o Geneton da TV é diferente do Geneton que escreve. Como é essa relação entre as duas mídias?
GMN: "É completamente diferente. Não estou fazendo charme, mas não sou uma pessoa de televisão. Não sou mesmo. Nunca fui e nem quero ser. Há até uma incompatibilidade física. Sou a figura menos “fotogênica” do mundo (é um eufemismo para dizer: bicho feio desgraçado!). Não falo para a câmera. Falo para o entrevistado. Não consigo narrar um texto com naturalidade. Prefiro, claro, usar as belas vozes de Sérgio Chapelin ou Cid Moreira para ler os textos que escrevo. Neste sentido, entendo quando, em TV, coisas que fiz foram para o lixo. Sou uma coleção ambulante de impropriedades televisivas. Considero-me, definitivamente, um jornalista de imprensa escrita. Quando digo “escrita” estou falando de livro, jornal, revista, blog, seja o que for. Eu me sinto mais à vontade escrevendo textos. Talvez a TV tenha suprido a minha frustração de não ter feito cinema. Tento, então, em TV, fazer uma câmera, uma luz, um enquadramento diferenciado. Dirijo-me ao entrevistado e não ao público, o que é um absurdo, porque eu deveria em algum momento me dirigir aos telespectadores, mas não sei. Sem falsa modéstia: não é meu veículo".

Você teve uma experiência em Paris estudando cinema. Como isso influenciou diretamente seu trabalho?
GMN: "Nessa época, eu trabalhava na sucursal do Estadão no Recife. Estava bem. Era solteiro. Tinha “casa, comida e roupa lavada”. Ainda assim, resolvi pedir demissão e ir para Paris. Pensava em passar três meses. Terminei me matriculando em um curso de cinema, uma espécie de pós-graduação na Universidade de Paris I-Sorbonne. Mas vi que não tinha vocação acadêmica para aquilo.
Fiz um projeto de tese intitulado Cinema e subdesenvolvimento: o caso brasileiro, nome bem pomposo. A ideia era discutir como o Brasil, um país subdesenvolvido, poderia criar um cinema esteticamente desenvolvido, como o Cinema Novo, por exemplo. A tese foi aceita. Eu, como “bom selvagem” vindo do Terceiro Mundo, tinha, claro, aquela ânsia de filmar logo, pegar uma câmera, tentar ingenuamente abalar as telas com meus filmecos de curta-metragem. Mas esbarrava nos professores franceses, com aquela coisa teórica demais na sala de aula. O professor começava com Aristóteles, Platão, até chegar num take de Hitchcock [cineasta inglês Alfred Hitchcock] . Vi que não teria paciência para aquilo. Frequentei só o primeiro ano.
Uma coisa marcante foi o encontro com Glauber Rocha. Meses antes de morrer, ele foi a Paris fazer uma exibição privada do filme A Idade da Terra para os críticos franceses. Um amigo meu, que também estudava cinema, Marcos de Souza Mendes, perguntou a Glauber se poderia ir à exibição do filme. Quis saber se poderia levar mais alguém, um amigo estudante de cinema. Era eu. Glauber disse que sim. Quando chegou o dia da exibição, lá estávamos nós, os dois brasileiros que estudavam cinema em Paris. Duas cenas foram inesquecíveis. A primeira cena foi Glauber Rocha falando em voz alta, em francês, no hall do cinema, com aquele sotaque nordestino: “Eis aqui a juventude brasileira estudando cinema em Paris!”. E aqueles críticos de cinema francês olhando pra gente. Quando acabou a exibição, dentro da sala, Glauber se virou para nós, ficou tocando o dedo indicador da mão esquerda no dedo indicador da mão direita e perguntando: “Fizeram as ligações? Fizeram as ligações?”. Queria saber, na certa, se a gente tinha entendido o que um filme radical como Idade da Terra poderia significar como ruptura da linguagem cinematográfica. Só este dia já valeu a viagem para Paris. A contribuição do cinema para a minha carreira jornalística foi no sentido de tentar ser original na hora de captar uma imagem. É uma influência indireta da experiência toda que vivi em Paris".

Você já foi editor-chefe, mas sempre deu um jeito de exercer a função de repórter. Assim como o Joel Silveira, você faz opção pelo “mundo exterior”?
GMN: "As experiências que a gente tem no início da carreira marcam pelo resto da vida. Assim que entrei no Diário, fui fazer reportagem. Meu lugar, como repórter, era na rua. Se tivessem me escalado para fazer outra coisa, provavelmente, hoje eu seria um editor, por exemplo. Mas, desde então, para mim, jornalismo virou sinônimo de reportagem. Tudo que eu fiz fora da reportagem considero como enorme perda de tempo. Fui um dos poucos casos de jornalista que “rasgou dinheiro” - por abrir mão de cargo de chefia. Não tinha nem tenho vocação nenhuma para ser chefe. Mas me ofereceram cargos de chefia. Já fui editor-chefe do Fantástico por anos, por exemplo, mas não me interessa ser chefe. Meu negócio é ir para a rua, entrevistar alguém. Ficar numa redação trancado, discutindo o futuro da humanidade? Never. Estou fora!".

Posted by geneton at 01:06 PM

setembro 21, 2014

OBSERVAÇÕES INÚTEIS SOBRE O ESTADO GERAL DAS COISAS - 2

1. Passei 4 minutos contemplando a parede, em busca de inspiração. Fracassei. A única coisa que me ocorreu foi: "A Terra é um equívoco giratório!". Que coisa...
2. Fato: tudo o que já se criou de interessante foi contra o senso comum. É pena que, no fim, a Grande Conspiração da Mediocridade domine tudo, sempre.
3. A fórmula secreta da felicidade : aprender a conviver com fracassos. Não existe coisa melhor. Isso só é possível depois dos quarenta.

4. Demorou, mas descobri: o nome científico do homem é EFOC (Equívoco Feito de Osso e Carne). Vou mandar um informe para a Organização Mundial da Saúde, a OMS,em Genebra.
5. Estatística: comecei a ouvir rádio às 09:10:35. Uma repórter falava em "o óculos" - assim, com o artigo "o" no singular. Parei de ouvir às 09:10:38. Não posso dizer que não tentei.
6. Comecei a ler jornal,ontem, às 10:10:20. Um texto falava em "encarar de frente". Parei de ler às 10:10:25. Não posso dizer que não tentei.
7. As coisas estão cada vez mais previsíveis: já sei que,ao chegar ao inferno, vou encontrar, logo na entrada, alguém cheirando uma taça de vinho.
8. As coisas estão cada vez mais previsíveis: já sei que, quando chegar ao inferno, vou encontrar 10 BBBs pulando e gritando
"uh-ru!".
9. Cálculos: quando tinha 17 anos, eu não confiava em ninguém com mais de 30. Hoje, não confio em ninguém com menos 35. Nem com mais.Tenho 58.
10. A TV é um eletrodoméstico metido a besta. A geladeira é mais útil e, principalmente, mais silenciosa. Uma salva de palmas para Dona Frigidaire !

Posted by geneton at 01:16 PM

setembro 20, 2014

UM QUARTO DE SÉCULO DE ELEIÇÕES DIRETAS PARA PRESIDENTE! LONGA VIDA ÀS URNAS!

Parece incrível mas já faz um quarto de século que o Brasil voltou a ter eleição direta para Presidente. Vinte e cinco anos! Ainda bem!
A primeira eleição depois do fim do regime militar, como se sabe, aconteceu em 1989 ( quem acompanhou há de se lembrar dos embates entre candidatos: Leonel Brizola, Lula, Mário Covas, Ulysses Guimarães, Fernando Collor - o improvável vencedor....).
Aqui, lembranças de um país em que eleição direta para presidente era apenas um brilho nos olhos do comandante da oposição:


Quando, no dia 17 de janeiro de 1976, o operário Manoel Fiel Filho foi morto sob tortura nas dependências do II Exército, em São Paulo, o deputado Ulysses Guimarães, presidente do MDB e, portanto, chefe da oposição, estava no Recife.
O “Doutor Ulysses” – era assim que todos o chamavam – tinha feito uma tumultuada viagem a Caruaru, no agreste do Estado, para participar de uma espécie comício fora de época. Não deu certo.
Por ordem do Ministério da Justiça, o governo de Pernambuco mandou avisar que estavam proibidas reuniões políticas em praça pública. Assim, o tal comício foi transferido, às pressas, para um ambiente fechado – um auditório que ficou superlotado.
Eu me lembro de que Ulysses Guimarães, um orador que produzia frases de efeito em série, levou o auditório ao delírio ao lançar o nome do senador Marcos Freire como candidato das oposições ao governo de Pernambuco.
Todos sonhavam com uma eleição direta em 1978. Não houve eleição direta em 1978: os governadores só voltariam a ser escolhidos pelo voto do povo em 1982. ( Tempos depois, ao entregar ao país uma nova Constituição, ele diria: “Político, sou caçador de nuvens. Já fui caçado por tempestades”). As ruas do centro de Caruaru ficaram povoadas de guardas, equipados com armas e cães.
De volta ao Recife, depois da aventura em Caruaru, o “Doutor Ulysses” estava se preparando para embarcar para Sergipe quando estourou a notícia de que o presidente Ernesto Geisel tivera uma reação surpreendente diante da morte do operário: decidira punir, com demissão, o comandante do II Exército, general Ednardo D`Ávila.Havia, obviamente, uma crise militar no ar.
Repórter da sucursal Recife do jornal “O Estado de S.Paulo”, fui convocado, às pressas, para embarcar no avião que, dali a minutos, levaria o Doutor Ulysses para Aracaju, a próxima parada do périplo nordestino.
Fiz a primeira abordagem ainda no corredor do Aeroporto. O Doutor Ulysses leu,com ar grave, o telex que eu lhe entregara, com informações sobre a demissão do comandante do II Exército. Disse que falaria a bordo.
Depois do embarque, pegou um jornal para ler. Vi perfeitamente quando, ao tentar atravessar os parágrafos de um editorial, Doutor Ulysses tropeçou – e caiu gloriosamente nos braços de Morfeu. Pegou no sono, sem largar o jornal.
Desde então, uma dúvida incendiária passou a agitar minhas florestas interiores : para que servem, realmente, os editoriais dos jornais, além de provocar um desabamento incontrolável das pálpebras de quem os lê ? Sono,sono, sono.
Quanto à declaração: raposa, o Doutor Ulysses sentiu a gravidade do momento. Quando acordou, me pediu que o procurasse depois do pouso. Lá embaixo, iria falar.
Uma multidão o aguardava no aeroporto. O homem escapou. Durante a coletiva, ninguém tocou no assunto da demissão do general. Fiz a pergunta, porque já estava, literalmente, “correndo contra o relógio”. Doutor Ulysses respondeu com frases cuidadosas.
Disse que o MDB não tinha prevenção contra militares. Fez questão de lembrar que o partido já tinha sido presidido por um general reformado, o senador Oscar Passos. Ou seja: o comandante da oposição pisava em ovos, porque sabia que, em época de crise militar, o terreno estava minado. O homem não queria, ali, atiçar a fúria do Olimpo verde-oliva.
Ao deixar a sala onde dera a entrevista coletiva, na Assembléia Legislativa de Sergipe, Doutor Ulysses apertou minha mão e cochichou, no meu ouvido, uma frase que, até hoje, não sei se foi uma queixa ou um cumprimento: “Você soltou o seu petardo !”.
De madrugada, quando chegou ao hotel, Ulysses foi cercado de novo pelo matilha de repórteres que seguiam seus passos – o locutor-que-vos-fala, inclusive. Topou falar, à beira da piscina deserta. Disse que temia que, se houvesse uma crise, a oposição poderia ser levada a recorrer a “soluções de força”.
Horas depois, ao sair do hotel bem cedo, em direção ao aeroporto, Doutor Ulysses pediu à recepção que um dos repórteres – que também estavam hospedados ali – fosse chamado. O recepcionista ligou - aleatoriamente - para um dos quartos dos "rapazes da imprensa".
Um colega, a serviço do Jornal do Brasil, foi acordado. Ouviu,então, um apelo do Doutor Ulysses: por favor, ele pedia, retirem do texto da entrevista a expressão “soluções de força”. O pedido foi retransmitido a todos os repórteres. Assim foi feito.
Nem faz tanto tempo: o Brasil era um país em que o comandante da oposição enfrentava, literalmente, cães no meio da rua.
Não se podia promover aglomeração política em praça pública.
Não se votava nem para governador. O que dirá para Presidente da República ?
(tempos depois do entrevero em Caruaru, cães avançariam sobre o comandante do MDB em Salvador. Lá, ele pronunciaria a frase célebre: “Baioneta não é voto! Cachorro não é urna!”).
Independentemente de qualquer coisa, é sempre bom saber que, já há quase três décadas, o país vive numa democracia em que cenas como aquelas - o presidente do partido da oposição se refugiando num auditório para escapar dos cães da polícia – só teriam lugar num roteiro de ficção.
Então: às urnas, cidadãos !
E “atenção para o refrão” : numa democracia, independentemente de coloração ideológica, a única coisa que não se pode tolerar é a intolerância com adversários. Ponto.
Longa vida às urnas !

Posted by geneton at 12:16 PM

setembro 19, 2014

CENA SURREALISTA: O DIA EM QUE A POLÍCIA FEDERAL ESTEVE NO ENCALÇO DO LOCUTOR-QUE-VOS-FALA. MOTIVO: UM FILME DE ARNALDO JABOR ( E OUTRAS ANOTAÇÕES SOBRE OS VERDES ANOS )

Descubro, por acaso, num escaninho virtual qualquer, um texto que me foi pedido, faz alguns anos, sobre o Diário de Pernambuco.
Trata de uma época "braba": o início dos anos setenta. É inacreditável, mas a Polícia Federal perdia tempo querendo saber por que um repórter escreveu um sinal de reticências! Ressuscito o texto. Ei-lo:
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Se eu fosse supersticioso, teria me recusado terminantemente a sair da maternidade: nasci numa sexta-feira 13, num beco sem saída. A história tinha tudo para dar errado. Para dizer a verdade, deu. Mas continuo tentando. Não custa nada.


( O grande Paulo Francis disse uma vez que, se tivesse a capacidade de falar cinco minutos depois de nascer, teria inspecionado a paisagem ao redor e perguntado: "Quem disse que eu queria vir para esta joça? ". Faço minhas as palavras do bebê Francis ).
Posso dizer, sem medo de errar, que sou um zagueiro-central frustrado, cuja maior façanha foi marcar um gol de bicicleta, numa pelada na praia do Janga, durante um fulminante contra-ataque, num dia azul de verão de Olinda. O gol foi prontamente anulado por um banhista que passava pelo local.
Fora dos gramados, começo a escrever em jornal aos treze anos de idade, no início de 1970, no suplemento “Júnior” - que circulava aos sábados, no Diário de Pernambuco.
Inocente como todo zagueiro-central amador,cometo o pecado mortal de de tentar imitar o estilo bombástico de David Nasser em “O Cruzeiro”. Os leitores infanto-juvenis resistiram bravamente ao trauma provocado por meus artigos. O suplemento era dirigido por Fernando Spencer e por D. Loydes Marques dos Reis, a famosa “Tia Lola”, a quem devo agradecimentos, pelo incentivo nos verdes anos.
Depois, passei três anos na reportagem geral do Diário de Pernambuco. As lições que a gente aprende no início da profissão são, provavelmente, as mais importantes, porque ficam para sempre.
Adquiri ali, nos meus primeiros tempos na redação do Diário, uma crença que me acompanha até hoje: a reportagem é a função mais importante e mais fascinante do Jornalismo. É claro que, sem editores, os jornais não iriam para a rua. Mas, sem repórteres, as notícias não chegariam às redações.
Carrego comigo – nítidas – outras tantas lembranças: o intenso barulho das máquinas de escrever, principalmente no início da noite, hora em que os repórteres e editores começam a “correr contra o relógio”.
A morte das máquinas de escrever decretou uma estranha lei de silêncio nas redações. Hoje, a aparente assepsia das redações contrasta com aquela sinfonia desafinada que aprendi a ouvir, ali, nos primeiros anos da década de setenta.
As cenas que guardo na lembrança encheriam páginas e páginas de um livro que,certamente, jamais escreverei, porque espero estar sempre ocupado em busca de boas histórias e bons entrevistados – que são os outros, não eu. Não me julgo ,sinceramente, um personagem tão interessante. Não sou.
De qualquer maneira, eu me lembro do Dr. Antônio Camelo – na época, superintendente do Diário de Pernambuco, homem que a redação encarava com reverência – me chamando à sala que ele ocupava, no segundo andar, para dar uma missão àquele repórter iniciante: queria que eu fizesse uma reportagem “completa” sobre as condições de funcionamento do hospital psiquiátrico da Tamarineira. “Vá lá, entre sem dizer que é repórter, diga que tem uma irmã internada lá, faça qualquer coisa, mas volte com a matéria!”.
Com a petulância típica dos adolescentes, eu disse “pode deixar”. De fato, entrei sem me anunciar como repórter. O fotógrafo ficou acompanhando tudo à distância. Consegui falar com os internos. Ouvi queixas sobre a qualidade da comida servida. Disseram-me que o feijão vinha com pedra.
Voltei ao hospital – dessa vez, já na condição declarada de repórter. Procurei a direção. Ouvi que o cardápio dos pacientes era um primor de variedade : um dia peixe,em outro frango,em outro carne. Que história era aquela de reclamações?
Volto para a redação do Diário. Graças à missão que me fora dada por “Doutor Camelo” (era assim que todos o chamávamos), aprendi, na prática, uma lição fundamental na vida de qualquer jornalista: há sempre duas verdades - a "verdade oficial" e a "verdade dos fatos".
Nem sempre o que os porta-vozes oficiais dizem é verdadeiro. Se eu tivesse ouvido apenas a direção do hospital, teria voltado para a redação certo de que o serviço oferecido aos pacientes era digno de um hotel de cinco estrelas. Mas, misturado aos internos, pude constatar que existia o outro lado da moeda.
O Brasil vivia os chamados “anos de chumbo”. O início dos anos setenta nem sempre era um época divertida para um candidato a jornalista. Eu me lembro de ter visto chegar à redação do Diário de Pernambuco comunicados da Polícia Federal avisando, por exemplo, que estavam vetadas quaisquer referências, comentários, entrevistas ou notícias sobre a proibição de uma peça de teatro escrita por Chico Buarque – “Calabar“.
A divulgação de notícias sobre discursos pronunciados por Dom Hélder no exterior também estava vetada.
Uma cena que vivi na redação do Diário ilustra o tamanho da escuridão: publiquei, numa coluna que eu assinava no caderno “Domingo” – em formato tabloide – um ligeiro comentário sobre o filme “Toda Nudez Será Castigada”, dirigido por Arnaldo Jabor a partir de uma peça de Nélson Rodrigues.
O filme, premiado no exterior, acabara de ser proibido pela censura. Lá pelas últimas linhas do comentário, eu falava da proibição e dizia que era “uma pena”. O artigo terminava com reticências.
Bastou para que dois agentes da polícia federal fossem enviados à redação do Diário, no início da tarde da segunda-feira, à procura do autor de tão perigoso comentário. Eu não estava. Procuraram pelo editor do caderno “Domingo”. Era João Alberto – na época, cronista social já famoso. Lá se foi João Alberto para a Polícia Federal, para tentar explicar ao superintendente o que queriam dizer aquelas reticências.
Quando cheguei à redação, fui chamado para a “sala do Doutor Camelo”. Lá estavam João Alberto, Gladstone Vieira Belo (na época,editor-chefe) e o próprio Doutor Camelo discutindo o caso das reticências. ( Eu estava em início de carreira. Tinha dezessete anos de idade. Começara a trabalhar como repórter, no Diário, aos dezesseis - em agosto de 1972 ).
Os três, a bem da verdade, me tranquilizaram: disseram que não era a primeira vez que tais problemas ocorriam. Não seria a última. Que eu continuasse o meu trabalho. Mas João Alberto não escapou de ouvir uma bronca do superintendente: para o policial, era uma “irresponsabilidade” um mero estudante - que nem tinha entrado no curso de Jornalismo ainda - ter uma coluna assinada no Diário de Pernambuco.
Hoje, a cena parece surrealista: mas houve um tempo em que a Polícia Federal gastava pessoal e gasolina em busca de um estudante que escrevera um sinal de reticências no Diário de Pernambuco! O ano: 1973. Quanto desperdício, quanto surrealismo, quanta alucinação!
Fragmentos de lembranças vão passando agora diante de mim, como um filme que fosse exibido aos pulos.
Eu me lembro de ter visto Luiz Gonzaga,o “Rei do Baião”, sentado no fundo da redação do Diário. O que ele estaria fazendo ali? Não me lembro. Mas sei que aproveitei a chance para fazer uma entrevista que foi publicada no domingo seguinte.
Ou Alceu Valença sentado na ante-sala da redação, empenhado na tarefa de divulgar a música “Vou Danado pra Catende” – que seria apresentada num festival de música da TV Globo.
Ou Gilberto Freyre, o Mestre de Apipucos, interrompendo uma entrevista para consultar no dicionário o exato significado de um adjetivo. Virou-se para mim, perguntou :“Viu como consulto dicionários ?”. Vi, sim. Se o gênio Gilberto Freyre se dava ao trabalho de consultar dicionários,o mínimo que eu poderia fazer era tentar um dia ler o Dicionário Aurélio da primeira à última página.
Ou o escritor de livros infantis Malba Tahan ditando para mim, na sala de Gladstone Vieira Belo, aquelas que seriam suas últimas palavras. O escritor viera ao Recife para fazer conferências. Depois de deixar o prédio do Diário de Pernambuco, foi para um Hotel em Boa Viagem – onde morreu de um enfarte fulminante.
Jornalista faz humor até em situações dramáticas. Eu me lembro de que alguém fez circular pela redação uma lista de “inimigos públicos” que eu deveria entrevistar – na esperança de que acontecesse com eles o que aconteceu com o escritor.
O que um repórter iniciante vive na redação do jornal que o acolhe é fundamental para o aprendizado profissional. Sem exagero : os anos que passei na redação do Diário de Pernambuco valerão sempre para mim como um curso intensivo.
Anos depois, li um conselho de um editor inglês : “Quando estiver ouvindo presidentes e ministros,líderes sindicais e empresários,iogues e delegados de polícia,o repórter deve sempre perguntar a si mesmo : Por que será que estes bastardos estão mentindo para mim ? “.
Sem saber, eu já tinha aprendido essa lição quando saí da redação do Diário para tentar fazer uma reportagem
no Hospital da Tamarineira.
A lição ficou . A verdade pode ter várias faces. O repórter deve desconfiar sempre. Não custa nada perguntar intimamente: afinal de contas, "por que será que estes bastardos continuam mentindo para mim ?".
PS: Ah,sim. Confesso: é claro que as reticências eram uma ironia.

Posted by geneton at 12:18 PM

setembro 16, 2014

O MENINO QUE TINHA HORROR DE MATEMÁTICA E SONHAVA EM SER JOGADOR DE FUTEBOL FUGIA DOS PROFESSORES COMO SE FOSSE UM PEQUENO RICHARD KIMBLE - O INOCENTE INJUSTAMENTE PERSEGUIDO NA SÉRIE "O FUGITIVO"

( OU: PEQUENA LISTA DE LEMBRANÇAS DESPERTADAS POR UM LIVRO QUE FAZ UM INVENTÁRIO DE ANÚNCIOS DE REVISTA DOS ANOS SESSENTA E SETENTA: "A ALMA DO NEGÓCIO" - DE ALBERTO VILLAS )
É tiro e queda. Os textos de Alberto Villas, jornalista que trocou a camisa de editor de TV pela de cronista da memória, conseguem produzir um efeito instantâneo em quem lê: abrem as comportas de uma incontrolável torrente de lembranças.
Agora mesmo, as páginas de "A Alma do Negócio" acabam de me teletransportar para o bairro de Nossa Senhora do Rosário da Torre, no Recife dos anos sessenta / setenta.

Parece que estou vendo a barraquinha que vendia drops Dulcora na calçada do Cinema da Torre. A trilha sonora dos filmes na tela ganhava, sempre, a contribuição do barulho produzido, na plateia, por mãos infantis retirando o plástico que envolvia os drops multicoloridos. Lá na tela, Elvis Presley cantava uma canção que falava em Acapulco.
Guardei na memória uma cena de outro filme - de que jamais me esqueci: um equilibrista caminhando sobre uma corda estendida sobre uma queda d´água. A plateia prendia a respiração: e se ele caísse? Não caiu. Não consegui descobrir que filme foi aquele - o do equilibrista.
Também no Cinema da Torre, certamente embalado pelos drops Dulcora, vi a plateia inteira torcendo para que Steve McQueen escapasse dos guardas nazistas em "Fugindo do Inferno". A plateia batia os pés no chão, num ritmo cadenciado que acompanhava o tema principal da trilha sonora do filme - uma espécie de marcha militar.
"A Alma do Negócio" - que acabo de ler "de um folego só" - vai atiçando as lembranças.
Eu me lembro de contemplar, maravilhado, a jarra cheia de Q-Suco de cor vermelha, num canto da geladeira, na cozinha de minha casa. Devia ser de morango. O líquido avermelhado banhava a garganta seca do menino que acabara de chegar da rua, onde disputara uma pelada épica - certamente sonhando que era um jogador do Sport Club do Recife dando dribles fantásticos diante do Estádio da Ilha do Retiro lotado.
Todo sujo de poeira, o menino levava bronca da mãe. Não deveria estar estudando? Deveria, sim. Mas o apelo de uma bola Dente de Leite rolando por uma rua sem asfalto era irresistível. Eu precisava entrar em campo.
A bronca tomou dimensões bíblicas no dia em que o menino resolveu, não se sabe por quê, usar um anel dourado que achara no fundo de alguma gaveta em casa. O anel caiu do dedo numa disputa de bola. Horas e horas de busca, para aplacar o desespero da mãe, se revelaram inúteis. Por algum mistério, a areia engoliu para sempre aquele anel - herança preciosa de algum antepassado do ramo materno da família.
Em nome da fidelidade aos fatos, devo confessar, cabisbaixo, que, na infância, fui um zagueiro terrivelmente medíocre. O sonho de atuar no Estádio da Ilha do Retiro se esfumaçou, é claro.
Por que me lembrei agora destes sonhos extraviados e de anéis perdidos na areia ? A culpa é deste "A Alma do Negócio" - atiçador de memórias.
Eu me lembro de ter recebido de presente do meu avô uma bicicleta Monark chamada Brasiliana 65. Meu avô, José Rodrigues Leite, era uma figura "mítica" na minha infância, porque morava longe. Vivia em Salvador, na Bahia. Quando foi visitar os netos, no Recife, nos inundou de presentes. O meu foi inesquecível: a Brasiliana 65.
Um dia, ao desfilar pela rua, certamente a uma velocidade que desafiava a prudência, a bicicleta foi atingida por um Aero Wills, dirigida por um vizinho. Escapei sem ferimentos. Mas, assustado, meu pai tratou de despachar a bicicleta para a fazenda, no interior. Passei a ver a Brasiliana 65 apenas nos fins de semana.
Por que me lembrei da saga do menino que perdeu a bicicleta? Culpa de "A Alma do Negócio".
Eu me lembro perfeitamente da TV Máscara Negra que minha mãe comprou. A tela era pequena. A TV podia ser transportada de um cômodo a outro, sem atropelos. Ali, eu via meus herois desfilando na programação da tarde: Batman, Nacional Kid, Roy Rogers.
De noite, eu via O Fugitivo. Era meu ídolo absoluto. Torcia para que o fugitivo - o doutor Richard Kimble, injustamente acusado de um crime - não fosse capturado pelo tenente Philip Gerard. Parece que estou vendo: o perseguidor Gerard exibia, sempre, uma feição dura, contrita, implacável. Não ria.
Passei a considerar meus algozes particulares - todos os meus professores de matemática, por exemplo - como réplicas acabadas do tenente Gerard. Tinha certeza de que eram.
Em meus pesadelos, meus professores ( os seja: meus tenentes Gerard ) viviam me perseguindo - com um livro de equações e fórmulas matemáticas indecifráveis nas mãos. Eu, no papel de um mini-Richard Kimble, fugia pelas vielas noturnas do Recife para escapar do terror de ter de estudar matemática.
Por que ressuscitar agora meus pesadelos matemáticos? Culpa de "A Alma do Negócio".
As histórias de Além da Imaginação tiravam o sono do menino. Havia sempre personagens que pertenciam a "outra dimensão". Ou seja: já tinham morrido há tempos, mas, por algum motivo, reapareciam no seriado. A lembrança da trilha sonora lúgubre só reforçava o medo do menino, mergulhado na escuridão do quarto.
Por que diabos fui me lembrar dos personagens de Além da Imaginação? Culpa de "Alma do Negócio".
Faça o teste: é inevitável que este livro desperte, em quem lê, uma viagem fascinante pelo que passou - mas ficou na lembrança.
O Villas cronista consegue fazer uma feliz combinação entre lembrança pessoal e lembrança histórica. Aqui, ele retoma esta fórmula, inesgotável - entre lembranças de anúncios, renascem as memórias de família, memórias de Minas, memórias de infância, memórias de juventude, memórias de hoje, memórias do Brasil.
Faz bem. Afinal, memória nunca foi "coisa de museu". Feitas as contas, a memória é, desde sempre, a velha e bela força que move cada um de nós.
( Texto da apresentação do livro recém-lançado pela Editora Globo )

Posted by geneton at 12:18 PM

setembro 13, 2014

A NOVA PRAGA VAI SE ESPALHANDO PELAS TEVÊS: UM "ÓTIMO DIA", UMA "ÓTIMA TARDE", UMA "ÓTIMA NOITE"....

Uma mera observação sobre o Estado Geral das Coisas: desde as mais priscas eras, a saudação corrente nestas terras é "bom dia", "boa tarde", "boa noite". Expressões simples, sóbrias, diretas, corteses, irretocáveis, universais.
De uns tempos para cá, uma praga vem se disseminando pelas tevês. Os ouvidos mais atentos já devem ter notado que os tradicionalíssimos e tão bem educados "bom dia", "boa tarde" e "boa noite" começaram a ser substituídos pelos artificialíssimos, irritantes e descabidos "um ótimo dia", "uma ótima tarde", "uma ótima noite". ( Dá para imaginar o francês substituindo o "bonjour" ou o inglês trocando o "good morning", "good afternoon" ou "good night" por alguma coisa coisa? Não, não dá. )

Diante da nova praga, há apenas três palavras a serem ditas: Deus do céu....
E, antes que seja tarde, uma ótima noite para todos.
Neste exato momento, meu demônio-da-guarda me sopra, desesperado, no ouvido: Deus do céu, Deus do céu, Deus do céu....
De resto, não, ninguém precisa de "um ótimo dia", "uma ótima tarde", "uma ótima noite": um bom dia, uma boa tarde, uma boa noite já são mais do que suficientes para todos, em todos os lugares.
( nestas horas, me lembro do meu mestre, o grande repórter e saudosíssimo Joel Silveira. Quando algum apresentador dizia, em tom supostamente simpático mas na verdade impositivo, algo como "não saia daí", Joel tinha a tentação de se levantar imediatamente da cadeira e dar uma volta na sala, só para ter o gosto de não cumprir a "ordem" emanada da TV. É o prazer de dizer, só por pirraça: "Que história é essa de "não saia daí"? Eu saio, sim! Quer ver?... ". Não, o apresentador não ia ver. Mas Joel saía ).

Posted by geneton at 01:20 PM

setembro 11, 2014

O DESTINO DE TODOS NÓS: "UM MISTERIOSO CRUZAMENTO DE FORTUNA E INFELICIDADE". ( PALAVRAS DE ERNESTO SABATO, EM DIÁLOGO COM JORGE LUIS BORGES. DISSE TUDO. NADA A COMENTAR )

ERNESTO SABATO: "O Xul Solar fez os horóscopos dos meus dois filhos e durante muitíssimos anos eu resisti em conhecê-los. Sempre tive medo do futuro, porque no futuro, entre outras coisas, está a morte"
JORGE LUIS BORGES: "Eu penso que, assim como a gente não pode se entristecer por não ter visto a Guerra de Tróia, não ver mais este mundo tampouco pode entristecer"
ERNESTO SABATO: (...) "Eu nunca quis vê-los (os horóscopos). Sabe que foram se cumprindo?"
JORGE LUIS BORGES( com assombro) : "E como são ? O que pressagiavam?"
ERNESTO SABATO (com uma voz íntima, quase para dentro) : "Um misterioso cruzamento de fortuna e infelicidade. Isso, Borges, isso".
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(trecho de "BORGES/ SABATO:DIÁLOGOS" ( Editora Globo, 2005)

Posted by geneton at 01:21 PM

setembro 10, 2014

CENAS DE BASTIDORES: PEGAR OU NÃO UM AUTÓGRAFO DO "HOMEM MAIS ODIADO DA AMÉRICA"?

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Depois de negociações via fax com a direção do presídio de segurança máxima, consigo uma entrevista com um dos assassinos mais célebres da história dos Estados Unidos – o homem que matou o pastor Martin Luther King. ( Aos que nasceram ontem: Martin Luther King é herói da luta contra a segregação racial ).
O assassino chama-se James Earl Ray. Cumpria pena de prisão perpétua numa penitenciária em Memphis, Tennessee. Chegou a ser chamado de "o homem mais odiado da América".
Uma pequena odisseia precede o encontro. Somos obrigados a fazer uma lista minuciosa de todo o equipamento que estamos conduzindo (fios, microfones, baterias).
Depois, o guarda nos ordena que deixemos numa caixa todas as cédulas, moedas e talões de cheque que tivermos nos bolsos. O dinheiro é trancafiado num cofre. Vai ser devolvido na saída. Motivo: evitar que se faça qualquer pagamento ao prisioneiro em troca da entrevista.
Por fim, passamos - eu e o cinegrafista Hélio Alvarez - por pelo menos cinco portões que isolam os detentos do resto do mundo. O próximo portão só se abre quando o anterior se fecha. Cercas eletrificadas completam o aparato.
Penso comigo: é tecnicamente impossível escapar desse inferno. James Earl Ray chega para a entrevista mascando chicletes. Os olhos azulíssimos são espertos.
O homem é articulado: fala bem, concatena com clareza suas idéias. Faço a pergunta que ele com certeza ouve há anos: você matou Martin Luther King? A resposta é sucinta: “Não”. Mas as provas são conclusivas: as impressões de James Earl Ray estavam no rifle usado para matar King em abril de 1968, na varanda de um hotel de Memphis.
Martin Luther King tinha um sonho: acabar com o preconceito racial. James Earl Ray tinha um rifle.
Termina a entrevista. Tenho em mãos um exemplar do livro que James Earl Ray publicou sobre o caso.
Vacilo intimamente: devo ou não pedir um autógrafo ao assassino? Confesso que minha porção fútil venceu. Peço que ele autografe o livro sobre o assassinato.
James Earl Ray me deseja, por escrito, “os melhores votos”.
Resisti até hoje a vender o livro num desses leilões exóticos que povoam a Internet.

Posted by geneton at 01:22 PM

setembro 09, 2014

JOEL SILVEIRA: "O TURISTA É DE UM RIDÍCULO SEM PAR. DE BERMUDAS, CHEIO DE MÁQUINAS PENDURADAS NO PESCOÇO, SUANDO EM BICAS, É ROUBADO A TODA HORA EM RESTAURANTES..."

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Joel Silveira, o maior repórter brasileiro, faria aniversário agora em setembro - mas saiu de cena há sete anos. Tive a sorte de conviver por duas décadas com este mestre do jornalismo. Os vinte anos de convivência com ele renderam o documentário "Garrafas ao Mar: a Víbora Manda Lembranças", produzido pela Globonews. Pretendo, um dia, reunir em livro as horas e horas de conversas gravadas com este jornalista que - de fato - tinha um texto literário ( ou Joel terá sido um escritor que sabia fazer jornalismo? ). As duas hipóteses estão corretas. Aqui, direto de nossos arquivos não tão implacáveis, uma de nossas entrevistas:


Eis a víbora:
esparramado numa poltrona na sala deste apartamento na rua Francisco Sá, quase no limite entre Copacabana e Ipanema, Joel Silveira acompanha com um certo ar de enfado o telejornal da TV a cabo. O peso dos oitenta e três anos é visível no olhar mortiço.
O aparente cansaço diante do desfile de horrores planetários e provincianos no telejornal não impede o velho repórter de soltar imprecações contra – por exemplo – o Excelentíssimo Senhor Presidente da República. Quando o presidente FHC aparece no no vídeo, Joel não resiste :
- É o tipo do presidente que sabe falar mas não sabe dizer .Fala mas não diz. Nunca vi falar tanto, sobre qualquer assunto. Aparece mais na TV do que anúncio de Coca-Cola. Tenho a impressão de que todo dia, ao acordar, logo de manhã,Fernando Henrique se vira para um assessor e pergunta : “Por favor,qual é o mote de hoje ?”. O assessor diz -por exemplo- “indústria siderúrgica”. E aí ele se dana a falar sobre indústria siderúrgica o dia todo. Um dia depois, muda de mote. Assim por diante, até o fim dos tempos.
Não foi por acaso que Joel recebeu de Assis Chateaubriand o título de “víbora”: um de seus esportes prediletos sempre foi destilar veneno e ironia em doses industriais.
Em artigo que entrou para a história do jornalismo brasileiro, pintou,com palavras elegantes e irônicas, um retrato devastador das grã-finas paulistas, na década de quarenta.
Num país em que tantos títulos são injustamente atribuídos, o rótulo inventado por Chateaubriand para definir Joel é um exemplo de justiça. Além do apelido de “víbora”, Joel carrega também um título que o acompanha há décadas – o de “maior repórter brasileiro”.
Se algum entrevistador fizer menção a este título honorífico, Joel balançará a cabeça como se estivesse contrariado com o possível exagero, mas, na hora de dormir, quando for trocar confidências com o travesseiro, terá de admitir que a homenagem não soa de forma alguma despropositada.
Pouquíssimos repórteres já cultivaram, como Joel, uma paixão tão inabalável pela reportagem. Nunca quis ocupar os cargos –eventualmente bem pagos – que se ofereciam, tentadores, na retaguarda das redações. Sempre fez a opção preferencial pelo “mundo exterior” . Porque desde cedo aprendeu que a boa reportagem precisa ser caçada na rua,feito touro bravio.
Faz mea culpa quando se lembra dos períodos de tempo que extraviou na retaguarda das redações,como burilador de textos escritos por outros repórteres :
- Os chefes mandavam que eu transformasse cinco laudas em dez linhas. Tinha de cumprir a ordem. Eu deveria ser preso: já fui assassino de textos alheios.
Poucos terão –como Joel - um texto que reúne com tanta maestria Jornalismo e Literatura. A nossa víbora descreveu assim a cena que viveu depois de sair do Palácio do Catete,no Rio de Janeiro,ao fim de uma tentativa frustrada de entrevista com Getúlio Vargas :
"Lá para a meia-noite,entrei no Danúbio Azul,um bar que não existe mais numa Lapa que também não existe mais; e lá fiquei até que a manhã me fosse encontrar – uma das mais radiosas manhãs de abril já neste mundo surgidas,desde que existem mundo e manhãs de abril".
Pergunta-se : em que jornal ou revista se leem hoje textos dessa qualidade ? A resposta é um silêncio ensurdecedor.
Joel pode exercer aqui e ali um lirismo que já rendeu páginas memoráveis, mas nunca abandonou o gosto pela maledicência. Adora falar mal de da fauna humana – aí incluídos personagens perfeitamente inofensivos,como, por exemplo, os alpinistas, os turistas e os tocadores de cavaquinho.
É pura implicância. Cheio de certeza, constata :
-“O cúmulo do ridículo, beirando o grotesco, é um marmanjo, gordo e barrigudo, tocando cavaquinho”....
Adiante ,pergunta,a sério:
-Pode existir coisa mais idiota do que um alpinista ? Por que é que eles não pegam um avião, meu Deus do céu ? Por que não vão de helicóptero ? Pra que subir naquelas montanhas,se eles poderiam ver tudo da janela de um avião,no maior conforto ?
Provoco a víbora. Quero saber quem ele não levaria sob hipótese alguma para uma ilha deserta,se fosse condenado a passar o resto da vida isolado do mundo :
- Eu não levaria João Gilberto de forma nenhuma,com aquele violãozinho, uma coisa horrorosa. Aliás, o melhor talvez fosse deixá-lo numa ilha deserta,sem violão! Assim,eu poderia ir embora. Não entendo o fenômeno João Gilberto: é um dos mistérios que minha inteligência não consegue alcançar. Eu até me esforço para entender tanta idolatria, porque, como sou repórter, gosto de saber das coisas. Mas confesso que não consigo.
Joel nunca morreu de amores por um ex-colega de redação que entraria para a galeria dos brasileiros notáveis do Século Vinte :
- Eu nunca disse que não gostava de Nélson Rodrigues. Apenas convivi pouco com ele. Fomos colegas de redação. Gosto da peça “Vestido de noiva”, mas a verdade é não nos entrosávamos. Uma vez, eu estava escrevendo alguma coisa - escrevo depressa na máquina, porque no fundo sou mesmo é um bom datilógrafo. De repente, Nélson Rodrigues caminha em minha direção, fica parado diante de mim com um cigarro pendendo na boca e exclama: “Patético !”. Em seguida, foi embora, em silêncio. Quando acabei de escrever, fui até a mesa de Nélson – que batia à máquina com dois dedos – e fiz a mesma coisa. Fiquei em silêncio vendo-o escrever. Depois,disse,simplesmente : “Dramático ! ”. Fui embora. Nosso único diálogo resumiu-se a estas duas exclamações – “patético” e “dramático”.
Depois de seis décadas de jornalismo, que outros tipos a víbora Joel incluiria na galeria nacional do ridículo,além dos tocadores de cavaquinho gordos e alpinistas ?
- Eu incluiria o turista numa Galeria Internacional do Ridículo. Porque o turista é de um ridículo sem par. De bermuda, cheio de máquinas penduradas no pescoço, suando em bicas, é roubado a toda hora nos restaurantes. Ridículo é também o velho que quer parecer moço- aquele que pinta cabelo, rebola e faz uma operação plástica por mês.
Joel vai fazendo confidências nesta tarde em Copacabana. Diz, por exemplo, que ouviu uma confissão de fraqueza de um dos maiores cronistas já surgidos no Brasil, Rubem Braga - um amigo do peito que até hoje lhe dá saudade. Os dois – Joel e Braga – foram correspondentes de guerra na Europa. Joel resolveu dar de presente a Rubem Braga um exemplar de um livro clássico de Stendhal – “O Vermelho e o Negro” . Semanas depois, Braga confessa a Joel que não conseguira de forma alguma passar da página noventa e dois do livro. O motivo :
- Rubem me disse que tinha interrompido a leitura porque o livro tinha personagem demais. E ninguém ficava parado....
Joel confessa que nunca conseguiu chegar ao final de “Os Irmãos Karamazov”, a obra-prima de Dostoievski. Agnóstico, alista-se entre os que concordam sem vacilar com o que disse o poeta Murilo Mendes :
-Deus existe,mas não funciona.
Cinco da tarde. É hora de dar um descanso ao guerreiro. Depois de tanta pergunta, peço que a víbora responda a um mini-interrogatório.São apenas cinco as dúvidas que quero tirar. É claro que ele aceita a proposta. Lá vai:
1
GMN : Quem foi a celebridade mais idiota que o senhor conheceu ?
Joel : “Deus me perdoe, mas foi o Papa Pio XII. Fui a uma audiência com ele no Vaticano.Diante do nosso grupo, ele disse :”Brasileiros ? O português é uma bela língua. “Sabia” é do verbo saber. “Sábia” é uma mulher inteligente.”Sabiá” é um pássaro”. Que idiotice!”.
2
GMN : Se fosse escrever uma autobiografia,que fato vexaminoso o senhor faria questão de esconder ?
Joel : “Uma vez,em Roma, depois da guerra,vi Ernest Hemingway tomando conhaque sozinho num bar que ele costumava freqüentar. Fiquei em dúvida sobre se deveria abordá-lo.Fui ao banheiro remoendo a dúvida. Quando voltei, ele já tinha ido embora. É um dos meus grandes fracassos profissionais. O pior que poderia acontecer seria levar um soco de Hemingway. Nesse caso,pelo menos o lead estaria garantido”.
3
GMN : Se o senhor fosse nomeado ditador de Sergipe, qual a primeira providência que tomaria ?
Joel : “Proibir a entrada de João Gilberto no Estado. Já seria um bom começo.Não existe nada tão chato quanto a Bossa-Nova”.
4
GMN : Qual a cena mais grotesca que o senhor já testemunhou ?
Joel : “Não precisa ir longe.Basta desembarcar num boteco qualquer do Rio numa noite de sábado. Repito: não existe nada mais grotesco do que um sujeito barrigudo e suado tocando cavaquinho”.
5
GMN : De quem o senhor não compraria um carro usado ?
Joel : “Não quero parecer ranzinza, mas alguém pode me dizer para que servem os alpinistas ? Por que aqueles idiotas não pegam um avião para olhar as montanhas do alto, em vez de tentar a subida ridiculamente amarrados em cordas ?. Eu jamais compraria um carro de um alpinista. Não se pode confiar em seres que não têm senso de ridículo”.
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(Entrevista gravada em 2002)

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setembro 08, 2014

"QUE IMPORTA RESTAREM CINZAS, SE A CHAMA FOI BELA E ALTA? " - PERGUNTAVA O POETA QUE QUERIA ELEIÇÃO DIRETA PARA ESCOLHA DE MINISTROS E ADORAVA LER ANÚNCIOS CLASSIFICADOS DOS JORNAIS.

AQUI, CINCO VERSOS E VINTE E TRÊS RESPOSTAS DE MARIO QUINTANA - QUE SAIU DE CENA HÁ VINTE ANOS, EM 1994:
1. “Ai de mim/ Ai de ti, ó velho mar profundo/ Eu venho sempre à tona de todos os naufrágios”.
2. “A vida é um incêndio/ nela dançamos, salamandras mágicas/ Que importa restarem cinzas/ se a chama foi bela e alta?/ Em meio aos torós que desabam/ cantemos a canção das chamas!/ Cantemos a canção da vida/ na própria luz consumida...”
3. “Um poema como um gole d’água bebido no escuro/ Como um pobre animal palpitando ferido/ Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna/ Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema/ Triste/ Solitário/Único/ Ferido de mortal beleza”
4. “Da primeira vez em que me assassinaram/ perdi um jeito de sorrir que eu tinha/ Depois, de cada vez que me mataram, foram levando qualquer coisa minha...”

5. “Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!/ Ah! Desta mão, avaramente adunca,/ Ninguém há de arrancar-me a luz sagrada!”
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GMN: Qual deve ser o primeiro compromisso da agenda da vida de um poeta?
QUINTANA: "O primeiro compromisso deve ser: não parar de poetar. Não parar de viver intensamente"
GMN: O senhor diz que gosta de fazer projetos a longo prazo, para “desafiar o diabo”. Que último desafio o senhor lançou?
QUINTANA: "O último desafio foi uma viagem – gorada – a Paris. O próximo, já em execução, é aprender a falar inglês. Eu era apenas tradutor de francês da Editora Globo. Aprendi, sozinho, a língua inglesa numa gramática, para traduzir. Mas apenas lia o que estava escrito, sem saber a pronúncia. Agora, estou lidando com um curso de inglês da Inglaterra por meio de fitas cassete. O primeiro tradutor de Virginia Woolf no Brasil fui eu. A tradução foi bem recebida pela crítica".
GMN: O escritor Erico Verissimo dizia que “Quintana é um anjo que se disfarçou de homem”. O senhor tem algum reparo a fazer à observação?
QUINTANA: "Tenho. Sempre desejei ser exatamente o contrário: uma espécie de diabo"
GMN: Qual a grande compensação que a poesia dá a quem a escreve?
QUINTANA: "Minha grande compensação é ter, às vezes, conseguido pegar a poesia nuinha em flor. Mas é difícil! (ri)"
GMN: Críticos já notaram que o senhor tem uma preferência especial pelas reticências. É verdade que prefere as reticências aos pontos finais?
QUINTANA: "Considero que as reticências são a maior conquista do pensamento ocidental, porque evitam as afirmativas inapeláveis e sugerem o que os leitores devem pensar por conta própria, após a leitura do autor"
GMN: O senhor diz que, ao escrever, “pergunta mais do que responde”. Qual a grande pergunta que o senhor não conseguiu ver respondida até hoje, aos oitenta e dois anos?
QUINTANA: "O essencial é a gente fazer perguntas. As respostas pouco importam"
GMN: Se a poesia, segundo suas palavras, “é uma loucura lúcida”, todo bom poeta deve ser necessariamente louco, ainda que lúcido?
QUINTANA: "Creio que é na Bíblia que foi escrito que todos nós temos um grão de loucura. O poeta deve ter esse grão de loucura, mas não necessariamente estar num grau de loucura"
GMN: O senhor já se confessou simpático à restauração da monarquia no Brasil. A notícia de que será promovido um plebiscito para decidir se o Brasil deve ser monárquico ou republicano anima-o? Que cargo gostaria de ocupar no Brasil governado por um Rei?
QUINTANA: "É claro que nenhum! Eu não desejaria ser o Poeta da Coroa. A melhor receita para fazer um mau poema é fazê-lo de encomenda"
GMN: Além de poeta, o senhor é tradutor de obras clássicas, como vários volumes de Marcel Proust. Que semelhança pode existir entre o trabalho de tradução e o ofício da criação poética?
QUINTANA: "Há sempre uma diferença entre tradução literal e tradução literária. Creio que a tradução de um autor é, nada mais, nada menos, a estreia desse autor na literatura da língua para a qual ele foi traduzido. Daí, a responsabilidade enorme de traduzir um Proust, um Voltaire, gente assim"
GMN: O senhor já chegou a trabalhar simultaneamente na preparação de cinco livros. Em algum momento da vida se sentiu tentado a deixar de escrever?
QUINTANA: "Sempre estou escrevendo, em prosa e em verso.Venho trabalhando em quatro livros.Cinco é demais! Nunca pensei em deixar de escrever, porque é a única coisa que sei fazer na vida".
GMN: Qual o grande medo do poeta Mario Quintana hoje?
QUINTANA: "Tenho medo de dizer"
GMN: O senhor, segundo notou o autor de um artigo publicado pela revista ISTOÉ, "nada tem: nem casa, nem mulher, nem dinheiro, nem família". Tanto desapego foi escolha pessoal ou aconteceu à revelia do que o senhor desejou ?
QUINTANA: "Catastrófico o autor, para mim desconhecido, dessa coisa publicada na ISTOÉ. O certo é que elas não tiveram tempo...E agora, no fim da picada, acho preferível a solidão sozinho à solidão a dois. Quero a solidão sozinho!"
(Enclausurado num quarto de hotel em Porto Alegre, Mario Quintana tinha uma mania: escrever a mão textos que, só depois, eram datilografados pela secretária Mara Cilaine, guardiã do poeta)
GMN: O senhor já declarou que "o proletário é um sujeito explorado financeiramente pelos patrões e literariamente pelos poetas engajados". Em algum momento, o senhor acreditou que a poesia poderia mudar o mundo ?
QUINTANA: "Para mudar o mundo, caberia ao poeta candidatar-se a vereador, a deputado ou a outro cargo assim- e não fazer poemas que as classes necessitadas não têm tempo de ler. Ou não sabem ler. É verdade que Castro Alves influiu na abolição da escravatura. Mas acontece que Castro Alves era genial. Já nós temos apenas algum talento...."
GMN: O senhor é autor de uma sugestão original: a nação lucraria se pudesse escolher livremente os ministros - e não apenas o presidente. De onde nasceu essa constatação ?
QUINTANA: "Não me lembro de ter feito tal sugestão. Mas agora gostei! O povo poderia influir mais diretamente no Executivo - que não ficaria só com o presidente e seus amiguinhos..."
GMN: O senhor escreveu que a poesia é a "invenção da verdade". Conseguiu inventar todas as verdades que queria através da poesia ?
QUINTANA: "O que meu cérebro lógico pensa não é exatamente o que pensa a parte não lógica do cérebro. Além da mera geometria euclidiana, existe a geometria não-euclidiana. Isso parece meio confuso, mas me faz lembrar uma verdade que escrevi um dia: a poesia não se entrega a quem sabe defini-la".
GMN: Aos oitenta e dois anos, o senhor é otimista ou pessimista diante do destino do homem neste fim de século?
QUINTANA: "Sou otimista. Há mais liberdade de expressão e mais comunicação. Não há, como nos meus tempos de menino, aquela proibitiva divisão entre as faixas etárias"
GMN: Num livro lançado há exatamente quarenta anos, Sapato Florido, o senhor escreveu que “os verdadeiros poetas não leem os outros poetas. Os verdadeiros poetas leem os pequenos anúncios dos jornais”. Qual foi, então, o melhor anúncio que o senhor já leu?
QUITANA: "Não sei se foi o melhor, mas o mais divertido foi este: “Alugam-se duas salas para mulheres bem-arejadas”. Ler os pequenos anúncios, em todo caso, é pôr-se em contato com as necessidades do povo"
GMN: Saber que “o voo do poema não pode parar”, como o senhor diz em “O Vento e a Canção”, é um consolo para quem escreve?
QUINTANA: "Para quem escreve, saber que o voo do poema não pode parar é sinal de que a vida continua deslizando, apesar dos solavancos"
GMN: O poema “No Meio do Caminho”, escrito por Carlos Drummond de Andrade no final dos anos vinte, foi ridicularizado e bastante criticado quando surgiu. O senhor, no entanto, incluiu o poema entre os que gostaria de ter escrito. De que maneira o senhor reagiria às críticas que foram feitas ao poema?
QUINTANA: "Quando alguém pergunta a um autor o que é que ele quis dizer, um dos dois é burro..."
GMN: Se "os caminhos estão cheios de tentações", qual a grande tentação do poeta Mario Quintana hoje ?
QUINTANA: "Os caminhos continuam cheios de tentações. Mas.....cabem,aqui, reticências...."
GMN: Os jovens poetas sempre esperam ensinamentos dos mais experientes. Se um poeta de vinte anos pedisse um conselho a Mário Quintana, que resposta o senhor daria a ele ?
QUINTANA: "Que ele não exigisse conselho de ninguém - e seguisse o próprio nariz"
GMN: Quem - ou o quê - atravanca o caminho do senhor hoje ?
QUINTANA :"Ah, a popularidade!"
GMN: E sobre a Academia Brasileira de Letras ? (N: Quintana foi derrotado nas três vezes em que tentou entrar para a Academia). O senhor não quer dizer nada ?
QUINTANA: "Não. Nem para dizer que não pretendo falar"
(Entrevista gravada em 1988 )

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setembro 07, 2014

DA SÉRIE PEQUENAS DÚVIDAS ESTÚPIDAS E DESIMPORTANTES: POR QUE SERÁ QUE UMA SUPERMODELO COMO GISELE BUNDCHEN ANDA NA PASSARELA COMO SE FOSSE UM BONECO DO CARNAVAL DE OLINDA OU UMA MARIONETE DESCONTROLADA?

Dúvida de um leigo absoluto em matéria de desfiles de moda: em nome de todos os santos, alguém poderia esclarecer o que quer dizer aquele andar de Gisele Bundchen na passarela? O que é aquilo? Defeito físico? Falta de coordenação motora? Trauma de infância?
Não se discute aqui a beleza da chamada "super-modelo". Deve haver um fundo de razão no boato de que ela é a mulher mais bela do mundo. Pode ser. Deve ser. Parece simpática, além de tudo. O problema das celebridades é a obrigação de dar entrevistas.


Sou insuspeito para falar, porque desde que me entendo por gente vivo importunando a paciência alheia em busca de declarações que mereçam ir para o papel. Em verdade, vos digo: noventa por cento das celebridades - especialmente, as que não precisam cultuar os prazeres da leitura - passam a vida pronunciando obviedades. Podem-se incluir nesta lista modelos, jogadores de futebol, atrizes, atores, cantores etc.etc.
As modelos vivem a um milímetro do vexame quando abrem a boca. Faça-se uma pesquisa na imprensa nacional dos últimos dez anos. O nível das declarações de modelos como Gisele Bundchen é digno de um estudante secundarista relapso. Uma alma caridosa poderia dizer: mas quem disse que elas deveriam saber falar ? Basta que desfilem. Que assim seja.
Mas aí uma dúvida devastadora invade a alma dos leigos: em nome das vítimas do tsunami, alguém poderia explicar o que é que faz uma supermodelo multimilionária se mover numa passarela como se fosse um boneco do carnaval de Olinda? É verdade que ganha cachês de milhares de dólares para balançar o esqueleto como se fosse uma marionete descontrolada?
Jamais vi um desfile de moda. Faço, desde já, um juramento: pretendo morrer sem ver. Não me faz a menor falta. Assim como milhões de observadores, guardo para mim o que penso daquela troupe de estilistas de roupinha preta e cabelo arrepiado. Um amigo - vou logo avisando que culto, bem preparado, viajado e nem de longe preconceituoso - gosta de exclamar quando cruza com um desses seres: "Ah, meu Deus do céu, só de pensar que a mãe passou nove meses gestando esta peça...".
Em nome dos bons costumes, seres civilizados, como este rabiscador de irrelevâncias, não dizem em voz alta o que realmente acham do Estado Geral das Coisas. Uma das conquistas da civilização, aliás, é a capacidade de dissimular opiniões (*). Mas caio na tentação de citar o que disse o britânico Paul Johnson sobre os estilistas em resposta a uma pergunta que lhe fiz:
GMN: O senhor diz que a moda é uma conspiração de costureiros para ver até onde eles podem forçar as mulheres a fazer macaquices. A moda é um sintoma da decadência?
Paul Johnson: “Não há nada de novo nesse fenômeno.A “alta moda de Paris” existe desde 1850 : é um século e meio de vida. Os estilistas –principalmente porque, na maioria, são homossexuais - sempre transformam as mulheres em macacas. Acham que as mulheres aceitarão o que eles fazem".
O "politicamente incorreto" Paul Johnson - que vive dizendo com brilho o que tanta gente pensa mas não diz - pode ter matado a charada: por detestarem o sexo feminino, os estilistas querem, no fim das contas, transformar modelos em macacas nas passarelas. Ou alguém já viu alguém andar na rua com uma daquelas roupas ridículas? Aviso aos navegantes: não sou eu que estou dizendo. É Paul Johnson. Apenas estou concordando.
Ainda assim, resta a dúvida primal: em nome das chagas de Jesus Cristo, alguém pode dizer em português claro o que é que faz uma supermodelo tão bonita quanto Gisele Bundchen andar com um pé na frente do outro, como se estivesse querendo provar ao guarda de trânsito que não bebeu?
O que é aquilo? O que quer dizer? Deixo no ar minha dúvida. Não é só minha. É de milhões de terráqueos que, como eu, certamente se orgulham de jamais, em tempo algum, ter pousado as patas num desfile de moda. Never, never, never, por todos os séculos e séculos, amém. É só ver o nível mental, o elenco de interesses e a compulsão exibicionista dos que, com as exceções de praxe, fazem, frequentam e badalam este lamentável aglomerado de cabeças-de-vento.
"Fashion Week". Quá-quá-quá. Nós, aqui do extremo oposto da escala animal, agradecemos penhoradamente pelas boas risadas que estes convescotes nos proporcionam sempre que aparecem na TV. Quá-quá-quá. Nunca se fez tanto humorismo involuntário na face da Terra.
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(*) Por falar nas virtudes da discrição: não por acaso, o inglês típico - habitante de um terra reconhecidamente civilizada - é capaz de testemunhar as maiores aberrações sem externar qualquer sinal de espanto. Vi uma vez, no metrô de Londres, um homem entrar num vagão, num sábado à noite, vestido de freira. Diga-se que não era carnaval. Os passageiros, todos, fizeram de conta que não estava acontecendo nada de incomum. Ninguém levantou a vista dos tabloides. Somente este selvagem brasileiro se deu ao trabalho de dar uma olhada discreta para o homem-freira - que reagiu com um sorriso cúmplice. Eu queria ver se não estava tendo uma alucinação visual. Duas estações depois, o homem-freira sumiu na multidão. Não incomodou nem foi incomodado. A indiferença é o suprassumo da civilização.

Posted by geneton at 01:24 PM

setembro 04, 2014

UM ( LONGO! ) RELATO SOBRE O DIA EM QUE GERALDO VANDRÉ FINALMENTE RESOLVEU FALAR

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O compositor Geraldo Vandré completa setenta e nove anos neste mês de setembro de 2014 de braços dados com um grande companheiro: o silêncio. De 1973 para cá, só deu uma longa entrevista para a TV. Tive a sorte de ser o "perguntador". A entrevista foi ao ar na Globonews, em 2010. Vai aqui o relato completo sobre o dia que o Grande Mudo quebrou o mutismo. O texto, feito originalmente para o G1, é longo. Ganhou um ou outro acréscimo. Que fique guardado, também, em alguma prateleira virtual deste Grande Bazar Facebook.
( Eis uma das grandes e inestimáveis maravilhas da Internet: os textos já não precisam passar pela mão de trituradores que, com sangue escorrendo pelo canto da boca e uma tesoura enferrujada nas mãos, passam a vida inteira jogando no lixo das redações o que os pobres dos repórteres conseguiram apurar. Bye, bye, texticidas ):

O “DECÁLOGO” DE GERALDO VANDRÉ NA PRIMEIRA ENTREVISTA QUE GRAVA PARA A TV DESDE O INÍCIO DOS ANOS SETENTA:
1.”EU ESTOU EXILADO AINDA – ATÉ HOJE, NÃO VOLTEI”
2.”ARTE É CULTURA INÚTIL. CONSEGUI SER MAIS INÚTIL DO QUE QUALQUER ARTISTA.SOU ADVOGADO NUM TEMPO SEM LEI”
3.”PROTESTO É COISA DE QUEM NÃO TEM PODER”
4.”NÃO EXISTE NADA MAIS SUBVERSIVO DO QUE UM SUBDESENVOLVIDO ERUDITO”
5.”NÃO SOU MILITARISTA. TAMBÉM NÃO SOU ANTI”
6.”NÃO TENHO O QUE CORRIGIR EM NADA DO QUE FIZ. TENHO ORGULHO”
7.”RARAMENTE ME ARREPENDO DO QUE FAÇO”
8.”A LOUCURA É A AVIAÇÃO. A MAIOR LOUCURA DO HOMEM É VOAR”
9.”O QUE EXISTE É CULTURA DE MASSA. NÃO É CULTURA ARTÍSTICA BRASILEIRA. NÃO HÁ ESPAÇO PARA A CULTURA ARTÍSTICA”
10.”NUNCA FUI MILITANTE POLÍTICO. NUNCA PERTENCI A NENHUM PARTIDO. NUNCA FUI POLÍTICO PROFISSIONAL”
Um dos mais duradouros silêncios da Música Popular Brasileira foi quebrado num fim de tarde de domingo no Clube da Aeronáutica, no Rio de Janeiro.
“Demorou uma eternidade”, mas Geraldo Vandré, o grande mudo da MPB, resolveu falar diante de uma câmera de TV.
Desde que voltou para o Brasil, no segundo semestre de 1973, depois de quatro anos e meio de exílio, Geraldo Vandré mergulhou num mutismo quase absoluto.
O compositor e cantor que entrara para a história da MPB dos anos sessenta como autor de canções como “Disparada” (em parceria de Théo de Barros) e “Pra Não Dizer que Não Falei de Flores”/Caminhando” , parecia ter se especializado em provocar espantos em série no público.
Primeiro espanto: numa declaração feita na volta do exílio, anunciou que, a partir dali, só queria fazer “canções de amor e paz”. O Jornal do Brasil registrou outras declarações de Vandré: “Eu desejo, em primeiro lugar, integrar-me à nova realidade brasileira. Isso é um processo que demanda paciência e tranquilidade de espírito – que espero encontrar aqui, nessa nova realidade”.
Segundo espanto: ao contrário do que se esperava, não houve novas canções de “amor e paz”. Vandré sumiu. Nada de shows, nada de entrevistas, nada de excursões. Nada, nada, nada. Recolheu-se a um país que parece ter um só habitante: o próprio Geraldo Vandré.
O Vandré pós-exílio não lembrava em nada o compositor que arrebatara o público no Festival Internacional da Canção de 1967. Entoados por Vandré diante de um Maracanãzinho superlotado, os versos de “Caminhando” ( “vem/ vamos embora/que esperar não é saber/quem sabe faz a hora/não espera acontecer”) saíram daquele palco para entrar na história: viraram uma espécie de hino de protesto contra o regime militar.
Sob uma vaia de fazer tremer as estruturas do ginásio, o júri deu o prêmio à “Sabiá”, a parceria de Chico Buarque com Tom Jobim. Mas o público foi seduzido pelo tom incendiário dos versos de “Caminhando”. Pouco depois, desabava sobre o país o Ato Institucional número 5 – que dava poderes absolutos aos militares. Vandré partiu para o exílio. A música “Caminhando” foi proibida.
O terceiro espanto viria anos depois: para surpresa geral, descobriu-se que Geraldo Vandré compôs uma peça sinfônica em homenagem à FAB, a Força Aérea Brasileira. Sim, era verdade. Vandré não apenas compôs a declaração de amor à FAB como cultivou uma relação próxima com a Aeronáutica. Vive sozinho em São Paulo. Quando vem ao Rio, para visitar a mãe nonagenária, hospeda-se no hotel do Clube da Aeronáutica, nas proximidades do aeroporto Santos Dumont.
De vez em quando, faz aparições fugidias. Virou lenda. O mutismo deu origem a lendas de todo tipo. Vandré teria sido torturado na volta ao Brasil. Teria, simplesmente, “pirado”. Teria feito um acordo secreto com os militares. E assim por diante. A lenda mais estapafúrdia dizia que ele teria sido castrado ! O silêncio, claro, só servia para alimentar o mistério. Como acontece em casos assim, a fantasia toma o lugar dos fatos.
O que há de certo é que ele foi, sim, constrangido a gravar um depoimento no Aeroporto de Brasília, em 1973. A gravação foi exibida à noite, na TV. Por onde andaria este filme ? Fiz uma primeira busca. Voltei de mãos vazias. Vandré tem lembrança de que agentes da Polícia Federal participaram da operação. Não há registros do filme nem na Polícia Federal em Brasília nem no Arquivo Nacional. Faço uma tentativa no Centro de Documentação da Rede Globo. Nada. Com quem estará o filme ? O que se sabe é que uma empresa de Brasília - uma produtora que, entre outras atividades, fazia filmes para órgãos do governo – foi contratada para gravar o depoimento de Vandré, no aeroporto. O cinegrafista escalado pela produtora para a gravação foi Evilásio Carneiro.
Igualmente, as imagens de Geraldo Vandré cantando “Caminhando” no Maracanãzinho estão desaparecidas. Restou o áudio da performance. Lá, é possível ouvir o pequeno discurso que Vandré, elegantemente, fez em defesa de Chico Buarque e de Tom Jobim, crucificados pelas vaias do público. “A vida não se resume a festivais”, diz, antes de começar a cantar “Caminhando”.
Houve, obviamente, uma ruptura profunda entre o Vandré de antes e o Vandré de depois do exílio. O próprio Vandré nos deu uma explicação : disse que perdeu a motivação e a razão para cantar porque aquele Brasil de 1973 já começava a viver um processo que ele chama de “massificação”. Num país em que a “cultura artística” foi engolida pela “cultura massificada”, não haveria lugar para o que ele fazia.
Depois de quatro meses de insistência, a produtora de TV Mariana Filgueiras terminou convencendo o Grande Mudo da MPB a falar. O mérito de ter derrubado o muro de silêncio que Vandré ergueu em volta de si deve ser creditado, portanto, à capacidade de insistência da produtora. É algo que ocorre com incrível frequência em TV: a responsável pelo furo de reportagem fica nos bastidores. C´est la vie. Mas fica feito o registro.
( O amigo Cláudio Renato Passavante, repórter afiado, ficou com os olhos brilhando quando eu disse a ele que Vandré iria falar. Fez questão de ir ao local da entrevista, para testemunhar, na condição de "olheiro" privilegiado, a aparição do homem. Depois, num blog, reproduziu, com incrível fidelidade, o que tinha ouvido. A reação entusiasmada de Cláudio Renato mostra que os anos que dedicou à chamada "cozinha da redação" não sufocaram o repórter que ele sempre foi ).
Vandré marcou o encontro para as cinco da tarde do domingo, doze de setembro de 2010 – justamente o dia em que completava setenta e cinco anos de idade. Nasceu em setembro de 1935 em João Pessoa, Paraíba.
O autor de pelo menos uma obra prima indiscutível – “Disparada” – escolheu o fim de tarde do domingo em que fazia aniversário para produzir um novo mistério – um, entre tantos outros que passou a cultivar desde que saiu de cena: o Grande Mudo decidiu, finalmente, que iria falar diante de uma câmera de TV. Por quê ? É provável que o fato de estar fazendo aniversário tenha pesado.
Para minha surpresa, o Grande Mudo estava solícito, falante, acessível. Aceitou sem reclamar os pedidos para caminhar no saguão do Clube de Aeronáutica diante da câmera do cinegrafista Ricardo Carvalho.
Quando a entrevista terminou, Vandré se recolheu a um quarto do Hotel da Aeronáutica. Cinegrafista improvisado, captei a cena com minha DVCAM: Vandré se afastando em direção à escadaria que dá acesso aos quartos. Estava sozinho. Terminava assim o domingo em que completava setenta e cinco anos.
Não imaginei que um dia iria testemunhar esta cena - o cantor que um dia incendiou o país com seus versos de alta combustão estava ali, solitário, no dia em que fazia aniversário, depois de ter quebrado, diante de mim, um silêncio que se estendeu por décadas.
Quem se lembra da última entrevista concedida por Vandré para uma TV ? Havia um tom ligeiramente melancólico na cena solitária protagonizada por Vandré no saguão do hotel, a caminho da ala dos hóspedes. Nada de grave. Os domingos à noite não são sempre assim ?
O que importa é que Geraldo Vandré deu sinal de vida. Eu estava lá para testemunhar a cena. Estava fazendo minha pequena parte no circo de horrores geral: “produzir memória”, não deixar que as palavras se desfaçam no vento. Afinal, o que diabos um repórter pode fazer de útil, além de “produzir memória” ? Pouquíssima coisa. Quase nada.
Quando Vandré sumiu na penumbra do corredor do hotel, dei por cumprida minha missão – o depoimento tinha sido devidamente colhido. É hora de passá-lo adiante.
Eis o que o Grande Mudo falou no dia em que quebrou o silêncio:
A pergunta que todos gostariam de fazer é a mais simples possível: o que foi que aconteceu com Geraldo Vandré ?
Vandré : “Ficou fora dos acontecimentos (ri). Ficou fora dos acontecimentos. Acho melhor para ele. Tenho outras coisas para fazer. Estudei leis. Quando terminei meu curso de Direito aqui no Rio e fui me dedicar a uma carreira artística, já sabia que arte é cultura inútil. Mas hoje consegui ser mais inútil do que qualquer artista. Sou advogado num tempo sem lei. Quer coisa mais inútil do que isso ? Quando entrei na escola, para estudar, era a Universidade do Distrito Federal. Quando saí, era Universidade do Estado da Guanabara. Hoje, é Uerj, no Maracanã”.
Você se animaria a fazer uma temporada comercial,em teatros ?
Vandré : “Tenho uma prioridade: fazer a minha obra de língua espanhola. É uma obra popular. Além de tudo, o que quero fazer, antes de cantar canções populares no Brasil, é terminar uma série de estudos para piano, música erudita com vistas a composição de um poema sinfônico. Porque aí já é a subversão total. Não existe nada mais subversivo do que um subdesenvolvido erudito”.
O fato de a música “Caminhando” ter se tornado uma espécie de hino de protesto provoca o quê em você hoje: orgulho ou irritação ?
Vandré: “Estou tão distante de tudo. Mas não tenho o que corrigir em nada do que fiz. Tenho muito orgulho de tudo o que fiz. Protesto é coisa de quem não tem poder. Não faço canção de protesto. Fazia música brasileira. Canções brasileiras. A história de “protesto” tem muito a ver com a alienação denominatória, é o “protest song” norte-americano, a música country. Há algumas coincidências. Não concordo com a denominação “música de protesto”. Fiz música popular brasileira”.
Você teve uma divergência artística com os tropicalistas – entre eles, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Hoje, você ainda considera ruim a música que eles faziam na época ?
Vandré : “Com essa pergunta, eu me lembrei de uma reposta que o próprio Gil deu uma vez. Fiz uma pergunta a ele. Não me lembro qual foi. E ele disse: “Ah, faço qualquer coisa. Uma tem que dar certo”. Eu não faço qualquer coisa”.
Mas você mudou de opinião sobre os tropicalistas ou não ?
Vandré: “Parece que eles continuam na mesma. É o que me parece. Eu estou distante de tudo – não só do Tropicalismo como de tudo praticamente que se faz do Brasil”.
Em que país vive Geraldo Vandré ?
Vandré: “Vive num Brasil que não está aqui. Geraldo Vandré vive no Brasil. Eu até me atreveria a dizer que quem não vive no Brasil é a maioria dos brasileiros. A quase totalidade dos brasileiros não vive mais no Brasil. Vive num amontoado”.
Como é este Brasil de Geraldo Vandré ?
Vandré : “É o antes – de quarenta anos atrás. O país que o Brasil era quando fiz música para o Brasil não era este país de hoje. Não existia este processo de massificação. Dentro da minha própria carreira – profissionalmente falando – houve uma mudança ali no Maracanãzinho. Ali, houve a passagem do que eu fazia para um público de um teatro de setecentas ou no máximo mil e duzentas pessoas para um ginásio com trinta mil pessoas. E a televisão direto no ar. Já foi a massificação”.
O Brasil de quarenta anos atrás era melhor do que o Brasil de hoje ?
Vandré: “Eu fazia música para aquele país”.
E por que não fazer música para o Brasil de hoje ?
Vandré: “Porque o país é outro. O que existe é cultura de massa. Não é cultura artística brasileira. Não há praticamente espaço para a cultura artística. Se você considerar os outros autores, eles fazem coisas de vez em quando. Não têm uma carreira como tinham antigamente – nem Chico Buarque nem Edu Lobo, ninguém. A carreira que eles têm é uma carreira hoje muito segmentada”.
Você se considera, então, uma espécie de exilado que vive dentro do Brasil ?
Vandré: “Estou exilado até hoje. Ainda não voltei. Eu estou exilado e afastado das atividades que eu tinha até 1968 no Brasil. Eu me afastei. Não retornei”.
Por que é que você resolveu se afastar totalmente da carreira artística naquela época ?
Vandré: “Naquela época, já era assim: já era como hoje. Quando voltei, o Brasil já estava num processo de massificação em que o público para quem eu tinha escrito e para quem eu tinha composto praticamente já não existia, aquela classe média de quatro anos e meio antes. Estava muito confuso tudo.Fui esperando, fui vendo outras coisas. Isso foi de mal a pior – cada vez mais. Para você ter uma ideia: quando terminei o curso de Direito no Rio e me mudei para São Paulo, em 1961, para fazer uma carreira artística, não existia bóia-fria em São Paulo. Hoje, São Paulo é a terra do bóia-fria: todo mundo amontodo nas cidades. Vão aos campos para plantar e para colher e depois voltam para a cidades. Quando fui para São Paulo, a cidade tinha quatro milhões de habitantes. Hoje, são dezesseis milhões de amontoados. É um genocídio. Tiraram todo mundo dos campos para produzir e exportar…”
A decisão de interromper a carreira,então, foi – de certa maneira – um protesto contra o que você via como “massificação” da sociedade brasileira ?
Vandré: “Não. O que houve foi muito mais uma falta de motivo, uma falta de razão para cantar. Protesto,não: falta de razão, falta de porquê. Estou fazendo o que acho que devia fazer”.
O que é que chama a atenção do Geraldo Vandré no Brasil de hoje ? Que manifestação artística desperta interesse ?
Vandré: “A miséria aumentou. Se você pegar a letra de “Caminhando” – ” pelos campos, as fomes em grandes plantações/pelas ruas marchando indecisos cordões/ ainda fazem da flor seu mais forte refrão/ e acreditam nas flores vencendo o canhão” -, hoje é mais ainda. Hoje, as ruas estão muito mais cheias de indecisos cordões. O processo de massificação destruiu praticamente a urbe brasileira”.
Você se animaria a fazer uma canção como “Caminhando” hoje ?
Vandré:”Não existe isso. A gente nunca faz uma canção como uma outra. Aquela é uma canção. Cada uma é uma.A gente faz independentemente de animação. Quando decide fazer, faz”.
Você diria que o Brasil é um país ingrato ?
Vandré : “Não. De forma alguma. São coisas que ocorrem. Guerra é guerra.Não perdi (ri). Eu me lembrei agora de um poema muito bonito de Gonçalves Dias que aprendi com meu pai: “Não chores, meu filho, não chores/ Viver é lutar/ A vida,meu filho, é combate/é luta renhida/ que aos fracos abate e aos bravos só pode exaltar”.
Quando você se lembra hoje do Maracanãzinho inteiro cantando “Caminhando” que sentimento você tem ?
Vandré: “Aquilo foi muito bonito, muito bonito. Pena que eu não posso ver o VT. Estão guardando o VT não sei para quê.Quero ver o VT. Lá na sua estação eles devem ter. Procure lá. Consegue o VT para ver!” ( olhando para a câmera).
Você tem saudade daquela época ?
Vandré : “Saudades….Saudades…Um pouco. Mas também há tanta coisa para fazer que não dá muito tempo de sentir saudade”.
Você vive de quê hoje ? Você recebe direitos autorais ?
Vandré: “Nunca dependi de música para viver. Sou servidor público. Hoje, estou aposentado como servidor público federal”.
Você deixou de receber direitos autorais ?
Vandré: “Pagam o que querem. Não existe controle. Não existe critério. Se nós tivéssemos direito de autor, teríamos os direitos conexos, direitos de marcas, patentes, propriedade industrial. É um assunto complexo. Mas aí não seríamos subdesenvolvidos“.
Você foi o único grande nome daquela geração que não voltou aos palcos – entre eles, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque…
Vandré: “Eu não voltei. É uma boa pergunta: por que não voltei? Não mudou tudo ? Mas será que mudou ?As razões pelas quais me afastei continuam preponderantes no que que se apresenta como realidade brasileira”.
Se você fosse escrever um verbete numa enciclopédia sobre Geraldo Vandré qual seria a primeira frase ?
Vandré: “Criminoso (ri)”.
Por quê ?
Vandré : “O que você chama de governo ainda me tem como anistiado por haver cantado as canções que cantei. Fui demitido do serviço público por causa das canções. O que se apresenta como governo no Brasil até hoje cobra impostos sobre o “corpo de delito” que foram as canções que fiz. Deu para entender agora ? “.
Você foi punido pelo governo da época, perdeu o emprego público…
Vandré: “Fui demitido. Depois, retornei. Briguei, briguei, briguei..”
Em algum momento, você foi considerado “criminoso”…
Vandré: “Fui demitido por causa da canção. E essa canção que foi mltivo de minha demissão até hoje é…Voltei por força de um despacho dado com fundamento na Lei de Anistia, como se eu fosse criminoso. Anistia é para criminoso – condenado por sentença transitada em julgado, se ele aceitar. Porque ele pode não aceitar. Aceitar a anistia significa aceitar-se criminoso, beneficiário de anistia”.
Você acha que a grande injustiça foi esta : em algum momento você ser considerado um criminoso ?
Vandré: “Injustiça não é a palavra…”
Você teria cometido um “delito de opinião” …
Vandré: “Não. Era subversão mesmo, sob certos aspectos, porque não havia nada mais para fazer naquele instante. Não me lembro. Mas as Forças Armadas, propriamente ditas, entenderam muito melhor do que a sociedade civil. Nunca tive nenhum problema com as Forças Armadas propriamente. Sempre houve uma consideração e respeito entre nós”.
Hoje, você nega que tenha sido em algum momento um antimilitarista nos anos sessenta ?
Vandré: “Nunca fui antimilitarista. Nunca assumi tal posição. Fui lá e falei o que queria dizer, numa canção que foi dita e cantada no Brasil diante de todo mundo. A canção foi cantada para os soldados, também”.
O grande equívoco sobre Geraldo Vandré foi este : achar que você era antimilitarista ?
Vandré : “Não houve, na realidade, um grande equívoco. Houve uma grande manipulação porque, quanto mais proibido, mais sucesso fazia; mais se vendia; menos conta se prestava. É uma questão muito séria”.
Qual foi a última manifestação artística que despertou o interesse e a curiosidade de Geraldo Vandré no Brasil ?
Vandré: “Passei quatro anos e meio fora do Brasil. Quando voltei, havia uma coisa muito importante que era o Movimento Armorial. Havia o Quinteto Armorial e a Orquestra Armorial. A sonoridade era muito condensada. O resultado era importante. Para mim, foi a coisa mais importante que aconteceu nos últimos tempos. Não me lembro de outra coisa que tenha ido além daquilo”.
E da produção recente, alguma coisa chamou a atenção do Geraldo Vandré ?
Vandré: “Nada. Tiririca (ri). Dizem que vai ser o deputado mais votado de São Paulo. Está bom ? “.
Você disse, numa discussão na época dos festivais: “A vida não se resume a festivais”. Hoje, tanto tempo depois dos festivais, qual é o principal interesse do Geraldo Vandré ?
Vandré : “São as outras coisas que não estão nos festivais. Minha vida funcional – de que cuidei até me aposentar; as minhas relações com a Força Aérea, o meu projeto de fazer estas gravações na América espanhola…Tenho muita coisa para fazer”.
Outro grande nome que se celebrizou como opositor do regime militar na música brasileira foi Chico Buarque de Holanda. Você acompanhou o que ele fez depois ?
Vandré: “Chico teve um caminho diferente do meu. Não chegou a parar. Produziu muito durante aquela época em que eu estava fora. Chico ficou aqui. Saiu e voltou, saiu e voltou. Passei quatro anos e meio fora. Quando voltei, fiz uma tentativa de apresentação num programa de televisão. Não vem ao caso qual, mas não gostei do que aconteceu: o jogo de pressões que se fez em volta. Recuei. Depois, passou-se um tempo. A própria Globo queria fazer um festival. Chegaram a me procurar. Não tive interesse em participar”.
O que é que a produção de Chico Buarque significa para você ?
Vandré: “Chico é uma pessoa muito talentosa, muito importante. Um grande artista”.
Você perdeu o contato com todos os seus companheiros de geração na música ?
Vandré: “Nunca fui muito enfronhado no meio artístico. Fazia minhas coisas. Voltava para minhas atividades extramusicais”.
É verdade que você ficou escondido na casa da família Guimarães Rosa antes de ir para o exílio ?
Vandré: “Eu saí de circulação. Depois que o tempo foi passando, as coisas vão ficando claras: as Forças Armadas propriamente ditas não tinham nada contra mim. Não tomaram nenhuma iniciativa contra mim. Quando fecharam o Congresso Nacional, no dia 13 de dezembro de 1968, eu estava indo para Brasília para fazer um espetáculo.Evidentemente, suspendemos o espetáculo. Vim de carro – guiando – até São Paulo. Eu estava à mão das Forças Armadas….Nunca deixei de estar. Mas claro que algo poderia acontecer: ao andar à toa pela rua, eu poderia de repente encontrar um “guardinha de trânsito” que quisesse fazer média. Há sempre alguém que quer tirar proveito de situações assim. Para evitar, saí de circulação. Durante um tempo, estive na casa de Dona Aracy (viúva de Guimarães Rosa – que tinha morrido meses antes). Fiquei lá porque, quando vinha para o Rio, como não tinha casa aqui, sempre ficava na casa de amigos e de pessoas conhecidas”.
Por que você tomou esta decisão tão drástica – de interromper uma carreira de tanto sucesso ?
Vandré: “Decidir sair do Brasil naquele ano de 1968. (N:Os mesmos agentes que prenderam Caetano Veloso e Gilberto em São Paulo,em dezembro de 1968, tentaram prender Geraldo Vandré. Mas, avisado por Dedé, à época mulher de Caetano Veloso, Geraldo Vandré conseguiu escapar a tempo) Eu tinha uma programação para fazer fora do Brasil. Tinha um contrato com a televisão Bavária,na Alemanha, para fazer um filme sobre Geraldo Vandré. Fui fazer. Passei um ano e meio pela Europa. Depois, voltei para o Chile – para onde eu tinha ido do Brasil. Havia muitos brasileiros lá ainda. De lá, fui para o Peru. Ganhamos um festival em Lima em 1972 com uma canção que era a única não cantada em espanhol. Era cantada em “brasileiro” mesmo. O Brasil não conhece a canção.Chama-se “Pátria Amada Idolatrada, Salve, Salve – Canção terceira”.
Você se lembra da letra ?
Vandré : “Eu me lembro. É uma canção que foi feita para ser cantada por um homem e uma mulher. Existe de caso pensado – coincidentemente – uma confusão de sentimentos entre a ideia da pátria e a ideia da mulher amada.O homem canta: “Se é pra dizer-te adeus/ pra não te ver jamais/Eu – que dos filhos teus fui te querer demais-/no verso que hoje chora para me fazer capaz da dor que me devora/quero dizer-te mais/ que além de adeus/ agora eu te prometo em paz levar comigo afora o amor demais”.
E a mulher, cuja imagem se confunde com a noção da pátria, responde:
“Amado meu sempre será quem me guardou no seu cantar/ quem me levou além do céu/além dos seus/e além do mais/ amado meu/ que além de mim se dá/não se perdeu nem se perderá”.
Os dois cantam juntos um para o outro. É um contraponto”.
Você foi constrangido a gravar, em 1973, um depoimento em que negava que fosse militante político. Qual foi o peso deste depoimento na decisão de Geraldo Vandré de interromper a carreira ?
Vandré: “Nunca fui constrangido a declarar que não tive militância política. Nunca tive militância político-partidária. Nunca pertenci a nenhum partido. Nunca fui político profissional. Não fui obrigado a dizer que não era militante. Nunca fui militante político. Nesta contemporaneidade em que estamos, eu me lembrei de um professor de Filosofia que dizia: “O homem é um animal político”. Sou uma qualidade de animal político que não depende de eleição. Vamos estudar a diferença entre política e eleição ?”.
Que lembrança você guarda deste depoimento ? Você foi levado para uma sala do aeroporto de Brasília e gravou um depoimento em que – de certa maneira – renegava ….
Vandré (interrompendo) : “É um assunto que ficou muito confuso. Não me lembro exatamente. Gostaria de ver a declaração…”
Você gravou o depoimento quando voltou do Chile…
Vandré: “Gostaria de ver, porque houve montagens. Era gravação. O que foi para o ar não sei”
O depoimento criou espanto na época, porque – de certa maneira – era você negando a militância política…
Vandré: “Nunca fui militante. Se engajamento político é pertencer a um partido, nunca pertenci a nenhum. Nunca fui engajado politicamente”.
Você obrigado a gravar este depoimento ? Fazia parte do acordo para voltar para o Brasil ?
Vandré: “Queriam que eu fizesse uma declaração. Não me lembro o que foi que disse. Mas eu disse coisas que poderia dizer. O que eu disse era verdade. Não disse nada que não tenha querido dizer. A TV Globo deve ter isso. Procure lá…”
A gente procurou e não encontrou….
Vandré: “Pois é: somem com tudo. Que loucura essa…Por quê ? Veja se acha o vt do Maracanãzinho. É o que tem Tom Jobim. É o mesmo vt. A minha parte sumiu. Por quê ? Fizeram uma retrospectiva do Festival. Botaram o Festival no Maracanãzinho- Tom,Chico, todo mundo, Cynara e Cybele. Mas,na hora de botar o Geraldo Vandré, usaram um filme feito na Alemanha, em que eu estava de barba. Não é certo”…
Talvez tenham recolhido o filme…
Vandré: “Para mim, é muito difícil acreditar que a TV Globo tenha se desfeito do filme. Não acredito. Devem estar guardando muito bem guardado”
Só para esclarecer este episódio sobre o depoimento que você gravou quando voltou do exílio : que lembrança exatamente você tem ? Quem pediu a você para gravar este depoimento ?
Vandré: “Aquelas declarações foram feitas para uma pessoa que se me apresentava como da Polícia Federal. Fiz um depoimento aqui. Depois, disseram que eu tinha de ir para Brasília. Cheguei ao Brasil no dia 14 de julho. Dois meses depois, apareço como se estivesse chegando em Brasília. Aquilo foi uma manipulação. O depoimento foi gravado antes. Gravaram-me descendo do avião em Brasília. Tudo muito manipulado. É esta a história dos vts: normalmente, temos esta doença. Estou falando aqui. O que vai ser mostrado vai ser uma seleção que a estação vai fazer. Não vai ser o que estou dizendo. Isso é muito sério”.
Para encerrar o assunto: o depoimento teve um peso na decisão de interromper a carreira ? Você ficou incomodado com aquilo ?
Vandré: “Não. Eu estava chegando e vendo como estavam a coisas.Não tinha menor noção da realidade. Tive de passar por um processo de adaptação no retorno ao Brasil”.
O grande mistério que existe sobre Geraldo Vandré durante todas essas décadas é, afinal de contas, o que aconteceu com ele depois da volta do exílio: você foi maltratado fisicamente ?
Vandré: “Não.Não”
Se você tivesse a chance hoje de se dirigir a uma plateia de jovens num festival,o que é que você diria a eles ?
Vandré: “Vamos ter de dar um tempo aí, não é ?…” (rindo)
Um “tempo” de quantos anos ?
Vandré: “Não sei. Agora, vocês vão votar para presidente, deputado, senador. Estão ocupados com outras coisas. Estou por fora”.
Que papel você acha que vai caber a Geraldo Vandré na história da música popular brasileira moderna ?
Vandré: “Nunca fiz este tipo de avaliação”.
Que papel você espera ter ? Você se acha suficientemente reconhecido ?
Vandré: “Obtive o reconhecimento que procurei e quis”.
Você em algum momento se arrepende de ter interrompido a carreira ?
Vandré: “Não. Porque raramente me arrependo das coisas que faço. Calculo bem, reflito bem, meço bem : quando faço é para ficar feito mesmo. Não existe arrependimento não”.
Para efeito de registro histórico: você, primeiro, não se considera antimilitarista…
Vandré: “Não…”
Segundo: você não foi maltratado fisicamente durante o regime militar…
Vandré: “Não…”
Terceiro: você disse o que quis no depoimento que você foi forçado a gravar quando voltou do exílio…
Vandré: “E em quarto: há o Quarto Comando Aéreo Regional…Tenho uma canção para o “exército azul”, a Força Aérea…(ri e exibe o brasão da Aeronáutica, impresso numa espécie de cartão de visita que traz, no verso, a letra de “Fabiana“). A aviação é muito bonita. A loucura é a aviação. Porque a maior loucura do homem é voar. Conhece loucura maior do que esta ? Não existe”.
Como é que surgiu a fascinação de Geraldo Vandré pela aviação ?
Vandré: “Desde pequeno, desde criança”.
Você gostaria de ter sido aviador ?
Vandré: “É. Não fui aviador militar. Não sou piloto, mas – de certa forma – sou aviador, porque me ocupo de assuntos da aviação. Uma coisa é aviador, outra é piloto. Você pode ser piloto, co-piloto, rádio navegador, mecânico de bordo, médico aviador. Há vários caminhos – não necessariamente tem de ser piloto…”.
O fato de você ter composto uma música em homenagem à Força Aérea criou um certo espanto. Hoje, você se hospeda em hotéis da Aeronáutica, como este. Nós estamos num ambiente militar…
Vandré :”Relativamente, porque este é um instituto de direito privado…”
Houve alguma mudança na postura do Geraldo Vandré ou não em relação às Forças Armadas ?
Vandré : “O que houve foi o reconhecimento de uma parte da sociedade que nunca tinha tido oportunidade de saber realmente quais eram as minhas posições”.
Em que situação Geraldo Vandré voltaria a um palco hoje ?
Vandré:”Depende de onde. Tenho uma programação na qual investo meu tempo e minhas energias : gravar um disco no exterior, num país de língua espanhola. É minha prioridade. Depois, vou ver minha programação para o Brasil. Escrevi umas trinta canções originalmente em “americano de habla hispânica”. Quero gravar num país de música espanhola, com músicos de lá. Minha prioridade comercial é esta. Para o Brasil, por ora, o projeto é a canção da Força Aérea mesmo – e um projeto sinfônico. A canção se chama Fabiana porque nasceu na FAB – em sua honra e em seu louvor”.
Você, hoje, então prefere compor peças sinfônicas ?
Vandré: “Tenho estudado música. Compus uma série de estudos para piano – aproveitando da técnica de uma jovem pianista de São Paulo. Mas a música ganhou outras dimensões. Passou a ser física e matemática. Ritmos do coração. Fica mais complicado,mas, para mim, é música”.
Você tem planos de gravar a música que você fez em homenagem à FAB ?
Vandré: “Claro. Já fizemos uma apresentação numa festa da Força Aérea em torno das comemorações da Semana da Asa, em São Paulo, com um coral de trezentos infantes. Uma coisa muito bonita. Com o tempo, vamos ver quais são alternativas que se colocam”.
Você declarou algumas vezes : “Geraldo Vandré não existe mais….”
Vandré ( interrompendo) : “Não, não declarei. Eu disse que ele não canta no Brasil comercialmente. Apresentei uma canção para a Força Aérea do Brasil. Não canto comercialmente no Brasil porque os problemas todos que tive de enfrentar resultaram de especulações comerciais: vendas clandestinas, câmbio negro, tudo isso. Quanto mais se proibia,mais se vendia. A sociedade, às vezes, tem essa doença”.
Você canta “Disparada” hoje, em casa ?
Vandré : “Não. Faz tempo que não pego num violão. Tenho de voltar a estudar”.
Que instrumento, então, você toca ? Piano ?
Vandré :”Não. Não sou pianista. Toco de improviso alguma coisa”.
Pelo menos duas músicas que você compôs são conhecidíssimas até hoje: “Disparada” e “Caminhando”.
Vandré ( interrompendo) : “Pelo menos duas…”
Se você fosse escolher uma, que música você escolheria como típica da produção de Geraldo Vandré ?
Vandré: “Disparada” é mais brasileira, tem uma forma mais consequente com a tradição das formas da música popular : a moda de viola. “Caminhando” já é mais urbana. É uma crônica da realidade. É a primeira vez que fiz uma crônica. Deu no que deu. A realidade não estava muito querendo ser…”
Retratada…A obra-prima de Geraldo Vandré qual é ?
Vandré: “Todas são iguais. Para mim, são todas iguais. Isso de obra-prima é uma questão de seleção e de predileção do público, os meios de comunicação e os chamados formadores de opinião”.
Mas você deve ter uma predileção pessoal…
Vandré: “Não tenho. É tudo igual mesmo”.
As peças sinfônicas você compõe como ?
Vandré : “As melodias, algumas harmonias…Para escrever em notas convencionais, preciso da escrita de pessoas que estão muito mais afeitas a esta tarefa do que eu.Eu levaria anos para escrever uma partitura. Jamais escreveria como alguém que faz parte de uma orquestra, lê e escreve na hora, à primeira vista. Hoje,estou dedicado a preparar um poema sinfônico cuja abertura coralística será a Fabiana, a canção que fiz para a Força Aérea”.
Você hoje se animaria a fazer um espetáculo para o público brasileiro ?
Vandré :”Não.Para o público brasileiro, só uma coisa muito especial”…
Em que situação você voltaria a se apresentar no Brasil ?
Vandré: “Chegamos a cogitar de fazer uma apresentação da Fabiana no Clube de Aeronáutica. É um dos projetos de que chegamos a nos ocupar. Mas até agora as coisas ficaram postergadas, porque o clube vai entrar em reforma. Vêm aí as Olimpíadas Militares. O clube vai ter de se adequar”.
Qual é a grande inspiração que você tem para compor essas peças sinfônicas ? O que é que motiva você a compor ?
Vandré: “Nunca dependi muito da palavra inspiração. Escolhia os temas. O fundamental para mim é a memória que tenho do que ouvia no cancioneiro popular, as músicas de desde a minha infância”.
O público brasileiro ainda vai ter chance de ver Geraldo Vandré cantando “Caminhando” e “Disparada” no palco ?
Vandré: “Isso é profecia. Não sou profeta”.
O que é que levou você a fazer uma música em homenagem à FAB, a Força Aérea Brasileira, você, que era tido nos anos sessenta como antimilitarista ?
Vandré: “Era tido. Por quem ? Isso deveria ser perguntado para os que a mim me tinham como antimilitarista.Não sou militarista. Mas também não sou anti. Todos os países soberanos do mundo têm suas forças armadas. O que é que devemos fazer com as nossas ? Entregá-las para outras pessoas ? Vamos fazer isso ? Acho que não!
Chamo de “Fabiana” porque nasceu na FAB. Costumamos dizer assim: uma servidora da FAB é “fabiana”. A letra diz : “Desde os tempos distantes de criança numa força,sem par, do pensamento teu sentido infinito e resultado do que sempre será meu sentimento/todo teu/todo amor e encantamento/vertente.resplendor e firmamento/ Como a flor do melhor entendimento/a certeza que nunca me faltou/na firmeza do teu querer bastante/seja perto ou distante é meu sustento/ De lamentos não vive o que é querente do teu ser no passado e no presente/Do futuro direi que sabem gentes de todos os rincões e continentes/que só tu saber do meu querer silente/porque só tu soubeste, enquanto infante, das luzes do luzir mais reluzente pertencer ao meu ser mais permanente”.
O refrão é, coincidentemente, um contraponto de “vem/vamos embora/ que esperar não é saber” : “Vive em tuas asas todo o meu viver/ meu sonhar marinho / todo amanhecer”.
Termina a entrevista. Já são quase sete da noite. O Grande Solitário da MPB caminha em direção à escadaria que dá acesso à ala de hóspedes do hotel que funciona no Clube da Aeronáutica. Parte sozinho. Vai em companhia do único habitante do Brasil que Geraldo Vandré criou para si: o próprio Geraldo Vandré.

Posted by geneton at 01:25 PM

setembro 03, 2014

O DESABAFO DO MESTRE EDUARDO COUTINHO: CEM MIL REAIS PARA FAZER UM CURTA É CASO DE POLÍCIA...

A quem se interessa por cinema-documentário: dirigido por Rená Tardin, "Coutinho Repórter" traz um interessantíssimo depoimento do mestre Eduardo Coutinho.
Ao final, Coutinho se refere, com alguma irritação, aos que, hoje, querem cem mil reais para filmar "um curta". "Não merecem fazer cinema: têm de ir para a cadeia..." - diz, irritado.
"Cem mil reais para fazer um filme" - diz Coutinho - é coisa do tempo do Laboratório Líder, uma época em que tudo era feito com película. Tudo era mais caro e menos acessível. Hoje, celulares filmam imagens em alta definição. Não é exagero dizer que há curtas em que o custo se aproxima do zero.
Descontado um ou outro exagero provocado pela irritação, o desabafo de Coutinho chama a atenção para um fato intrigante:

de vez em quando, jornais noticiam que projetos de documentários foram autorizados a captar milhões e milhões pela Lei Rouanet. A conclusão inevitável: tais estimativas parecem ser absolutamente irreais ou, no mínimo, delirantemente estratosféricas.
O "mundo real" - território, aliás, em que se movem os documentários - não é tão inflacionado, num planeta dominado por câmeras HD e por facilidades técnicas antes inacessíveis.
Eduardo Coutinho fala:
http://goo.gl/HPFKLX

Posted by geneton at 01:29 PM

setembro 02, 2014

JOÃO CABRAL DE MELO NETO E O REPÓRTER : UM FESTIVAL DE VEXAMES, DESENCONTROS E CONFUSÕES

Já se disse que o melhor jornal é aquele que jamais chega ao conhecimento do leitor. O que acontece nos bastidores de uma reportagem pode ser tão interessante quanto o que sai nas páginas dos jornais. Se os jornais publicassem tudo o que se fala numa redação(ou, pelo menos, tudo o que os repórteres vêem mas não escrevem), nossa imprensa certamente não mereceria o julgamento que um dia Paulo Francis fez :
- “Nossa imprensa : acadêmica, empolada, previsível, chata. Meu Deus, como é chata”.
Ponto. Parágrafo.

Minha pequena coleção de entrevistas com o super-poeta João Cabral de Melo Neto foi marcada por desencontros, vexames, incidentes e mal-entendidos - sem maior gravidade, mas suficientes para fazer ruborizar qualquer tímido que se preze.
Lá vai o repórter, à caça de autor de versos imortais, como os de "Morte e Vida Severina" - um retrato definitivo da saga dos severinos castigados pela miséria. Um trecho:
"— Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a cota menor
que tiraste em vida.
— É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
deste latifúndio.
— Não é cova grande,
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
— É uma cova grande
para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.
— É uma cova grande
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.
— É uma cova grande
para tua carne pouca,
mas a terra dada
não se abre a boca".
( aqui, os versos, musicados por Chico Buarque:
http://goo.gl/3mfW71 )
Vexame 1. Cenário : saguão do Aeroporto Internacional dos Guararapes. Ano: 1973. Dou meus primeiros passos como repórter, no Diário de Pernambuco. O chefe de reportagem me despacha para o Aeroporto. Missão : cobrir a chegada do mais ilustre dos poetas pernambucanos. O diplomata João Cabral vivia no exterior, na época. Lá fomos nós, em busca da celebridade . O único problema é que o fotógrafo não sabia que João Cabral era pernambucano. Assim que o poeta desembarca, o fotógrafo o convoca a posar em frente a um painel turístico que mostrava uma imensa foto do Recife. A pose em frente ao painel provaria que o poeta esteve na cidade...Pouco à vontade, o poeta concorda em posar. Lá pelas tantas, o fotógrafo quer saber se o poeta por acaso já conhecia a capital. João Cabral responde com algum som inaudível.
Vexame 2. João Cabral aceita receber o repórter na casa do irmão, à beira-mar, em Olinda. Horário da entrevista: onze da manhã. O repórter chega vinte minutos atrasado. Formalíssimo, João Cabral nem parece estar de férias. Aparece no portão metido numa impecável camisa de manga comprida abotoada até a gola. Primeira frase que pronuncia : “Você chegou com uma pontualidade nada britânica...”. O repórter quase estreante procura, em vão, um buraco no chão para se esconder. Não encontra. Entre mortos e feridos, todos se salvam : a entrevista segue adiante.
Vexame 3. De volta ao Brasil depois de se aposentar da carreira diplomática , João Cabral escolhe o Rio de Janeiro como endereço . O repórter que, anos antes, cometera o pecado de chegar com uma “pontualidade nada britânica” telefona em busca de uma nova entrevista. Quem sabe, agora consiga fazer uma entrevista sem incidentes. João Cabral se desculpa : “Vamos marcar outra hora... Minha mulher morreu ontem”. Já não tão estreante, o repórter procura de novo um buraco no chão para se esconder – em vão. Um silêncio que parece durar uma eternidade se instala nos dois lados da linha telefônica. O que dizer numa situação dessas ? Nada. Meus pêsames. Desculpe. Eu sinto muito. Socorro !
Vexame 4. O homem marca a entrevista: vai receber o repórter em casa - um apartamento na Praia do Flamengo. Por coincidência , o jornal O Globo marca, para a mesmíssima hora, uma sessão de fotos de João Cabral com Ferreira Gullar . Os dois poetas aguardam a chegada do fotógrafo do jornal. Aperto a campainha . “Pode entrar” . Cabral e Gullar vão para a janela do apartamento . A vista, ao fundo, é bela. Fazem pose. Ficam olhando para as minhas mãos, à espera de que eu saque a máquina fotográfica . Pensam que eu sou o fotógrafo que estavam esperando. Mas não tenho máquina nenhuma . Carrego apenas meu gravador . “Não quer fazer a foto agora ? “.Dois dos maiores poetas brasileiros estavam ali,diante de mim,à espera da impossível foto. Não, não quero, não sei , não posso fazer. Deve ter havido algum engano. Nunca fui fotógrafo em minha vida. Um buraco no chão, pelo amor de Deus !
Desfeito o equívoco, os dois desistem de esperar pelo clique de minha máquina inexistente. Cinco minutos depois, o fotógrafo (o verdadeiro) desembarca no apartamento. Os dois voltam a posar na janela. Livre da tarefa, João Cabral finalmente dá a entrevista pedida pelo locutor-que-vos-fala.
Lá pelas tantas, diz :
“A coisa simples que quero fazer com minha poesia não é uma coisa boba. O simples que almejo é chegar a uma forma que os outros entendam. Consigo raramente. É difícil traduzir as coisas de que falo de uma maneira acessível a todo mundo. Minha luta é esta : tentar exprimir uma coisa mais complexa na linguagem mais simples possível. Confesso que geralmente eu fracasso”.
O poeta – um dos maiores que o Brasil já teve – confessava que o gosto do fracasso não lhe era estranho. Devo ter pensado, com meus botões : fracasso ? Se depender do meu histórico de fracassos nos bastidores das entrevistas com João Cabral, sou mestre nesse assunto.

Posted by geneton at 01:31 PM

agosto 29, 2014

DESCOBERTA A RECEITA DA FELICIDADE TERRENA!

Se, por escassas vinte e quatro horas, todas as TVs do mundo parassem de ladrar; se todos os jornais e revistas de todas as cidades do planeta sumissem provisoriamente; se todos os blogs de todos os continentes saíssem do ar; se as editoras parassem de despejar a cota diária de lançamentos na livrarias; se todos os sites estancassem de repente; se todo mundo em todos os lugares fizesse um voto de silêncio planetário nem que fosse por um dia; se, enfim, todas estas maravilhas acontecessem diante de nossas retinas descrentes, o Paraíso estaria instalado nesta esfera esvoaçante também conhecida pela alcunha de Terra.
A receita da felicidade terrena é simples assim - mas inalcançável.
Que prossiga a barulheira, então.

Posted by geneton at 01:32 PM

DESCOBERTA A RECEITA DA FELICIDADE TERRENA!

Se, por escassas vinte e quatro horas, todas as TVs do mundo parassem de ladrar; se todos os jornais e revistas de todas as cidades do planeta sumissem provisoriamente; se todos os blogs de todos os continentes saíssem do ar; se as editoras parassem de despejar a cota diária de lançamentos na livrarias; se todos os sites estancassem de repente; se todo mundo em todos os lugares fizesse um voto de silêncio planetário nem que fosse por um dia; se, enfim, todas estas maravilhas acontecessem diante de nossas retinas descrentes, o Paraíso estaria instalado nesta esfera esvoaçante também conhecida pela alcunha de Terra.
A receita da felicidade terrena é simples assim - mas inalcançável.
Que prossiga a barulheira, então.

Posted by geneton at 01:32 PM

DESCOBERTA A RECEITA DA FELICIDADE TERRENA!

Se, por escassas vinte e quatro horas, todas as TVs do mundo parassem de ladrar; se todos os jornais e revistas de todas as cidades do planeta sumissem provisoriamente; se todos os blogs de todos os continentes saíssem do ar; se as editoras parassem de despejar a cota diária de lançamentos na livrarias; se todos os sites estancassem de repente; se todo mundo em todos os lugares fizesse um voto de silêncio planetário nem que fosse por um dia; se, enfim, todas estas maravilhas acontecessem diante de nossas retinas descrentes, o Paraíso estaria instalado nesta esfera esvoaçante também conhecida pela alcunha de Terra.
A receita da felicidade terrena é simples assim - mas inalcançável.
Que prossiga a barulheira, então.

Posted by geneton at 01:32 PM

agosto 28, 2014

OLHE-SE NO ESPELHO. REPITA EM VOZ BAIXA, TODO DIA DE MANHÃ: "PATÉTICO, PATÉTICO, PATÉTICO!" (OU: "PATÉTICA, PATÉTICA, PATÉTICA!" ). NÃO EXISTE MELHOR MANEIRA DE COMEÇAR O DIA!

O grande repórter Joel Silveira é que contava: uma vez, estava na redação, diante da máquina de escrever, entregue à tarefa de ordenar com graça e leveza sujeitos, verbos e predicados num pedaço de papel em branco.
Dedilhava o teclado da Remington jurássica com ar grave, como se estivesse descrevendo a volta de Cristo. De repente, Nélson Rodrigues para diante de Joel, fica observando a cena em silêncio e pronuncia apenas uma palavra, antes de sumir do mapa:
- Patético!

Joel - que nunca foi fanático por Nélson Rodrigues - me contava a história com ar de quem, no fim das contas, décadas depois, terminou concordando com a exclamação rodriguiana.
Noventa e oito vírgula oito por cento dos jornalistas são exageradamente pretensiosos. Não falo da pretensão saudável de quem sonha em fazer algo importante. Falo da pretensão descabida.
Já vi em redações nulidades semi-analfabetas empinarem o nariz ou falarem de seus pretensos feitos jornalísticos como se estes fossem a Sétima Maravilha do Mundo. São lixo em estado bruto. Já vi sabichões destroçando o trabalho alheio com intervenções incompetentes. Já vi ególatras apunhalando pelas costas supostos concorrentes. Já vi criaturas de caráter tíbio negarem diante de monstros o que tinham dito meia-hora atrás.
Um dia, quando estiver auto-exilado num bairro cinzento da Europa Ocidental, a dois passos de um bom crematório, ou habitando uma ruela sem saída no município de Solidão, no sertão de Pernambuco, entregue ao Grande Exercício do Silêncio Absoluto, darei nomes aos bois. Ou pelo menos as iniciais. Ou, na pior das hipóteses, vagas referências. ( aliás: pode existir nome mais bonito de cidade do que Solidão? Ah, meu Recife de nomes de ruas bonitos: rua da Saudade, rua do Sol, rua da Aurora, já cantadas pelo grande poeta Manuel Bandeira. Ah, meu Pernambuco de nomes de cidades bonitos: Solidão, Santa Maria da Boa Vista, Triunfo....).
De volta ao chão do mundo real: o androide do filme Blade Runner diz: "Eu vi coisas em que vocês nunca acreditariam. Naves de ataque em chamas perto da borda de Orion. Vi a luz do farol cintilar no escuro na comporta Tannhauser. Todos estes momentos se perderão no tempo como lágrimas na chuva". (transcrevo a citação feita no prefácio de um belo livro: "Lágrimas na Chuva", escrito por Sérgio Faraco).
É por aí: o que não se conta se perde. Ponto. A fascinação do Jornalismo é esta: a chance de contar o que - de outra forma -
estaria perdido.
Salvar da perdição as histórias, palavras e cenas que a gente ouve de personagens anônimos ou famosos: eis o que me anima a fazer tantas entrevistas - em vez de ficar nos corredores das redações maldizendo os horrores da profissão. Dá trabalho. Sempre deu. Mas vale a pena. Faz de conta que vale.
O problema é que há lições primárias que nem todo jornalista se anima a seguir - por cegueira. A prudência recomenda que a gente ouça a voz da sabedoria - virtude que só se obtém com a experiência. É o caso de Joel Silveira, sábio em jornalismo.
Ouçamos o que o autoproclamado dinossauro nos dizia. A cena que Joel descreve deixa uma lição. O melhor antídoto contra o vírus da pretensão descabida é o seguinte: todo dia, logo pela manhã, encare o espelho e repita três vezes, em voz baixa:
- Patético, patético, patético!
Ou :
- Patética, patética, patética!
Cumprida esta tarefa, você estará pronto (ou pronta) para encarar saudavelmente o planeta, sem se julgar maior do que é nem cair na armadilha da pretensão descabida. A receita da felicidade profissional é simples assim.
Socorro! Acabo de me transformar num sub-consultor de autoajuda.
Mas esta veleidade só durou um parágrafo - o anterior. Declaro, aqui, definitivamente encerrada minha carreira de conselheiro.
Apenas digo: crianças e dinossauros, nunca se esqueçam de repetir três vezes a palavra mágica diante do espelho.
Não existe nada melhor nem mais honesto.

Posted by geneton at 01:33 PM

OLHE-SE NO ESPELHO. REPITA EM VOZ BAIXA, TODO DIA DE MANHÃ: "PATÉTICO, PATÉTICO, PATÉTICO!" (OU: "PATÉTICA, PATÉTICA, PATÉTICA!" ). NÃO EXISTE MELHOR MANEIRA DE COMEÇAR O DIA!

O grande repórter Joel Silveira é que contava: uma vez, estava na redação, diante da máquina de escrever, entregue à tarefa de ordenar com graça e leveza sujeitos, verbos e predicados num pedaço de papel em branco.
Dedilhava o teclado da Remington jurássica com ar grave, como se estivesse descrevendo a volta de Cristo. De repente, Nélson Rodrigues para diante de Joel, fica observando a cena em silêncio e pronuncia apenas uma palavra, antes de sumir do mapa:
- Patético!

Joel - que nunca foi fanático por Nélson Rodrigues - me contava a história com ar de quem, no fim das contas, décadas depois, terminou concordando com a exclamação rodriguiana.
Noventa e oito vírgula oito por cento dos jornalistas são exageradamente pretensiosos. Não falo da pretensão saudável de quem sonha em fazer algo importante. Falo da pretensão descabida.
Já vi em redações nulidades semi-analfabetas empinarem o nariz ou falarem de seus pretensos feitos jornalísticos como se estes fossem a Sétima Maravilha do Mundo. São lixo em estado bruto. Já vi sabichões destroçando o trabalho alheio com intervenções incompetentes. Já vi ególatras apunhalando pelas costas supostos concorrentes. Já vi criaturas de caráter tíbio negarem diante de monstros o que tinham dito meia-hora atrás.
Um dia, quando estiver auto-exilado num bairro cinzento da Europa Ocidental, a dois passos de um bom crematório, ou habitando uma ruela sem saída no município de Solidão, no sertão de Pernambuco, entregue ao Grande Exercício do Silêncio Absoluto, darei nomes aos bois. Ou pelo menos as iniciais. Ou, na pior das hipóteses, vagas referências. ( aliás: pode existir nome mais bonito de cidade do que Solidão? Ah, meu Recife de nomes de ruas bonitos: rua da Saudade, rua do Sol, rua da Aurora, já cantadas pelo grande poeta Manuel Bandeira. Ah, meu Pernambuco de nomes de cidades bonitos: Solidão, Santa Maria da Boa Vista, Triunfo....).
De volta ao chão do mundo real: o androide do filme Blade Runner diz: "Eu vi coisas em que vocês nunca acreditariam. Naves de ataque em chamas perto da borda de Orion. Vi a luz do farol cintilar no escuro na comporta Tannhauser. Todos estes momentos se perderão no tempo como lágrimas na chuva". (transcrevo a citação feita no prefácio de um belo livro: "Lágrimas na Chuva", escrito por Sérgio Faraco).
É por aí: o que não se conta se perde. Ponto. A fascinação do Jornalismo é esta: a chance de contar o que - de outra forma -
estaria perdido.
Salvar da perdição as histórias, palavras e cenas que a gente ouve de personagens anônimos ou famosos: eis o que me anima a fazer tantas entrevistas - em vez de ficar nos corredores das redações maldizendo os horrores da profissão. Dá trabalho. Sempre deu. Mas vale a pena. Faz de conta que vale.
O problema é que há lições primárias que nem todo jornalista se anima a seguir - por cegueira. A prudência recomenda que a gente ouça a voz da sabedoria - virtude que só se obtém com a experiência. É o caso de Joel Silveira, sábio em jornalismo.
Ouçamos o que o autoproclamado dinossauro nos dizia. A cena que Joel descreve deixa uma lição. O melhor antídoto contra o vírus da pretensão descabida é o seguinte: todo dia, logo pela manhã, encare o espelho e repita três vezes, em voz baixa:
- Patético, patético, patético!
Ou :
- Patética, patética, patética!
Cumprida esta tarefa, você estará pronto (ou pronta) para encarar saudavelmente o planeta, sem se julgar maior do que é nem cair na armadilha da pretensão descabida. A receita da felicidade profissional é simples assim.
Socorro! Acabo de me transformar num sub-consultor de autoajuda.
Mas esta veleidade só durou um parágrafo - o anterior. Declaro, aqui, definitivamente encerrada minha carreira de conselheiro.
Apenas digo: crianças e dinossauros, nunca se esqueçam de repetir três vezes a palavra mágica diante do espelho.
Não existe nada melhor nem mais honesto.

Posted by geneton at 01:33 PM

OLHE-SE NO ESPELHO. REPITA EM VOZ BAIXA, TODO DIA DE MANHÃ: "PATÉTICO, PATÉTICO, PATÉTICO!" (OU: "PATÉTICA, PATÉTICA, PATÉTICA!" ). NÃO EXISTE MELHOR MANEIRA DE COMEÇAR O DIA!

O grande repórter Joel Silveira é que contava: uma vez, estava na redação, diante da máquina de escrever, entregue à tarefa de ordenar com graça e leveza sujeitos, verbos e predicados num pedaço de papel em branco.
Dedilhava o teclado da Remington jurássica com ar grave, como se estivesse descrevendo a volta de Cristo. De repente, Nélson Rodrigues para diante de Joel, fica observando a cena em silêncio e pronuncia apenas uma palavra, antes de sumir do mapa:
- Patético!

Joel - que nunca foi fanático por Nélson Rodrigues - me contava a história com ar de quem, no fim das contas, décadas depois, terminou concordando com a exclamação rodriguiana.
Noventa e oito vírgula oito por cento dos jornalistas são exageradamente pretensiosos. Não falo da pretensão saudável de quem sonha em fazer algo importante. Falo da pretensão descabida.
Já vi em redações nulidades semi-analfabetas empinarem o nariz ou falarem de seus pretensos feitos jornalísticos como se estes fossem a Sétima Maravilha do Mundo. São lixo em estado bruto. Já vi sabichões destroçando o trabalho alheio com intervenções incompetentes. Já vi ególatras apunhalando pelas costas supostos concorrentes. Já vi criaturas de caráter tíbio negarem diante de monstros o que tinham dito meia-hora atrás.
Um dia, quando estiver auto-exilado num bairro cinzento da Europa Ocidental, a dois passos de um bom crematório, ou habitando uma ruela sem saída no município de Solidão, no sertão de Pernambuco, entregue ao Grande Exercício do Silêncio Absoluto, darei nomes aos bois. Ou pelo menos as iniciais. Ou, na pior das hipóteses, vagas referências. ( aliás: pode existir nome mais bonito de cidade do que Solidão? Ah, meu Recife de nomes de ruas bonitos: rua da Saudade, rua do Sol, rua da Aurora, já cantadas pelo grande poeta Manuel Bandeira. Ah, meu Pernambuco de nomes de cidades bonitos: Solidão, Santa Maria da Boa Vista, Triunfo....).
De volta ao chão do mundo real: o androide do filme Blade Runner diz: "Eu vi coisas em que vocês nunca acreditariam. Naves de ataque em chamas perto da borda de Orion. Vi a luz do farol cintilar no escuro na comporta Tannhauser. Todos estes momentos se perderão no tempo como lágrimas na chuva". (transcrevo a citação feita no prefácio de um belo livro: "Lágrimas na Chuva", escrito por Sérgio Faraco).
É por aí: o que não se conta se perde. Ponto. A fascinação do Jornalismo é esta: a chance de contar o que - de outra forma -
estaria perdido.
Salvar da perdição as histórias, palavras e cenas que a gente ouve de personagens anônimos ou famosos: eis o que me anima a fazer tantas entrevistas - em vez de ficar nos corredores das redações maldizendo os horrores da profissão. Dá trabalho. Sempre deu. Mas vale a pena. Faz de conta que vale.
O problema é que há lições primárias que nem todo jornalista se anima a seguir - por cegueira. A prudência recomenda que a gente ouça a voz da sabedoria - virtude que só se obtém com a experiência. É o caso de Joel Silveira, sábio em jornalismo.
Ouçamos o que o autoproclamado dinossauro nos dizia. A cena que Joel descreve deixa uma lição. O melhor antídoto contra o vírus da pretensão descabida é o seguinte: todo dia, logo pela manhã, encare o espelho e repita três vezes, em voz baixa:
- Patético, patético, patético!
Ou :
- Patética, patética, patética!
Cumprida esta tarefa, você estará pronto (ou pronta) para encarar saudavelmente o planeta, sem se julgar maior do que é nem cair na armadilha da pretensão descabida. A receita da felicidade profissional é simples assim.
Socorro! Acabo de me transformar num sub-consultor de autoajuda.
Mas esta veleidade só durou um parágrafo - o anterior. Declaro, aqui, definitivamente encerrada minha carreira de conselheiro.
Apenas digo: crianças e dinossauros, nunca se esqueçam de repetir três vezes a palavra mágica diante do espelho.
Não existe nada melhor nem mais honesto.

Posted by geneton at 01:33 PM

agosto 27, 2014

AS SURPRESAS DA POLÍTICA BRASILEIRA: O DIA EM QUE UM EX-PRESIDENTE BRASILEIRO REVELOU, NA CAMA DE UM HOSPITAL, POR QUE TINHA RENUNCIADO

A política brasileira, como se sabe, de vez em quando é agitada por surpresas que poderiam ter saído da imaginação fértil de um roteirista de cinema.
Um das surpresas mais espetaculares foi a renúncia de um presidente que chegara ao Palácio do Planalto como fenômeno de popularidade. Nome: Jânio Quadros.
Durante décadas, houve especulações de todo tipo sobre os motivos da renúncia.
O que pouca gente sabe é que o próprio Jânio Quadros fez ao neto, no leito de um hospital, em São Paulo, uma espécie de confissão final sobre o gesto estapafúrdio.
( Pausa para uma pequena digressão.
O incrível, o extraordinário, o inacreditável é que nossa imprensa
desconheceu solenemente a confissão - feita pelo principal personagem do drama.
Deus do céu: como o jornalismo pode ser espetacularmente burocrático, cinzento, medíocre, chato, insensível e sonolento!
Conclusão óbvia: a temível TDM ( "Tropa dos Derrubadores de Matérias ), formada por aqueles jornalistas que passam a vida jogando notícia no lixo, não descansa nunca! É pior do que a Divisão Panzer. Passa a vida se dedicando, dia e noite, à tarefa de destruir o que o jornalismo possa ter de vívido, curioso, revelador e interessante. Sempre foi assim. E assim será, até o dia do juízo final. Triste, triste, triste.
Vou morrer dizendo: o maior inimigo do Jornalismo é o jornalista. Não é algum general, algum censor, algum crítico.
Um dia, se me sobrarem engenho e arte, pretendo fazer, para meus oito leitores, uma pequena lista de absurdos cometidos, contra o Jornalismo, pelos cães ferozes da TDM. Fiz uma lista. Vou procurá-la. É inacreditável.
A cegueira diante da confissão de Jânio é um exemplo escandaloso da cegueira jornalística.
Duvido que um leitor minimamente interessado em política não lesse uma manchete do tipo "a confissão final: Jânio revela ao neto o motivo da renúncia".
Eu leria. Não sou exceção - é claro.
Se uma declaração feita por um ex-presidente sobre um dos maiores enigmas da política brasileira não é notícia, então o que será? )
Fiz minha parte, na medida do possível: gravei para o Fantástico - onde trabalhava - uma reportagem sobre a confissão do ex-presidente.
Publiquei um texto sobre o caso no nosso livro "Dossiê Brasil" (1997).
Ei-lo:
A mais sincera confissão já feita por Jânio Quadros sobre os reais motivos que o levaram a renunciar à Presidência da Republica no dia 25 de agosto de 1961 somente foi publicada em 1995, em escassas sete páginas de uma calhamaço lançado por uma editora desconhecida de São Paulo em louvor ao ex-presidente
Organizado por Jânio Quadros Neto e Eduardo Lobo Botelho Gualazzi, o livro ‘’Jânio Quadros : Memorial à Historia do Brasil’’ é, na verdade, um bem nutrido álbum de recortes sobre o homem. Grande parte das 340 páginas do livro, publicado pela Editora Rideel, é ocupada pela republicação de reportagens originalmente aparecidas em jornais e revistas sobre a figura esquisita de JQ.
A porção laudatória do livro é leitura recomendável apenas a janistas de carteirinha. O ‘’Memorial’’ traz, no entanto, um capítulo importante: a confissão que Jânio, já doente, fez ao neto, num quarto do Hospital Israelita Albert Einstein, no dia 25 de agosto de 1991, no trigésimo aniversário da renúncia.
Jânio morreria no dia 16 de fevereiro de 1992, aos 75 anos de idade. O neto fez segredo sobre o que ouviu. Somente publicou as palavras do avô quatro anos depois.
Ao contrário do que fazia diante dos jornalistas - a quem respondia com frases grandiloquentes mas pouco objetivas sobre a renúncia - Jânio Quadros disse ao neto, sem rodeios e sem meias palavras, que renunciou simplesmente porque tinha certeza de que o povo,os militares e os governadores o levariam de volta ao poder. Não levaram.
Talvez porque já pressentisse o fim próximo, Jânio admite, diante do neto, pela primeira vez,que a renúncia foi ‘’o maior fracasso político da história republicana do Pais,o maior erro que cometi’’.
A já vasta bibliografia sobre a renúncia ganhou, assim, um acréscimo fundamental, feito pelo próprio Jânio - a única pessoa que poderia explicar o enigma. Desta vez, a explicação parece clara.
Um detalhe inacreditável - que revela como as redações brasileiras são povoadas por uma incrível quantidade de burocratas que vivem assassinando o jornalismo: a confissão final de Jânio mereceu destaque zero nas páginas da imprensa brasileira,o que é estranho, além de lamentável.
A imprensa - que passou três décadas perguntando a Jânio Quadros por que é que ele renunciou - resolve deixar passar em brancas nuvens a confissão final do ex-presidente sobre a renúncia, acontecimento fundamental na historia recente do Brasil!
Tamanha desatenção parece ser um subproduto típico de uma doença facilmente detectável nas redações - a Síndrome da Frigidez Editorial. Joga-se noticia no lixo como quem se descarta de um copo de papel sujo de café . Leigos na profissão podem estranhar, mas a verdade é que há notícias que precisam enfrentar uma corrida de obstáculos dentro das próprias redações, antes de merecerem a graça suprema de serem publicadas! Isto não tem absolutamente nada a ver com disponibilidade de espaço, mas com competência e faro jornalístico.
Se a última palavra do um presidente sobre um fato importantíssimo não merece uma linha sequer em jornais e revistas que passaram anos e anos falando sobre a renúncia, então há qualquer coisa de podre no Reino de Gutemberg. Quem paga a conta, obviamente, é o leitor, a quem se sonegam informações.
O caso da confissão de Jânio sobre a renúncia é exemplar: a informação fica restrita aos magros três mil exemplares do livro do neto. E os milhares, milhares e milhares de leitores de jornais e revistas, onde ficam ? A ver navios. É como dizia o velho Paulo Francis: "Nossa imprensa: previsível, empolada, chata. Como é chata, meu Deus!".
Eis trechos do diálogo entre o ex-presidente e o neto,no hospital.As palavras de Jânio não deixam margem de dúvidas sobre a renúncia :
-‘’Quando assumi a presidência, eu não sabia da verdadeira situação político-econômica do País. A minha renúncia era para ter sido uma articulação: nunca imaginei que ela seria de fato aceita e executada. Renunciei à minha candidatura à presidência, em 1960. A renúncia não foi aceita. Voltei com mais fôlego e força. Meu ato de 25 de agosto de 1961 foi uma estratégia política que não deu certo, uma tentativa de governabilidade. Também foi o maior fracasso político da história republicana do país, o maior erro que cometi(...)Tudo foi muito bem planejado e organizado. Eu mandei João Goulart (N:vice-presidente) em missão oficial à China, no lugar mais longe possível. Assim, ele não estaria no Brasil para assumir ou fazer articulações políticas. Escrevi a carta da renúncia no dia 19 de agosto e entreguei ao ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, no dia 22. Eu acreditava que não haveria ninguém para assumir a presidência. Pensei que os militares, os governadores e, principalmente, o povo nunca aceitariam a minha renúncia e exigiriam que eu ficasse no poder. Jango era, na época, semelhante a Lula : completamente inaceitável para a elite. Achei que era impossível que ele assumisse, porque todos iriam implorar para que eu ficasse(...) Renunciei no dia do soldado porque quis sensibilizar os militares e conseguir o apoio das Forças Armadas. Era para ter criado um certo clima político. Imaginei que, em primeiro lugar, o povo iria às ruas, seguido pelos militares. Os dois me chamariam de volta. Fiquei com a faixa presidencial até o dia 26. Achei que voltaria de Santos para Brasília na glória. Ao renunciar, pedi um voto de confiança à minha permanência no poder. Isso é feito frequentemente pelos primeiros-ministros na Inglaterra. Fui reprovado. O País pagou um preço muito alto. Deu tudo errado’’.

Posted by geneton at 01:34 PM

AS SURPRESAS DA POLÍTICA BRASILEIRA: O DIA EM QUE UM EX-PRESIDENTE BRASILEIRO REVELOU, NA CAMA DE UM HOSPITAL, POR QUE TINHA RENUNCIADO

A política brasileira, como se sabe, de vez em quando é agitada por surpresas que poderiam ter saído da imaginação fértil de um roteirista de cinema.
Um das surpresas mais espetaculares foi a renúncia de um presidente que chegara ao Palácio do Planalto como fenômeno de popularidade. Nome: Jânio Quadros.
Durante décadas, houve especulações de todo tipo sobre os motivos da renúncia.
O que pouca gente sabe é que o próprio Jânio Quadros fez ao neto, no leito de um hospital, em São Paulo, uma espécie de confissão final sobre o gesto estapafúrdio.
( Pausa para uma pequena digressão.
O incrível, o extraordinário, o inacreditável é que nossa imprensa
desconheceu solenemente a confissão - feita pelo principal personagem do drama.
Deus do céu: como o jornalismo pode ser espetacularmente burocrático, cinzento, medíocre, chato, insensível e sonolento!
Conclusão óbvia: a temível TDM ( "Tropa dos Derrubadores de Matérias ), formada por aqueles jornalistas que passam a vida jogando notícia no lixo, não descansa nunca! É pior do que a Divisão Panzer. Passa a vida se dedicando, dia e noite, à tarefa de destruir o que o jornalismo possa ter de vívido, curioso, revelador e interessante. Sempre foi assim. E assim será, até o dia do juízo final. Triste, triste, triste.
Vou morrer dizendo: o maior inimigo do Jornalismo é o jornalista. Não é algum general, algum censor, algum crítico.
Um dia, se me sobrarem engenho e arte, pretendo fazer, para meus oito leitores, uma pequena lista de absurdos cometidos, contra o Jornalismo, pelos cães ferozes da TDM. Fiz uma lista. Vou procurá-la. É inacreditável.
A cegueira diante da confissão de Jânio é um exemplo escandaloso da cegueira jornalística.
Duvido que um leitor minimamente interessado em política não lesse uma manchete do tipo "a confissão final: Jânio revela ao neto o motivo da renúncia".
Eu leria. Não sou exceção - é claro.
Se uma declaração feita por um ex-presidente sobre um dos maiores enigmas da política brasileira não é notícia, então o que será? )
Fiz minha parte, na medida do possível: gravei para o Fantástico - onde trabalhava - uma reportagem sobre a confissão do ex-presidente.
Publiquei um texto sobre o caso no nosso livro "Dossiê Brasil" (1997).
Ei-lo:
A mais sincera confissão já feita por Jânio Quadros sobre os reais motivos que o levaram a renunciar à Presidência da Republica no dia 25 de agosto de 1961 somente foi publicada em 1995, em escassas sete páginas de uma calhamaço lançado por uma editora desconhecida de São Paulo em louvor ao ex-presidente
Organizado por Jânio Quadros Neto e Eduardo Lobo Botelho Gualazzi, o livro ‘’Jânio Quadros : Memorial à Historia do Brasil’’ é, na verdade, um bem nutrido álbum de recortes sobre o homem. Grande parte das 340 páginas do livro, publicado pela Editora Rideel, é ocupada pela republicação de reportagens originalmente aparecidas em jornais e revistas sobre a figura esquisita de JQ.
A porção laudatória do livro é leitura recomendável apenas a janistas de carteirinha. O ‘’Memorial’’ traz, no entanto, um capítulo importante: a confissão que Jânio, já doente, fez ao neto, num quarto do Hospital Israelita Albert Einstein, no dia 25 de agosto de 1991, no trigésimo aniversário da renúncia.
Jânio morreria no dia 16 de fevereiro de 1992, aos 75 anos de idade. O neto fez segredo sobre o que ouviu. Somente publicou as palavras do avô quatro anos depois.
Ao contrário do que fazia diante dos jornalistas - a quem respondia com frases grandiloquentes mas pouco objetivas sobre a renúncia - Jânio Quadros disse ao neto, sem rodeios e sem meias palavras, que renunciou simplesmente porque tinha certeza de que o povo,os militares e os governadores o levariam de volta ao poder. Não levaram.
Talvez porque já pressentisse o fim próximo, Jânio admite, diante do neto, pela primeira vez,que a renúncia foi ‘’o maior fracasso político da história republicana do Pais,o maior erro que cometi’’.
A já vasta bibliografia sobre a renúncia ganhou, assim, um acréscimo fundamental, feito pelo próprio Jânio - a única pessoa que poderia explicar o enigma. Desta vez, a explicação parece clara.
Um detalhe inacreditável - que revela como as redações brasileiras são povoadas por uma incrível quantidade de burocratas que vivem assassinando o jornalismo: a confissão final de Jânio mereceu destaque zero nas páginas da imprensa brasileira,o que é estranho, além de lamentável.
A imprensa - que passou três décadas perguntando a Jânio Quadros por que é que ele renunciou - resolve deixar passar em brancas nuvens a confissão final do ex-presidente sobre a renúncia, acontecimento fundamental na historia recente do Brasil!
Tamanha desatenção parece ser um subproduto típico de uma doença facilmente detectável nas redações - a Síndrome da Frigidez Editorial. Joga-se noticia no lixo como quem se descarta de um copo de papel sujo de café . Leigos na profissão podem estranhar, mas a verdade é que há notícias que precisam enfrentar uma corrida de obstáculos dentro das próprias redações, antes de merecerem a graça suprema de serem publicadas! Isto não tem absolutamente nada a ver com disponibilidade de espaço, mas com competência e faro jornalístico.
Se a última palavra do um presidente sobre um fato importantíssimo não merece uma linha sequer em jornais e revistas que passaram anos e anos falando sobre a renúncia, então há qualquer coisa de podre no Reino de Gutemberg. Quem paga a conta, obviamente, é o leitor, a quem se sonegam informações.
O caso da confissão de Jânio sobre a renúncia é exemplar: a informação fica restrita aos magros três mil exemplares do livro do neto. E os milhares, milhares e milhares de leitores de jornais e revistas, onde ficam ? A ver navios. É como dizia o velho Paulo Francis: "Nossa imprensa: previsível, empolada, chata. Como é chata, meu Deus!".
Eis trechos do diálogo entre o ex-presidente e o neto,no hospital.As palavras de Jânio não deixam margem de dúvidas sobre a renúncia :
-‘’Quando assumi a presidência, eu não sabia da verdadeira situação político-econômica do País. A minha renúncia era para ter sido uma articulação: nunca imaginei que ela seria de fato aceita e executada. Renunciei à minha candidatura à presidência, em 1960. A renúncia não foi aceita. Voltei com mais fôlego e força. Meu ato de 25 de agosto de 1961 foi uma estratégia política que não deu certo, uma tentativa de governabilidade. Também foi o maior fracasso político da história republicana do país, o maior erro que cometi(...)Tudo foi muito bem planejado e organizado. Eu mandei João Goulart (N:vice-presidente) em missão oficial à China, no lugar mais longe possível. Assim, ele não estaria no Brasil para assumir ou fazer articulações políticas. Escrevi a carta da renúncia no dia 19 de agosto e entreguei ao ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, no dia 22. Eu acreditava que não haveria ninguém para assumir a presidência. Pensei que os militares, os governadores e, principalmente, o povo nunca aceitariam a minha renúncia e exigiriam que eu ficasse no poder. Jango era, na época, semelhante a Lula : completamente inaceitável para a elite. Achei que era impossível que ele assumisse, porque todos iriam implorar para que eu ficasse(...) Renunciei no dia do soldado porque quis sensibilizar os militares e conseguir o apoio das Forças Armadas. Era para ter criado um certo clima político. Imaginei que, em primeiro lugar, o povo iria às ruas, seguido pelos militares. Os dois me chamariam de volta. Fiquei com a faixa presidencial até o dia 26. Achei que voltaria de Santos para Brasília na glória. Ao renunciar, pedi um voto de confiança à minha permanência no poder. Isso é feito frequentemente pelos primeiros-ministros na Inglaterra. Fui reprovado. O País pagou um preço muito alto. Deu tudo errado’’.

Posted by geneton at 01:34 PM

AS SURPRESAS DA POLÍTICA BRASILEIRA: O DIA EM QUE UM EX-PRESIDENTE BRASILEIRO REVELOU, NA CAMA DE UM HOSPITAL, POR QUE TINHA RENUNCIADO

A política brasileira, como se sabe, de vez em quando é agitada por surpresas que poderiam ter saído da imaginação fértil de um roteirista de cinema.
Um das surpresas mais espetaculares foi a renúncia de um presidente que chegara ao Palácio do Planalto como fenômeno de popularidade. Nome: Jânio Quadros.
Durante décadas, houve especulações de todo tipo sobre os motivos da renúncia.
O que pouca gente sabe é que o próprio Jânio Quadros fez ao neto, no leito de um hospital, em São Paulo, uma espécie de confissão final sobre o gesto estapafúrdio.
( Pausa para uma pequena digressão.
O incrível, o extraordinário, o inacreditável é que nossa imprensa
desconheceu solenemente a confissão - feita pelo principal personagem do drama.
Deus do céu: como o jornalismo pode ser espetacularmente burocrático, cinzento, medíocre, chato, insensível e sonolento!
Conclusão óbvia: a temível TDM ( "Tropa dos Derrubadores de Matérias ), formada por aqueles jornalistas que passam a vida jogando notícia no lixo, não descansa nunca! É pior do que a Divisão Panzer. Passa a vida se dedicando, dia e noite, à tarefa de destruir o que o jornalismo possa ter de vívido, curioso, revelador e interessante. Sempre foi assim. E assim será, até o dia do juízo final. Triste, triste, triste.
Vou morrer dizendo: o maior inimigo do Jornalismo é o jornalista. Não é algum general, algum censor, algum crítico.
Um dia, se me sobrarem engenho e arte, pretendo fazer, para meus oito leitores, uma pequena lista de absurdos cometidos, contra o Jornalismo, pelos cães ferozes da TDM. Fiz uma lista. Vou procurá-la. É inacreditável.
A cegueira diante da confissão de Jânio é um exemplo escandaloso da cegueira jornalística.
Duvido que um leitor minimamente interessado em política não lesse uma manchete do tipo "a confissão final: Jânio revela ao neto o motivo da renúncia".
Eu leria. Não sou exceção - é claro.
Se uma declaração feita por um ex-presidente sobre um dos maiores enigmas da política brasileira não é notícia, então o que será? )
Fiz minha parte, na medida do possível: gravei para o Fantástico - onde trabalhava - uma reportagem sobre a confissão do ex-presidente.
Publiquei um texto sobre o caso no nosso livro "Dossiê Brasil" (1997).
Ei-lo:
A mais sincera confissão já feita por Jânio Quadros sobre os reais motivos que o levaram a renunciar à Presidência da Republica no dia 25 de agosto de 1961 somente foi publicada em 1995, em escassas sete páginas de uma calhamaço lançado por uma editora desconhecida de São Paulo em louvor ao ex-presidente
Organizado por Jânio Quadros Neto e Eduardo Lobo Botelho Gualazzi, o livro ‘’Jânio Quadros : Memorial à Historia do Brasil’’ é, na verdade, um bem nutrido álbum de recortes sobre o homem. Grande parte das 340 páginas do livro, publicado pela Editora Rideel, é ocupada pela republicação de reportagens originalmente aparecidas em jornais e revistas sobre a figura esquisita de JQ.
A porção laudatória do livro é leitura recomendável apenas a janistas de carteirinha. O ‘’Memorial’’ traz, no entanto, um capítulo importante: a confissão que Jânio, já doente, fez ao neto, num quarto do Hospital Israelita Albert Einstein, no dia 25 de agosto de 1991, no trigésimo aniversário da renúncia.
Jânio morreria no dia 16 de fevereiro de 1992, aos 75 anos de idade. O neto fez segredo sobre o que ouviu. Somente publicou as palavras do avô quatro anos depois.
Ao contrário do que fazia diante dos jornalistas - a quem respondia com frases grandiloquentes mas pouco objetivas sobre a renúncia - Jânio Quadros disse ao neto, sem rodeios e sem meias palavras, que renunciou simplesmente porque tinha certeza de que o povo,os militares e os governadores o levariam de volta ao poder. Não levaram.
Talvez porque já pressentisse o fim próximo, Jânio admite, diante do neto, pela primeira vez,que a renúncia foi ‘’o maior fracasso político da história republicana do Pais,o maior erro que cometi’’.
A já vasta bibliografia sobre a renúncia ganhou, assim, um acréscimo fundamental, feito pelo próprio Jânio - a única pessoa que poderia explicar o enigma. Desta vez, a explicação parece clara.
Um detalhe inacreditável - que revela como as redações brasileiras são povoadas por uma incrível quantidade de burocratas que vivem assassinando o jornalismo: a confissão final de Jânio mereceu destaque zero nas páginas da imprensa brasileira,o que é estranho, além de lamentável.
A imprensa - que passou três décadas perguntando a Jânio Quadros por que é que ele renunciou - resolve deixar passar em brancas nuvens a confissão final do ex-presidente sobre a renúncia, acontecimento fundamental na historia recente do Brasil!
Tamanha desatenção parece ser um subproduto típico de uma doença facilmente detectável nas redações - a Síndrome da Frigidez Editorial. Joga-se noticia no lixo como quem se descarta de um copo de papel sujo de café . Leigos na profissão podem estranhar, mas a verdade é que há notícias que precisam enfrentar uma corrida de obstáculos dentro das próprias redações, antes de merecerem a graça suprema de serem publicadas! Isto não tem absolutamente nada a ver com disponibilidade de espaço, mas com competência e faro jornalístico.
Se a última palavra do um presidente sobre um fato importantíssimo não merece uma linha sequer em jornais e revistas que passaram anos e anos falando sobre a renúncia, então há qualquer coisa de podre no Reino de Gutemberg. Quem paga a conta, obviamente, é o leitor, a quem se sonegam informações.
O caso da confissão de Jânio sobre a renúncia é exemplar: a informação fica restrita aos magros três mil exemplares do livro do neto. E os milhares, milhares e milhares de leitores de jornais e revistas, onde ficam ? A ver navios. É como dizia o velho Paulo Francis: "Nossa imprensa: previsível, empolada, chata. Como é chata, meu Deus!".
Eis trechos do diálogo entre o ex-presidente e o neto,no hospital.As palavras de Jânio não deixam margem de dúvidas sobre a renúncia :
-‘’Quando assumi a presidência, eu não sabia da verdadeira situação político-econômica do País. A minha renúncia era para ter sido uma articulação: nunca imaginei que ela seria de fato aceita e executada. Renunciei à minha candidatura à presidência, em 1960. A renúncia não foi aceita. Voltei com mais fôlego e força. Meu ato de 25 de agosto de 1961 foi uma estratégia política que não deu certo, uma tentativa de governabilidade. Também foi o maior fracasso político da história republicana do país, o maior erro que cometi(...)Tudo foi muito bem planejado e organizado. Eu mandei João Goulart (N:vice-presidente) em missão oficial à China, no lugar mais longe possível. Assim, ele não estaria no Brasil para assumir ou fazer articulações políticas. Escrevi a carta da renúncia no dia 19 de agosto e entreguei ao ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, no dia 22. Eu acreditava que não haveria ninguém para assumir a presidência. Pensei que os militares, os governadores e, principalmente, o povo nunca aceitariam a minha renúncia e exigiriam que eu ficasse no poder. Jango era, na época, semelhante a Lula : completamente inaceitável para a elite. Achei que era impossível que ele assumisse, porque todos iriam implorar para que eu ficasse(...) Renunciei no dia do soldado porque quis sensibilizar os militares e conseguir o apoio das Forças Armadas. Era para ter criado um certo clima político. Imaginei que, em primeiro lugar, o povo iria às ruas, seguido pelos militares. Os dois me chamariam de volta. Fiquei com a faixa presidencial até o dia 26. Achei que voltaria de Santos para Brasília na glória. Ao renunciar, pedi um voto de confiança à minha permanência no poder. Isso é feito frequentemente pelos primeiros-ministros na Inglaterra. Fui reprovado. O País pagou um preço muito alto. Deu tudo errado’’.

Posted by geneton at 01:34 PM

agosto 26, 2014

LEMBRANÇAS DE UM AGOSTO TRÁGICO: O DIA EM QUE A PRINCESA DIANA MORREU UMA "MORTE AMERICANA" - DENTRO DE UM CARRO, A TODA VELOCIDADE, PERSEGUIDA POR FOTÓGRAFOS

Revejo anotações feitas sobre os primórdios da Globonews:
Azar: quando a notícia de que a Princesa Diana tinha morrido num acidente de carro em Paris chegou à Inglaterra, na madrugada de um domingo de agosto de 1997, eu estava no sétimo sono. Pior: estava de folga. Desastre: nem em casa eu estava!. Tinha viajado para um fim de semana em Blackpool.
Quando acordei, no domingo, cedo, para não perder a hora do café do manhã, liguei a TV. Quase caio para trás quando vi a notícia estampada numa tarja, no pé do vídeo: “Diana morta em acidente em Paris”. Todas as emissoras tinham suspendido a programação normal. Lá embaixo, no salão de café, vi gente chorando enquanto ouvia, paralisada, as notícias vindas de Paris. Comoção nacional.

Pude ouvir, na secretária eletrônica de casa, recados razoavelmente desesperados deixados na madrugada do sábado por editores da Globonews à procura do correspondente de férias...Assim que liguei para a redação do Rio, fui imediatamente “plugado” para o ar. Pude dar as primeiras impressões sobre a tragédia.
De volta a Londres, fiz, para o Jornal das Dez, uma reportagem apressada diante do Palácio de Buckingham. A cena era comovente: as calçadas diante do Palácio estavam literalmente tomadas por centenas, milhares de buquês de rosas. A Inglaterra nunca tinha visto uma demonstração tão ostensiva de luto coletivo. .
Mas nada se comparava às cenas que aconteceriam no sábado seguinte, dia do enterro de Diana.
Parece que estou vendo tudo de novo.
Não há outro pensamento possível: fico ruminando sobre o absurdo da vida ao ver o caixão passar a dois passos de onde estou, numa alameda nas proximidades do Palácio de Buckingham, numa manhã de setembro. Dias atrás, a Princesa Diana, linda, ilustrava a capa de uma revista numa foto deslumbrante em preto e branco. Agora, a Princesa é um corpo – invisível – desfilando diante de uma multidão de súditos em estado de choque. Crianças pregam nas árvores folhas de papel com mensagens e desenhos que a Princesa jamais verá.
Os príncipes William e Harry caminham em companhia do pai, o Príncipe Charles, herdeiro direto do trono, logo atrás do caixão. De vez em quando, o Príncipe Charles faz movimentos quase imperceptíveis com a cabeça, como se agradecesse a presença da multidão.
Cabisbaixos, seus dois filhos não tiram os olhos do chão.
A multidão não emite um ruído sequer. Só se ouvem dois ruídos. Um é o som do trote dos cavalos que transportam a carruagem fúnebre. O outro é o badalo compassado do sino da Catedral de Westminster. Com intervalos regulares, o sino enche a manhã de um som solene, triste, trágico.
A visão da multidão em silêncio, o som compassado do trote dos cavalos e o toque estranhamente assustador do sino da Catedral dão à cena ares de uma tragédia shakespeariana.
Perto dali, uma cena inacreditável: um bêbado trajando luto pronuncia palavras incompreensíveis diante da estátua de Charles Chaplin, na Leicester Square.
São onze da manhã. A conversa do bêbado com Carlitos completa a sucessão de cenas absurdas naquele setembro inesquecível.
Que segredos o bêbado terá confiado ao Vagabundo?
Enterrada a Princesa, tive a chance de entrevistar, em regime de emergência, um historiador brilhante, para o programa “Milênio”. Chamava-se David Starkey. É um dos maiores especialistas na história da realeza britânica. Fez uma biografia de Henrique VIII, o rei que mandava matar as mulheres.
Durante a semana que se passou entre o acidente em Paris e o enterro da Princesa, David Starkey brilhou nas tevês britânicas ao analisar o impacto da tragédia sobre a opinião pública.
O que diferenciava Starkey do exército de especialistas que desfilavam pelas vídeos das TVs, pelas páginas dos jornais e pelas ondas dos rádios era a originalidade de suas observações.
Terminou encontrando tempo para nos receber – a mim e ao cinegrafista Paulo Pimentel - em casa. Deu um show de verve, ironia e erudição. Comportou-se como um aristocrata chocado com demonstrações de “vulgaridade” registradas durante as homenagens à Princesa.
Os telespectadores do “Milênio”, assim como nós, devem ter ficado deliciosamente chocados com a metralhadora giratória do historiador. Starkey ficou indignado – por exemplo – com o fato de Elton John, um cantor pop, ter sido convocado para cantar na Catedral de Westminster nos funerais das Princesa. Logo ali, na Catedral, tida como “Casa de Deus, Casa dos Reis”....
O historiador via no convite a Elton John uma concessão intolerável ao mau gosto popularesco. Num toque final de ironia, ele disse que Elton John cantando na Catedral era um ato de mau gosto tanto quanto seria ver Luciano Pavarotti soltando seus trinados no funeral da Princesa. A única diferença é que a careca de Luciano Pavarotti era visível. Já Elton John – notou Starkey – trata de esconder a calvície com uma "peruca indecente".
O melhor comentário do historiador irritado foi sobre o cenário da morte da Princesa. Starkey disse que, ao fazer concessões ao circo da fama, a Princesa já tinha deixado há tempos de encarnar as virtudes da “realeza britânica”.
Diana estava, nas palavras do historiador, levando uma vida “americana”. Ao morrer a bordo de um automóvel, a toda velocidade, perseguida por fotógrafos numa madrugada de Paris, ela morreu uma “morte americana”.
Brilhante.

Posted by geneton at 01:36 PM

LEMBRANÇAS DE UM AGOSTO TRÁGICO: O DIA EM QUE A PRINCESA DIANA MORREU UMA "MORTE AMERICANA" - DENTRO DE UM CARRO, A TODA VELOCIDADE, PERSEGUIDA POR FOTÓGRAFOS

Revejo anotações feitas sobre os primórdios da Globonews:
Azar: quando a notícia de que a Princesa Diana tinha morrido num acidente de carro em Paris chegou à Inglaterra, na madrugada de um domingo de agosto de 1997, eu estava no sétimo sono. Pior: estava de folga. Desastre: nem em casa eu estava!. Tinha viajado para um fim de semana em Blackpool.
Quando acordei, no domingo, cedo, para não perder a hora do café do manhã, liguei a TV. Quase caio para trás quando vi a notícia estampada numa tarja, no pé do vídeo: “Diana morta em acidente em Paris”. Todas as emissoras tinham suspendido a programação normal. Lá embaixo, no salão de café, vi gente chorando enquanto ouvia, paralisada, as notícias vindas de Paris. Comoção nacional.

Pude ouvir, na secretária eletrônica de casa, recados razoavelmente desesperados deixados na madrugada do sábado por editores da Globonews à procura do correspondente de férias...Assim que liguei para a redação do Rio, fui imediatamente “plugado” para o ar. Pude dar as primeiras impressões sobre a tragédia.
De volta a Londres, fiz, para o Jornal das Dez, uma reportagem apressada diante do Palácio de Buckingham. A cena era comovente: as calçadas diante do Palácio estavam literalmente tomadas por centenas, milhares de buquês de rosas. A Inglaterra nunca tinha visto uma demonstração tão ostensiva de luto coletivo. .
Mas nada se comparava às cenas que aconteceriam no sábado seguinte, dia do enterro de Diana.
Parece que estou vendo tudo de novo.
Não há outro pensamento possível: fico ruminando sobre o absurdo da vida ao ver o caixão passar a dois passos de onde estou, numa alameda nas proximidades do Palácio de Buckingham, numa manhã de setembro. Dias atrás, a Princesa Diana, linda, ilustrava a capa de uma revista numa foto deslumbrante em preto e branco. Agora, a Princesa é um corpo – invisível – desfilando diante de uma multidão de súditos em estado de choque. Crianças pregam nas árvores folhas de papel com mensagens e desenhos que a Princesa jamais verá.
Os príncipes William e Harry caminham em companhia do pai, o Príncipe Charles, herdeiro direto do trono, logo atrás do caixão. De vez em quando, o Príncipe Charles faz movimentos quase imperceptíveis com a cabeça, como se agradecesse a presença da multidão.
Cabisbaixos, seus dois filhos não tiram os olhos do chão.
A multidão não emite um ruído sequer. Só se ouvem dois ruídos. Um é o som do trote dos cavalos que transportam a carruagem fúnebre. O outro é o badalo compassado do sino da Catedral de Westminster. Com intervalos regulares, o sino enche a manhã de um som solene, triste, trágico.
A visão da multidão em silêncio, o som compassado do trote dos cavalos e o toque estranhamente assustador do sino da Catedral dão à cena ares de uma tragédia shakespeariana.
Perto dali, uma cena inacreditável: um bêbado trajando luto pronuncia palavras incompreensíveis diante da estátua de Charles Chaplin, na Leicester Square.
São onze da manhã. A conversa do bêbado com Carlitos completa a sucessão de cenas absurdas naquele setembro inesquecível.
Que segredos o bêbado terá confiado ao Vagabundo?
Enterrada a Princesa, tive a chance de entrevistar, em regime de emergência, um historiador brilhante, para o programa “Milênio”. Chamava-se David Starkey. É um dos maiores especialistas na história da realeza britânica. Fez uma biografia de Henrique VIII, o rei que mandava matar as mulheres.
Durante a semana que se passou entre o acidente em Paris e o enterro da Princesa, David Starkey brilhou nas tevês britânicas ao analisar o impacto da tragédia sobre a opinião pública.
O que diferenciava Starkey do exército de especialistas que desfilavam pelas vídeos das TVs, pelas páginas dos jornais e pelas ondas dos rádios era a originalidade de suas observações.
Terminou encontrando tempo para nos receber – a mim e ao cinegrafista Paulo Pimentel - em casa. Deu um show de verve, ironia e erudição. Comportou-se como um aristocrata chocado com demonstrações de “vulgaridade” registradas durante as homenagens à Princesa.
Os telespectadores do “Milênio”, assim como nós, devem ter ficado deliciosamente chocados com a metralhadora giratória do historiador. Starkey ficou indignado – por exemplo – com o fato de Elton John, um cantor pop, ter sido convocado para cantar na Catedral de Westminster nos funerais das Princesa. Logo ali, na Catedral, tida como “Casa de Deus, Casa dos Reis”....
O historiador via no convite a Elton John uma concessão intolerável ao mau gosto popularesco. Num toque final de ironia, ele disse que Elton John cantando na Catedral era um ato de mau gosto tanto quanto seria ver Luciano Pavarotti soltando seus trinados no funeral da Princesa. A única diferença é que a careca de Luciano Pavarotti era visível. Já Elton John – notou Starkey – trata de esconder a calvície com uma "peruca indecente".
O melhor comentário do historiador irritado foi sobre o cenário da morte da Princesa. Starkey disse que, ao fazer concessões ao circo da fama, a Princesa já tinha deixado há tempos de encarnar as virtudes da “realeza britânica”.
Diana estava, nas palavras do historiador, levando uma vida “americana”. Ao morrer a bordo de um automóvel, a toda velocidade, perseguida por fotógrafos numa madrugada de Paris, ela morreu uma “morte americana”.
Brilhante.

Posted by geneton at 01:36 PM

LEMBRANÇAS DE UM AGOSTO TRÁGICO: O DIA EM QUE A PRINCESA DIANA MORREU UMA "MORTE AMERICANA" - DENTRO DE UM CARRO, A TODA VELOCIDADE, PERSEGUIDA POR FOTÓGRAFOS

Revejo anotações feitas sobre os primórdios da Globonews:
Azar: quando a notícia de que a Princesa Diana tinha morrido num acidente de carro em Paris chegou à Inglaterra, na madrugada de um domingo de agosto de 1997, eu estava no sétimo sono. Pior: estava de folga. Desastre: nem em casa eu estava!. Tinha viajado para um fim de semana em Blackpool.
Quando acordei, no domingo, cedo, para não perder a hora do café do manhã, liguei a TV. Quase caio para trás quando vi a notícia estampada numa tarja, no pé do vídeo: “Diana morta em acidente em Paris”. Todas as emissoras tinham suspendido a programação normal. Lá embaixo, no salão de café, vi gente chorando enquanto ouvia, paralisada, as notícias vindas de Paris. Comoção nacional.

Pude ouvir, na secretária eletrônica de casa, recados razoavelmente desesperados deixados na madrugada do sábado por editores da Globonews à procura do correspondente de férias...Assim que liguei para a redação do Rio, fui imediatamente “plugado” para o ar. Pude dar as primeiras impressões sobre a tragédia.
De volta a Londres, fiz, para o Jornal das Dez, uma reportagem apressada diante do Palácio de Buckingham. A cena era comovente: as calçadas diante do Palácio estavam literalmente tomadas por centenas, milhares de buquês de rosas. A Inglaterra nunca tinha visto uma demonstração tão ostensiva de luto coletivo. .
Mas nada se comparava às cenas que aconteceriam no sábado seguinte, dia do enterro de Diana.
Parece que estou vendo tudo de novo.
Não há outro pensamento possível: fico ruminando sobre o absurdo da vida ao ver o caixão passar a dois passos de onde estou, numa alameda nas proximidades do Palácio de Buckingham, numa manhã de setembro. Dias atrás, a Princesa Diana, linda, ilustrava a capa de uma revista numa foto deslumbrante em preto e branco. Agora, a Princesa é um corpo – invisível – desfilando diante de uma multidão de súditos em estado de choque. Crianças pregam nas árvores folhas de papel com mensagens e desenhos que a Princesa jamais verá.
Os príncipes William e Harry caminham em companhia do pai, o Príncipe Charles, herdeiro direto do trono, logo atrás do caixão. De vez em quando, o Príncipe Charles faz movimentos quase imperceptíveis com a cabeça, como se agradecesse a presença da multidão.
Cabisbaixos, seus dois filhos não tiram os olhos do chão.
A multidão não emite um ruído sequer. Só se ouvem dois ruídos. Um é o som do trote dos cavalos que transportam a carruagem fúnebre. O outro é o badalo compassado do sino da Catedral de Westminster. Com intervalos regulares, o sino enche a manhã de um som solene, triste, trágico.
A visão da multidão em silêncio, o som compassado do trote dos cavalos e o toque estranhamente assustador do sino da Catedral dão à cena ares de uma tragédia shakespeariana.
Perto dali, uma cena inacreditável: um bêbado trajando luto pronuncia palavras incompreensíveis diante da estátua de Charles Chaplin, na Leicester Square.
São onze da manhã. A conversa do bêbado com Carlitos completa a sucessão de cenas absurdas naquele setembro inesquecível.
Que segredos o bêbado terá confiado ao Vagabundo?
Enterrada a Princesa, tive a chance de entrevistar, em regime de emergência, um historiador brilhante, para o programa “Milênio”. Chamava-se David Starkey. É um dos maiores especialistas na história da realeza britânica. Fez uma biografia de Henrique VIII, o rei que mandava matar as mulheres.
Durante a semana que se passou entre o acidente em Paris e o enterro da Princesa, David Starkey brilhou nas tevês britânicas ao analisar o impacto da tragédia sobre a opinião pública.
O que diferenciava Starkey do exército de especialistas que desfilavam pelas vídeos das TVs, pelas páginas dos jornais e pelas ondas dos rádios era a originalidade de suas observações.
Terminou encontrando tempo para nos receber – a mim e ao cinegrafista Paulo Pimentel - em casa. Deu um show de verve, ironia e erudição. Comportou-se como um aristocrata chocado com demonstrações de “vulgaridade” registradas durante as homenagens à Princesa.
Os telespectadores do “Milênio”, assim como nós, devem ter ficado deliciosamente chocados com a metralhadora giratória do historiador. Starkey ficou indignado – por exemplo – com o fato de Elton John, um cantor pop, ter sido convocado para cantar na Catedral de Westminster nos funerais das Princesa. Logo ali, na Catedral, tida como “Casa de Deus, Casa dos Reis”....
O historiador via no convite a Elton John uma concessão intolerável ao mau gosto popularesco. Num toque final de ironia, ele disse que Elton John cantando na Catedral era um ato de mau gosto tanto quanto seria ver Luciano Pavarotti soltando seus trinados no funeral da Princesa. A única diferença é que a careca de Luciano Pavarotti era visível. Já Elton John – notou Starkey – trata de esconder a calvície com uma "peruca indecente".
O melhor comentário do historiador irritado foi sobre o cenário da morte da Princesa. Starkey disse que, ao fazer concessões ao circo da fama, a Princesa já tinha deixado há tempos de encarnar as virtudes da “realeza britânica”.
Diana estava, nas palavras do historiador, levando uma vida “americana”. Ao morrer a bordo de um automóvel, a toda velocidade, perseguida por fotógrafos numa madrugada de Paris, ela morreu uma “morte americana”.
Brilhante.

Posted by geneton at 01:36 PM

agosto 17, 2014

A GRANDE NOITE DOS DILEMAS, A LONGA TARDE DAS DESPEDIDAS

Faz um ano. Tínhamos terminado a gravação de uma entrevista com o senador Pedro Simon, em Brasília, para a Globonews. De repente, o nome de Eduardo Campos é citado.
( Simon tinha falado sobre a grande noite dos dilemas: as horas dramáticas em que se decidia o futuro político do Brasil numa sala de hospital em Brasília. Com a ausência do presidente eleito Tancredo Neves, internado às pressas na véspera da posse, quem deveria assumir a presidência da República naquele 15 de março de 1985? José Sarney - o vice de Tancredo - ou Ulysses Guimarães, o presidente da Câmara? Pedro Simon foi voto vencido: naquela madrugada, defendia a tese de que Ulysses Guimarães é que deveria sentar na cadeira de presidente durante o impedimento de Tancredo.

A explicação de Simon fazia sentido: se o presidente eleito - Tancredo Neves - ainda não tinha tomado posse, então o vice não poderia substituí-lo. Nenhum dos dois estava exercendo seus cargos. Mas Simon foi voto vencido: o vice Sarney foi entronizado no cargo. Como se sabe, terminou cumprindo todo o mandato, porque Tancredo Neves não sairia vivo do calvário que enfrentou nos hospitais. Um acontecimento absolutamente inesperado - a doença de Tancredo, um dia antes da posse - mudou tudo ali ).
Pouco antes de se despedir, Simon faz uma confissão: tinha ficado impressionadíssimo depois de uma longa conversa com Eduardo Campos. Já se vislumbrava, ali, um possível candidato à presidência da República. Não deu outra.
( Faz sete anos. Numa conversa em "off" em 2007, em São Paulo, depois de um debate sobre jornalismo, o já ex-chefe da secretaria de imprensa da Presidência da República, o grande repórter Ricardo Kotscho, dizia que Lula tinha uma certa predileção pelo então ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos. Kotscho lembrava que o então presidente vivia chamando o ministro para acompanhá-lo em viagens - até quando a presença de Eduardo não era rigorosamente necessária na comitiva. Naquela conversa, com anos de antecedência, Kotscho fez uma aposta que se revelaria acertada: dizia que, se fosse escolher uma candidatura dentro do PT para as eleições de 2010, Lula poderia lançar Dilma. Acertou na mosca .).
Agora, outro golpe inesperado do "destino" altera de novo os caminhos da política: o candidato Eduardo Campos embarca num voo fatal menos de uma semana antes do início da campanha "pra valer" - no rádio e na TV.
Choque, perplexidade - uma dor pernambucana que se espalhou pelo país.
Imagens tristes do Recife desfilam na tevê. A "carreata" que atravessou a cidade buzinando na madrugada atrás do caminhão que conduzia o corpo do candidato produziu cenas emocionantes.
Vai ser longa a tarde das despedidas. A comoção popular é sincera.
"Ah, minha cidade suja /
de muita dor em voz baixa /(...) de vestidos desbotados / de camisas mal cerzidas / de tanta gente humilhada / comendo pouco / mas ainda assim bordando de flores / suas toalhas de mesa / suas toalhas de centro / de mesa com jarros / - na tarde / durante a tarde / durante a vida - cheios de flores / de papel crepom / já empoeiradas / minha cidade doída".
É como se a cidade lembrasse dos versos bonitos de Gullar no Poema Sujo - ou daquela velha canção de Caetano: "Guitarras / salas/ vento/ chão / Que dor no coração".
O Diário de Pernambuco divulgou o que seria a primeira peça de uma campanha presidencial que já não poderá ser feita:

Posted by geneton at 01:36 PM

A GRANDE NOITE DOS DILEMAS, A LONGA TARDE DAS DESPEDIDAS

Faz um ano. Tínhamos terminado a gravação de uma entrevista com o senador Pedro Simon, em Brasília, para a Globonews. De repente, o nome de Eduardo Campos é citado.
( Simon tinha falado sobre a grande noite dos dilemas: as horas dramáticas em que se decidia o futuro político do Brasil numa sala de hospital em Brasília. Com a ausência do presidente eleito Tancredo Neves, internado às pressas na véspera da posse, quem deveria assumir a presidência da República naquele 15 de março de 1985? José Sarney - o vice de Tancredo - ou Ulysses Guimarães, o presidente da Câmara? Pedro Simon foi voto vencido: naquela madrugada, defendia a tese de que Ulysses Guimarães é que deveria sentar na cadeira de presidente durante o impedimento de Tancredo.

A explicação de Simon fazia sentido: se o presidente eleito - Tancredo Neves - ainda não tinha tomado posse, então o vice não poderia substituí-lo. Nenhum dos dois estava exercendo seus cargos. Mas Simon foi voto vencido: o vice Sarney foi entronizado no cargo. Como se sabe, terminou cumprindo todo o mandato, porque Tancredo Neves não sairia vivo do calvário que enfrentou nos hospitais. Um acontecimento absolutamente inesperado - a doença de Tancredo, um dia antes da posse - mudou tudo ali ).
Pouco antes de se despedir, Simon faz uma confissão: tinha ficado impressionadíssimo depois de uma longa conversa com Eduardo Campos. Já se vislumbrava, ali, um possível candidato à presidência da República. Não deu outra.
( Faz sete anos. Numa conversa em "off" em 2007, em São Paulo, depois de um debate sobre jornalismo, o já ex-chefe da secretaria de imprensa da Presidência da República, o grande repórter Ricardo Kotscho, dizia que Lula tinha uma certa predileção pelo então ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos. Kotscho lembrava que o então presidente vivia chamando o ministro para acompanhá-lo em viagens - até quando a presença de Eduardo não era rigorosamente necessária na comitiva. Naquela conversa, com anos de antecedência, Kotscho fez uma aposta que se revelaria acertada: dizia que, se fosse escolher uma candidatura dentro do PT para as eleições de 2010, Lula poderia lançar Dilma. Acertou na mosca .).
Agora, outro golpe inesperado do "destino" altera de novo os caminhos da política: o candidato Eduardo Campos embarca num voo fatal menos de uma semana antes do início da campanha "pra valer" - no rádio e na TV.
Choque, perplexidade - uma dor pernambucana que se espalhou pelo país.
Imagens tristes do Recife desfilam na tevê. A "carreata" que atravessou a cidade buzinando na madrugada atrás do caminhão que conduzia o corpo do candidato produziu cenas emocionantes.
Vai ser longa a tarde das despedidas. A comoção popular é sincera.
"Ah, minha cidade suja /
de muita dor em voz baixa /(...) de vestidos desbotados / de camisas mal cerzidas / de tanta gente humilhada / comendo pouco / mas ainda assim bordando de flores / suas toalhas de mesa / suas toalhas de centro / de mesa com jarros / - na tarde / durante a tarde / durante a vida - cheios de flores / de papel crepom / já empoeiradas / minha cidade doída".
É como se a cidade lembrasse dos versos bonitos de Gullar no Poema Sujo - ou daquela velha canção de Caetano: "Guitarras / salas/ vento/ chão / Que dor no coração".
O Diário de Pernambuco divulgou o que seria a primeira peça de uma campanha presidencial que já não poderá ser feita:

Posted by geneton at 01:36 PM

A GRANDE NOITE DOS DILEMAS, A LONGA TARDE DAS DESPEDIDAS

Faz um ano. Tínhamos terminado a gravação de uma entrevista com o senador Pedro Simon, em Brasília, para a Globonews. De repente, o nome de Eduardo Campos é citado.
( Simon tinha falado sobre a grande noite dos dilemas: as horas dramáticas em que se decidia o futuro político do Brasil numa sala de hospital em Brasília. Com a ausência do presidente eleito Tancredo Neves, internado às pressas na véspera da posse, quem deveria assumir a presidência da República naquele 15 de março de 1985? José Sarney - o vice de Tancredo - ou Ulysses Guimarães, o presidente da Câmara? Pedro Simon foi voto vencido: naquela madrugada, defendia a tese de que Ulysses Guimarães é que deveria sentar na cadeira de presidente durante o impedimento de Tancredo.

A explicação de Simon fazia sentido: se o presidente eleito - Tancredo Neves - ainda não tinha tomado posse, então o vice não poderia substituí-lo. Nenhum dos dois estava exercendo seus cargos. Mas Simon foi voto vencido: o vice Sarney foi entronizado no cargo. Como se sabe, terminou cumprindo todo o mandato, porque Tancredo Neves não sairia vivo do calvário que enfrentou nos hospitais. Um acontecimento absolutamente inesperado - a doença de Tancredo, um dia antes da posse - mudou tudo ali ).
Pouco antes de se despedir, Simon faz uma confissão: tinha ficado impressionadíssimo depois de uma longa conversa com Eduardo Campos. Já se vislumbrava, ali, um possível candidato à presidência da República. Não deu outra.
( Faz sete anos. Numa conversa em "off" em 2007, em São Paulo, depois de um debate sobre jornalismo, o já ex-chefe da secretaria de imprensa da Presidência da República, o grande repórter Ricardo Kotscho, dizia que Lula tinha uma certa predileção pelo então ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos. Kotscho lembrava que o então presidente vivia chamando o ministro para acompanhá-lo em viagens - até quando a presença de Eduardo não era rigorosamente necessária na comitiva. Naquela conversa, com anos de antecedência, Kotscho fez uma aposta que se revelaria acertada: dizia que, se fosse escolher uma candidatura dentro do PT para as eleições de 2010, Lula poderia lançar Dilma. Acertou na mosca .).
Agora, outro golpe inesperado do "destino" altera de novo os caminhos da política: o candidato Eduardo Campos embarca num voo fatal menos de uma semana antes do início da campanha "pra valer" - no rádio e na TV.
Choque, perplexidade - uma dor pernambucana que se espalhou pelo país.
Imagens tristes do Recife desfilam na tevê. A "carreata" que atravessou a cidade buzinando na madrugada atrás do caminhão que conduzia o corpo do candidato produziu cenas emocionantes.
Vai ser longa a tarde das despedidas. A comoção popular é sincera.
"Ah, minha cidade suja /
de muita dor em voz baixa /(...) de vestidos desbotados / de camisas mal cerzidas / de tanta gente humilhada / comendo pouco / mas ainda assim bordando de flores / suas toalhas de mesa / suas toalhas de centro / de mesa com jarros / - na tarde / durante a tarde / durante a vida - cheios de flores / de papel crepom / já empoeiradas / minha cidade doída".
É como se a cidade lembrasse dos versos bonitos de Gullar no Poema Sujo - ou daquela velha canção de Caetano: "Guitarras / salas/ vento/ chão / Que dor no coração".
O Diário de Pernambuco divulgou o que seria a primeira peça de uma campanha presidencial que já não poderá ser feita:

Posted by geneton at 01:36 PM

agosto 12, 2014

AVISO À PRAÇA: NÃO LEVE A SÉRIO JORNALISTA QUE SE LEVA A SÉRIO

Jornalista adora contar vantagem. Se ele se levar cem por cento a sério, deve ser internado. Se não se levar, deve ser lido.
Feitas as apresentações, convido-vos ao próximo parágrafo.
Repórter é aquele ser bípede que ganha um salário para se intrometer na vida dos outros. Ou para perguntar o que o entrevistado preferiria não responder. Não há exceção a esta regra. Quando vira “amigo” da celebridade, o repórter se anula. Transforma-se em uma entidade não-jornalística.
Uma das primeiras vacinas que o jornalista deve tomar, já no início da carreira, é a AD: anti-deslumbramento. Assim, ele aprenderá que estar próximo não é ser íntimo. Nunca.

O fato de eventualmente conviver com quem é de fato importante e célebre, como presidentes, astros, estrelas, gênios e sumidades, não faz do repórter um integrante desta corte. Pelo contrário. Desde que adote este mandamento como mantra, o repórter estará tecnicamente liberado para contar vantagem à vontade. É o que farei agora.
Feitas as ressalvas, intimo-os ao próximo parágrafo.
Já passei uma hora trancado numa suíte de um hotel em Londres com Woody Allen – que me confessou: “Quero a imortalidade é no meu apartamento, não no meu trabalho!”.
Fui convidado pelo primeiro baterista dos Beatles, Pete Best, para tomar uma cerveja pós-entrevista num pub em frente ao Cavern Club, em Liverpool, em companhia do cinegrafista Paulo Pimentel. Pensei: “Beatlemaníacos dariam a mão direita para estar no nosso lugar”.
Ouvi a viúva mais famosa do mundo, Yoko Ono, soltar uma suspiro desolado, ao ver uma foto em que aparecia ao lado de John Lennon diante do Edifício Dakota.
Vi a Dama de Ferro, a ex-primeira-ministra britânica Margareth Thatcher, me fitar com olhos gelidamente azuis para dizer que não, não iria atender ao pedido que eu fizera a ela: que tal se, num exercício de autoavaliação instantânea, ela escolhesse entre todas as palavras apenas uma, capaz de defini-la?
Vi de perto a cabeleira de um velho ídolo, Paul McCartney, o meu Beatle favorito: a juba tinha levado uma tintura, com certeza. O tom da pele do rosto era ligeiramente esquisito: tinha levado uma camada de pó. Não consegui articular uma pergunta. Os seguranças o cercaram.
Vi um Chico Buarque jovem e nervoso entornar um gole de uísque nos bastidores do Teatro Santa Isabel, no Recife, em busca de coragem para encarar a platéia.
Vi o Rei Roberto Carlos pedindo à nossa equipe que não, não gravasse imagens de uma santa que reinava em cima de uma pequena penteadeira no camarim.
Vi Pelé caminhar anônimo pela Quinta Avenida, em Nova Iorque, por apenas dezesseis segundos - tempo suficiente para ser reconhecido por um africano e, em seguida, por uma multidão que causou um tumulto na calçada.
Vi o ex-presidente Fernando Collor acompanhar nossa equipe até o automóvel, no pátio de uma estação de televisão em Maceió, num gesto que não lembrava em nada o político de ar empertigado dos tempos em que desfilava pela rampa do Palácio. Durante o caminho, foi falando com saudade da finada revista "Realidade".
Vi um Glauber Rocha meio inchado, com cara de sono, desfilar pelo saguão de um cineminha num subúrbio de Paris com uma cópia do último filme que fez, "A Idade da Terra". Queria mostrar a críticos franceses.
Vi Paulo Francis se divertir feito criança com a história de que um embaixador brasileiro teria feito uma nova "opção sexual" depois de velho.
Vi o rosto sereno do Carlos Drummond de Andrade morto: em vida, era o homem mais discreto do planeta. Inerte, no caixão, tinha o rosto bombardeado por flashes. Fiquei pensando no absurdo da situação.
Vi Ulysses Guimarães, à época comandante da oposição política ao regime militar, me soprar no ouvido uma frase que não sei se era uma queixa ou um cumprimento : "Você disparou um petardo!". O velho combatente de olhos azuis reclamava de que eu o "forçara" a se pronunciar sobre a morte de um operário nos porões do Exército, em São Paulo, num momento em que ele, raposa, ainda não tinha recebido informações concretas sobre o caso.
Vi, num momento especialíssimo, o ar contrito do homem que, para o bem e para o mal, mudou a história do Século XX: depois de votar na primeira eleição para presidente realizada na história da Rússia, Mikail Gorbachev caminhou, cabisbaixo, por uma alameda, em direção a um portão de ferro, num subúrbio de Moscou. O homem que comandou uma superpotência vivia, ali, um momento de intensa solidão. Um observador rigoroso flagraria, nas feições de Gorbachev, aquela “dor atônita dirigida contra todo o ordenamento das coisas” que o Dom Fabrizio de “O Leopardo” notou no olhar de um coelho abatido.
O rosto de Gorbachev exibia um ar grave, enquanto ele caminhava, silente, com o olhar voltado para o chão. Em que estaria pensando? Um mundo desabava ali – não com um estrondo nem com um suspiro, como poderia imaginar o poeta, mas com um silêncio enigmático.
Boa noite.

Posted by geneton at 11:52 AM

agosto 10, 2014

FILOSOFIA BARATA: A VIDA, NO FIM DAS CONTAS, NÃO PASSA DE UMA GLORIOSA COLEÇÃO DE INUTILIDADES. QUER VER ?

Sou capaz de citar de memória a escalação completa do time do Sport Club do Recife de 1968: Miltão; Baixa, Bibiu, Gílson e Altair: Válter e Vadinho; Dema, Zezinho, Acelino e Fernando Lima.
Faz quarenta e tantos anos que tento encontrar algum uso para esta lista de nomes.
Não encontrei até agora.
Nunca apareceu a chance de ir a um programa de televisão para responder à pergunta fatal que me daria um milhão de reais em prêmio: quem era o ponta-esquerda do time do Sport que ganhou o Nordestão de 1968?

Eu diria, depois de uma pausa dramática de quinze segundos: "Fernando Lima!".
O apresentador exclamaria: "Absolutamente certo!!!".
Com o dinheiro do prêmio, eu iria morar numa casa de quarto e sala na zona rural de Santa Maria da Boa Vista, sem celular e, principalmente, sem televisão. Lá, passaria o resto dos anos à espera de uma visita da Charlotte Rampling dos anos setenta, miraculosamente rediviva.
Charlotte não apareceria, é claro. O dinheiro um dia iria se acabar.
E eu teria de me inscrever de novo num programa de perguntas-e-respostas, em que um apresentador faria a pergunta fatal:
quem era o médio-volante do time do Náutico que foi vice-campeão da Taça Brasil de 1967?
Depois de dezoito segundos de pausa, eu diria: "Rafael!".
O apresentador diria: "Absolutamente certo!".
E tudo começaria de novo.

Posted by geneton at 12:00 PM

agosto 08, 2014

FAZER JORNALISMO É DIZER QUEM É SCOTT WOLF A UMA CAMAREIRA QUE - ASSIM COMO NÓS - JAMAIS SUSPEITOU QUE SCOTT WOLF EXISTISSE

Reviro meus papéis virtuais, em busca de um texto. Termino encontrando um relato sobre os bastidores da "indústria do entretenimento". Correspondente em Londres, no fim dos anos noventa, eu tinha sugerido ao editor: que tal se, em vez de fazer a tradicional matéria sobre o lançamento de um filme, a gente contasse como funciona o "circo" de divulgação dos grandes estúdios? Ok - a matéria poderia entrar no fim de semana. O relato foi enviado para a redação. Surpresa: quando a matéria foi publicada pelo jornal, só ficaram as declarações do ator. Nada sobre os bastidores. Nada, nada, nada. Assim caminha a humanidade. Com um ou outro acréscimo, eis aqui a reportagem - antes de ter sido jogada na assustadora, horripilante, tétrica, sanguinolenta e burocratíssima MTT ( Máquina de Triturar Textos ), diligentemente operada por editores nos confins das redações do planeta:
LONDRES - Começa assim: num belo dia de primavera, o telefone toca às onze da manhã. Do outro lado da linha, uma voz aveludada anuncia, em tom ligeiramente solene : ''Bom dia ! Você foi indicado para....''.
A palavra ''indicado" (''nominated'', em inglês) lembra, na hora, aquelas festas de entrega do Oscar: ''The nominated are....''. Por uma milésimo de segundo, você pensa, com seus surrados botões : ''É a glória - ainda que tardia ! A Europa se curva diante do Brasil !''.
O delírio se desfaz rapidamente, porque você jamais passou diante de uma câmera de cinema. A festa do Oscar já acabou há seculos.
A voz aveludada esclarece que você foi ''indicado'' para entrevistar Scott Wolf ao meio-dia e meia da quinta-feira na suite 1132 do Saint James Court Hotel, no numero 45 da Buckingham Gate - endereço nobre, a um passo do Palácio de Buckingham. Ótimo. Mas uma dúvida devastadora paira no ar : quem é Scott Wolf, pelo amor de Deus ?
Por cortesia, você livra a moça de voz aveludada do constrangimento de ouvir a pergunta. Corre, então,para o Dicionário de Cinema. Nada. Nem uma linha sobre nosso heroi. Você se lembra daquele escritor inglês - G.H.Chesterton - que uma vez disse: ''O jornalismo consiste basicamente em dizer ''Lorde Jones morreu'' a pessoas que nunca souberam que Lorde Jones estava vivo''.
Quem sabe não terá chegado a hora de adaptar a máxima: fazer jornalismo é entrevistar o famoso Scott Wolf sem jamais ter imaginado que Scott Wolf existisse.
Horas depois do telefonema, chega um novo convite : você é esperado para a avant-première de ''White Squall'', o novo filme de Ridley Scott (o inglês que dirigiu sucessos como ''Alien'', ''Blade Runner,o Caçador de Andoides'' e ''Thelma e Louise''). O filme vai ser exibido para jornalistas na sala de projeção de uma produtora na Dean Street, uma transversal da Oxford Street, no centro de Londres.
Um fax chega com os detalhes. O mistério começa a se desfazer : Scott Wolf -um ator de vinte e sete anos - é um dos astros do filme. Um dia depois da avant-première, o famoso Scott Wolf estará à espera dos jornalistas ''indicados'' na suite do hotel nas vizinhanças do palácio da Rainha Elizabeth Segunda.
Martin Amis, um dos mais incensados escritores ingleses, viajou uma vez para Nova Iorque para entrevistar Madonna, mas a estrela não quis recebe-lo. Amis não desistiu. Primeiro, morreu de rir da pompa ridícula que cercou o lançamento daquele livro de Madonna em poses provocativas.
Depois, produziu um longo artigo para dizer que o grande assunto hoje não é o artista, o cineasta ou o escritor - mas a máquina publicitária que os cerca. Acertou na mosca. O público nem sempre sabe, mas os bastidores, em geral, são mais interessantes que as declarações da estrela da vez .O nome da estrela da vez é Scott Wolf.
Se algum forasteiro ouvisse os cumprimentos trocados por jornalistas na sala de exibição antes do início da avant-première certamente imaginaria que ali estavam legítimos representantes do jet set internacional : ''E aí ? Como é que foi a Sharon Stone ?''. ''Não fui. Mas deu pra fazer Susan Sarandon - uma simpatia''. ''E Robin Williams ? Vem ou não vem a Londres ?''.
Os jornalistas revivem ali a cena surrealista que encenam incontáveis vezes durante o exercício da profissão : falam de celebridades como se fossem velhos íntimos de cada uma. Não são,obviamente. Frequentam, na condição de entrevistadores, suítes presidenciais de hotéis de cinco estrelas em que jamais,sob hipótese alguma, poriam os pés em missão particular, por absoluta insuficiência de lastro bancário.
A reciproca é verdadeira : celebridades tratam os jornalistas como se fossem amigos de infância. Astros diplomados no jogo sabem como conquistar simpatias imediatas : Paul McCartney faz questão de tratar os entrevistadores pelo primeiro nome, um sinal de intimidade que, em situações normais, os ingleses só dispensam a velhos conhecidos.
Ali McGraw - aquela atriz de ''Love Story'' - deu o endereço, pessoal, a um repórter brasileiro, na contracapa de um livro, depois de uma entrevista. Se o repórter, acometido de uma crise delirante de otimismo, resolvesse pegar um avião rumo ao endereço de Miss McGraw em busca de emoções extra-jornalísticas seria, com toda certeza, enxotado para longe por seguranças do porte de Adilson Maguila ainda na porta da mansão. ( De qualquer maneira, guardei a relíquia autografada. Ah, Ali McGraw: você estava tão bonita, séculos atrás, naquele filme com Steve McQueen... ).
É tudo uma grande festa, feita de interesses mútuos. O jogo é aberto : a distribuidora oferece ao jornalista ''indicado'' a chance de entrevistar um astro, porque quer ocupar espaços nos jornais ou tempo nas tevês.
O jornalista aproveita a chance porque, quem sabe, pode obter uma boa entrevista. Quem dispensaria a chance de um encontro exclusivo, sem a presença de intrusos, com o gênio Woody Allen, por quarenta cronometrados minutos,na suíte de um hotel com vista para o Hide Park ? Ninguém. ( o locutor-que-vos-fala estava lá, uma hora antes do previsto ).
O problema é que nem sempre os entrevistados são do primeiríssimo time no ranking dos campeões de preferência. Para cada Wood Allen que cai do céu, há dez roteiristas ou produtores ou astros coadjuvantes que nem os próprios jornalistas conhecem. Mas o sentimento comum é de que vale a pena arriscar. Quem sabe, não estará ali um futuro Stanley Kubrick ou o Dustin Hoffmann ainda anônimo?
O NOVO TOM CRUISE ENFRENTA
UM NAUFRÁGIO EM ALTO MAR
Começa - afinal - o novo filme de Ridley Scott. Minutos depois de iniciada a projeção,um dos jornalistas convidados dorme um sono solto. Morfeu ronda a sala. Mas as cenas de catástrofe na tela despertam os sonolentos.
O filme conta a história de dezesseis adolescentes que partem em viagem de instrução em um barco comandado por um velho lobo do mar, vivido por Jeff Bridges.
Toda a experiência do capitão não impede que o barco vá parar em meio a uma tempestade cortada por raios e trovoes. ''White Squall'' -o titulo do filme - é o nome da tempestade.
Filmadas em um grande tanque, em meio a ondas gigantescas provocadas por um motor, as cenas do naufràgio são de tirar a respiração.
Seis tripulantes - quatro alunos,um oficial e a mulher do capitão - morrem na tempestade. A tragédia vai para as manchetes. O capitão termina no banco de réus.
O julgamento vira dramalhão típico de Hollywood. É a versão marítima de ''Sociedade dos Poetas Mortos'' ou de ''Brubaker'', aquele filme em que Robert Redford faz o papel do diretor que tenta humanizar uma penitenciária.
Agora, o herói que enfrenta a incompreensão do sistema é o capitão vivido por Jeff Bridges (uma curiosidade biográfica : Jeff Bridges é filho de Lloyd Bridges,o ator da serie de TV ''Viagem do Fundo do Mar''. Chegou a fazer pontas na serie. Não é estranho, portanto,ao mundo dos golfinhos, tubarões e tempestades). Scott Wolf faz o papel de um dos adolescentes que vivem a aventura no mar.
O estúdio poderia ter trazido Jeff Bridges - ator consagrado- ou o diretor Ridley Scott para a bateria de entrevistas na suite do hotel em Londres. Mas não. A hora é de apontar os refletores sobre o futuro astro Scott Wolf.
Os jornalistas ''indicados'' deparam-se com um poster do filme na antessala da suite. Um garçom aparece para tirar as dúvidas: em que posso servi-los ? Os mais famintos podem avançar sobre um bolo de chocolate, se quiserem.
A moça de voz aveludada vai levando os jornalistas, em grupos de quatro, para o encontro com o futuro superstar. Há restrições : ninguém deve levar máquina fotográfica. Os jornalistas devem chegar pelo menos quinze minutos antes do horário previsto.
Parece que um dos segredos usados pela máquina publicitária para conceder um ar de importância a qualquer acontecimento é cercá-lo com um certo ar de solenidade. ''Nada de fotos''.''Por favor,chegue na hora''. ''Mister Wolf terá trinta minutos para cada grupo''.
Há poucas semanas, jornalistas passaram pelo ritual de ter as mãos carimbadas com uma tinta especial para ter o direito de ouvir a entrevista coletiva dos renascidos Sex Pistols, em que a maior atração foram os retumbantes arrotos do líder da banda. A engrenagem sabe como funciona.
Scott Wolf usa a tática Paul McCartney para criar um clima de intimidade: repete o nome de cada um dos jornalistas, enquanto os recebe com um aperto de mão firme e um ''que bom ver você!''.
Pela enésima vez, ele repetirá - sem demonstrar qualquer sinal de impaciência - como foi difícil enfrentar aquelas ondas na filmagem da cena do naufrágio. Dirá que se surpreende ao ser reconhecido na rua ''tão longe de casa'' - graças à exibição na TV inglesa de seriados americanos em que atua, como ''Party of Five'' ou ''Saved by the Bell''.

Fará revelações biográficas curiosas : chegou a se formar em ''finanças'' na Universidade de George Washington, mas terminou, tardiamente, optando pela carreira de ator, gracas aos conselhos de um amigo.
Não,não se considera ''símbolo sexual'' - quem se considera, no planeta Hollywood ? Os elogios vão, todos, para o diretor que o escolheu como estrela - Ridley Scott.
Com que outro gostaria de trabalhar ? ''Meu Deus'', diz o futuro astro ao GLOBO,''são tantos...''. Termina citando nomes : Barry Levinson, Martin Scorcese, Quentin Tarantino, Robert Redford, Francis Ford Coppola. Comete uma boa frase : ''Quero trabalhar com diretores que me ajudem a descobrir dentro de mim coisas que nem eu sei que existem''.
Enquanto fala,o novo Tom Cruise não para de comer uvas, traça uma banana e consome copos d'água. ''É o meu café da manhã...'',explica.
Barba por fazer, olhos azuis, camisa de manga comprida preta, calca de veludo verde escuro, o novo ''símbolo sexual das adolescentes'' anuncia que não quer criar limites para si próprio : depois de se recuperar da maratona de lançamento de ''White Squall'', aceitará participar de qualquer projeto que lhe pareca um desafio: ''O problema é que a maioria dos scripts que a gente recebe é lixo''.
Numa mesa ao lado, uma agenda prevê o que acontecerá nas próximas horas até o dia seguinte, quando, ''às 6:55'' , um carro estará no aeroporto,em Los Angeles, para levar Scott Wolf para casa. É tudo cronometrado.
Trinta minutos depois de iniciada a entrevista, uma das funcionárias encarregadas de organizar a maratona abre discretamente a porta da sala e caminha sem produzir qualquer ruído para as proximidades da cadeira onde o novo Tom Cruise consome uvas e bananas entre uma e outra frase. É o sinal de que o tempo acabou.
Wolf ainda brinca. Depois de fazer pontas em filmes inexpressivos, ele confessa : ''É a primeira vez que faço um filme capaz de reunir pessoas em torno de uma mesa...''.
Os jornalistas recebem um pacote de informações sobre o novo filme: um texto de trinta e sete páginas com biografias de atores, diretor e produtores e a história das filmagens, alem de slides coloridos e cópias de reportagens publicadas em revistas sobre o futuro astro.
Há material de sobra para encher páginas e páginas. A engrenagem publicitária se move para lançar um novo nome nas fachadas de cinemas de todo o planeta.
Quando o grupo de jornalistas deixa a sala, Scott Wolf repete o ritual com o grupo seguinte, formado por suecos, portugueses e espanhóis : de pá diante da porta, repete o nome de cada um, exibe um sorriso de gala.Vai começar tudo de novo.
O candidato a astro já aprendeu a lição : não demonstra o menor sinal de enfado. É provável que, no íntimo, esteja contando os segundos para se ver livre daqueles desconhecidos que fazem perguntas como se o conhecessem desde o berço.
Cumpre o ritual com atuação exemplar. Porque sabe que, em breve, aparecerá em publicações e em tevês de todas as partes - em idiomas tao díspares quanto o árabe ou o sueco. Assim nasce uma estrela.
Lá fora, uma camareira olha com curiosidade para o gravador do repórter, pergunta quem é, afinal, a figura importante que ocupa aquela suíte. Você tenta exibir um ar de intimidade: ''Scott Wolf!''
.
Ok, lord Jones morreu, mas a máxima de Chesterton talvez mereça uma nova - e última - correção. De vez em quando, como agora, nesta manhã clara de primavera nas vizinhanças do Palácio de Buckingham, fazer jornalismo é dizer que Scott Wolf existe a camareiras que - exatamente como nós, pobres mortais - jamais suspeitaram que Scott Wolf um dia tivesse existido.

Posted by geneton at 12:05 PM

agosto 01, 2014

RELATO DE UM ENCONTRO COM MILLÔR FERNANDES - O "CÉTICO" MIRA CONTRA A "BABAQUICE INERRADICÁVEL DO INTELECTUAL BRASILEIRO", A VULGARIDADE DA FAMA, A "MEDIOCRIDADE" DA TV E OUTRAS FERAS MENOS VOTADAS

Tive a chance de entrevistar Millôr Fernandes longamente, numa tarde de domingo, no apartamento de Ipanema que ele usava como estúdio, ateliê e refúgio. Era uma espécie de bunker - de onde disparava petardos contra a vulgaridade geral. Terminada a gravação, pude alinhavar um decálogo do que ouvi do homem. O que um repórter pode fazer de útil na vida, além de ligar o gravador ? Reviro meus arquivos não tão implacáveis. Eis o principal do que ele disse:
1.“Jornalismo cultural brasileiro é extremamente mafioso”
2.“O ceticismo é uma indagação permanente – que leva à criatividade”


3.“Não fui dominado por quadros acadêmicos nem pela Igreja nem pelo marxismo”
4.“Sou uma pessoa lamentavelmente feliz”
5.“Há a babaquice inerradicável do intelectual brasileiro”
6.“O ser humano sempre chorou à beira do abismo”
7.“O homem é um animal inviável. Mas eu sou viável !”
8.“Popularidade é extremamente vulgar”
9.“Não quero andar na rua e ser reconhecido”
10. “Brigar com os poderes públicos é sempre uma coisa nobre”

Diante de tanto ceticismo, é exagero dizer, para Millôr Fernandes, a vida é uma doença hereditária ?
Millôr : “A vida é – mas não para mim. Sou uma pessoa lamentavelmente feliz. Não cobro do passado o fato de não ter nascido príncipe da Inglaterra. Ou mais bonito, mais inteligente e mais capaz do que eu sou.
Sempre tive boa saúde. Sempre tive em torno de mim pessoas me amando, gostando de mim intensamente e me fazendo sentir bastante protegido. É o que interessa, em última análise. Quanto ao resto, sou cético. Ainda assim, todo o meu trabalho, durante minha vida inteira, sempre foi solicitado, o que me dá segurança. Há sempre gente querendo que eu faça mais do que eu faço. Não tenho amargura, portanto.
Não vou cobrar o dinheiro que não tive. Não vou cobrar as viagens que não fiz. Não vou cobrar o curso de linguística em Masachussets que não pude fazer. Não tive nenhuma formação acadêmica, o que tem um lado negativo e um positivo. Não fui dominado por quadros acadêmicos nem pela Igreja – que é uma bitola fundamental – nem pelo marxismo. Para o bem e para o mal, tenho o meu próprio pensamento. Você me dá uma coisa – e eu penso. Sou uma pessoa profundamente interessada em pensar as coisas.
Não sou, definitivamente, paranóico. Não tenho doenças. E sei que, à proporção que a gente vive, a morte se aproxima. Quanto tem dez anos de idade, você é eterno. Com 20 ou 30 anos, também. Mas um momento em que você sabe que não é eterno. Não é um medo. É uma constatação”.
“Torre de marfim – reserva três para mim” – é o que você diz, num Hai Kai. Você admite que vive numa torre de marfim ?
Millôr: “Não tenho dúvida! Basta ser branco e de classe média no Brasil para já estar numa posição privilegiada. O que é que eu ganho, meu Deus do céu ? Vamos dizer que eu ganhe 50, 100 salários mínimos, o que for. Basta ganhar 50 salários mínimos para ser superprivilegiado. Não tenho do que me queixar. Consegui uma coisa que é absolutamente rara. Digo mais: rara, rara, rara. Nunca tive, a não ser através da violência estatal, uma coisa minha cortada em qualquer órgão de imprensa em que trabalhei.
Brigar com os poderes públicos é sempre algo nobre. O que me deixa humilhado é , por causa de um empreguinho, você aceitar que cortem suas ideias”.
Em que grande causa você acredita ainda hoje ?
Millôr: “Estou completamente cético. Vou dizer uma coisa trivial: o mundo tem, hoje, pela primeira vez na história, a capacidade de se auto-exterminar. Acrescento: o que não faria mal à economia do cosmo.
Chegamos aqui e vamos sair sem que ninguém perceba nada. Talvez seja este o próprio processo ecológico. Sem considerar estas causas metafísicas, acho que o ser humano sempre chorou à beira do abismo. Sempre ia acabar, sempre ia morrer, mas vem fazendo progressos sistemáticos através dos tempos. Ainda que não pareça, o ser humano progrediu do lado ético e moral. O que impede hoje a pena de morte não são fatores como “essa medida vai aumentar a credibilidade” ou “vai diminuir”. Não. O melhor ser humano de hoje – que somos nós dois, no caso – não admite moralmente a pena de morte. Ponto”.
Um dos seus Hai-Kais fala do “cético sábio que ri com um só lábio”. O Hai-Kai é ilustrado, no livro, com um auto-retrato. Você se reconhece na figura do “cético sábio” ?
Millôr : “Eu me reconheço no cético. Mas me reconhecer no sábio seria uma petulância !”.
Você prefere ser chamado de humorista ou de escritor ?
Millôr : “Eu, até há pouco tempo, tinha vergonha quando via o meu nome como escritor. E humorista é algo que há em mim. Se você quiser um termo, é escritor. Ninguém é humorista o tempo todo. Eu, na maior parte do tempo, não sei se estou escrevendo coisas engraçada ou não engraçada”.
Se o homem, como você diz, é um “bípede inviável” – e se é tão difícil acreditar em alguma coisa -, qual é a força que faz você criar ?
Millôr : “Criei uma série de frases no Pasquim. Ziraldo – que se diz a toda hora meu seguidor – vive repetindo-as. Apesar de nossas brigas – este é o lado positivo de Ziraldo - ,ele me corteja através da televisão ( ri). Mas Ziraldo de vez em quando me acusava, dizia que aquela ideia de que o homem era um bípede inviável era de direita. Eu dizia: “Não, Ziraldo ! O homem é um animal inviável ! Mas eu sou viável !”.
Não sou inviável ! Se você quiser falar mal de mim, aconselho você a vir aqui amanhã quando minha empregada estará aí – e falar mal de mim. Experimente falar mal de mim com as pessoas com quem trabalho intimamente – e até com minhas amigas, no sentido mais amplo da palavra. Dificilmente você encontrará alguém que diga que sou um calhorda ou que, na intimidade, não represento aquilo que as pessoas pensam. Isso é que é importante”.
A TV – você escreveu – “é um meio inventado pelo homem medíocre para ser utilizado pela mediocridade para a mediocridade”. A hostilidade que você faz questão de cultivar em relação à TV não corre o risco de parecer anacrônica diante de casos de intelectuais e artistas insuspeitos, como Ziraldo e Paulo Francis, que emprestaram o rosto à TV ?
Millôr: “De Ziraldo não sei qual é a posição. Paulo Francis vive esculhambando a TV. As pessoas vão para a TV tentadas pela coisa humana que é aparecer, algo que não tenho. O pouco que tinha refreei. Popularidade é extremamente vulgar. Não quero andar na rua e ser reconhecido. Mas gosto de um certo prestígio. Gosto de ir a um lugar e não ficar sozinho.
Quanto à TV, é atraente exatamente por esta razão: as pessoas não resistem a mostrar a bunda para um número maior de espectadores. “Calma, você está mostrando a bunda para 30 mil espectadores !”. “Não, mas na outra emissora são 30 milhões…”. É como disco. Se o cantor vende um milhão e passa a vender 800 mil, fica infeliz.
Juro a você: não estou preocupado com essas coisas. Quero que meu trabalho tenha o alcance suficiente para que eu possa continuar a fazê-las”.
Carlos Drummond de Andrade lamentou, dias antes de morrer, que hoje há no Brasil escritores premiados que sequer sabem dominar a língua. Você, como intelectual cultíssimo, constata a vitória do despreparo ?
Millôr : “Totalmente ! É impressionante. E é um dos sintomas da desagregação de um país que não chegou a se agregar completamente. O que se escreve mal…Não falo de ortografia, porque de vez em quando aparece um bobalhão para dizer que você errou ao escrever uma palavra qualquer com “z”, o que é uma bobagem. Ortografia não entra em questão. O que entra é todo o problema sintático do conhecimento, invenção, riqueza e propriedade da língua. A maior das pessoas anda escrevendo muito mal. Isso choca muito. Não vou falar de pessoas que, mal ou bem, são colegas. Parece que você quer ficar apontando erros…
Há poucos dias, saiu um lobby pago pelo Divaldo Suruagy (ex-governador de Alagoas) em todos os jornais. Você lê a matéria paga e vê que aquilo é caso para botar esse rapaz na cadeia. É um analfabeto ! O lobby de Suruagy arranjou dinheiro para pagar aquilo. Gastou uma fortuna. O texto publicado em todos os jornais é de um analfabetismo total, como escritura e como empostação. Como é que ele paga, para ampará-lo como um “grande candidato” ao cargo de ministro da Educação, uma porção de nomezinhos que não têm a menor importância ? Só mostra que não tem a menor noção do que são os fatores culturais do país.
Há pouco, apontei 40 e tantos erros num texto da Petrobrás. Fiz também sobre o Banco do Brasil. Isso sem você querer ser preciosista ! São apenas erros indiscutíveis. Mas, se você procurar coisas mal escritas e os textos em que o autor quer dizer uma coisa e diz outra, encontrará todo dia”.
O intelectual deve ser implacável com todos os governantes, indistintamente ?
Millôr : “Indistintamente. Se você pegar tudo que escrevi, raramente você verá um ataque meu à pessoa física. Com os poderosos, não quero nem saber. Mas procuro ser justo. Evidentemente, não vou fazer um ataque a Afonso Arinos. Posso fazer uma restrição. Mas não vou fazer como faço com Sarney. Desde o princípio, eu sabia que Sarney era um idiota. Infelizmente, eu estava certo. Amanhã, posso fazer restrições a Valdir Pires. Mas não vou tratar Valdir Pires como trato Figueiredo”.
A posição de independência e crítica intransigente a todos os governantes é uma questão ética, para você ?
Millôr: “É uma questão ética, com esta gradação : se amanhã Valdir Pires for presidente, não o tratei, é evidente, como trato Sarney. Ainda que você seja injusto, o homem do poder público tem sempre uma tribuna e meios muito maiores do que você tem para reagir e anular o mal que ocasionalmente você lhe faça”.
Você sempre se refere aos idiotas com irritação, nos textos que você escreve. Qual é o maior exemplo de idiotice hoje no Brasil ?
Millôr : “Quem gostava de falar de idiota era Nélson Rodrigues. Se você quiser saber hoje quem é o maior idiota – pode parecer agressivo, mas não é – vamos botar: entre os maiores idiotas do Brasil está Sarney ( quando da gravação da entrevista, Sarney era presidente da República). Não estou brincando com você. Eu o livro que ele escreveu. É um subintelectual. Absolutamente subintelectual. Uma pessoa a quem a vida deu uma oportunidade histórica inconcebível – e ele jogou a oportunidade no lixo, individualmente e sob o ponto de vista nacional. Se você não classificar esta pessoa como idiota, não sei quem você vai classificar”.
O jornalismo cultural que se faz no Brasil presta ?
Millôr: “Infelizmente, não. Sobretudo, ele é extremamente mafioso. Deixa se seduzir por qualquer coisa, desde o poderoso que oferece uísque na piscina até o amiguinho que não tem nenhuma capacidade de transpor esse perigoso ciclo do envolvimento. Não entro no mérito da qualidade intelectual – aí, vão sempre se salvar algumas pessoas”.
É raríssimo ver Millôr Fernandes falando na imprensa, fora das colunas que você escreve. Em TV, praticamente você não aparece nunca. É excesso de timidez, zelo com a imagem ou patrulhagem ?
Millôr : “É cuidado com a imagem. E, mais do que timidez, um imenso tédio. Vejo tanta gente dizendo besteira e tanta gente salvando a humanidade na TV…Outra coisa: pela minha própria profissão, apareço demais. Há outro ponto fundamental: nestas duas últimas vezes em que fui à TV – inclusive num programa a que todo mundo quer ir, o de Roberto D´Ávila – fui pago. Só fui porque me pagaram. Sou um profissional. Não vou encher a hora do seu Roberto Marinho, Saad ou lá quem seja com um tempo da minha vida – que levei anos e anos para valorizar.
Há a babaquice inerradicável do intelectual brasileiro. Ora, o intelectual brasileiro é até hoje um provinciano que acha bonitinho ir à televisão e aparecer. Acha bonitinho escrever nos jornais. Digo que não são só os intelectuais novos e os que não têm nome. Se você pegar a Folha de S. Paulo, é escândalo que inúmeros daqueles colaboradores socialistas do jornal – dou os nomes: Severo Gomes, Fernando Henrique Cardoso – não se deem conta de que estão fazendo uma lamentável concorrência desleal aos profissionais do setor. São grande nomes, necessários à imprensa. Mas deveriam se reunir, fazer um salário-piso e doar o dinheiro, se acham que não precisam. Mas não podem é escrever de graça. O sistema é mesquinho”.
O que é que tira inteiramente o humor de Millôr Fernandes ?
Millôr: “Sou uma pessoa de um ceticismo muito grande. Não confundir com pessimismo ! O ceticismo é uma indagação permanente – que leva à criatividade. É o contrário do babaca que é o idealista perene ou que aceita o moderno que existe em tudo hoje: existe no feminismo, na pintura, no teatro. O cara vê um movimentozinho qualquer que lhe parece moderno e fica seguro do não-reacionarismo porque entra naquela corporação e naquela ideia. Mas, na verdade, a única coisa que não perdoo – e é realmente imperdoável – é a participação na violência. Não perdoo os políticos que estão aí, inclusive Sarney. Participou. Só não participou mais porque é um abúlico, assim como não participa deste governo até hoje.
Você pode ser o que quiser. Pode ser de direita. Penso que a direita tem todo o direito de estabelecer um critério. Qual é o critério básico da direita ? A superioridade das elites. O que não pode é levar à violência, não pode é dar soco na cara do inimigo, não pode é alijar o inimigo de maneira atrabiliária. O resto ? Podem dizer o que quiserem”.
——————–
*Entrevista gravada em outubro de 1987. Trechos publicados na edição de 07/11/1987 do Jornal do Brasil, no caderno Idéias

Posted by geneton at 12:05 PM

julho 28, 2014

EFEITO TARDIO DAQUELES 7 X 1 NO MINEIRÃO

Efeito tardio daqueles 7 x 1 no Mineirão...
Estava tentando explicar a João ( quatro anos ) e Francisco ( três ):
- Vocês não precisam ter medo de lobisomem, vampiro e monstro, porque eles não existem. É só em desenho e em filme...
Francisco interrompe:
- Mas a Alemanha existe!
João concorda:
- Existe, sim!
O que é que digo a eles, Felipão?

Posted by geneton at 12:05 PM

julho 26, 2014

AVISO AOS JORNALISTAS: É HORA DE LOUVAR NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO ESPANTO

Oração a Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, a "padroeira" dos jornalistas:

"Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, rogai por nós.
Que eu possa manter os sentidos atentos para perceber o novo
e a memória viva para preservar o passado.

Senhora do Perpétuo Espanto, aconselha-nos.
Que me espante aquilo que é espantoso,
que eu ignore o que é banal
e valorize o que que tem valor.

Senhora do Perpétuo Espanto, iluminai-nos.
Que meu coração sofra com o sofrimento do meu irmão,
alegre-se com sua alegria e inquiete-se com sua indiferença.

Senhora do Perpétuo Espanto, nos dê forças.
Que eu encontre a palavra certa para dividir minhas dores
medos e alegrias, pois a arte requer comunhão.

Senhora do Perpétuo Espanto, guiai-nos;
Que eu saiba mais ver do que aparecer,
mais ouvir do que falar.

Senhora do Perpétuo Espanto, rogai por nós.
Que eu tenha a ira para não aceitar o inaceitável,
a tolerância para perdoar o que merece perdão
e a sabedoria para distingui-los.

Senhora do Perpétuo Espanto, rogai por nós.
Que eu creia sempre no valor da verdade
e esteja atento ao perigo das certezas.

Senhora do Perpétuo Espanto, rogai por nós.
Que, onde houver certezas, eu leve a dúvida.

Senhora do Perpétuo Espanto, protegei-nos"

Eu poderia dizer que a história da Oração à Nossa Senhora do Perpétuo Espanto é esta:

Aconteceu no século XVII: era uma vez um peregrino que foi acusado de ser um saqueador.

A acusação logo se espalhou por Florença: de acordo com o "Notícias Florentinas", o forasteiro que dizia estar procurando, na cidade, um exemplar da Bíblia de Gutemberg que tinha sumido de uma biblioteca da Baviera era, na verdade, um impostor - um reles saqueador que atacava viajantes noturnos.

A notícia publicada pelo jornal, no entanto, não passava de um boato, nascido numa roda de bêbados que frequentavam diariamente uma taverna vagabunda, numa transversal da Piazza della Signoria.

Por azar, o peregrino tinha estado na taverna, uma semana antes, em busca de pistas sobre o exemplar perdido na Bíblia. As perguntas que ele fez aos frequentadores da taverna deram origem ao boato absurdo. Publicada a notícia, ele foi escorraçado por frequentadores – bêbados e sóbrios – quando voltou à taverna. Teve de fugir, às pressas, em busca de um lugar minimamente seguro para se abrigar.

Terminou acolhido por monges da igreja de Santa Maria Novella. Ficou escondido por uma noite no chão do confessionário – onde ninguém poderia vê-lo.

Quando, pela manhã, os monges o procuraram, para tentar entender aquela fantástica teia de boatos, delírios e incompreensões, ele tinha sumido para sempre – mas deixou, no chão do confessionário, o rascunho do que viria a ser a Oração a Nossa Senhora do Espanto.

Os monges, a princípio, não deram importância especial ao manuscrito, mas, diante da onda de boatos sobre o peregrino, resolveram guardar aquelas anotações no cofre da igreja, porque elas poderiam ser úteis numa possível investigação. Mas o caso foi logo esquecido.

Duzentos anos depois, no início do Século XIX, uma comissão de notáveis do Instituto do Patrimônio Histórico de Florença foi encarregada de avaliar o conteúdo do cofre – mantido sob a guarda de gerações sucessivas de monges. O manuscrito foi minuciosamente estudado.

O estabelecimento do texto definitivo da oração exigiu um grande esforço de calígrafos, convocados para decifrar uma grafia marcada por letras trêmulas, rabiscos aparentemente sem sentido e palavras superpostas umas às outras.

Terminado o trabalho de decifração, os calígrafos asseguraram ao Instituto do Patrimônio Histórico de Florença que conseguiram traduzir o original com cem por cento de fidelidade. É provável que o peregrino tenha escrito a oração durante as horas de insônia, no chão do confessionário, à luz de um candeeiro, o que explicaria os solavancos na grafia.

Jamais se soube do nome do peregrino – mas ele nos presenteou com este pequeno, mas valiosíssimo legado: a Oração que escreveu sobre quais devem ser os credos do jornalista.

Nossa Senhora do Perpétuo Espanto deveria ser entronizada nas redações como guia e padroeira dos jornalistas – que, todo dia, antes de sair de casa, deveriam fazer um juramento íntimo: jamais deixar de se espantar diante do Grande Espetáculo da Vida. Porque este Espetáculo – que acontece, neste exato momento, nas ruas, nas favelas, nas florestas, nos parlamentos, nos palcos, nos desertos, nos sertões, nos estádios – pode ser, sim, espantoso, surpreendente e arrebatador. Movidos por este credo, os jornalistas poderão oferecer aos leitores, ouvintes, telespectadores e internautas um jornalismo igualmente espantoso, surpreendente e arrebatador – e não um jornalismo burocrático, chato, vaidoso, cinzento, sonolento, pretensioso e sem graça.

*****

A história da Oração à Nossa Senhora do Espanto poderia ser descrita assim, se eu fosse um candidato a roteirista ou ficcionista. Não sou. Em nome da fidelidade aos fatos, então, devo confessar que a história da Oração é muitíssimo mais prosaica.

Num depoimento que gravei para o documentário que o cineasta Jorge Furtado estava fazendo sobre jornalismo ("O Mercado de Notícias", a ser lançado nas próximas semanas), lembrei que um escritor americano chamado Kurt Vonnegut uma vez citou, num livro, uma santa que jamais existiu: Nossa Senhora do Perpétuo Espanto.
Propus, no depoimento, que ela fosse eleita padroeira dos jornalistas, pelo que o nome evoca: espanto, espanto, espanto. É o que os jornalistas jamais deveriam perder. Mas, lastimavelmente, perdem – com espantosíssima frequência.

Jorge Furtado simpatizou com a Nossa Senhora do Perpétuo Espanto. Num momento de grande inspiração, escreveu a Oração. Não satisfeito, mandou imprimir "santinhos" com o texto – que será distribuído aos espectadores do documentário.

Pedi que Jorge lesse o texto da Oração para a plateia que assistiu, esta semana, a uma sessão especial do filme, no Midrash Centro Cultural, no Leblon.

(estavam no auditório lotado Caetano Veloso e o jornalista Jânio de Freitas).

Nossa Senhora do Perpétuo Espanto foi entusiasticamente aplaudida.

Bom sinal. Que tenha, então, vida longa.

Tomara que Nossa Senhora do Perpétuo Espanto inspire jornalistas – novatos ou dinossauros – a "mais ver do que aparecer", a "mais ouvir do que falar", a "não aceitar o inaceitável", a "sofrer com o sofrimento" do próximo, a "inquietar-se com a indiferença", a "ignorar o que é banal", a "manter os sentidos atentos para perceber o novo" e a "memória viva para preservar o passado".

Se conseguir espalhar inspiração, ela merecerá que as chamas de mil velas ardam em louvor a ela nas redações do Brasil.

Posted by geneton at 12:14 AM

julho 25, 2014

AVISO AOS JORNALISTAS - NOVATOS OU DINOSSAUROS: ACENDAM UMA VELA EM LOUVOR A ELA: NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO ESPANTO

Oração da Nossa Senhora do Perpétuo Espanto - "padroeira" dos jornalistas:
"Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, rogai por nós.
Que eu possa manter os sentidos atentos para perceber o novo
e a memória viva para preservar o passado.
Senhora do Perpétuo Espanto, aconselha-nos.
Que me espante aquilo que é espantoso,
que eu ignore o que é banal
e valorize o que que tem valor.
Senhora do Perpétuo Espanto, iluminai-nos.
Que meu coração sofra com o sofrimento do meu irmão,
alegre-se com sua alegria e inquiete-se com sua indiferença.
Senhora do Perpétuo Espanto, nos dê forças.
Que eu encontre a palavra certa para dividir minhas dores
medos e alegrias, pois a arte requer comunhão.
Senhora do Perpétuo Espanto, guiai-nos;
Que eu saiba mais ver do que aparecer,
mais ouvir do que falar.
Senhora do Perpétuo Espanto, rogai por nós.
Que eu tenha a ira para não aceitar o inaceitável,
a tolerância para perdoar o que merece perdão
e a sabedoria para distingui-los.
Senhora do Perpétuo Espanto, rogai por nós.
Que eu creia sempre no valor da verdade
e esteja atento para o perigo das certezas.
Senhora do Perpétuo Espanto, rogai por nós.
Que, aonde houver certezas, eu leve a dúvida.
Senhora do Perpétuo Espanto, protegei-nos".

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Eu poderia dizer que a história da Oração a Nossa Senhora do Perpétuo Espanto é esta:
Aconteceu no século XVII: era uma vez um peregrino que foi acusado de ser um saqueador.
A acusação logo se espalhou por Florença: de acordo com o "Notícias Florentinas", o forasteiro que dizia estar procurando, na cidade, um exemplar da Bíblia de Gutemberg que tinha sumido de uma biblioteca da Baviera era, na verdade, um impostor - um reles saqueador que atacava viajantes noturnos.
A notícia publicada pelo jornal, no entanto, não passava de um boato, nascido numa roda de bêbados que frequentavam diariamente uma taverna vagabunda, numa transversal da Piazza della Signoria.
Por azar, o peregrino tinha estado na taverna, uma semana antes, em busca de pistas sobre o exemplar perdido na Bíblia. As perguntas que ele fez aos frequentadores da taverna deram origem ao boato absurdo. Publicada a notícia, ele foi escorraçado por frequentadores - bêbados e sóbrios - quando voltou à taverna. Teve de fugir, às pressas, em busca de um lugar minimamente seguro para se abrigar.
Terminou acolhido por monges da igreja de Santa Maria Novella. Ficou escondido por uma noite no chão do confessionário - onde ninguém poderia vê-lo.
Quando, pela manhã, os monges o procuraram, para tentar entender aquela fantástica teia de boatos, delírios e incompreensões, ele tinha sumido para sempre - mas deixou, no chão do confessionário, o rascunho do que viria a ser a Oração a Nossa Senhora do Espanto.
Os monges, a princípio, não deram importância especial ao manuscrito, mas, diante da onda de boatos sobre o peregrino, resolveram guardar aquelas anotações no cofre da igreja, porque elas poderiam ser úteis numa possível investigação. O caso foi logo esquecido.
Duzentos anos depois, no início do Século XIX, uma comissão de notáveis do Instituto do Patrimônio Histórico de Florença foi encarregada de avaliar o conteúdo do cofre - mantido sob a guarda de gerações sucessivas de monges. O manuscrito foi minuciosamente estudado.
O estabelecimento do texto definitivo da oração exigiu um grande esforço de calígrafos, convocados para decifrar uma grafia marcada por letras trêmulas, rabiscos aparentemente sem sentido e palavras superpostas umas às outras.
Terminado o trabalho de decifração, os calígrafos asseguraram ao Instituto do Patrimônio Histórico de Florença que conseguiram traduzir o original com cem por cento de fidelidade. É provável que o peregrino tenha escrito a oração durante as horas de insônia, no chão do confessionário, à luz de um candeeiro, o que explicaria os solavancos na grafia.
Jamais se soube do nome do peregrino - mas ele nos presenteou com este pequeno mas valiosíssimo legado: a Oração que escreveu sobre quais devem ser os credos do jornalista.
Nossa Senhora do Perpétuo Espanto deveria ser entronizada nas redações como guia e padroeira dos jornalistas - que, todo dia, antes de sair de casa, deveriam fazer um juramento íntimo: jamais deixar de se espantar diante do Grande Espetáculo da Vida. Porque este Espetáculo - que acontece, neste exato momento, nas ruas, nas favelas, nas florestas, nos parlamentos, nos palcos, nos desertos, nos sertões, nos estádios - pode ser, sim, espantoso, surpreendente e arrebatador. Movidos por este credo, os jornalistas poderão oferecer aos leitores, ouvintes, telespectadores e internautas um jornalismo igualmente espantoso, surpreendente e arrebatador - e não um jornalismo burocrático, chato, vaidoso, cinzento, sonolento, pretensioso e sem graça. Pronto. Falei.
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A história da Oração a Nossa Senhora do Espanto poderia ser descrita assim - se eu fosse um candidato a roteirista ou ficcionista. Não sou. Em nome da fidelidade aos fatos, então, devo confessar que a história da Oração é muitíssimo mais prosaica.
Num depoimento que gravei para o documentário que o cineasta Jorge Furtado estava fazendo sobre jornalismo ( "O Mercado de Notícias", a ser lançado nas próximas semanas ), lembrei que um escritor americano chamado Kurt Vonnegut uma vez citou, num livro, uma santa que jamais existiu: Nossa Senhora do Perpétuo Espanto.
Propus, no depoimento, que ela fosse eleita padroeira dos jornalistas, pelo que o nome evoca: espanto, espanto, espanto. É o que os jornalistas jamais deveriam perder. Mas, lastimavelmente, perdem - com espantosíssima frequência.
Jorge Furtado simpatizou com a Nossa Senhora do Perpétuo Espanto. Num momento de grande inspiração, escreveu a Oração. Não satisfeito, mandou imprimir "santinhos" com o texto - que será distribuído aos espectadores do documentário.
Pedi que Jorge lesse o texto da Oração para a plateia que assistiu, esta semana, a uma sessão especial do filme, no Midrash Centro Cultural, no Leblon.
(estavam no auditório lotado Caetano Veloso e o jornalista Jânio de Freitas).
Nossa Senhora do Perpétuo Espanto foi entusiasticamente aplaudida.
Bom sinal. Que tenha, então, vida longa.
Tomara que Nossa Senhora do Perpétuo Espanto inspire jornalistas - novatos ou dinossauros - a "mais ver do que aparecer", a "mais ouvir do que falar", a "não aceitar o inaceitável", a "sofrer com o sofrimento do próximo", a "inquietar-se com a indiferença", a "ignorar o que é banal" , a "manter os sentidos atentos para perceber o novo" e a "memória viva para preservar o passado".
Se conseguir espalhar inspiração, ela merecerá que as chamas de mil velas ardam em louvor a ela nas redações do Brasil.

Posted by geneton at 12:08 PM

julho 23, 2014

PAULO CÉSAR CAJU NÃO SE IMPRESSIONA COM VITÓRIA SOBRE CAMARÕES

Cena carioca: um cracaço dos áureos tempos do Botafogo e da seleção brasileira tricampeã do mundo em 1970 caminha sem ser importunado pelas ruas do Leblon, neste noite de segunda, em companhia de um jornalista francês. Turistas que transitam pelas calçadas não imaginam que ali estava uma "fera" do melhor elenco reunido até hoje pelo Brasil para uma Copa: os convocados de 1970. Chama-se Paulo César Caju - hoje, cronista esportivo de letra afiada. ( Tomara que continue a escrever no Globo depois da Copa ). Trocamos cumprimentos e comentários rápidos, numa esquina. Arrisco um palpite de torcedor: digo que a Seleção melhorou hoje - especialmente, no segundo tempo. Notícia preocupante: de novo, Paulo César não gostou da atuação da Seleção. Não se pode desconhecer a opinião de quem entende de bola. E o bicho entende, claro.

Posted by geneton at 01:26 PM

A ÚNICA COISA DE ÚTIL QUE UM JORNALISTA PODE FAZER: DIVIDIR COM OS OUTROS A MEMÓRIA DO QUE VIU E OUVIU

SE É ASSIM, VAI AQUI UMA LEMBRANÇA DE PAULO FRANCIS, O "LOBO HIDRÓFOBO" QUE DISSE: "JORNALISTA, CONTINUO ATIRANDO NO ESCURO DE ONDE SAEM AS FERAS - ESPERANDO ACERTAR ALGUMAS".
Quando Paulo Francis entrou na redação do Fantástico, para uma “visita de cortesia”, produziu em torno si uma onda de silêncio que misturava curiosidade e reverência. O homem era uma estrela. Mas, “humildemente”, veio agradecer o destaque o programa tinha dado, na véspera, à entrevista que fiz com ele.
Ok : desde já, quero confessar ao distinto júri que sei do risco que corro ao usar a expressão “humildemente” num parágrafo que trata de Paulo Francis. As duas entidades, graças a Deus, eram incompatíveis: Francis e a humildade. Uma não se misturava com a outra. Eram como água e óleo.
A referência a um lampejo de humildade em Francis deve produzir "frouxos de riso" em quem teve o privilégio de conhecê-lo. Mas, em nome da verdade factual, devo dizer que, sim, ao visitar a redação do Fantástico Francis teve um gesto de humildade. Ou seria gentileza ? Cravo nas duas alternativas. A imagem pública de “lobo hidrófobo” não combinava com o Paulo Francis no trato pessoal: um gentleman.
Paulo Francis tinha acabado de lançar um excelente livro memorialístico sobre o golpe de 1964, “Trinta Anos Esta Noite”. Eu tinha gravado uma longa entrevista com ele numa praça escondida nas proximidades do Jardim Botânico. Procurávamos um lugar razoavelmente silencioso para a gravação. O sucesso da busca foi parcial: crianças brincavam nas redondezas. As babás ficaram indiferentes à presença de Francis, mas pelo menos trataram de vigiar os passos de fedelhos que brincavam na praça
( um trecho da entrevista foi usado no filme de Nélson Hoineff sobre Francis. Lá pelas tantas, o “lobo hidrófobo” cita meu nome. Eu tinha pedido a ele que fizesse uma pequena caminhada, porque precisávamos gravar imagens para ilustrar a matéria. Francis ergueu a cabeça, encarou o céu, me chamou e fez piada debochando da pose de intelectuais pomposos).
Três anos depois, um ataque cardíaco fulminante matou o mais polêmico,o mais lido e o mais provocativo jornalista brasileiro, na manhã do dia quatro de fevereiro de 1997, em Nova York. A morte : lástima, lástima, lástima. Francis estaria em pleníssima atividade, aos oitenta anos de idade, se tivesse chegado a este 2010. Lástima, lástima, lástima. Dizer que “Paulo Francis faz falta” virou um enorme lugar-comum. Mas é uma verdade puríssima: o texto de Francis faz uma falta imensa ao jornalismo brasileiro.
Uma vez, ele escreveu: “Nossa imprensa: previsível, empolada, chata: como é chata, meu Deus…”. Em cem por cento dos casos, o que Francis escrevia escapava da chatice generalizada. Vivia reclamando de que era preciso criar no Brasil uma tradição: a de uma “prosa clara e instruída”. É o que há em outras culturas: a tradição de uma prosa clara e instruída, uma atividade que, no Brasil, tinha poucos cultores. Aqui, pensam que escrever difícil é escrever bem. Ledíssimo engano.
A contribuição que Paulo Francis deu para a criação de uma prosa jornalística “clara e instruída” ainda não foi devidamente avaliada. Onde é que estão os acadêmicos – que não tratam de demonstrar “cientificamente” esta herança ? É uma tarefa facílima. Ninguém precisava concordar com uma vírgula do que ele dizia. O importante é como ele dizia.

Livros como “O Afeto Que se Encerra” e “Trinta Anos Esta Noite” deveriam ser leitura obrigatória nas escolas de jornalismo – pela clareza cristalina, pela fluência absoluta, pelo ritmo agradabilíssimo do texto. É o que vale. Os dois foram relançados faz algum tempo. O que é que vocês estão esperando antes de devorá-los ? ( Uma vez, perguntei a ele como é que ele – que, quando criança, alegadamente exibia um ar de cão hidrófobo – se definiria na maturidade. Francis respondeu: “Que tal lobo hidrófobo” ? )
A PROMESSA:
Conhecer gente famosa é uma desgraça. Conviver com um ídolo é pior ainda. Por dois motivos. Primeiro: por medo de falar uma grande tolice diante do guru, a gente se cobre de constrangimento quando conversa com ele. O encontro pode ser o mais banal, o mais trivial possível. Mas a gente termina medindo cada frase.
Fiz o cúmulo: cheguei a me refugiar uma vez numa sala lateral de uma redação, para não envenenar à toa a convivência com o guru. Mas ele, esperto, foi até o meu esconderijo: “Você se escondendo!!!”. Retribuí a gentileza com um riso amarelo.
Segundo motivo por que conhecer gente famosa é uma desgraça: a gente fica se policiando para não cometer, diante de amigos, estranhos ou desconhecidos, o pecado horroroso do “name-dropping” (a mania de ficar citando nomes célebres no meio de uma frase, para dar a ilusão de importância….).
Os dois motivos me impediram de escrever um texto na primeira pessoa sobre dez anos de contatos pessoais e profissionais, em redações no Rio, em Londres e em Nova York, com o meu ídolo, Paulo Francis. Fiz pelo menos três gravações com ele. As anotações sobre esta convivência estão feitas. Falta organizá-las.
Feitas as contas, resolvi quebrar o constrangimento. Não posso deixar que o medo do “name-dropping” me condene a guardar na gaveta as cenas que testemunhei ou as frases que ouvi. Como diria o ex-ministro, “às favas os escrúpulos….”. Pretendo, um dia, produzir um documento sobre Paulo Francis, a estrela máxima do jornalismo brasileiro das últimas décadas. É a única coisa de útil que um jornalista pode fazer: dividir com os outros a memória do que viu e ouviu. O resto é empulhação – ou perda de tempo, este recurso natural não renovável.
Quando o assunto é Paulo Francis, considero-me um grande devedor. Os maiores elogios que recebi na vida foram feitos por ele, repetidas vezes, na coluna Diário da Corte. Quem não gosta de ser elogiado que atire o primeiro Prozac. Um desses textos virou prefácio do “Dossiê Drummond”, livro em que publico a última grande entrevista do poetaço. Fora das páginas de jornal, fui alvo de pelo menos uma demonstração de extrema generosidade que Francis praticou sem qualquer interesse.
Em nome dos teclados de São Gutemberg, prometo à minha dezena de leitores: os fãs, os órfãos, os detratores de Paulo Francis ganharão um presente que estou, aos poucos, garimpando. Que ninguém se assuste, porque não cairei na tentação de parir um tratado sobre o homem. Praticarei o exercício básico do jornalismo: publicarei o que vi e ouvi. Ponto. Reproduzirei diálogos entre Francis e grandes feras. Vai ser minha maneira de retribuir os presentes que ganhei. A retribuição virá em forma de livro. Tentarei - se o diabo assim permitir.
Por falar no capeta, pergunto: o que diabos vocês estão fazendo aí? Por que não saem voando para conseguir uma cópia de “O Afeto Que se Encerra” ? É um dos melhores livros de memórias já lançados no Brasil.
PÍLULAS, GARIMPADAS NO “AFETO QUE SE ENCERRA”:
“Jornalista político e cultural, opino sobre isso e aquilo o tempo todo. Mas jornalismo, mesmo ensaístico, é dispersão de energias na vida do próximo, em coisas exteriores à ilha em que vivo e na qual um psicanalista amigo, Borsoi, descobriu uma catedral, meu superego: ajoelho, rezo e cumpro”
“Divago. Tanto falo do resto que não me sobra tempo para saber o que penso de mim. Às vezes me ocorre, desagradavelmente, que conheço melhor a cabeça ( o título é de cortesia) de Jimmy Carter do que a minha. E só sei o que penso quando passo para o papel”.
“Boa parte da ilegibilidade da literatura e imprensa brasileiras se deve ao asneirol filológico ensinado nas escolas. “Custa-me crer” é a vovozinha. Rubem Braga ou Millôr Fernandes valem “n” Aurélios”.
“A cabeça se libertou de simplificações e paliativos, das certezas de manual. Examina e se auto-examina constantemente. É meu inferno e delícia, minha única justificativa plausível de alegar que evoluí dos macacos”.
“Sei apenas que nasci, presumo que pelos processos convencionais, não existindo na ocasião o bebê de proveta e ou Garotos do Brasil. E fui, jovem, a cara do meu avô alemão, Paul Heilborn, na mesma idade, o que exclui, provavelmente, a hipótese de adoção. Dando crédito à versão oficial, não é verdade que ao me baterem na bunda eu dissesse “Cogito ergo sum”, ou, segundo o vulgo, “um Black Label nas pedras”. Se me manifestei, à parte o que Shakespeare chamava sentimentalmente de “the most piteous sound”, o som mais digno de pena, o nhenhém do desgraçado do bebê, teria sido na linha de “por que não me consultaram se eu queria vir para esta joça ?”. A última frase de As Memórias Póstumas de Brás Cubas é minha opinião da paternidade”
“Quis ser escritor desde li Crime e Castigo, aos 14 anos de idade. Eu era um revoltado contra a ordem social, família, colégio padres. Tolstói, antes de morrer, disse que não se sentia diferente de menino, aos 8 anos. Nem eu, agora ( fim das semelhanças entre nós). Foi aos 8 anos que comecei a perceber a ambivalência, a ambiguidade, a falsidade do que me pregavam. Uma cacetada emocional me levou a essa precocidade crítica. Não importa. Nos tornamos o que somos. Me fechei em mim mesmo, perplexo, rancoroso, engatinhando sarcasmos”
“Morremos uma vez só. Felizmente, porque nascemos diversas. A primeira é a menos dolorosa”.
“Desejo boa sorte aos que gostam de política e às novas gerações, ou remanescentes da minha, que caiam na realidade. Quanto a mim, procuro recriar em literatura o que experimentamos, o grupo que me fez, saciando o último desejo infantil que me resta. Jornalista, continuo atirando no escuro de onde saem as feras - esperando acertar algumas”.

Posted by geneton at 12:12 PM

julho 22, 2014

PAUL McCARTNEY: CASO ESCANDALOSO DE TALENTO NATURAL PARA A MÚSICA. TENTOU TRÊS VEZES APRENDER A "LER E ESCREVER" MÚSICA, MAS FRACASSOU. AINDA BEM.

Promessa feita aos beatlemaníacos é promessa a ser cumprida. Recupero - em meus arquivos não tão implacáveis - a gravação que fiz numa entrevista coletiva de Paul McCartney, em Londres ( ver post anterior ). Vale ver o que ele diz sobre a própria "ignorância" musical: se tivesse estudado música a fundo, certamente não teria feito o que fez. Tentou aprender a "ler e escrever" música três vezes. Fracassou. Jamais se tornaria um caso de compositor "cerebral". Parece ser um caso escandaloso de talento natural e não lapidado para a música. Ainda bem. Voilà a entrevista:
( mas, antes, um intervalo musical. Meninos, eu vi: Paul McCartney cantando, num teatro, com Eric Clapton na guitarra e um elenco luxuoso de acompanhantes, a música mais bonita de Abbey Road. o mais bonito disco dos Beatles: "Golden Slumbers": "Boy, you're gonna carry that weight / Carry that weight a long time" "Boy, você vai carregar este peso / carregar este peso por um longo tempo" ):
http://goo.gl/Hqa0kB

O ex-beatle Paul McCartney começa a falar, numa sala do Royal Albert Hall, em Londres. O locutor-que-vos-fala grava as palavras daquele que o jornal Daily Telegraph chamou de ” o maior compositor popular do Século XX” ( ver post anterior).
Jornalistas – ingleses – presentes à entrevista não resistiram à tietagem. Uma moça cobriu Paul de elogios, antes de fazer uma pergunta. Meu demônio-da-guarda me soprou ao pé do ouvido: “Eu bem que disse! Jornalista bancando o amiguinho da celebridade é um mal planetário. Você pensou que que essas patetices só aconteciam com os subdesenvolvidos brasileiros que vivem jogando flores uns nos outros…”.
A observação feita ao pé-do-ouvido pelo meu demônio-da-guarda não me impede de declarar solenemente, diante deste tribunal, que sou um beatlemaníaco. Paul McCartney é,sim, o maior compositor popular do Século XX. Nenhum grupo jamais fez algo parecido com o álbum Abbey Road. Milton Nascimento – que nunca se notabilizou por ser autor de frases inspiradas – disse recentemente, numa entrevista ao G1, que os Beatles são os melhores: “O resto é palhaçada”, sentenciou.
O compositor que fala agora diante do punhado de jornalistas esteve – de uma ou outra maneira – presente na vida de milhões de ouvintes ao longo das últimas décadas. “Take a sad song and make it better”, como diz a letra de Hey Jude. Em última instância, ao compor tantas canções inesquecíveis, ajudou a tornar suportável nosso circo de horrores diários. É o suficiente. Que outra coisa um compositor de canções populares pode querer na vida?
É o que me ocorre, enquanto acompanho Paul McCartney falar, com a simpatia habitual, sobre a arte de compor música popular.
Guardei a fita. É hora de ouvir as palavras de Sir Paul:
1. “Sempre achei que seria uma boa idéia aprender mais sobre o que eu estava fazendo. Contaria como um “plus”. Quando se sentam diante do piano para compor, amigos meus, altamente treinados musicalmente, ficam inibidos na hora de criar uma melodia nova, porque já têm informação excessiva na cabeça, acumulada a partir de todo o Bernstein, todo o Beethoven, todo o Mozart ou todo o Mendelssohn que ouviram. Sou sortudo, porque, nesse sentido, tenho um “buraco negro” na cabeça. Quando me sento, é como se não tivesse nada. De certa maneira, penso que é muito bom. Porque o que eu escrever possivelmenTe será mais original. Há vários exemplos. Em West Side Story, por exemplo, há uma música de Leonard Bernstein, There is a Place for Us : ouvi dizer que a melodia composta por Bernstein já teria sido feito por outra pessoa. A gente vê que até grandes como Bernstein podem misturar as informações, inconscientemente. Não saber tanto pode ser uma vantagem, então.A ignorância é uma bênção, no meu caso”.
2. “O importante, sobre o fato de escrever música para orquestra, é que tive sorte: não conheço tanto sobre música clássica. Quando eu era criança, meu pai desligava o rádio quando entrava música clássica. Dizia: “Desligue esse negócio…” (imita a voz de desprezo). Como fã de jazz, ele não gostava daquilo. Depois, ouvi Bach. Você pode citá-lo como meu compositor preferido. Quando eu estava nos Beatles, citei Bach como um dos meus compositores favoritos. Recentemente, ouvi um pouco Monteverdi ( compositor italiano). Mas, quando eu estava escrevendo uma peça para orquestra (Standing Stone, lançada em 1997) , não ouvia realmente nenhum dos compositores clássicos, a não ser para ver o que é que eu não deveria fazer! Porque eles já tinham feito! Ouvi Beethoven, para ver como ele fez. Gostei de Monteverdi porque vi que ele tinha algo em comum com a música do começo dos Beatles: ele não conhecia muitos acordes…Havia um link interessante ali. Depois, descobri os Noturnos de Chopin – que todos conheciam mas só vim a conhecer há pouco. São excelentes”.
3. “Tentei, em minha vida, aprender a ler e a escrever música três vezes, mas não fui bem sucedido. A primeira vez aconteceu quando eu era menino – com uma velha senhora lá da minha rua. A segunda quando eu tinha dezesseis anos. A terceira, aos vinte e um. Nunca consegui me dedicar ao estudo da música. Porque, na verdade, eu já estava compondo. Já tinha feito, por exemplo, When I´m Sixty Four. Nesta época, eu estava tentando. Desisti, no fim das contas. O que aconteceu, com Standing Stone, é que descobri um programa de computador que permite que eu, primeiro, trabalhe no teclado. Depois, transfiro para o computador. Posso aprender como orquestrar enquanto trabalho no computador. Isso foi um salto para mim. Porque não sou bom em matéria de computador. Preciso de uma equipe para descobrir como me livrar da confusão em que me meti….”
4. “Eu estava ouvindo,nos anos sessenta, peças de Stockhausen e algumas das coisas mais estranhas da música contemporânea. Pensei em fazer um álbum com sons eletrônicos. Ia chamar o disco de “Paul McCartney Goes Too Far”. Nunca cheguei a fazer. Fiz outras peças desde então – que não cheguei a lançar. Talvez lance um dia. Mas nunca pensei em fazer com a Orquestra Sinfônica de Londres. Ou fazer peças tão grandes como Standing Stone. Eu já tinha gostado de fazer o Liverpool Oratorio (primeiro exercício de Paul McCartney com música clássica, lançado em 1991) com orquestra. Queria fazer de novo algo assim. Quando surgiu a oportunidade, peguei”.

5. “Não esperava escrever peças como Standing Stone. Já tinha sido divertido botar violinos em Yesterday ou em Eleanor Rigby. Eu tinha, na época, meus vinte e poucos anos. Não pensava : “Quando eu tiver meus trinta anos e for velho…..”. Mas imaginava que poderia fazer algo nessa linha, não tão ambicioso quanto viria a acontecer. Considerava que música para orquestra era algo que eu poderia fazer, depois do rock-and-roll”.
6.“Eu não sabia como compor na tradicional maneira clássica - que é pegar um tema e desenvolvê-lo, numa peça em que a música é usada como uma jornada. Ao compor, senti que precisaria de uma história como base, para me manter “nos trilhos”. Fiz contato com Allen Ginsberg, poeta, amigo dos anos sessenta. Comecei a curtir poemas. Cheguei a trabalhar com poema escrito. Tentei fazer Standing Stine como um poema, caso precisasse usar de letras. Mas terminei não usando muito do poema. O que aconteceu é que o poema se tornou uma história, para o caso de o ouvinte precisar de algo em que se apoiar enquanto ouve a música. Compus peças menores como preparação para a peça maior. É como escrever contos antes de escrever um romance”.
7. “Não diria que estou fazendo música clássica. Estamos usando apenas orquestra, ao invés da combinação rythm & blues - guitarra, baixo e bateria. Era divertido usar ocasionalmente trompete ou quarteto de cordas. Porque a gente trabalha com outro tipo de músicos. Não vejo limites entre os gêneros. Para mim, era tudo música. Quando olho para trás, vejo que o rock-and-roll estava começando a flertar com músicas orquestradas. Penso em “Save the last dance for me”, com The Drifters. Ou “It doesn´t Matter Any More”, com Buddy Holly. Estava começando a acontecer. Não vejo barreiras. Não divido entre música clássica, “easy listening” ,rock-and-roll. Para mim, o que há é música boa e música ruim”.
8.”É tudo uma questão de amar a música. Tenho sorte de ser pago para fazer o que amo. Compus muita coisa em minha vida. Em geral, são coisas curtas. A música Hey Jude foi a mais longa: cerca de sete minutos. É um grande desafio. Você pode perguntar a um escritor de contos por que ele se preocupa em escrever um romance. Ora, porque é um desafio. Se você gosta de música, é interessante, então, fazer uma peça maior. É bom trabalhar com orquestra e animador trabalhar com gente com este tipo de virtuose. Se você gosta de talento, é algo animador a fazer”.
9.”Um dos motivos por que lancei o cd Flaming Pie (um dos melhores álbuns da fase pós-beatle de Paul McCartney), junto com Standing Stone, foi porque queria mostrar a todos que faço meu rock-and-roll. Não vejo estas barreiras. Em “Eleanor Rigby”, já havia os violinos e minha voz. Não se dizia que eu estava virando “clássico”. Gosto de vários tipos de música. O fato de tocar uma tradicional música irlandesa – por exemplo – não quer dizer que estou indo nesta direção. Quer dizer que eu gosto desse tipo de música assim como outros. Ainda amo o rock-and-roll”.
10.”Alguém me perguntou se eu estava confortável com o título de Sir (honraria concedida pela realeza britânica). Eu disse que sim : estava altamento honrado. Mas me ocorreu que tenho orgulho também do título de mister ( tratamento usado por e para cidadãos comuns). É working class. Você ganha quando tem vinte e um anos” ( idade em que se passa a ser chamado de “senhor”). Vou tentar descobrir se terei de deixar o título de mister para usar o de sir. Se for obrigatório, vou tentar burlar o sistema….Tenho orgulho de mister me lembra de onde vim e quem sou. Mas estou orgulhoso do título de sir”. Não é que não goste de usar o título de sir. É que me apego ao título de mister também. Não sei se você pode usá-lo”.

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julho 21, 2014

A MAIS SUCINTA "ENTREVISTA EXCLUSIVA" QUE JÁ TIVE A CHANCE DE FAZER ( O "ENTREVISTADO" ERA ELE - PAUL McCARTNEY ! )

Quem é o maior compositor popular do século XX ?
Não faz tempo, o jornal Daily Telegraph cravou: é Paul McCartney.
Não é patriotada nem exagero do jornal inglês. Que outro compositor terá produzido, sozinho ou em parceria com um tal de John Lennon, tantas canções reconhecíveis por tanta gente em tantas partes do mundo? Nenhum.
Fazer música popular, em última instância, é criar canções que possam ser assoviadas numa caminhada. Simples assim. Pouquíssima gente fez tantas quanto nosso personagem de hoje.
O repórter-que-vos-fala faz questão de ser tendencioso quando o assunto é Beatles. O melhor álbum da história da música pop é Abbey Road, lançado faz exatamente quarenta anos, no remoto setembro de 1969.

É possível ouvi-lo por horas seguidas sem pular uma faixa sequer ( faça-se o teste: dá para contar nos dedos da mão de um mutilado de guerra quantos álbuns passariam pela Prova da Audição Sem Pulo).
Tive a chance de testemunhar duas aparições de Paul McCartney em Londres
( uma das aparições aconteceu numa daquelas cenas que ocorrem uma vez na vida: Paul McCartney subiu ao palco do Royal Albert Hall, em companhia de Eric Clapton, Elton John, Phil Collins e Marc Knopfler, entre outras feras, num show beneficente, para executar um repertório que incluía faixas do Abbey Road, como o hino “Golden Slumbers”, seguida por “Carry That Weight” e “The End”. Carimbei para sempre meu diploma de beatlemaníaco ao ver um beatle tocando três músicas do álbum Abbey Road “ao vivo e a cores”, no palco de um teatro, devidamente acompanhado por uma banda de primeiríssimo time. Tinha certeza de que jamais apareceria chance igual - a de ver e ouvir um time daquele reunido sob o "comando" de McCartney. Não era em estádio, não era em mega-evento: era no palco de um teatro. Em breve, falo desta cena. O final - claro - foi uma versão coletiva de Hey Jude. É uma música "batida"? Certamente,é. Já foi executada "n" mil vezes por McCartney em shows - mas não na companhia luxuosa de um Elton John no piano ou de um discretíssimo Eric Clapton na guitarra. Como sempre, Clapton quase não se faz notar no palco - mas toca como pouquíssimos. A música não perdeu a beleza ingênua ):
http://goo.gl/GXkKb3
A outra aparição de McCartney testemunhada pelo repórter-que-vos-fala aconteceu numa entrevista, também no Royal Albert Hall.
Beatlemaníacos, exultai: acabo de localizar, no meu baú de raridades, uma fita cassete em que Paul McCartney faz uma confissão que, sem exagero, pode servir como chave para entender por que ele foi capaz de produzir uma coleção de canções assoviáveis: ao explicar suas ligações com a música clássica, ele relembrou as três tentativas que fez de estudar e ler partituras. Fracassou nas três.
Adiante, ele confessa : se tivesse uma grande cultura musical estocada em algum escaninho de seus neurônios, certamente se sentiria tolhido na hora de sentar diante do piano para compor.
Paul McCartney diz que amigos seus, compositores, donos de uma vasta cultura musical, vivem uma experiência curiosa: eventualmente, se sentem bloqueados na hora de compor, porque, a cada novo fraseado, são invadidos por uma dúvida. E se alguém tiver feito algo assim antes?
Com uma ponta de ironia, Paul McCartney diz que, a partir de suas próprias experiências como compositor, pode declarar que “a ignorância foi uma bênção. O fato de não saber tanto pode ser uma vantagem”, confessa, sem vacilar.
Ou seja: se tivesse realmente estudado música, é provável que não tivesse composto pérolas como “Hey Jude”, “Yesterday” e uma infinidade de outras, igualmente “assoviáveis”.
O “maior compositor popular do Século XX” estava dando ali – de mão beijada – para um punhado de jornalistas, numa sala do Royal Albert Hall, a chave para que se entendesse a raiz do fenômeno que ele próprio representa.
O tema alimentaria um ano de debates num seminário de música: se não fosse “ignorante”, Paul McCartney não seria um compositor popular tão extraordinário.
Anotações sobre a aparição londrina de sir Paul McCartney:
Dou plantão numa das entradas do Royal Albert Hall, na vã esperança de arrancar uma declaração exclusiva do meu ídolo
( repórter não deve nunca, never, jamais, sob hipótese alguma, fazer papel de tiete, mas, enquanto esperava a chegada de Sir Paul McCartney eu não tinha como não lembrar dos tempos em que passava horas, horas e horas ouvindo o lp Abbey Road em meu quarto de adolescente nos fundos de minha casa no bairro de Nossa Senhora do Rosário da Torre, Recife, Pernambuco. De qualquer maneira, não abro mão de uma convicção pétrea: o jornalismo dará um imenso, um extraordinário, um indescritível salto de qualidade no dia em que forem banidas da face da terra as entrevistas em que o entrevistador se comporta diante do entrevistado não como repórter mas como praticante de uma modalidade de esporte que poderia ser batizada de “voleibol jornalístico”: são os “jornalistas” que passam a vida levantando bolas para o entrevistado, especialmente as celebridades. A cena é invariavelmente triste e patética. O mal não é apenas brasileiro: diante de Paul McCartney, uma jornalista se derreteu em salamaleques antes de conseguir articular uma pergunta. Patética. Como diriam os estudantes rebelados que pichavam muros na Paris de 1968, a humanidade só será feliz no dia em que o último jornalista deslumbrado for enforcado nas tropas do penúltimo).
Faço uma combinação com o cinegrafista Luís Demétrio. Em vez de nos dirigirmos ao auditório que servirá de palco para a entrevista, ficaremos do lado de fora, próximos à entrada principal do Royal Albert Hall. Quem sabe, num golpe de sorte, não conseguimos uma declaração do homem.
Fãs capazes de qualquer sacrifício descobrem, não se sabe como, que Paul desembarcará ali dentro de instantes. Lá estão elas, indiferentes ao frio de rachar, num canto da calçada, à espreita.
De repente, noto que um magrelo vestido de preto começa a falar discretamente num walkie-talkie. Faço um sinal para o cinegrafista. A celebridade deve estar chegando.
Um carrão preto, com vidros indevassáveis, se aproxima lentamente da entrada do prédio. Quando notam, as fãs se agitam. O carro para. Quem desce do banco dianteiro? Só podia ser ele. E era. Eis Sir Paul McCartney, recém-condecorado pela Rainha.
O canto dos olhos exibe pés-de-galinha. O tom da pele, pálido, sugere que o rosto passou por uma maquiagem – quem sabe, para esconder as rugas. A cor das cabelos não deixa dúvidas: uma tintura passou por ali. A idade manda lembranças. De calça jeans, casaco preto e blusa clara - o eterno Beatle parece, na medida do possível, jovial.
Avanço em direção à presa, com o microfone em punho. Fãs soltam gritos. Os brutamontes – popularmente conhecidos como seguranças – entram em ação para afastar todo e qualquer intruso – eu, inclusive.
Paul acena para a turba. Em meio ao tumulto, a única declaração que consigo captar é um monossílabo – “Hi!” – versão inglesa para “Olá!”. Paul se limita a fazer um “V” de vitória com os dedos.
Em questão de segundos, desaparece dentro do prédio, cercado de seguranças por todos os lados. É uma luta inglória: enfrentar um daqueles brutamontes corresponde a desafiar Mike Tyson para um duelo, no meio da rua, numa manhã de inverno. Faltam-me proteínas para tanto.
Lá dentro, na coletiva, o assessor de imprensa de Paul McCartney - ou o próprio – apontam aleatoriamente para um ou outro jornalista – que, bafejado pela sorte, pode balbuciar uma pergunta. Supercelebridade é assim. O dedo indicador do beatle me desconhece solenemente. Fica para a próxima. Não havia tempo para que cada um fizesse uma pergunta. “Paul precisa ensaiar”, diz o assessor.
Além das declarações que o astro fez na coletiva, volto para a redação com a entrevista “exclusiva” mais sucinta das tantas que tive a chance de tentar: “Hi!”.
Preservei a fita com a íntegra do que Paul McCartney disse ali. Num próximo post, reproduzo o que o homem disse diante daquele punhado de jornalistas. São declarações que revelam a "gênese" de um inigualável compositor popular.
Quanto à entrevista exclusiva, lamento informar, ela se resume a uma exclamação que trato de passar adiante aqui e agora aos que acompanharam este relato até aqui: olá!

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julho 20, 2014

DUAS CENAS RÁPIDAS COM DUNGA

É hora de lembrar duas cenas rápidas com Dunga - ao que parece, o novo técnico da Seleção Brasileira.
A primeira aconteceu em Londres, 1995. A Seleção Brasileira ia fazer uma amistoso contra a Inglaterra. Fui ao hotel para tentar uma entrevista. A tietagem era grande na calçada. Afinal, aquela era a seleção campeã do mundo.
Entre a saída do hotel e o ônibus que os conduziria a um treino, os jogadores eram abordados por fãs em busca de autógrafos ou uma foto ( não havia "selfies" ainda...). Uma lembrança boba: Zinho passou direto, sem se dar ao trabalho de atender aos "fãs". Havia ingleses e brasileiros.
Pouco antes, Dunga - o capitão - tinha nos recebido na recepção do hotel. Deu, pacientemente, uma entrevista em que rememorou os grandes momentos da Copa.

Eu me lembro da descrição forte que ele fez do momento em que se preparava para bater o pênalti na decisão do título contra a Itália. Disse que, ao se dirigir à marca do pênalti, parecia que tinha ficado cego e surdo: era como se não estivesse vendo nem ouvindo nada no estádio - tal a tensão. Quando viu a bola estufar a rede, sentiu que um peso de uma tonelada lhe saíra dos ombros.
Meu filho - à época com três anos - me acompanhava. Dunga posou para uma foto com ele. Terminada a entrevista, o capitão de Seleção disse: "Espere aí!". Deixou o local da gravação, subiu ao quarto, voltou com vários posters e cartões postais - autografados. Fez tudo com toda boa vontade.
( a bem da verdade, houve outra cena : uma vez, Dunga veio de Porto Alegre para o Rio para participar de uma gravação para o Fantástico. Ficou sentado, sozinho, num canto da redação, enquanto não era chamado para o estúdio. Peguei meu velho gravador, levei para uma sala, perguntei se ele toparia uma entrevista. Topou. Ricardo Pereira - editor do Fantástico - participou daquela "exclusiva" não programada. A entrevista nunca foi publicada. Guardei a fita. Prometo transcrevê-la).
A segunda cena aconteceu no Rio de Janeiro, no ano passado. Estava gravando o documentário "Dossiê 50: Comício a Favor dos Náufragos" - a partir das entrevistas que fiz com todos os jogadores da Seleção Brasileira da Copa de 50.
Tive uma ideia: que tal se, ao final do documentário, campeões mundiais brasileiros dissessem os nomes dos jogadores de 50? Poderia ser uma homenagem simples e bonita.
A gravação era a mais simples possível. Ninguém precisava dizer nada: bastaria olhar para a câmera e pronunciar os nomes dos onze injustiçados. Tempo estimado de gravação: uns quinze segundos. ( Jairzinho, Carlos Alberto, Zagalo, Amarildo e Ronaldo Fenômeno gravaram).
Dunga era técnico do Internacional. Fomos ao hotel de Copacabana em que a delegação se hospedaria. Preparamos o equipamento, improvisamos um pequeno "set" num canto da recepção. Depois de cerca de uma hora, chega o ônibus. Dunga desce, circunspecto.
Digo rapidamente o que gostaríamos de fazer. Pergunto: Dunga poderia olhar para a câmera e dizer os nomes dos jogadores de 50? É coisa rapidíssima. Sem diminuir o ritmo da caminhada, Dunga responde que vai jantar. Pega o elevador, sobe para o quarto, volta uns vinte minutos depois. Nosso plantão continua. Tento nova abordagem, no curto trajeto entre o elevador e o restaurante do hotel: pode ser agora? Com os olhos pregados na tela luminosa do celular, sem interromper os passos, ele repete que irá jantar - gravação agora, não. Passa direto para o restaurante. Janta, conversa longamente com os acompanhantes depois da sobremesa.
Ficamos "monitorando" o homem à distância. Resolvemos esperá-lo na porta do elevador. Cerca de uma hora e meia depois de entrar, Dunga deixa o restaurante. Faço a terceira abordagem. Dunga se senta, olha para a câmera, pronuncia a escalação da Seleção de 50: Barbosa; Augusto, Juvenal; Bauer, Danilo e Bigode; Friaça, Zizinho, Ademir, Jair e Chico. Pega de novo o elevador, desaparece de vista. Aqueles míseros quinze segundos de gravação deram trabalho...Mas a causa era "nobre": a homenagem aos náufragos de 50 não ficaria completa se não contasse com a participação do capitão do tetra.
( Entre os companheiros de infortúnio naquele longo plantão, estava um talento que se iniciava em aventuras externas, longe do ar-condicionado da redação - Rodrigo Bodstein. É provável que tenha ficado ligeiramente traumatizado com o tempo gasto para tão pouco. Mas, nestes casos, o que vale não é o "tempo gasto": é o resultado conseguido.
Uma vez, em 1992, passei uma tarde na recepção de um hotel - também em Copacabana -, à espera de que o ex-secretário de Estado do governo John Kennedy, Robert McNamara, aparecesse. O homem apareceu. Quase não parou para nos atender - mas terminou falando ).
Devo dizer que o chá de cadeira que ganhei de presente de Dunga foi um dos mais memoráveis que já tomei: ao todo, cerca de três horas para conseguir quinze segundos. C´est la vie. Acontece. Nem ele tinha obrigação de me atender nem eu tinha planos de desistir.
Placar: um a um.

Posted by geneton at 12:15 PM

julho 19, 2014

AH, JORNALISMO, QUANTOS PECADOS SE COMETEM EM TEU NOME! ( PEQUENO DEPOIMENTO DO MALABARISTA QUE VIU OS PRATOS SE QUEBRAREM - UM A UM - MAS, NO FIM DO ESPETÁCULO MAMBEMBE, REPETE ALIVIADO O VERSO DA MÚSICA MAIS BONITA DOS ROLLING STONES: "VOCÊ NÃO PODE DI

E coube a um cineasta - o gaúcho Jorge Furtado - a nobre tarefa de propor um debate público sobre o jornalismo!
Depois de descobrir uma peça inglesa que, no século XVII, já retratava o papel que o jornalismo pode exercer, Furtado caiu em campo: resolveu encenar o texto diante das câmeras. Colheu, também, depoimentos de treze jornalistas.
Já premiado em festivais, o filme "O Mercado de Notícias" chega às telas nas próximas semanas. Haverá uma sessão especial nesta terça-feira, dia 22, às 19h, no Midrash ( rua General Venâncio Flores, 184 - Leblon ). O diretor estará presente. O locutor-que-vos-fala participará de uma conversa com ele sobre como foi feita a expedição aos bastidores do jornalismo.
O projeto não se esgotará no lançamento do documentário. Furtado criou um site - em que serão postadas, aos poucos, versões estendidas dos depoimentos dos jornalistas entrevistados: Mino Carta, Jânio de Freitas, Paulo Moreira Leite, Raimundo Pereira, Renata Lo Prete, José Roberto Toledo, Bob Fernandes, Cristiana Lôbo, Fernando Rodrigues, Luis Nassif, Leandro Fortes, Maurício Dias e o locutor-que-vos-fala. São experiências de vida, pontos-de-vista variados, propostas de debate:
http://goo.gl/fcMRTL

O material ficara lá, acessível a quem estiver interessado em discutir a profissão. Lamento profundamente informar que são poucos, pouquíssimos os jornalistas que se dão ao trabalho de avaliar, discutir, criticar o exercício do jornalismo.
( Pausa para uma pequena conclamação: novatos, o que vocês estão esperando? Não repitam os pecados de seus antecessores! Não pensem que discutir o jornalismo é sinal de "pretensão". É exatamente o contrário! Talvez valha a pena usar seus neurônios para discutir criticamente o jornalismo e, assim, salvar a profissão !).
Um bom ponto de partida pode ser aquele diagnóstico de Paulo Francis: "Nossa imprensa: previsível, empolada, chata. Meu Deus, como é chata!".
O meio-ambiente jornalístico, como se sabe, é envenenado por uma série de tabus. Um - que parece banal, mas não é : qualquer crítica é tida como ofensa pessoal. A vaidade, como se sabe, não tolera reparos.
( Tenho certeza de que, se conseguisse chegar ao céu, a primeira coisa que um jornalista diria a Deus seria o seguinte: " É melhor o Senhor ir para outra freguesia. Isso aqui é pequeno demais para nós dois!". A cena, no entanto, é improvável. Se houvesse justiça divina, os jornalistas seriam liminarmente barrados na entrada, é claro ).
A iniciativa de Furtado é louvável. O ponto de partida do documentário é este: e se o Jornalismo - por um instante - parasse de olhar para os outros e resolvesse se encarar no espelho? Certeza: haveria pouca beleza na paisagem.
Ao contrário do que acontece em outras áreas de atividades,
jornalistas não costumam discutir publicamente as suas próprias "mazelas" . A lista é grande.
Há as mazelas "folclóricas": a vaidade descabida, a ilusão de grandeza, a pretensão risível dos que se julgam mais importantes que a notícia etc.etc. A esse respeito, há uma boa frase, atribuída a Evandro Carlos de Andrade, ex-diretor do Globo e da TV Globo: "Se Deus entrasse na redação, iria se sentir humilhado". E há também as mazelas que devem ser discutidas a sério: a patrulhagem ideológica - que sempre existiu, existe e existirá ( há jornalistas que se recusariam a entrevistar Gerge Bush, porque ele é um direitista delirante que invadiu o Iraque, assim como há jornalistas que se recusariam a entrevistar Fidel Castro porque ele foi um jurássico ditador comunista. Se tivesse, eu pagaria um milhão de guaranis pela chance de entrevistar os dois ).
E o que dizer dos burocratas profissionais que passam a vida "derrubando matérias" e jogando no lixo reportagens, personagens e histórias que, com cem por cento de certeza, interessariam ao pobre do leitor, ouvinte ou telespectador que, neste momento, toma um cafezinho no balcão do bar? Assim é feito o Jornalismo! Poderia fazer uma lista.
Sempre foi assim: os maus jornalistas fazem jornalismo para os outros jornalistas. Resultado: uma catástrofe. Os bons pensam, em primeiríssimo lugar, no leitor, no ouvinte, no telespectador, no internauta. Os maus jogam notícia no lixo - sistematicamente. Atravessam os anos suspirando de tédio: "Isso não interessa". Os bons queimam os neurônios para descobrir qual é maneira mais atraente e mais fiel de descrever o "grande espetáculo" que, neste exato momento, acontece nas ruas, nos estádios, nos morros, nas avenidas, nas favelas, nos palcos, nos aeroportos, nas florestas, nas fronteiras, nos sertões - longe das redações, portanto.
A vida real é mil vezes mais interessante que a vida nas redações. Por que diabo as redações não tentam retratá-la com devoção, com entusiasmo, com clareza, com interesse? Eis aí - talvez - uma das causas da "crise".
E também: falta variedade política e ideológica à nossa imprensa? Falta, sim.
Eu preferiria nem me ocupar de jornalismo. Chega. Basta. Já deu. Bye,bye, Gutenberg. Adiós, McLuhan. Hasta la vista: nós nos vemos em outra encarnação. Não vale a pena ficar tentando enxugar o leite derramado. Não vale a pena ficar lamentando a assustadora incompetência de editores que acrescentaram informações erradas às matérias que você enviou para a redação ( tenho uma lista - indesmentível - com datas e locais dos crimes. ). Não vale a pena ficar lamentando as horas e horas e horas e horas de trabalho perdidas para fazer coisas que foram jogadas no lixo & etc.etc.etc..
Há coisas muitíssimo mais interessantes que o jornalismo implorando por nossa atenção. Mas....não consigo ficar cem por cento indiferente a uma atividade que consumiu tanto de minha ingenuidade, meu tempo, minha ilusão. Lá se vão quatro décadas desde que, "inocente, puro e besta", como na letra do bolero, pisei pela primeira vez no solo de uma redação, na cidade do Recife.
Agora é tarde para fazer de conta que não tenho nada, absolutamente nada a ver com o circo. É claro que tenho.
Sou aquele malabarista que, num espetáculo mambembe, joga os pratos para o alto e não consegue ampará-los de volta. Um a um, eles vão se despedaçando no chão . Os cinco espectadores que se dispuseram a pagar ingresso se entreolham, em silêncio. O malabarista agradece a atenção dispensada, faz de conta que não aconteceu nada de errado e deixa o palco, discretamente.
De qualquer maneira, é bom poder repetir, com alívio, a essa altura do campeonato, o verso de Angie, a música mais bonita dos Rolling Stones: "Você não pode dizer que a gente não tentou":
http://goo.gl/TZwXsT

Posted by geneton at 12:22 PM

julho 17, 2014

"FUTEBOL É UM JOGO SIMPLES: SÃO VINTE E DOIS JOGADORES CORRENDO ATRÁS DE UMA BOLA - E, NO FINAL, OS ALEMÃES SEMPRE VENCEM"


Já passou - mas a Copa de vez em quando bate de novo na porta para dizer que o futebol pode ser "o maior espetáculo da terra".
A BBC de Londres - que faz a melhor televisão do mundo - fez um belo clip de encerramento da Copa. De início, a gente treme nas bases: ah, lá vem outro clip estrangeiro ao som da batidíssima e chatonilda "Garota de Ipanema"
( quem ainda aguenta ouvir? ) .

Mas, não. Detalhe: o apresentador, o ex-craque da seleção inglesa Gary Lineker, diz que esta foi a mais fascinante de todas as Copas. Com expressão sentida, lamenta: "Preciso dizer a vocês? Os alemães venceram....". ( aliás, uma das boas frases sobre o esporte foi dita, há tempos, pelo próprio Lineker - uma pérola do humor inglês: "Futebol é um jogo simples: são vinte e dois jogadores correndo atrás de uma bola - e, no final, os alemães sempre vencem...). Dessa vez, aconteceu de novo!:
http://goo.gl/NA3dm7

Posted by geneton at 12:23 PM

julho 16, 2014

ESTAVA ESCRITO NAS ESTRELAS: AQUELE VEXAME NO MINEIRÃO NÃO IA SAIR BARATO. EIS AQUI UM EFEITO COLATERAL:

Não sou especialista em psicologia, nunca fiz análise, conheço psiquiatria de ouvir falar. Minha única experiência digna de nota nesta área aconteceu no início da carreira: o diretor do jornal em que eu trabalhava, o Diário de Pernambuco, me mandou fazer uma reportagem sobre um hospício. Disse:"Vá lá, se misture aos internos, não diga que é repórter. Eu quero a reportagem!". Com a petulância típica dos dezesseis anos de idade, eu disse: "Pode deixar!". E lá fui eu para o hospício - o Hospital da Tamarineira, no Recife. Fiz o que ele mandou: me infiltrei entre os internos. Ouvi as queixas. Voltei para o jornal com a reportagem. Um detalhe que me intriga até hoje: enquanto eu estava lá dentro, ninguém - absolutamente ninguém! - notou que eu não era um paciente...Só aí eu já teria tema para dez anos de análise. Mas...obrigado.

O que eu queria dizer - quando fui bruscamente interrompido por esta digressão psiquiátrica - é que, num trecho de Psicopatologia da Vida Cotidiana, Sigmund Freud diz algo assim: nada do que a gente lembra é gratuito ou casual. Pode-se fazer uma experiência: é só pedir a alguém que, sem pensar, cite um número qualquer. A citação pode parecer totalmente aleatória. Mas....se um psicanalista for investigar, descobrirá que, inconscientemente, aquele número significa alguma coisa importante para quem o citou.
O que eu queria dizer - quando fui novamente interrompido por esta digressão numérica - é que me lembrei dos números de Freud hoje de manhã: tive um sonho em que a Seleção Brasileira perdia de 16 a zero para um adversário obscuro. Não estou brincando: é sério. Sé me lembro de que Michel Platini estava em campo. Eu olhava para o placar: 16 a 0 ! Não é possível!
Desde que acordei, um punhado de dúvidas agita minhas florestas interiores: que adversário era aquele? O que Michel Platini estava fazendo ali? O que quer dizer aquele "16" no placar? Onde estão os alemães? Quem somos nós? De onde viemos? Para onde vamos? Deus existe? Quem vai marcar Schweinsteiger? Quantos gols Klose marcou? Cuidado com Thomas Muller! Olha o gol, olha o gol, olha o gol!
Eu sabia que aquele vexame no Mineirão não ia sair barato.
Eis aí o resultado.

Posted by geneton at 12:29 PM

julho 15, 2014

JORNALISTA PASSA A VIDA FALANDO DOS OUTROS. QUE TAL SE ELES OLHASSEM PARA O PRÓPRIO JORNALISMO? O CATÁLOGO DE HORRORES É EXTENSO...

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A quem interessar possa: dia 22, terça-feira, às 19h, no Midrash
( rua General Venâncio Flores, 184 - Leblon ), haverá uma sessão especial de um filme que, oportunamente, discute o papel do Jornalismo: "O Mercado de Notícias" - com a presença do diretor Jorge Furtado e "intervenções" do locutor-que-vos-fala.
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O cineasta Jorge Furtado resolveu fazer um documentário sobre jornalismo. Resultado: o filme "O Mercado de Notícias". Já premiado em festivais, o documentário chega aos cinemas nas próximas semanas mas, antes, haverá esta sessão especial, aberta aos interessados.

O "elenco" do filme é formado por treze jornalistas que falam - exclusivamente - sobre o jornalismo, o que não deixa de ser saudável. Jornalistas - afinal - passam a vida falando dos outros. Que tal falar publicamente sobre as entranhas do próprio jornalismo? .
A lista de "depoentes": Paulo Moreira Leite, Mino Carta, Jânio de Freitas, Raimundo Pereira, Renata Lo Prete, José Roberto Toledo, Bob Fernandes, Cristiana Lôbo, Fernando Rodrigues, Luis Nassif, Leandro Fortes, Maurício Dias e o locutor-que-vos-fala ( aproveito para agradecer ao diretor Jorge Furtado a lembrança do meu nome entre as feras convocadas a depor no documentário ).
O projeto Mercado de Notícias não se esgota no lançamento do documentário. Os depoimentos serão publicados, um a um, em "versões estendidas", neste site:
http://www.omercadodenoticias.com.br/entrevistas/
Sem falsa modéstia, o convite para participar do documentário me surpreendeu. Minhas relações com o jornalismo são, para dizer o mínimo, acidentadas. Com o passar dos anos, descobri, para eterno espanto, que o maior inimigo do jornalismo é o jornalista - especialmente, quando ele abandona o entusiasmo e a ingenuidade do início da carreira para se transformar num "matericida" ( ou seja: um "derrubador de matérias", figura conhecidíssima em todas as redações do planeta. Um dia, tentarei fazer uma lista dos crimes de lesa-jornalismo que já testemunhei. A lista pode, quem sabe, ser útil às almas ingênuas que se iniciam na profissão ).
Não tenho, nunca tive, jamais terei a pretensão de ser "autoridade" no assunto jornalismo. Com toda sinceridade, digo que, entre outras coisas que me faltam, há uma, básica: interesse. Há coisas infinitamente mais interessantes e mais importantes que o jornalismo a clamar por nossa atenção - como, por exemplo, a literatura, o cinema, a música, a poesia, o futebol, as crianças, a agricultura, a astronomia, a pecuária, a engenharia, a arquitetura, as borboletas, as formigas, os monumentos, as jaguatiricas, os coelhos, as videntes e as tartarugas. A lista daria para encher dez volumes de enciclopédia.
Mas....desde que não seja ridiculamente pretensioso e desde que saiba se enxergar - para não causar o vexame habitual diante das visitas -, o jornalista pode, claro, fazer coisas honoráveis e, eventualmente, importantes. Ou seja: o jornalismo pode ser fascinante, sim, para quem o exerce e para quem o consome. Se eu não pensasse assim, não teria passado tanto tempo nesta joça.
( por ora, aliás, estou "dando um tempo" da profissão. Devo voltar depois do intervalo, porque, a essa altura, sou uma pré-múmia cinquentenária: já não haveria tempo útil para estudar Medicina, por exemplo ).
Estou cem por cento convencido de que a pretensão descabida é a doença infantil do jornalista. É risível. Lástima, lástima, lástima.
Sem qualquer pretensão, portanto, tentei dizer, no depoimento a "O Mercado de Notícias", duas ou três coisas que fui aprendendo ao longo destas quatro décadas pastando entre uma redação e outra.
Tentei passar adiante o que consegui aprender, por exemplo, sobre uma atividade básica do jornalismo - a entrevista. O que dizer de uma das grandes pragas do jornalismo - a "entrevista-vôlei", aquela em que o entrevistador passa o tempo todo levantando a bola para o entrevistado? Fiasco, fiasco, fiasco. A chance de uma entrevista assim extrair alguma informação que seja útil ao leitor/ouvinte/telespectador é de zero vezes zero vezes zero. A entrevista, como sabe, deve ser instrumento de prospecção e de revelação sobre o entrevistado - jamais de congratulação.
E que tal as entrevistas em que o entrevistador, em vez de fazer perguntas, fica fazendo afirmações? "O horror, o horror, o horror" - diria o personagem de Marlon Brando em Apocalipse Now, com a cabeça baixa enterrada nas mãos, num sinal de desconsolo. Papel do jornalista não é ser cúmplice do entrevistado! O jornalismo deveria ter um Ato Institucional decretando o seguinte: repórter - seja ele de jornal, rádio, TV, site, o que for - só deve abrir a boca diante do entrevistado se for para fazer pergunta. É obrigatório um ponto de interrogação ao fim de cada frase. Revogam-se as disposições em contrário. Ponto. Parágrafo.
Em suma: o jornalismo, em tese, poderia ser uma atividade simples e fascinante. Poderia, sim, porque é tão somente a arte de passar adiante - da maneira mais fiel e mais atraente possível - o que se viu e ouviu.
É pena que, na vida real, o que poderia ser simples e fascinante pode virar algo chato e cinzento na mão de burocratas matericidas.
Minha grande e inútil luta é para não perder o entusiasmo e a ingenuidade do início da carreira. É uma batalha perdida, claro, porque o poder de fogo dos matericidas sempre foi devastador - mas, se houver disposição, há algo divertido a fazer: morrer atirando.

Posted by geneton at 12:36 PM

"ONTEM, DIVIDI UMA TAÇA DE CHAMPANHE COM AVA GARDNER"

Ainda sobre jornalismo ( ver post anterior ): a história de um jornalista americano "folclórico" resume bem o que é a profissão. O jornalista vivia importunando a atriz Ava Gardner: queria de qualquer jeito uma entrevista. A atriz não queria atendê-lo. Os dois terminam se encontrando numa casa noturna. Irritada com o assédio, a atriz joga uma taça de champanhe no rosto do repórter. Um dia depois, ele publica no jornal: "Ontem, dividi uma taça de champanhe com Ava Gardner".
É isso! Os jornalistas passam a vida "dividindo" taças de champanhe com as Ava Gardners da vida. O problema é quando eles passam a acreditar que de fato estão dividindo. É a receita para o desastre: a ilusão de grandeza, a empáfia, a vaidade. Aqui, para o interessados, o link para o depoimento gravado pelo locutor-que-vos-fala para o documentário "O Mercado de Notícias":

Posted by geneton at 12:34 PM

PEQUENA NOTA

E uma pequena nota: não se deve esquecer que hoje é a missa de sétimo dia do Dr. Hexa.
Sim, ele, o Dr. Hexa - aquele que levou sete tiros no Mineirão na terça-feira da semana passada. Vestia uma camisa amarela.
Nós - que sofremos tanto por ele - devemos nos lembrar do Dr.Hexa nesta data.
A "boa" notícia é que uma Clínica de Ressuscitação estará funcionando em Moscou, em 2018. O corpo vai ser mandado para lá. Pode ser que dê certo.

Posted by geneton at 12:33 PM

O REBELDE DE PARIS DE 68 NAVEGA NA NOITE DO LEBLON: "O FUTURO É UMA HISTÓRIA EM ABERTO. NÃO FOI ESCRITO AINDA".

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Acabou. Já era. C´est fini. Bye, bye, 68.
Ao participar de um debate esta noite, na Livraria da Travessa, no Leblon, um dos grandes líderes da rebelião dos estudantes de maio de 68 em Paris, Daniel Cohn-Bendit, foi logo dizendo, em inglês, o que pensa daqueles tempos: "It´s over, baby!". Era um aviso prévio de que não estava ali para encenar uma Sessão Nostalgia.
Sem renegar o que já fez, o Cohn-Bendit de 69 anos faz uma revisão crítica: diz que aquela "revolta contra o autoritarismo do capitalismo" tinha como um dos modelos....Mao-Tsé-Tung, o líder chinês, símbolo de um regime extraordinariamente autoritário. Em meio às barricadas de maio, Cohn-Bendit não se alistava, aliás, entre os militantes da esquerda ortodoxa: declarava-se parte de um grupo "anarquista libertário".
1968, para ele, "foi um momento importante - mas deve ser esquecido. Aquilo foi, sim, um grande momento da minha vida. Mas, se aquele tivesse sido o único grande momento, minha vida teria sido terrível. Tínhamos, em 68, o sentimento de que a revolução tinha chegado. Aquilo seria o ponto de partida de uma revolução moderna. E este é o grande mito que perdura sobre 1968".

Bendit tratou de percorrer outros caminhos. Não ficou no saudosismo de maio: virou militante verde, cumpriu vários mandatos no Parlamento Europeu. Agora, deu por encerrada suas atividades parlamentares.
Hoje, ele se declara contra a "economia de Estado" - que não dá espaço para a sociedade - e a favor da "economia de mercado". Mas faz logo a ressalva: "O que a gente vê, no entanto, é a "religião do mercado" e a "religião do Estado". Somos contra religiões! O grande problema é a desigualdade. Há, aliás, uma desigualdade natural: as pessoas não são iguais! O grande debate que deve ser feito é sobre como se pode controlar a desigualdade no capitalismo".
O rebelde de 68 deu exemplos de como contradições e surpresas pontuam o avanço da História. Relembrou os tempos em que ocupou um cargo na prefeitura de Frankfurt. Numa reunião, discutia-se a necessidade de reduzir o número de automóveis particulares, em nome do equilíbrio ecológico. Um imigrante turco levantou a mão para confessar, meio desolado: "Nós viemos aqui para poder ter um carro...E vocês vêm me dizer que não devo ter um!".
Bendit tratou do Brasil: "Se, antes das protestos de junho do ano passado, alguém dissesse que haveria grandes manifestações de massa, seria considerado louco. Mas foi o que aconteceu. Depois, todos disseram que haveria uma onda de protestos de todo tipo durante a Copa. E não aconteceu nada".
O ex-estudante que incendiou corações e mentes na Paris de 68 compara o movimento da história ao movimento das marés. Há momentos de "maré baixa" - como o de agora.
Feitas as contas, é ilusão achar que se pode prever o movimento das ondas da História . Bendit dá um exemplo. Diz que nasceu em 1945. Se tivesse a capacidade de falar ao nascer e dissesse aos pais que dali a cinquenta anos "não haveria o menor risco de uma guerra entre França e Alemanha", seria tido como "louco". Mas foi o que aconteceu. Como qualquer criança sabe, nada é tão remoto, hoje, quanto um conflito franco-alemão fora dos estádios de futebol.
Neste périplo pelo Brasil, para filmar um documentário "on the road" durante a Copa, Bendit disse que esteve num acampamento do MST "radical e guevarista" na Bahia. Um observador ingênuo imaginaria que os militantes - por exemplo - boicotariam a Copa. Que nada: "Todos vestiam a camisa da seleção brasileira", disse ele. "Torceram bastante pela França contra a Alemanha. Queriam que a França jogasse contra o Brasil, porque,assim, os brasileiros teriam a chance de vingar a derrota sofrida na final da Copa de 98...".
E a famosa "imaginação no poder"? Bendit reconhece, hoje, que "quem quer o Poder deve estar pronto para assumir um certo autoritarismo. Se eu fosse presidente da República, certamente seria um cretino - como François Hollande" - disse, entre risos.
Depois de ter tido tantas surpresas, ele não se arrisca a fazer previsões, é claro:
"O futuro é uma história em aberto. Não foi escrito ainda" - declarou, solene, no relançamento da edição de bolso de "Os Carbonários", relato de Alfredo Sirkis sobre os "anos de chumbo" brasileiros.
Termina aqui a edição extra desta anotações facebookianas.
Como diria Cid Moreira, "boa noite".

Posted by geneton at 12:31 PM

julho 13, 2014

E UMA ÚLTIMA ANOTAÇÃO SOBRE AQUELES 7 X 1

Não gosto de fazer "demagogia" usando criança - mas esta aconteceu. Vai ficar como a lembrança pessoal mais forte da hecatombe da Seleção Brasileira diante da Alemanha. Quando estava cinco a zero, João - um dos meus dois cronistas esportivos favoritos - foi para um canto e, discretamente, começou a fazer contas com os dedos. Virou-se para mim e perguntou: "Se o Brasil fizer seis gols ganha, não é? ".
João tem quatro anos de idade. Decorou nomes de jogadores. Fez o álbum de figurinhas. Identificava os países pela camisa. Meu outro cronista esportivo favorito é Francisco - três anos, irmão de João e igualmente atraído ao futebol por esta Copa. São netos ( é certo que uma nova geração de torcedores descobre o futebol a cada Copa do Mundo. Eis aí dois exemplos, iguais a milhões de outros. Resta saber qual vai ser, adiante, o impacto da decepção sobre os novos torcedores. Mas aposto que ninguém deixará de torcer pelo Brasil quando chegar a hora de novo).
Não é possível que a situação do futebol brasileiro não melhore até a nova Copa - na Rússia. João não pode ser obrigado de novo a ir para um canto da sala e ficar fazendo contas com os dedos das mãos.

Posted by geneton at 12:54 PM

DIA DE DECISÃO DA COPA: QUEM VAI LEMBRAR DE FRIAÇA, O ÚNICO BRASILEIRO QUE MARCOU UM GOL NO MARACANÃ NUMA FINAL DE COPA DO MUNDO?

Quando entrevistei Friaça, ponta-direita da Seleção Brasileira de 1950, ele, já octogenário, dizia, com todo orgulho, que tinha uma "glória": era o único jogador brasileiro que tinha marcado um gol numa final de Copa do Mundo no Maracanã - um sonho. Friaça lembrava: o delírio da torcida e dos jogadores foi tão grande que ele passou alguns minutos "sem saber onde estava". Dá para imaginar.
Os jogadores da Seleção Brasileira de 2014 tiveram a grande chance: se o Brasil tivesse chegado à final, algum outro brasileiro poderia dividir com Friaça a glória de ter enlouquecido o Maracanã de alegria com um gol numa decisão de Copa. Mas, não: Friaça - que não foi lembrado por ninguém hoje - continuará a ser, por uma eternidade, o único jogador brasileiro a ter marcado um gol numa final de Copa no "templo do futebol".
Tentei fazer uma pequena homenagem a Friaça num texto que o Jornal das Dez - da Globonews - encomendou ao locutor-que-vos-fala.
Palmas para Friaça - que carregou pelo resto da vida o estigma da derrota de 50 - mas cultivava uma glória que cabe a pouquíssimos:
http://goo.gl/BfgXLu

Posted by geneton at 12:38 PM

julho 11, 2014

O BAILE DE TRINTA TOQUES DOEU MAS....TE CUIDA, KREMLIN! UMA ONDA AMARELA VAI AGITAR O RIO VOLGA!

Parece uma sessão de masoquismo, mas não é:
vale a pena dar uma olhada no "vt" de Brasil x Alemanha, a partir de 1: 22:34 ( ou seja: já perto do fim do jogo ): a bola passa de pé em pé - de um jogador alemão para outro. São cerca de trinta toques, numa sucessão de passes curtos. Os brasileiros "entram na roda".
Quando o Brasil pegava na bola, tentava atacar - em geral - com aqueles chutões para a frente.
Eis aí tema para cinco décadas de discussão sobre táticas de jogo.
De qualquer maneira: vai ser melhor na Rússia, na Copa de 2018!
Moscou, lá vamos nós! Te cuida, Kremlin! Prepare-se, Praça Vermelha! Uma onda amarela vai agitar o rio Volga!
http://goo.gl/uLkJhM

Posted by geneton at 01:01 PM

A TAÇA DIRÁ BYE, BYE, BRASIL NO DOMINGO: SE VOAR PARA BERLIM OU SE FOR PARA BUENOS AIRES, ESTARÁ EM BOAS MÃOS TANTO EM UM CASO QUANTO EM OUTRO

E, para encerrar a semana que começou esperançosa e terminou amarga para os brasileiros, um tango moderno, em homenagem à Argentina finalista da "Copa das Copas" - Santa Maria del Buen Ayre:

A final dos sonhos da Copa de 2014 - o "jogo do século" entre Brasil e Argentina, no Maracanã - vai entrar para a galeria das grandes partidas que apenas podem ser imaginadas.
Por fim: uma vitória da Argentina contra a Alemanha domingo no Maracanã será um prêmio à raça, à devoção e à paixão com que jogadores e torcedores argentinos encaram cada batalha. São arrebatadores.
E o banho de bola histórico que a Alemanha deu no Brasil pentacampeão já bastaria para credenciar os alemães como personagens obrigatórios da grande final e candidatíssimos ao título.


( como se não bastasse, a seleção alemã desmentiu o clichê da frieza germânica, saiu espalhando simpatia desde o começo da Copa e agiu com grandeza e elegância na hora do massacre...).
Se voar para Berlim ou se for para Buenos Aires, a taça estará em boas mãos tanto em um caso quanto em outro ( e não é possível que alguém leve cem por cento a sério ou a pé da letra a "briga" entre argentinos e brasileiros. É apenas uma rivalidade esportiva, entre tantas outras. Pode ser divertida. Se a Argentina tivesse levado uma goleada, os brasileiros não estariam fazendo gozações de todo tipo? É claro que estariam. Quantos e quantos anúncios - alguns pretensamente "engraçadinhos" - não se fizeram no Brasil para zombar com os torcedores argentinos em tempos de Copa? ).
E viva Buenos Aires!

Posted by geneton at 12:55 PM

julho 08, 2014

CALENDÁRIO ENLOUQUECEU

O calendário enlouqueceu: para a Seleção Brasileira, definitivamente, hoje é 11 de Setembro - não é nem pode ter sido um mero oito de julho!
( Em 2000, cinquenta anos depois de 1950, publiquei a primeira edição de "DOSSIÊ 50" - uma reportagem com os onze jogadores brasileiros que entraram em campo no Maracanã para enfrentar o Uruguai na Copa de 50. Deixo para algum neto a tarefa de - daqui a cinquenta anos - publicar um "DOSSIÊ 2014" ).
Quando o Brasil perdeu para a Itália, em 1982, Carlos Drummond de Andrade terminou assim a crônica no Jornal do Brasil:
"A Copa do Mundo acabou para nós, mas o mundo não acabou. Nem o Brasil, com suas dores e bens. E há um lindo sol lá fora - o sol de nós todos".
Quem somos nós para desdizer o poeta?

Posted by geneton at 01:03 PM

E "LA CUMPARSITA" VAI EMBALANDO NOSSA TRISTE NOITE BRASILEIRA

Não é hora de "frases de efeito" para descrever o naufrágio épico da Seleção Brasileira. Já devem ter dito ( quase ) tudo. Com o tempo, este 11 de Setembro futebolístico haverá de produzir algum sentido, algum benefício, alguma lição para a nossa Seleção.
Velas ao mar, portanto, rumo à próxima parada: Rússia.
Mas.....a "Copa das Copas" ainda não acabou!
Quanto ao embate desta quarta: o coração do locutor-que-vos-fala se confessa dividido entre Holanda e Argentina.
Bem que a Holanda, três vezes vice-campeã, merecia levantar a taça pela primeira vez, justamente no "tempo do futebol" - o Maracanã.

Quanto à Argentina: meu sentimento de "hostilidade" em relação a ela é zero. Admiro a devoção "dramática" da torcida e dos jogadores argentinos à seleção ( além de tudo, aquela introdução do hino, embalada pela torcida nos estádios, é especialmente bonita, emocionante e arrebatadora).
Bem que a taça poderia ficar na América do Sul - ainda que nas mãos dos nossos históricos "rivais".
Por fim: o oito de julho termina, aqui, nesta esquina perdida no Facebook, com os acordes de uma belíssima versão do mais célebre dos tangos - "La Cumparsita" - tocada por um violonista clássico dinamarquês. Parece a dose certa de drama, melancolia e beleza para embalar a mais triste das noites brasileiras:

Posted by geneton at 01:01 PM

OITO DE JULHO, NÃO: 11 DE SETEMBRO!

O calendário enlouqueceu: para a Seleção Brasileira, definitivamente, hoje é 11 de Setembro - não é nem pode ter sido um mero oito de julho!
(Em 2000, cinquenta anos depois de 1950, publiquei a primeira edição de "DOSSIÊ 50" - uma reportagem com os 11 jogadores brasileiros que entraram em campo no Maracanã para enfrentar o Uruguai na Copa de 50. Deixo para algum neto a tarefa de - daqui a cinquenta anos - publicar um "DOSSIÊ 2014" ).
Quando o Brasil perdeu para a Itália, em 1982, Carlos Drummond de Andrade terminou assim a crônica no Jornal do Brasil:
"A Copa do Mundo acabou para nós, mas o mundo não acabou. Nem o Brasil, com suas dores e bens. E há um lindo sol lá fora - o sol de nós todos".

Quem somos nós para desdizer o poeta?

Posted by geneton at 12:19 AM

julho 07, 2014

É UMA VEZ NA VIDA, É PEGAR OU LARGAR, É TUDO OU NADA ( OU: CARDIOLOGISTAS, GUARDEM SEUS DIPLOMAS: A GENTE JÁ SABE QUAIS SÃO OS MOTIVOS DE TANTA TAQUICARDIA )

O grande "drama" de uma Copa do Mundo é que fatos importantes que marcam numa megacompetição como esta pertencem, em geral, a um gênero especial de acontecimentos: aqueles que jamais poderão se repetir.
O Brasil, como se sabe, já enfrentou a Holanda, a Argentina e a Alemanha em outras Copas, disputadas em "território neutro" ( com exceção da famosa "Batalha de Rosário": Brasil 0 x 0 Argentina, na Copa de 78). É mais do que provável que volte a enfrentar os três em Copas futuras. Neste caso, haverá um replay de duelos já ocorridos.
Mas.....

Jamais o Brasil terá outra chance de ser hexacampeão em casa, nos braços da torcida.
Jamais esta geração de jogadores brasileiros ( e as próximas ) terá
outra chance de levantar a taça no Maracanã.
Jamais Neymar, David Luiz, Tiago Silva, Júlio César & cia terão outra chance de terem seus nomes repetidos pelas futuras gerações.
Por essa razão, o duelo com a Alemanha - penúltimo passo rumo ao sonho de glória no Maracanã - assume contornos tão "épicos" e tão dramáticos.
É como se o destino desse, aos envolvidos, uma única chance: é tudo ou nada, é pegar ou largar, é hoje ou nunca.
Cardiologistas, guardem seus diplomas. Ninguém precisa ter estudado medicina para descobrir que é este o motivo da tanta taquicardia.

Posted by geneton at 11:37 AM

julho 06, 2014

AGORA, SÓ RESTA ESPERAR POR ELA: NOSSA SENHORA DO CHORORÔ, ROGAI POR NÓS

Tensão em grau máximo: o juiz marca um escanteio para o Brasil aos 45 do segundo tempo na decisão da Copa do Mundo de 1950, contra o Uruguai, diante de 200 mil espectadores, no Maracanã. Friaça corre para a bater o escanteio. ( Se estivesse narrando o jogo, Galvão Bueno diria a frase que embala tantas taquicardias de quatro em quatro anos pelo Brasil afora: "Vive um drama a Seleção Brasileira! " ).
"O Brasil todo estava na área: havia gaúchos, cabeças chatas, mineiros, crioulos, vaqueiros, generais, garis, físicos nucleares, batedores de carteira, bisavós, recém-nascidos. Todos esperando aquela bola de Friaça - que vinha pingando do céu" - escreveu um cronista da época, Vicente Marinho, citado no nosso documentário "Dossiê 50: Comício a Favor dos Náufragos".

Friaça bate o escanteio, a bola passa raspando a cabeça de Jair Rosa Pinto, o juiz apita o fim da partida. O Uruguai, como se sabe, ganhou.
Nesta terça - e, se tudo der certo, no próximo domingo - a Seleção Brasileira poderá viver jornadas épicas ( que se diga: se perder, não será nenhum desastre). Não há como ficar indiferente: não existe nada, nada, nada que una tanto os brasileiros. Não é possível que tanta energia e tanta devoção não signifiquem nada. É claro que significam muitíssimo para nosso coração brasileiro, um país que soube transformar uma invenção "estrangeira" - o futebol - numa contribuição brasileira à alegria e à beleza.
A Alemanha é apontada como favorita. Mas, a essa altura do carnaval, resta mandar para o espaço todas as táticas, todos os cálculos, todas as matemáticas, todas os favoritismos. E acender uma vela para Nossa Senhora do Chororô: sim, vai ter gente chorando na hora do hino, na hora do gol, na hora do pênalti, na hora do escanteio. O Brasil é assim - ainda bem!
Em nome dos "gaúchos, cabeças chatas, mineiros, crioulos, vaqueiros, generais, garis, físicos nucleares, batedores de carteira, bisavós e recém-nascidos", Nossa Senhora do Chororô haverá de zelar para que tudo dê certo. De novo, vai estar todo mundo na área, à espera das bolas que, dessa vez, haverão de vir "pingando do céu" direto para o gol.

Posted by geneton at 01:04 PM

julho 05, 2014

QUANTOS MILHÕES DE NOVOS TORCEDORES O BRASIL NÃO GANHOU PARA AS PRÓXIMAS COPAS? SÃO ELAS: AS CRIANÇAS DE 2014

Cada um vai guardar suas lembranças da "Copa das Copas": as melhores ainda estão por vir, se tudo der certo.
Uma nota pessoal: as minhas melhores até agora envolvem os meus dois interlocutores favoritos em matéria de futebol - Francisco ( três anos incompletos ) e João ( quatro ). Ao ver a Seleção já no campo, antes do jogo contra a Colômbia, Francisco achou que tinha perdido a hora do hino na TV. Resultado: "caiu no choro", inconsolável. "Perdi o hino, perdi o hino...". Não tinha perdido - felizmente. Em resumo: a execução do Hino Nacional virou um "evento" até para crianças.

Os dois ganharam de presente dois times de botão. Fizeram questão de levar os times para a cama na hora de dormir. Não queriam ficar longe dos "craques". E adormeceram literalmente segurando os times. A mãe tratou de fotografar a cena. Devem ter sonhado com gols épicos. João e Francisco repetem, como se estivessem falando de amigos da escola, os nomes dos ídolos que acabam de conquistar: Júlio César, David Luiz, Tiago Silva, Neymar...
João e Francisco: quantos milhões de novos torcedores - como eles - não se incorporaram à torcida brasileira nesta Copa?

Posted by geneton at 01:08 PM

PEQUENA DIVAGAÇÃO SOBRE O JORNALISMO: MANCHETE BOA É A QUE FAZ O LEITOR SE ENGASGAR COM TORRADA NO CAFÉ DA MANHÃ - JÁ DIZIA O ESPECIALISTA INGLÊS

O locutor-que-vos-fala pede a palavra para, na condição de leitor, dar uma de "ombudsman" ( aquele sujeito que dá opinião sobre o que os jornais publicam ).
Depois de quarenta e dois anos pastando de uma redação a outra, desconfio de algumas coisas.
Primeira: as edições "em papel" dos jornais brasileiros, na quase totalidade, não estão sabendo, nem de longe, conviver com a avalanche digital de informações.
A primeira página de três grandes jornais brasileiros deste sábado, dia cinco de julho de 2014, bem que poderiam virar matéria de estudo nos cursos de jornalismo.

O que acontecera na véspera? Um fato traumático, acompanhado por milhões, milhões e milhões de espectadores: o principal jogador da Seleção Brasileira tinha ido parar no hospital, depois de ser atingido por um adversário num jogo de Copa do Mundo. Não é exagero dizer que a notícia correu o planeta em questão de minutos.
Noventa e nove vírgula nove por cento dos torcedores já tinham sido informados, minutos depois do encerramento do jogo, de que Neymar estava fora da Copa do Mundo. A notícia foi dada, repetida, debatida, esmiuçada, lamentada e retransmitida "n" vezes por todas as emissoras de rádio e TV, todos os sites, todos os blogs, todas as chamadas "redes sociais". Não se falava em outra coisa.
O leitor corre para a banca na manhã do sábado.
E o que é que as manchetes de primeira página diziam? "Sem tirar nem por", as manchetes repetiam, literal e mecanicamente, o que cem por cento dos brasileiros já estavam cansados de saber.
A manchete da Folha de S. Paulo dizia: "Brasil vai à semifinal, mas Neymar está fora da Copa".
O Globo: "Neymar está fora da Copa".
O Estado de S.Paulo: "Neymar fora da Copa".
Os jornais de papel anunciavam o que qualquer criança de três anos já sabia "de trás para frente": Neymar "fora da Copa", Neymar "fora da Copa", Neymar "fora da Copa".
Grau de surpresa para o leitor: zero vezes zero vezes zero vezes zero elevado ao quadrado.
Pergunta inocente: é este o papel que se espera dos jornais? Custava fazer uma manchete que avançasse um milímetro ou acrescentasse uma mísera informação nova ao que já se sabia?
O demônio-da-guarda sopra ao pé do ouvido do ombudsman amador uma resposta às duas perguntas: não, não, não.
Conclusão óbvia: as manchetes das edições "em papel" parecem ter sido feitas, sob encomenda, não para o leitor que procura um mínimo de informações novas - mas para um marciano recém-desembarcado no planeta terra ou, quem sabe, para algum náufrago que habitasse, solitário, uma ilha remota, fora do alcance de todo e qualquer sinal de civilização. Ou seja: gente total, completa e absolutamente desinformada.
Um espírito-de-porco diria: se este é o público-alvo, bastaria imprimir dois exemplares: um para o marciano e outro para o náufrago.
Tanto neste caso como em outros, nossos jornais se comportaram, olimpicamente, como se ainda estivessem na era pré-digital ( ou, até, na era pré-TV, o que é ainda mais grave....).
Ninguém precisa ser "especialista" em jornalismo para saber que uma manchete que acrescentasse informações novas ao que já tinha sido exaustivamente divulgado por todas as TVs, todos os sites, todos os rádios, todos os blogs, todos os Facebooks e todos os Twitters do planeta seria mais atraente que a mera e mecânica repetição do já sabido.
Uma definição clássica - aliás - diz que fazer jornalismo é dizer a alguém algo que ele não sabia. Ponto. É simples assim.
Palpite de leitor: o que aconteceu neste sábado mostra que nossos jornais estão repetindo, em manchetes, o que todos já sabiam. Se os jornais fossem um paciente, o médico diria, depois de um suspiro dramático na porta da UTI: "É grave o quadro".
Eis um bom exercício para uma turma de jornalismo: "Vocês têm quinze minutos para escrever, sobre o Caso Neymar, uma manchete "informativa" que não repita,sob hipótese alguma, o que já foi noticiado trilhões de vezes. Agora! Já! Corram para seus terminais!".
( daria para fazer uma lista de dez alternativas: "Fifa pode punir jogador que tirou Neymar da Copa"; "Zagueiro que tirou Neymar da Copa diz que lance foi "normal"" etc.etc.etc.).
Um jornalista inglês chamado Peter Batt, figura que virou "lenda" na Fleet Street, dizia que manchete boa é aquela que faz o leitor se engasgar com a torrada no café da manhã.
Não por acaso, a imprensa britânica ( e aí se incluem jornais, rádio e TV) dá de mil a zero na nossa. That´s life.
O "ombudsman" amador dá por encerrada esta pequena investida.
Mas não quer ir embora sem dizer que nosso jornalismo, em geral, não parece interessado em provocar saudáveis engasgos de espanto em quem o consome.
Engasgos ! Engasgos ! Pelo amor de Deus! É o que o leitor, o telespectador e o ouvinte pedem.
Não é muito.
O velho Paulo Francis já dizia: "Nossa imprensa: empolada, previsível, chata. Meu Deus, como é chata!".
Faz dezessete anos que - desgraçadamente - Paulo Francis saiu de cena.
O diagnóstico não envelheceu.

Posted by geneton at 01:07 PM

julho 03, 2014

MANÍACO-DEPRESSIVO

Já se disse que o Brasil é maníaco-depressivo: passa da euforia à depressão ( e vice-versa ) em questão de dias. A Copa virou um exemplo espetacular dessa gangorra.
Um dia antes de a bola começar a rolar, parecia que a Copa seria disputada em Marte. O entusiasmo era próximo de zero. Pior: as previsões pessimistas apontavam para a possibilidade de um desastre nas ruas, nos aeroportos, nas estradas, nos estádios - com repercussões planetárias. Aconteceu o contrário. Deu tudo certo.
Passei agora por Copacabana e Ipanema: bandeiras brasileiras, argentinas, alemães, holandesas, colombianas tremulam na areia. Turistas por todos os lados. Em bancas de revistas, em rodas nas calçadas, na portaria de prédios, brasileiros tentam adivinhar: o time vai melhorar contra a Colômbia? A Copa já fez este pequeno grande favor ao Brasil: conseguiu - de fato - mudar o humor do país, para melhor. A pergunta que desafia otimistas e pessimistas é uma só: até quando?

(Enquanto divago sobre as euforias e depressões brasileiras, eis que, de repente, ao lado do meu velho Fiat Uno, desponta uma procissão de batedores da Polícia Rodoviária Federal. Um carrão conduz alguém obviamente "importante". Não dá para ver quem é. Os batedores bloqueiam todos os cruzamentos, em direção ao Leblon. Uma ambulância acompanha a comitiva. Quem será? Imagino: o Papa Francisco resolveu voltar de surpresa? Só faltava essa! E se ele for, na surdina, benzer os jogadores argentinos? O carro principal para em frente a um restaurante na avenida Bartolomeu Mitre. Os batedores e a ambulância ficam a postos. De longe, distingo a cabeleira rala do personagem principal, no momento em que ele desce do carro: é Joseph Blatter, o presidente da Fifa. Deve ser ele, sim. "O mundo é uma bola" - já dizia aquele belo samba enredo da Beija Flor. Em tempos de Copa, o presidente da Fifa é tratado como se fosse o Papa ).

Posted by geneton at 01:11 PM

junho 29, 2014

CIGANAS, DIGAM LOGO: ONDE E QUANDO VAI SER O PRÓXIMO DRAMA? ( ENQUANTO ELAS NÃO DIZEM, VALE REVER UM FIM DE PRORROGAÇÃO QUE PROVOCOU UMA ONDA DE TAQUICARDIA NO BRASIL - EM 1986...)

Pausa para uma expedição ao Mundo Mágico do vídeo tape:
o jogada mais dramática e mais emocionante que o locutor-que-vos-fala já teve a ventura de testemunhar diante de uma TV aconteceu no fim da prorrogação do jogo Brasil x França na Copa de 86.
Dose de adrenalina em grau máximo: a três minutos do final da prorrogação, o jogador da França dispara sem marcação, rumo ao gol do Brasil, naquilo que os locutores gostam de chamar de "contra-ataque fulminante". O pior é que era verdade: o contra-ataque parecia fulminante, sim! ( nem é preciso dizer que, neste momento, um certo país plantado às margens do Atlântico Sul, "terra adorada entre outras mil", prendeu a respiração ).
O goleiro brasileiro sai da área, desesperado, para tentar deter a corrida do atacante francês. Uma catástrofe brasileira começa a se desenhar: ninguém consegue deter Bellone – que avança, sozinho, para decidir a partida. Ah, a épica solidão do artilheiro na hora fatal! O super-goleiro Carlos voa sobre Bellone. Consegue desequilibrar o candidato a carrasco. Elzo tira a bola da área.
Um segundo depois, contra-ataque do Brasil! A bola chega à pequena área da França, passa a centímetros dos pés de Sócrates - que, exausto sob o sol de Guadalajara, desaba no gramado. Não é exagero: centímetros!
A partida vai para os pênaltis. A França segue adiante, na Copa.
A lembrança destes dois lances "dramáticos" resiste até hoje - vinte e oito anos depois. Dois contra-ataques que pareciam fatais, nos instantes finais de uma prorrogação, num jogo mata-mata de Copa do Mundo - tudo o que o futebol pode ter de drama e emoção.
A Copa de 2014 já produziu cenas que, certamente, vão ser lembradas daqui a vinte e oito anos ( o sufoco do Brasil contra o Chile Mineirão já entrou na lista ).

Quais serão as próximas?
Ciganas, digam logo: onde e quando acontecerá o próximo drama?
O que é que as cartas estão sussurrando?
Aqui, em 01:59:20, os dois lances emocionantes do final da prorrogação de Brasil x França:

Posted by geneton at 11:37 AM

junho 28, 2014

SESSÃO BESTEIROL

Depois de tanto, tanto sofrimento, uma pausa para a Sessão Besteirol. Das dez mil piadas que se fazem depois de cada jogo da Copa, duas foram especialmente boas:
1. Ficam reclamando que as obras de mobilidade urbana não ficaram prontas. Injustiça ! E a Avenida Daniel Alves? Não conta? Começou em São Paulo, foi até Fortaleza, passou por Brasília e chegou a Minas. Agora, volta para Fortaleza - uma maravilha!
2. Fred deve ter um amigaço na Fifa: conseguiu ingressos para ver todos os jogos do Brasil dentro de campo! Quero um também!

Posted by geneton at 01:24 PM

TEORIA GERAL DO CHORORÔ BRASILEIRO

Atenção, sociólogos, antropólogos e psicólogos de plantão: que tal alguém produzir uma Teoria Geral do Chororô Brasileiro? Já é hora.
O capitão da seleção brasileira de setenta, Carlos Alberto Torres, fez um comentário interessante no programa "É Campeão" - que estreou esta noite, no Sportv. Disse que jamais tinha visto tantos jogadores chorarem antes e, até, durante os jogos - como acontece com os brasileiros. "É uma coisa inédita". O programa - bela ideia - reúne quatro capitães de seleções campeãs do mundo: além de Carlos Alberto,o argentino Daniel Passarella, o alemão Lothas Mattaus e o italiano Fabio Cannavaro, sob o comando de André Rizek. A pergunta foi feita aos três estrangeiros: alguém já tinha visto algo assim? Resposta unânime: não.

O transbordamento de lágrimas em momentos improváveis - pelo visto - parece ser um traço brasileiro.
Júlio César, o herói da vitória sobre o Chile, chorou antes da cobrança dos pênaltis - algo jamais visto. Em outros momentos, as câmeras mostraram Tiago Silva chorando. Neymar literalmente desabou, aos prantos, com o rosto colado na grama. David Luís também derramou lágrimas "aos borbotões", como diria Nélson Rodrigues. E quem não se lembra daquela imagem do capitão da seleção, Tiago Silva, com os olhos cheios de lágrimas enquanto aguardava o momento de entrar em campo na estreia do Brasil na Copa? Ninguém precisa nem falar do chororô na hora do hino.
Dizer que o brasileiro chora porque é "emotivo" é pouco. Deve haver outras razões - mais profundas.
Uma coisa é certa: a irresistível vocação brasileira para o chororô não é um defeito do caráter nacional. Pelo contrário! As lágrimas - como estas, derramadas quando os nervos ficam "à flor da pele", numa disputa esportiva que mobiliza todo o planeta - podem ser belos sinais de devoção, entrega, envolvimento. Por que não? É melhor cultuar estes sinais de arrebatamento do que tentar copiar a "frieza" maquinal de outros povos.
Tanto chororô pode ter razões históricas: quem sabe, não é uma herança lusitana?
Uma vez, numa entrevista com o grande historiador Evaldo Cabral de Melo, ele chamou a atenção para um detalhe interessante: disse que quem quiser conhecer um pouco do caráter brasileiro deve observar com atenção os portões de embarque e desembarque dos nossos aeroportos.
Lá, as manifestações derramadas de afeto, as efusões, as lágrimas, os abraços, os beijos, o chororô – tudo funcionará como um retrato fiel do que o historiador, em tom crítico, chama de “pieguice luso-brasileira”.
Um pequeno trecho da entrevista:
Quais são os sintomas dessa pieguice luso-brasileira?
Evaldo Cabral de Mello – “Vou citar apenas dois exemplos – que me parecem engraçados. Primeiro : a quantidade de pessoas que, no Brasil, se deslocam aos aeroportos para levar parentes e amigos. Se você pensar bem, cada pessoa que pega um avião no Brasil é levada por outras cinco ao aeroporto…Ou vão cinco receber cada pessoa que chega. Em relação a Portugal, me lembro do caso que me contou o pintor Cícero Dias. Morador em Lisboa durante a Segunda Guerra Mundial, ele se divertia muito ao ver os barcos que faziam a ligação entre o Terreiro do Paço e Cacílias. É como a barca Rio-Niterói. A distância é até menor que do que a do Rio a Niterói. Cícero ficava sentado, às gargalhadas, vendo o número de pessoas que, aos prantos, se despediam de parentes que iam atravessar o rio…”.
( Aliás: o que é que os documentaristas estão esperando ? Por que não apontam suas câmeras durante doze horas seguidas para os portões de embarque e desembarque de algum aeroporto movimentado ? Ao término da gravação, terão em mãos, com certeza, material suficiente para compor um retrato fiel do temperamento brasileiro ).
Os portões de embarque e desembarque dos aeroportos não seriam os únicos territórios a serem pesquisados: nossos estádios não ficam atrás!
O choro dos jogadores brasileiros nos momentos mais improváveis
nesta Copa de 2014 certamente serviria como belo material de estudo para algum aventureiro que queira produzir uma Teoria Geral do Chororô Brasileiro.
Os estrangeiros, com uma ou outra exceção, se surpreendem com tanta lágrima.
Ainda bem.

Posted by geneton at 01:16 PM

junho 27, 2014

PEQUENO COMÍCIO A FAVOR DE EDUARDO "PENINHA" BUENO ( E CONTRA, TAMBÉM )

O locutor-que-vos-fala sobe no banquinho por trinta segundos, para dar um pitaco no grande comício das chamadas "redes sociais" - em que todos falam e alguns ouvem.
Tenho visto o programa Extraordinários ( Sportv, horário variável, em torno das 21:30 ). Em três palavras: bola na rede!
Eduardo Bueno - "Peninha, para os íntimos", como ele diz - foi simbolicamente "apedrejado" no Twittter e no Facebook por ter chamado o Nordeste de "bosta" no programa. A patrulha politicamente correta entrou em ação. Sinal dos tempos: vai chegar o dia em que ninguém poderá fazer uma brincadeira, ninguém poderá ser irônico, ninguém poderá fazer o papel de provocador.
Considero-me cem por cento insuspeito para "defender" Eduardo Bueno, já que sou nordestino até a medula - na certidão de nascimento, na formação e por escolha. Além de tudo, ele não precisa de defesa.
De qualquer maneira: Eduardo "Peninha" Bueno é uma figura - no bom sentido da palavra. Conheci, faz alguns anos, numa redação: hiperbólico, enciclopédico, "televisivo". Chamá-lo de "preconceituoso" é "trocar os pés pelas mãos", é "misturar alhos com bugalhos": não há lugar-comum que chegue para descrever o tamanho do equívoco. Fica, aqui, consignada minha solidariedade pernambucana.

Um senão: Eduardo Bueno vocifera contra as redes sociais. Disse que o fundador do Facebook é "um babaca". Pode ser. Mas vociferar contra as "redes sociais" é um equívoco monumental! Há lixo nas redes? Há, claro, em quantidades industriais. Mas as estradas que elas abrem para a troca de informações e de conhecimento são estupendas! Nunca existiu algo assim.
O fato de alguém - "babaca" ou não - ter criado uma "rede social" capaz de manter conectada uma grande parte da população do planeta é extraordinário. É algo inédito na história. Não é exagero: trata-se de um fenômeno de dimensões planetárias.
Hoje, como se sabe, qualquer um pode "produzir conteúdo" nas redes sociais. O locutor-que-vos-fala declara solenemente o seguinte: a explosão de informações produzida pelas "redes sociais" é mais saudável do que a cena anterior: um bando de maníacos ( e aí me incluo ) trancados nas redações do planeta pontificando sobre o que é que o público deveria ler, ver e ouvir. Deus do céu...A cena ficou ligeiramente ridícula. Um terremoto de dimensões bíblicas abalou este cenário - ainda bem! Os jornalistas deixaram de ser os únicos intermediários entre a informação, a opinião e o distinto público. Que seja assim - para sempre.
Reconheço que há um dado relativamente "assustador": pouca gente se lembra de que o Facebook, por exemplo, é uma empresa privada multibilionária. Amanhã, se os donos desta joça amanhecerem de mau humor, podem fechar o barraco. Podem, sim. Em última instância, este oceano de textos e imagens pode ir para o lixo ou ter destino incerto e não sabido. Mas....e daí? Em uma semana, outra "rede social" arrebanhará milhões de seguidores.
Discordo da posição de "velhos jornalistas" que se recusam a escrever no Facebook, porque acham que, assim, estariam trabalhando de graça para um patrão invisível. É uma atitude olimpicamente pretensiosa e vaidosa. Não me julgo tão importante a ponto de querer receber dinheiro do Facebook para escrever minhas bobagens. Estão equivocados, também, os que desqualificam as "redes sociais" por achá-las um antro de debilóides, frustrados, covardes. É uma visão tristemente conservadora e equivocadamente apocalíptica.
Por que Eduardo Bueno ( ou qualquer outro ) não poderia ter uma bela página no Facebook, para dar opiniões, veicular informações, falar dos seus livros etc.etc.? Qual seria o problema? É lamentável que o próprio Eduardo Bueno seja o primeiro a excluir Eduardo Bueno dessa balbúrdia virtual.
Não sou praticante fanático da Igreja Universal do Facebook nem passo o dia acendendo vela para Nossa Senhora do Twitter. Frequento as duas redes moderadamente - mas já recolhi coisas úteis nas duas, já encontrei informações que procurava, já descobri textos e imagens fantásticos.
Termina aqui o comício duplo: a favor de Eduardo Peninha Bueno no caso da "polêmica" sobre nordestinos e contra Eduardo Peninha Bueno no caso da repulsa às redes sociais.
Recolho meu banquinho, apago a luz do circo mambembe onde costumo me apresentar, digo boa noite ao único espectador do comício - que, a essa altura, já dormia profundamente - e vou me embora. É hora de começar a concentração para o próximo jogo do Brasil na Copa.

Posted by geneton at 01:25 PM

junho 24, 2014

PC: "NÃO QUERO SER CAMPEÃO DE EFICIÊNCIA, QUERO SER CAMPEÃO DE VERDADE. QUERO UM TIME EMPOLGANTE, QUERO UMA ESCOLA DE FUTEBOL"

E óbvio que a gente torce desesperadamente pelo sucesso da Seleção Brasileira. É um tema para sociólogos e antropólogos: não existe nada - nem remotamente - que una tanto os brasileiros em torno de um sentimento comum. Acorda, Gilberto Freyre: vem explicar esta devoção!
Mas...em meio ao ôba-ôba, comum a cada vitória, é bom ouvir a voz dos "dissidentes" - como o ex-craque da seleção Paulo César Caju. Em texto publicado no site do Globo depois da vitória do Brasil contra a Croácia, PC faz uma boa "declaração de princípios" a favor da beleza do futebol:
" O Brasil pode ser campeão e meu ponto de vista não mudará. Não quero ser campeão de eficiência, quero ser campeão de verdade, quero um time empolgante, quero uma escola de futebol, quero inovações táticas, quero novos talentos, quero molecagem. Chega de mesmice, de futebol medroso, retranqueiro".
Aqui, o texto completo:
http://oglobo.globo.com/blogs/blog-do-caju/
Hoje, percorri o caderno de esportes do Globo à procura da palavra de Paulo César Caju - desde sempre, "disposto a desafinar o coro dos contentes". Nada. Cadê o homem? Teria de ter uma coluna diária na Copa!

Posted by geneton at 01:26 PM

PC: "NÃO QUERO SER CAMPEÃO DE EFICIÊNCIA, QUERO SER CAMPEÃO DE VERDADE. QUERO UM TIME EMPOLGANTE, QUERO UMA ESCOLA DE FUTEBOL"

E óbvio que a gente torce desesperadamente pelo sucesso da Seleção Brasileira. É um tema para sociólogos e antropólogos: não existe nada - nem remotamente - que una tanto os brasileiros em torno de um sentimento comum. Acorda, Gilberto Freyre: vem explicar esta devoção!
Mas...em meio ao ôba-ôba, comum a cada vitória, é bom ouvir a voz dos "dissidentes" - como o ex-craque da seleção Paulo César Caju. Em texto publicado no site do Globo depois da vitória do Brasil contra a Croácia, PC faz uma boa "declaração de princípios" a favor da beleza do futebol:
" O Brasil pode ser campeão e meu ponto de vista não mudará. Não quero ser campeão de eficiência, quero ser campeão de verdade, quero um time empolgante, quero uma escola de futebol, quero inovações táticas, quero novos talentos, quero molecagem. Chega de mesmice, de futebol medroso, retranqueiro".
Aqui, o texto completo:
http://oglobo.globo.com/blogs/blog-do-caju/
Hoje, percorri o caderno de esportes do Globo à procura da palavra de Paulo César Caju - desde sempre, "disposto a desafinar o coro dos contentes". Nada. Cadê o homem? Teria de ter uma coluna diária na Copa!

Posted by geneton at 01:26 PM

junho 23, 2014

O QUE É QUE EU ESTOU FAZENDO EM CHICAGO?

Uma vez, numa entrevista, ouvi a escritora Lygia Fagundes Telles dizer que, numa visita ao Brasil, o grande escritor William Faulkner, bêbado, foi até a janela, olhou a paisagem de São Paulo e perguntou, espantado: "O que é que eu estou fazendo em Chicago?".
Um pitaco de natureza estética: uma das paisagens mais bonitas do Recife é aquela vista por quem atravessa a ponte do Pina. Lá do outro lado, o cais José Estelita. Se for erguida uma fileira de arranha-céus ali, quem olhar para o cais vai ter a tentação de repetir a pergunta de Faulkner.
Vale a pena ficar parecendo com Chicago? O fantasma de William Faulkner, sóbrio, responderia: "Não!".

Posted by geneton at 11:37 AM

junho 22, 2014

E UMA GRAVE QUESTÃO SE DESENHA NO HORIZONTE

Ninguém espalhe - mas uma grave questão existencial e filosófica terá de ser encarada em breve por nós, os nativos deste gigante plantado às margens do Atlântico Sul. A grande questão é: o que será da vida depois da Copa? Como enfrentar o tempo sem esses jogaços, esses gols, esses dramas, essas apoteoses? Quando é que trarão outra Copa para o Brasil? Dizei, ó esfinges mudas! Dizei, ó guardiões dos segredos! Dizei, ó paredes dos estádios! Dizei, ó musas das multidões em transe!

Posted by geneton at 01:28 PM

E UMA GRAVE QUESTÃO SE DESENHA NO HORIZONTE

Ninguém espalhe - mas uma grave questão existencial e filosófica terá de ser encarada em breve por nós, os nativos deste gigante plantado às margens do Atlântico Sul. A grande questão é: o que será da vida depois da Copa? Como enfrentar o tempo sem esses jogaços, esses gols, esses dramas, essas apoteoses? Quando é que trarão outra Copa para o Brasil? Dizei, ó esfinges mudas! Dizei, ó guardiões dos segredos! Dizei, ó paredes dos estádios! Dizei, ó musas das multidões em transe!

Posted by geneton at 11:44 AM

junho 21, 2014

ACORDA, FELLINI ! ELES ENLOUQUECERAM ( OU: VALE A PENA VER "QUE ESTRANHO CHAMAR-SE FEDERICO" ANTES QUE O FILME SAIA DE CARTAZ )

E, pra não dizer que só se fala de Copa: um belo e comovente filme entrou em cartaz discretamente: "Que Estranho Chamar-se Federico: Scola Conta Fellini".
Aos oitenta e três anos, o grande diretor italiano Ettore Scola encena as lembranças da convivência, na juventude, com um amigo chamado.....Federico Fellini. Não é exatamente um documentário, não é uma cinebiografia: é cinema italiano dos bons. Em uma palavra: imperdível.
Mas.....sinal dos tempos: o filme entrou em cartaz, no Rio, em apenas duas salas ( no Laura Alvim e no Espaço Itaú ) e em pouquíssimos horários. É incrível.
O fato de um filme de um diretor como Ettore Scola
sobre um gênio como Federico Fellini ocupar um espaço modestíssimo no chamado "circuito de exibição" diz alguma coisa sobre a mediocridade generalizada que assola o planeta. Ah, diz, sim - com toda certeza.
Quando os tanques soviéticos invadiram a Thecoslováquia para acabar com a Primavera de Praga, um jovem ingênuo pichou num muro: "Acorda, Lênin ! Eles enlouqueceram ".
É hora de pichar em nossos muros imaginários: "Acorda, Federico Fellini! Eles enlouqueceram".
O planeta virou um imenso shopping center.
Que estranho saber que um filme como este só "merece" poucas exibições por dia, para um punhado de gatos pingados.

Posted by geneton at 01:28 PM

junho 20, 2014

ESTATÍSTICA OFICIAL

Estatística oficial: o número de especialistas, torcedores e palpiteiros que previram a classificação antecipada da Costa Rica no chamado "grupo da morte" é igual a zero. Nem mais, nem menos: zero.
O Dr. Imponderável da Silva entrou em campo, pela enésima vez. É melhor assim. Porque ele é que garante a graça - e o drama - do futebol, especialmente em tempos de Copa do Mundo.

Posted by geneton at 01:30 PM

junho 19, 2014

"FAÇA AQUILO QUE SÓ VOCÊ PODE FAZER. COMETA INTERESSANTES, IMPRESSIONANTES, GLORIOSOS, FANTÁSTICOS ERROS" ( OU: O DIA EM QUE O DISCURSO DE NEIL GAIMAN FEZ LEMBRAR EDUARDO COUTINHO )

O que é que o documentarista brasileiro Eduardo Coutinho poderia ter em comum com Neil Gaiman - o escritor e quadrinista inglês?
Acaba de ser lançado no Brasil, em livro, o texto do discurso que Gaiman fez para os estudantes da University of Arts, na Filadélfia. As palavras de Gaiman fazem sucesso entre a rapaziada. O livro chama-se "Erros Fantásticos: O discurso "Faça Boa Arte" - de Neil Gaiman".
Há uma ou outra "platitude", mas, em resumo, ele diz:
"Eu observava meus colegas, amigos e pessoas mais velhas e via quanto alguns eram infelizes: escutava quando me diziam que não conseguiam mais enxergar um cenário em que fariam o que sempre quiseram, porque àquela altura precisavam ganhar todo mês certa quantidade de dinheiro só para se manterem na posição em que estavam".

"Não podiam fazer o que importava, o que realmente queriam. Isso me pareceu tão trágico quanto qualquer problema no fracasso. Além disso, o maior problema do sucesso é que o mundo conspira para que você pare de fazer o que faz, só porque é bem-sucedido".
"Um dia, ergui os olhos e me dei conta de que tinha me tornado alguém cuja profissão era responder e-mails e, nas horas vagas, escrevia. Passei a responder menos mensagens e descobri, aliviado, que estava escrevendo muito mais ( ...)"
"A vida às vezes é dura. As coisas dão errado, na vida e no amor e nos negócios e nas amizades e na saúde e em todos os outros aspectos que podem dar errado. Quando as coisas ficarem complicadas, é assim que você deve agir: faça boa arte. É sério
(...). Faça o que só você faz de melhor (...) Faça aquilo que só você pode fazer".
"O impulso, no começo, é copiar. Isso não é ruim. Muitos de nós só encontraram a própria voz depois de soar como várias pessoas. Mas a única coisa que só você e mais ninguém tem é você. Sua voz, sua mente, sua história, sua visão (....)"
"Meus projetos que melhor funcionaram melhor foram aqueles dos quais eu estava menos certo(...). Mas qual deve ser a graça de fazer o que você sabe que vai dar certo ? E, algumas vezes, o que eu fiz não deu nada certo. Aprendi com elas tanto quanto com as que funcionaram( ...) Cometam interessantes, impressionantes, gloriosos, fantásticos erros. Quebrem regras. Deixem o mundo mais interessante por estarem nele".
Como disse, ao longo do discurso há uma ou outra declaração de princípios que pode lembrar aquelas lastimáveis performances de animadores de funcionários de corporações - mas, na essência, Neil Gaiman toca no que interessa: "Faça aquilo que só você pode fazer".
O importante é apostar no incerto, cometer erros "gloriosos".
Thank you, mr. Gaiman.
Eu me lembrei da pregação de Gaiman ao ver um documentário recém-lançado, em que o personagem principal é o documentarista Eduardo Coutinho.
Título: "Coutinho - sete de outubro", em cartaz em regime de pré-estréia no Instituto Moreira Salles, no Rio. Ao contrário do que fazia habitualmente, dessa vez o cineasta Eduardo Coutinho fica diante da câmera para dar uma entrevista, conduzida pelo realizador do documentário, Carlos Nader. É como se Coutinho se transformasse em personagem de Coutinho. Bola na rede.
( O depoimento foi gravado quatro meses antes da morte de Coutinho - uma daquelas tragédias que nos deixam mudos ).
Lá pelas tantas, Coutinho fala sobre o "prazer indizível" que é fazer um determinado filme num determinado momento num determinado lugar. É como se dissesse que a aventura do cinema
precisa - necessariamente - ser pessoal e intransferível. Só assim vale a pena. Não pode ser delegada a outros. Porque outro realizador faria de outra maneira. A regra vale, claro, para documentários - o território que Coutinho elegeu para transitar.
O ( belo ) depoimento de Coutinho aponta para um caminho: o ato de fazer um filme deve ser revestido de uma devoção quase religiosa. Fazer ou não fazer passa a ser, nos delírios do realizador, uma questão de vida ou morte ( a atitude aplica-se não apenas a filmes, claro, mas a qualquer "aventura" do tipo ).
Em resumo: "Faça aquilo que só você pode fazer".
Somente Eduardo Coutinho poderia fazer os documentários de Eduardo Coutinho. Não é, óbvio, o único caso de cineasta com marca pessoal, mas o que ele diz, na entrevista, marca uma posição, um tardio mas bem sucedido "projeto de vida".
É óbvio que noventa e nove vírgula noventa e nove por cento dos terráqueos permanecerão absolutamente indiferentes ao fato de que um filme "x" sairá ou não do papel, mas o realizador precisa criar a ilusão de que aquele filme é indispensável, é indispensabilíssimo - nem que seja para ele mesmo. Pouco importa - aliás - que o resultado seja eventualmente precário ou aparentemente banal. Não é este o "ponto". É o que Coutinho diz, com outras palavras,no depoimento.
A situação pode soar surrealista mas é assim: um personagem anônimo - como os que povoam os filmes de Coutinho - poderia, claro, ser filmado "n" vezes. Não haveria qualquer dificuldade. As situações eram, em tese, perfeitamente "repetíveis" - mas, como princípio, Coutinho se convencia de que tudo teria de acontecer , necessariamente, ali, naqueles trinta, quarenta ou sessenta minutos diante do entrevistado: o desnudamento, as revelações, a confissão. É uma sensação que, a rigor, move todos os entrevistadores. Coutinho cumpria este mandamento ao pé da letra, diante de personagens anônimos que ia encontrando em apartamentos de Copacabana, morros da zona sul, casebres no sertão. Diz, no documentário, que evitava ouvir figuras públicas ou gente que ele próprio conhecia. Não ia dar certo.
As palavras de Coutinho no documentário soam fortes: resumem a necessidade de quimeras pessoais numa época dominada pela uniformidade mediocrizante.
Já estou soando como crítico de cinema. Não sou. E foi bonito ver a plateia aplaudindo Coutinho no fim do filme.
Palmas para ele. É uma grande lástima que uma carreira que, como ele dizia, começou tarde tenha sido violentamente interrompida. "A morte é uma piada. A vida é uma tragédia. Mas, dentro de nós, mesmo no maior desespero, há uma força que clama por coisas melhores", já dizia Paulo Francis.
Em última instância, "clamar por coisas melhores" é o que faz quem, como Coutinho, apostava numa aventura pessoal. Já é tarefa para uma vida.

Posted by geneton at 02:10 PM

CHICO BUARQUE DE HOLANDA, SOBRE O QUE ACONTECE NA HORA DA CRIAÇÃO COM UM JOGADOR DE FUTEBOL OU UM COMPOSITOR POPULAR: "É COMO SE O CORPO RECEBESSE UMA LUZ REPENTINA INEXPLICÁVEL" ( DE RESTO, É "A ALEGRIA BATENDO NO PEITO / O RADINHO CONTANDO DIREITO A VIT

Chico Buarque de Holanda já foi um daqueles meninos que vão ver os jogadores de futebol - ídolos absolutos - descendo do ônibus na porta dos vestiários. Já se apresentou ao Juventus para treinar, porque sonhava em brilhar nos estádios. Já foi a um jogo de Copa do Mundo no Brasil - quando era criança, levado pela mãe. Já dirigiu um carro para Garrincha, pelas ruas de Roma. Já viu o general Médici, a poucos metros de distância, no Maracanã. Já inventou uma mentira cabeluda: em viagens pela África dizia, nos hotéis, que tinha sido reserva de Sócrates na grande Seleção Brasileira de 1982, à espera de que algum incauto lhe olhasse com sincera admiração futebolística. O plano falhou. Ninguém caiu na lorota.
Como se sabe, Chico Buarque completa, hoje, setenta anos de idade. Como era de esperar, fugiu de badalações. ( Vou cometer um pequeno sacrilégio jornalístico: quando faço o trabalho de repórter, vivo caçando declarações, é claro - mas admiro a atitude de artistas que optam pelo "recolhimento" ).
Retiro de meus arquivos não tão implacáveis os trechos de uma entrevista em que o locutor-que-vos-fala fez a ele um punhado de perguntas sobre uma das atividades preferidas do cidadão Francisco Buarque de Holanda. Não, não é a música: é o futebol - logicamente.

GMN : Você diz que o futebol tem momentos de improviso e genialidade que nenhum artista consegue repetir.Mas em alguma de duas músicas você teve o sentimento de improviso que você só encontra no futebol ?
Chico Buarque : “É possível encontrar algo semelhante ao futebol no jazz, na música instrumental. Alguma coisa pode acontecer enquanto você toca. Mas não sou improvisador. De qualquer forma, há no ato da criação momentos em que você parece iluminado. São jogadas que acontecem sem que você tenha pressentido. De repente, vem uma ideia. Você se pergunta : de onde veio ? É o que acontece com o futebol : é como se o corpo recebesse uma luz repentina inexplicável”.

GMN : Que música ou que verso despertou em você,na hora em que estava compondo, a emoção que você sente diante de um drible ?
Chico Buarque : “Você vai trabalhando, trabalhando, trabalhando em cada música,até que há um “clique” : aparece um verso ou algo na melodia que faz você pensar “isso é novo”, “não fui eu que fiz” . É como se fosse algo que viesse de fora”.
GMN : Quando estava exilado na Itália,você teve contato com Garrincha. É uma página pouco conhecida da biografia de Chico Buarque. Vocês conversaram sobre futebol ou sobre música ?
Chico Buarque : “É óbvio que eu falava sobre futebol – e ele falava de música....Acontece também com Pelé – que adora música. Mas Garrincha era muito musical. Tive um contato maior com ele em Roma. A gente acaba mesmo falando mais de música do que de futebol. Garrincha conhecia música muito mais do que eu imaginava antes. Gostava de João Gilberto. Eu imaginava que Garrincha gostasse de uma música mais simplória, mais ingênua, talvez - mas não ! Garrincha gostava da sofisticação de um João Gilberto”.
GMN :Que tipo de comentário ele fazia sobre João Gilberto ?
Chico Buarque : “Garrincha comentava gravações, se referia a detalhes, lembrava de como João Gilberto cantava uma determinada música. Para me mostrar,Garrincha cantarolava – não muito bem – mas mostrava que tinha a lembrança das músicas de João Gilberto. Referia-se à maneira como João Gilberto cantava as músicas. João é um inventor. Não é um compositor. Talvez seja mais do que compositor, porque inventa a partir de uma música alheia. E Garrincha falava exatamente disso : a maneira como João Gilberto cantava - talvez uma cantiga mais conhecida que ele tivesse reinterpretado,como “Os Pés das Cruz”. Garrincha salientava a maneira como João Gilberto reinventava um samba”.
GMN : É verdade que você dirigia automóvel para Garrincha na Itália ?
Chico Buarque : “Eu era o chofer de Garrincha. Ele jogava umas peladas – algumas remuneradas – na periferia de Roma. Ganhava um cachê. Eu é que levava Garrincha, no meu Fiat. Era impressionante. As pessoas paravam na rua. Garrincha era muito popular. Isso aconteceu entre 1969 e 1970. Garrincha já tinha parado de jogar há algum tempo. Oito anos já tinham se passado desde a Copa de 1962 - mas ele ainda era muito conhecido na Itália”.
GMN : “Se você pudesse escolher entre ser um grande nome da Música Popular Brasileira e um grande craque da seleção, qual das duas profissões você escolheria ?
Chico Buarque : “Nunca escolhi sem músico. Quando eu pude – e quis escolher – aos quatorze, quinze anos de idade, eu quis ser jogador de futebol mesmo. Eu achava que poderia ser um bom jogador. Era uma ilusão. Mas eu tinha essa ilusão, na época, com bastante segurança. Tornei-me músico um pouco por acaso.
Devo dizer que o sonho de ser um craque
permaneceu na minha cabeça. Ainda hoje acredito que seja”.
GMN : Você chegou a tentar ser um jogador de futebol profissional ?
Chico Buarque : “Eu, que jogava tanto, um dia fui ao Juventus, na rua Javari, em São Paulo, para fazer um teste. Mas eram milhões de candidatos fazendo o teste....Comecei a perceber que ia não dar para mim. Depois de esperar, esperar e esperar, fui embora. Não cheguei nem a ser chamado para fazer o teste, porque acharam que eu não tinha físico para ser jogador”.
GMN : Mas por que você escolheu logo o Juventus para fazer um teste – e não um time grande,como o Palmeiras,o Corinthians ou o São Paulo ?
Chico Buarque : “Porque eu achava que, num time mais fraco, eu teria uma vaga na certa....(ri)”.
GMN : “Você,como especialista em futebol, jogador amador, técnico de um time de futebol de botão chamado Politheama, poderia escalar a seleção brasileira de todos os tempos de Chico Buarque de Holanda ? Qual é o grande time ?
Chico Buarque : “É impossível. A brincadeira de escalar times de diversas épocas é apenas uma brincadeira. Porque você não pode comparar o futebol que se joga hoje com o futebol que se jogava há dez anos. Imagine vinte anos ! A comparação é falsa. Não se imagina o que seria Garrincha hoje nem se imagina o que seria Romário há vinte anos. É uma comparação absurda”.
GMN : Você tem no futebol ídolos que não são tão populares quanto Pelé e Garrincha,como Canhoteiro, por exemplo....
Chico Buarque : “Canhoteiro, Pagão. Fiz uma música chamada “O Futebol” dedicada a uma linha utópica – Mané Garrincha, Didi, Pagão, Pelé e Canhoteiro. Temos nossos ídolos particulares, aqueles que a gente pensa que são só nossos, porque ninguém conhece. Pelé e Garrincha todo mundo da minha idade viu jogar. Quando eu morava em São Paulo, via jogadores como Canhoteiro e Pagão. Não havia televisão em rede nacional. O pessoal do Rio, então, não conhecia esses jogadores. Quando falo de Canhoteiro e Pagão, nem sempre conhecem, aqui no Rio. Outros ídolos aqui do Rio nem sempre eram conhecidos em São Paulo. Quando eu voltava para casa em São Paulo, depois de passar férias no Rio, por volta de 1955, antes da Copa, portanto, eu falava de Garrincha – e ninguém sabia quem era”.
GMN : Quando criança – ou adolescente- você era daquele tipo de torcedor que vai ver o jogador descendo do ônibus na porta da concentração ?
Chico Buarque : “Eu fazia isso tudo, porque morava perto do estádio do Pacaembu. Eu me lembro de ter visto a seleção de 1958 concentrada. Fui lá peruar, ficar com cara de bobo olhando para as “figurinhas”. Porque eu conhecia os jogadores dos álbuns de figurinhas- muito pouco de televisão.Não tinha televisão em casa. A gente não via futebol pela TV : ia ver no estádio. Eu via os jogadores de longe, durante os jogos. Ver de perto um jogador era um acontecimento”.
GMN : De qual dos jogadores que você viu de perto você guardou a lembrança mais forte ?
Chico Buarque : “De Almir,o Pernambuquinho – que ficou olhando para mim depois que entrou no ônibus. Eu estava ali de boca aberta, com cara de babaca, olhando os jogadores. Almir, então,começou a caçoar de mim. Depois de ter sido chamado na primeira convocação, num grupo de quarenta e quatro jogadores, Almir terminou nem indo para a Copa da Suécia”.
GMN : Você,ainda criança, viu a famosa seleção brasileira de 1950 jogar em São Paulo contra a Suécia,nas vésperas da grande derrota contra o Uruguai,no Maracanã. A derrota de 1950 deixou algum trauma em você ?
Chico Buarque : “Trauma não posso dizer que tenha deixado,porque eu tinha seis anos de idade. Mas me deixou assustado, porque ouvi o jogo pelo rádio. O Maracanã, ”o maior estádio do mundo”, era um sonho na minha cabeça. Eu me lembro exatamente de que o locutor, chamado Pedro Luís, disse assim quando o Brasil fez um a zero contra o Uruguai : “Gol de Friaça ! Quase que vem abaixo o Maracanã !”. Eu pensei que o estádio viesse abaixo mesmo ! Pensei que o estádio estivesse caindo, com duzentas mil pessoas. Não prestei atenção ao jogo. Fiquei pensando no Maracanã tremendo com aquelas pessoas todas ali dentro”.
GMN : Quem levou você ao estádio ,em São Paulo, para ver o jogo do Brasil contra a Suíça pela Copa de 50 ?
Chico Buarque : “Quem levou foi minha mãe, porque meu pai não gostava muito de futebol”.
GMN : O futebol tem uma presença enorme na vida do brasileiro, mas aparece pouco como tema de músicas. É desproporcional a relação entre a importância do futebol e a quantidade de músicas que tratam do tema. Por quê?
Chico Buarque : ”Não sei. O futebol é próximo da vida do brasileiro, assim como os jogadores sempre foram muito próximos dos músicos. Jogador de futebol tem mania de batucar, canta na concentração. Isso não é de hoje, existia já nos anos cinqüenta. Hoje,o pessoal de pagode se encontra com o pessoal da seleção para gravar”.
GMN : Se a gente for contar as músicas suas que tratam de futebol, vai ver que são poucas. Qual é a dificuldade em tratar de futebol ?
Chico Buarque : “Não é só música. Há pouca literatura tratando de futebol, há pouco cinema. Dá para entender por que há pouco futebol no cinema : é difícil reproduzir com imagens o que já é tão forte na vida real. Teoricamente, traduzir o futebol em palavras ou em música seria fácil do que em cinema. Prometo fazer mais umas duas ou três”.
GMN : Você jogaria pelo Fluminense hoje ?
Chico Buarque : “Claro que jogaria ! Tenho vaga naquele time”.
GMN : Quando joga futebol, que posição você ocupa ?
Chico Buarque : “Jogo em todas. Mas sou mais de preparar o gol. Sou um centro-avante recuado”.
GMN : Por que é que você se apresentava como jogador da seleção brasileira numa viagem que você fez ao Marrocos ? Alguém desconfiou da mentira ?
Chico Buarque : “Quando você diz que é brasileiro no exterior,o pessoal começa a falar de futebol. É uma maneira de ganhar ponto com eles. Numa conversa com motorista de táxi, por exemplo, o assunto futebol logo aparece se você diz que é brasileiro. Então, eu assumia a identidade de jogador de futebol até que um estrangeiro disse : “Ex-jogador,não é ? “....Eu disse que tinha sido convocado para a seleção de 82 : tinha sido reserva de Sócrates”.
GMN : O pessoal acreditava ?
Chico Buarque : “Não !” (rindo)
GMN : Você quebrou o perônio e rompeu os ligamentos jogando futebol. Disse,então,que não estava conseguindo compor porque não sabe fazer música parado. Você só compõe andando ?
Chico Buarque : “Não apenas compor – eu também só sei pensar andando. Se você ficar parado, não consegue pensar. Andar eu recomendo para tudo. Se você tem qualquer problema, dê uma caminhada - porque ajuda,inclusive a ter ideias. Se a música ficou emperrada ou se a ideia para um livro não vem ,a melhor coisa a fazer é dar uma bela caminhada. Fiquei três meses preso na cama. Eu não conseguia ter ideias. Só sonhava que andava. Foram três meses perdido pela imobilidade”.
GMN : Você então associa o ato de andar ao ato de compor ?
Chico Buarque : “Associo o ato de andar ao ato de pensar, criar e compor”.
GMN : Você já teve o “estalo” para alguma música jogando futebol ?
Chico Buarque : “Fazer música jogando futebol não dá, porque durante a partida você fica empenhado em suas jogadas geniais. Mas caminhando tive a ideia de várias coisas. A verdade é a seguinte : você compõe com o violão, mas quando o momento em que o processo fica encrencado, você tem de sair andando. Não pode ficar parado, com o violão, a vida inteira. Então, para resolver impasses,o melhor é caminhar”.
GMN : Diz a lenda que você escreveu aquele refrão “você não gosta de mim/mas sua filha gosta” pensando no general Ernesto Geisel – que tinha uma filha.Somente você pode tirar essa dúvida : é verdade ?
Chico Buarque :”Eu nunca disse isso. As pessoas inventam. O engraçado é que a invenção passa a fazer parte do anedotário. Nunca imaginei que pudesse fazer uma música pensando num general ! A gente não faz isso. Você pode fazer uma música com raiva de alguma coisa : acontecia na época da ditadura militar,porque,com a censura, a política interferia na criação, o que nos incomodava. Mas você não ia dedicar uma canção a um pessoa. Quando se falava “você”, não se estava referindo a um general.Era uma generalidade”.
GMN : Por falar em generais : o general Garrastazu Médici freqüentava estádios no tempo em que você sofria os horrores da censura. Alguma vez você cruzou com ele num estádio de futebol ?
Chico Buarque : “Vi uma vez,porque eu estava chegando ao portão que dá nas cadeiras do Maracanã. De repente, chegou uma turma de batedores, com sirenes,com a truculência que é um pouco própria de autoridades, mas na época, era muito mais acentuada.”Afasta todo mundo ! “. Médici desceu do carro.Fiquei vendo de longe aquele figura”.
GMN : Você já era famoso.Algum dos batedores do general reconheceu você por acaso ?
Chico Buarque : “Batedor não reconhece ninguém : não olha para a cara de ninguém na hora de sair abrindo espaço”.
GMN : “Se você fosse chamado para escrever o verbete Chico Buarque de Holanda numa enciclopédia de música popular,qual seria a primeira frase ?
Chico Buarque(rindo) :”Êpa !. Não sei. Podia ser “ êpa”....
GMN: Com interrogação ou com exclamação ?
Chico Buarque: “Com interrogação.A primeira palavra seria : êpa ?" “.
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Aqui, "Bom Tempo", aquela música em que Chico Buarque, torcedor apaixonado do Fluminense, diz o que queria da vida: "A alegria batendo no peito / o radinho contando direito / a vitória do meu tricolor":
http://goo.gl/8z1bhD

( Entrevista gravada no Rio, em 1998 )
Aqui, a íntegra da entrevista:
http://www.geneton.com.br/archives/000041.html

Posted by geneton at 11:46 AM

junho 17, 2014

VENDE-SE ADRENALINA EM QUANTIDADES INDUSTRIAIS. INTERESSADOS DEVEM PROCURAR PROCURAR A TORCIDA BRASILEIRA

Conclusão número um: a campanha vai ser sofridaça. Copa do Mundo é assim. Se não fosse, não seria tão empolgante.
Conclusão número dois: se o Brasil sair primeiro do grupo e pegar, por exemplo, a Espanha ou o Chile na próxima fase, pode passar adiante, suado. Daí pra frente, com uma Seleção feita de altos e baixos, o Brasil se candidatará, a cada partida do mata-mata, ao posto de maior produtor mundial de adrenalina. Galvão Bueno vai ter de usar todo o estoque de "haja coração", "quem é que sobe? " e "fica dramática a situação do Brasil". Mas,como naquela música bonita de Bob Marley, "tudo/ tudo/ tudo vai dar pé". Haverá de dar.
Conclusão número três: se o Brasil ficar em segundo do grupo e pegar a Holanda já na próxima fase, entrará em campo em desvantagem. Vai ter de apelar a todos os santos, sem exceção. Se um só santo faltar ao encontro, vai tudo por água abaixo. ( Aliás: cadê eles? Alguém no Vaticano poderia avisá-los, desde já, que eles não poderão tirar folga de jeito nenhum em dia de jogo do Brasil na fase do mata-mata ).

A Holanda estreou na Copa com pinta de favorita. Sejamos justos: se o Brasil tropeçar no meio do caminho, diante dos holandeses ou de qualquer outro estraga-prazer, bem que a Holanda, por uma questão de justiça histórica, mereceria ganhar o título. Já foi vice-campeã do mundo três vezes! Esteve, nas três vezes, a um milímetro da glória. Pela primeira vez, os holandeses levantariam a taça - e justamente no "país do futebol". Iriam virar "heróis" nacionais. Mas....futebol, como se sabe, não é feito de justiças históricas. Ainda bem ! Além de tudo, numa Copa disputada em casa, o Brasil jamais deixaria de estar entre os favoritos.

Posted by geneton at 01:53 PM

O VOTO DE UM RECIFENSE AUSENTE CONTRA OS ESPIGÕES NO CAIS JOSÉ ESTELITA

Houve um fato lamentável hoje no Recife. Em resumo: a Tropa de Choque entrou em ação para desalojar militantes que ocupavam uma bela área do Cais José Estelita, transformada em centro de um grande debate sobre o que se deve fazer com a cidade. ( Aos não nativos, diga-se que o terreno - que sediava armazéns da Rede Ferroviária Federal - foi arrematado em leilão, há algum tempo, por um pool de construtoras que pretendem erguer, ali, uma fileira de "espigões" residenciais e comerciais. O movimento OcupeEstelita se opõe ao destino dado à área: não quer ver aquele belo pedaço da cidade ocupada por edifícios gigantescos ). Há "n" questões envolvidas. Independentemente de qualquer coisa, este recifense ausente e observador distante pergunta: havia necessidade das cenas de violência? A resposta parece ser um "rotundo não", como diria Leonel Brizola. Pergunta-se: não haveria qualquer possibilidade de diálogo? A resposta é um rotundo sim. Se, numa hipótese remota, fosse feito um plebiscito que permitisse o voto de pernambucanos exilados da terra natal, eu votaria, sem pestanejar, contra os espigões, até por razões estéticas. Erguer torres, ali, não faria bem a uma das paisagens mais bonitas da cidade.
Visto, simbolicamente, uma camiseta onde se lê: "Não".

Posted by geneton at 01:53 PM

...E UMA SURPRESA NO SÁBADO: CRUZADA DE ROBERTO CARLOS PELA CENSURA PRÉVIA A BIOGRAFIAS GANHA NOVO CAPÍTULO!

Notícia deste sábado na Folha de S.Paulo on line:
"Roberto Carlos entra no Supremo Tribunal Federal contra biografias":
http://www1.folha.uol.com.br/…/1455907-roberto-carlos-entra…
Fica uma dúvida no ar: o que é que leva Roberto Carlos a se empenhar, com estranhíssima obsessão, a esta louca cruzada pela censura prévia a biografias ? Já não basta o fato de ter censurado uma biografia que foi unanimemente considerada "simpática" a ele ?
Que razão secreta o move ? Não é possível que seja dinheiro. Não é.
É triste mas, nesta discussão sobre a censura prévia a biografias, Roberto Carlos atingiu aquele degrau em que a única coisa que se pode dizer sobre ele é: "Sem comentários".
O bom é que a Câmara já derrubou a censura prévia. Agora, só falta o Senado. E o STF irá se pronunciar em breve sobre o assunto. Resta rezar para que a relatora - a ministra Cármen Lúcia - não decepcione o país e trate de mandar a exigência de censura prévia para o lugar merecido: a lata de lixo da história.
Já se disse um milhão de vezes, não custa repetir: o Brasil é o único país democrático do mundo em que a publicação de biografias depende de autorização prévia. Vergonha, vergonha, vergonha.

Posted by geneton at 11:55 AM

O VOTO DE UM RECIFENSE AUSENTE CONTRA OS ESPIGÕES NO CAIS JOSÉ ESTELITA

Houve um fato lamentável hoje no Recife. Em resumo: a Tropa de Choque entrou em ação para desalojar militantes que ocupavam uma bela área do Cais José Estelita, transformada em centro de um grande debate sobre o que se deve fazer com a cidade. ( Aos não nativos, diga-se que o terreno - que sediava armazéns da Rede Ferroviária Federal - foi arrematado em leilão, há algum tempo, por um pool de construtoras que pretendem erguer, ali, uma fileira de "espigões" residenciais e comerciais. O movimento OcupeEstelita se opõe ao destino dado à área: não quer ver aquele belo pedaço da cidade ocupada por edifícios gigantescos ). Há "n" questões envolvidas. Independentemente de qualquer coisa, este recifense ausente e observador distante pergunta: havia necessidade das cenas de violência? A resposta parece ser um "rotundo não", como diria Leonel Brizola. Pergunta-se: não haveria qualquer possibilidade de diálogo? A resposta é um rotundo sim. Se, numa hipótese remota, fosse feito um plebiscito que permitisse o voto de pernambucanos exilados da terra natal, eu votaria, sem pestanejar, contra os espigões, até por razões estéticas. Erguer torres, ali, não faria bem a uma das paisagens mais bonitas da cidade.
Visto, simbolicamente, uma camiseta onde se lê: "Não".

Posted by geneton at 11:47 AM

junho 16, 2014

UMA EXPERIÊNCIA: PEQUENA EXPEDIÇÃO A COPACABANA, NUMA NOITE DE SAMBA, TANGO E AREIA ( E O AMERICANO PERGUNTA: "POR QUE NÃO FAZEM TODAS AS COPAS AQUI?")

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"Não vai ter Copa"? Por pura curiosidade, faço uma expedição às areias da praia de Copacabana no fim de tarde deste domingo, 15 de junho. Pela primeira vez desde 1950, o Rio ia ser palco de um jogo de Copa do Mundo: Argentina x Bósnia, no Maracanã.
Uma multidão ocupa todos os espaços na areia, diante de uma tela gigante que,daqui a pouco, transmitirá o jogo. A maioria: argentinos, é claro.
Bósnios, chilenos, uruguaios e turistas de procedência incerta, além dos nativos, formam comitês minoritários nesta versão tropical-futebolística de uma assembléia da ONU.
Enquanto o jogo não começa no Maracanã, a bateria da Mangueira - logo ela - sobe ao palco. É covardia: a percussão explode no ar, irresistível.

Há momentos bonitos: o puxador canta "Exaltação à Mangueira" - com aquela letra que diz "todo mundo te conhece ao longe/ pelo som do teu tamborim/ e o rufar do teu tambor". Quem não conhece passa a conhecer: embalados pela bateria avassaladora, torcedores repentinamente transformados em sambistas dançam sob uma imensa bandeira argentina que de repente alguém desfraldou ao pé do palco,
O puxador ataca com um dos sambas-enredo mais bonitos da Estação Primeira de Mangueira: aquele que homenageou Dorival Caymmi. De novo, a letra soa sugestiva: "o mundo se encanta / com as cantigas que fazem sonhar".
Penso: ninguém esperava, mas "o mundo se encanta" com esta Copa brasileira. O clima, aqui, às margens do Atlântico Sul, é de celebração e congraçamento - com tango, samba, futebol e alegria.
Sob as bênçãos de uma noite clara, Copacabana assiste a um improvável mistura de samba e tango: logo depois, para agradar a torcida argentina, o sistema de som toca La Cumparsita.
Termina a parada musical. O telão passa a mostrar imagens do Maracanã, ao vivo. Os argentinos, majoritários, deliram quando vêem as primeiras imagens dos jogadores ainda no túnel do estádio.
Fazem coro para acompanhar a introdução do hino argentino - que, como se sabe, é belíssima e arrebatadora.
Começa o jogo. A torcida acompanha como se estivesse no estádio.
( a Argentina venceria por 2 a 1) . Imagino: não apenas para um estrangeiro, mas também para brasileiros, deve ser uma experiência marcante acompanhar um jogo de seleção ali. É preciso ter disposição, claro, para encarar filas, desconforto, sol no rosto - mas não é todo dia que acontece algo assim.
Um comentarista americano, deslumbrado com o que viu até aqui, escreveu no Twitter: "Se a Copa do Mundo no Brasil vai ser assim, todas as Copas deveriam ser no Brasil".
As próximas Copas não serão, com certeza, no Brasil, mas não é exagero dizer que a proposta entusiasmada do comentarista americano não soaria absurda nem aos ouvidos dos nossos mais dedicados "rivais" - os argentinos que, ao som da bateria da Mangueira, dançavam sob a bandeira branca e azul-celeste nesta noite azul de junho em Copacabana.
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( aqui, para quem não conhece, a Exaltação a Mangueira, cantada por Gilberto Gil:
http://www.youtube.com/watch?v=u5SwjG5pC20

E La Cumparsita:
http://www.youtube.com/watch?v=LkfzK_nX-QM
E, aqui, o hino da Argentina - o primeiro minuto já vale:
http://www.youtube.com/watch?v=NA5YZ-byciI )

Posted by geneton at 01:54 PM

"VAMOS AVANTE, ESQUADRÃO! VAMOS, SERÁS O VENCEDOR!": JOGADORES ALEMÃES SE DIZEM DOMINADOS PELA "FEBRE BRASILEIRA"

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Um pitaco: o primeiro sinal da alegria que marcaria a Copa ( pelo menos até agora!) foi dado, quem sabe, por aqueles torcedores baianos que fizeram dois jogadores da seleção alemã - Schweinsteiger e Neuer - entoar o grito de guerra da torcida do Esporte Clube Bahia : "Ouve esta voz que é teu alento / Bahia! Bahia! Bahia!" . Os alemães estavam devidamente paramentados com a camisa do "tricolor da Boa Terra" ( era assim que os locutores esportivos chamavam o Bahia, nas narrações dos duelos entre times pernambucanos e baianos que eu, menino recifense, ouvia, pela Rádio Clube de Pernambuco, nos já remotíssimos anos sessenta...).
Um dos alemães - Schweinsteiger - diria, depois, em entrevista à Folha de S.Paulo: "Estamos dominados pela febre brasileira". A declaração foi dada em resposta a uma pergunta sobre o que estava levando os alemães a adotarem um comportamento que destoava da esperada sisudez germânica...
A cena:

E, aqui, uma versão rara do arrebatador hino do Bahia - cantado no Teatro Castro Alves por Caetano Veloso, no último show antes de partir para o exílio, em 1969. A letra bem que serviria para descrever a torcida brasileira nestes tempos de Copa: "Ninguém nos vence em vibração / (...) Vamos avante, esquadrão !/ Vamos, serás o vencedor !":

Posted by geneton at 01:54 PM

EXPEDIÇÃO ÀS AREIAS DE COPACABANA EM DIA "HISTÓRICO" PARA O FUTEBOL

"Não vai ter Copa"? Por pura curiosidade, faço uma expedição às areias da praia de Copacabana no fim de tarde deste domingo, 15 de junho. Pela primeira vez desde 1950, o Rio ia ser palco de um jogo de Copa do Mundo: Argentina x Bósnia, no Maracanã.

Uma multidão ocupa todos os espaços na areia, diante de uma tela gigante que, daqui a pouco, transmitirá o jogo. A maioria: argentinos, é claro.

Bósnios, chilenos e turistas de procedência incerta formam comitês minoritários nesta versão tropical-futebolística de uma assembleia da ONU.

Enquanto o jogo não começa no Maracanã, a bateria da Mangueira sobe ao palco. É covardia: a percussão explode no ar, irresistível.

Há momentos bonitos: o puxador canta "Exaltação à Mangueira" – com aquela letra que diz "todo mundo te conhece ao longe/ pelo som do teu tamborim/ e o rufar do teu tambor". Quem não conhece passa a conhecer: embalados pela bateria avassaladora, torcedores repentinamente transformados em sambistas dançam sob uma imensa bandeira argentina que de repente alguém desfraldou ao pé do palco.

O puxador ataca com um dos sambas-enredo mais bonitos da Estação Primeira de Mangueira: aquele que homenageou Dorival Caymmi. De novo, a letra soa sugestiva: "o mundo se encanta / com as cantigas que fazem sonhar".

Penso: ninguém esperava, mas "o mundo se encanta" com esta Copa brasileira. O clima é de festa, congraçamento, futebol, tango, samba e paixão por uma disputa que mobiliza multidões pelo planeta.

Sob as bênçãos de uma noite clara, Copacabana assiste a um improvável mistura de samba e tango: logo depois, para agradar a torcida argentina, o sistema de som toca “La cumparsita”.

Termina a parada musical. O telão passa a mostrar imagens do Maracanã, ao vivo. Os argentinos, majoritários, deliram quando veem as primeiras imagens dos jogadores ainda no túnel do estádio.

Fazem coro para acompanhar a introdução do hino argentino – que, como se sabe, é belíssima e arrebatadora.

Começa o jogo. A torcida acompanha como se estivesse no estádio. (A Argentina, como se sabe, venceria por 2 a 1.) Imagino: não apenas para um estrangeiro, mas também para brasileiros, deve ser uma experiência marcante acompanhar um jogo de seleção ali. É preciso ter disposição, claro, para encarar filas, desconforto, sol no rosto – mas não é todo dia que acontece algo assim.

Um comentarista americano, deslumbrado com o que viu até aqui, escreveu no Twitter: "Se a Copa do Mundo no Brasil vai ser assim, todas as Copas deveriam ser no Brasil".

As próximas Copas não serão, com certeza, no Brasil, mas não é exagero dizer que a proposta entusiasmada do comentarista americano não soaria absurda nem aos ouvidos dos nossos mais dedicados "rivais" – os argentinos que, ao som da bateria da Mangueira, dançavam sob a bandeira branca e azul-celeste nesta noite de junho em Copacabana.

Posted by geneton at 12:21 AM

junho 15, 2014

QUER OUVIR A VOZ DO BRASIL? VÁ PARA A JANELA, NA HORA DO GOL DA SELEÇÃO. É ARREPIANTE

Um país gritando gol. E é o Brasil! Uma câmera flagra o fantástico som de uma cidade inteira vibrando com um gol da Seleção. A imagem foi gravada em São Paulo, mas o som, é claro, se repete em todas as cidades brasileiras. Pergunta-se: em algum outro país do mundo há algo parecido? Enquanto a Copa vai empolgando, vale lembrar as palavras daquele ex-técnico escocês -Bill Shankly: "Dizem que o futebol é uma questão de vida e morte. Discordo! É muito mais importante!".
Aqui, a Voz do Brasil:
http://www.youtube.com/watch?v=g20q7_riCAE

Posted by geneton at 01:57 PM

junho 14, 2014

ÍDOLO

Ídolo! Professor inglês pede demissão da escola porque não queria perder de jeito nenhum a chance de acompanhar uma Copa do Mundo no Brasil: "Vai ser a viagem da minha vida".
Hoje, ele estará em Manaus berrando pelo time inglês contra a Itália. A direção da escola arranjou um "jeito brasileiro" para salvar o emprego do professor: deu a ele duas semanas de licença não-remunerada em pleno período de aulas.
O professor apaixonado por futebol assumiu um compromisso: quando voltar, transmitirá aos alunos a experiência que viveu nos trópicos. Vai ter o que contar,com toda certeza.
Aqui, a reportagem do Daily Mail sobre o professor Mark Williams:
http://goo.gl/Ftd5Bm

Posted by geneton at 01:59 PM

"GUARDEI MINHA JAQUETA DE VELUDO / TAVA UMA FORNALHA"

...E, em homenagem ao professor inglês que pediu demissão ao diretor da escola dizendo que iria viajar ao Brasil de qualquer jeito porque não queria perder a chance de ver uma Copa do Mundo no país do futebol, vai aqui "Paroara" - pérola de Chico Buarque-Fagner-Fausto Nilo:
"O sol tava danado de quente/ Queimou nossa cara / (...) Guardei minha jaqueta de veludo/ Tava uma fornalha (...) Um cara apareceu falando gringo/ mas não tinha cara / Um outro diz que vinha do garimpo / Tinha nem sandália..."
http://www.youtube.com/watch?v=wlj_QXP58YM

Posted by geneton at 01:58 PM

junho 12, 2014

O ESTÁDIO TOMADO DE AMARELO

Já postei uma vez aqui, vale de novo "Yellow" - com o Coldplay. O começo - com a vibração do público - é épico, como deve ser a caminhada para o hexa. A letra bem que diz: "olhe para as estrelas/ como elas brilham por você/ e elas eram todas amarelas":

Posted by geneton at 11:49 AM

O ESTÁDIO TOMADO DE AMARELO

Já postei uma vez aqui, vale de novo "Yellow" - com o Coldplay. O começo - com a vibração do público - é épico, como deve ser a caminhada para o hexa. A letra bem que diz: "olhe para as estrelas/ como elas brilham por você/ e elas eram todas amarelas":

Posted by geneton at 11:49 AM

junho 07, 2014

AINDA BEM QUE OS MASOQUISTAS SÃO MINORITÁRIOS. QUE ROLE A BOLA, ENTÃO! PORQUE "DAS COISAS MENOS IMPORTANTES DA VIDA, A MAIS IMPORTANTE É O FUTEBOL"

Só pra reforçar: fico com João Saldanha, aqui citado num post anterior: "O futebol é uma manifestação da arte popular brasileira".
Que esta arte, então, possa se manifestar de novo dentro das "quatro linhas", diante da audiência planetária de uma Copa do Mundo.
O Brasil sempre deu, no futebol, belas demonstrações de criatividade. Por que diabos torcer por um fiasco logo agora? Ainda bem que os masoquistas são minoritários. Estou fora. Torço pelo hexa, é claro. Se o título não vier, não será nenhuma tragédia. Se vier, dará uma alegria - legítima - a milhões e milhões de brasileiros.
Não custa nada repetir a pergunta: se todos os países sonham acordados em serem campeões, por que diabos o Brasil não sonharia?
Torcer por uma vitória do futebol brasileiro na mais importante e mais empolgante disputa do esporte mundial não é sinal de "alienação" ( discussão que, aliás, parece velha e superada ). Pelo contrário: torcer por uma vitória do Brasil dentro do gramado é apostar no triunfo de um belo traço do "caráter nacional" - a capacidade brasileira de reinventar, aqui, o que foi criado "lá fora". E o Brasil, como se sabe, foi capaz de reinventar o futebol - esporte que consegue mobilizar multidões pelo planeta.
Não custa nada lembrar: "das coisas menos importantes da vida, a mais importante é o futebol", como bem disse o filósofo anônimo. Se é assim, o futebol diz, sim, alguma coisa sobre a alma de um país.
Por fim: querer que o Brasil faça uma bela campanha numa Copa do Mundo (disputada em casa !) não significa fechar os olhos para as incontáveis "mazelas" do país - é óbvio que não! ( Noventa por cento dos protestos, por sinal, são compreensíveis e justificáveis ). Mas não vejo qualquer motivo razoável para não querer que a capacidade brasileira de reinvenção possa brilhar de novo - desta vez, nos gramados.
Que role a bola, então. Sem patriotadas risíveis, a gente vai prender a respiração à espera dos gols.
Ao contrário do que diz a letra daquela música bonita, não haverá de ser pecado "apostar na alegria".

Posted by geneton at 02:01 PM

junho 05, 2014

QUATRO CONSTATAÇÕES BOBAS E INÚTEIS (RECONHEÇO!), ÀS VÉSPERAS DA COPA DO MUNDO

1. Toda vez que um repórter pergunta a um torcedor fantasiado de amarelo qual vai ser o placar do jogo, a humanidade regride 324 anos e meio.
2. A grande vantagem de uma Copa no Brasil: não se verá repórter provando comida estrangeira, olhando para a câmera e dizendo "hummm!". Ufa!
3. Se, na Copa, TV mostrar jogador batendo em pandeiro e cantando "vida leva eu"(!), a solução é partir para a Coreia do Norte - para sempre.
4. Eu passaria horas e horas admirando aqueles comerciais patrioteiros de bancos & cia ltda - desde, é claro, que estivesse imobilizado numa camisa-de-força e sob a mira de 44 soldados da Divisão Panzer.

Posted by geneton at 11:49 AM

junho 02, 2014

..E PEGAR NUMA GUITARRA PODIA SER UMA FORMA DE RESISTÊNCIA

Já começou, no Itaú Cultural, na avenida Paulista, uma bela exposição sobre uma figura mais do que interessante : chama-se "Ocupação Jards Macalé".
Por algum motivo insondável, os organizadores da mostra me pediram um depoimento sobre Macalé - um dos personagens do nosso documentário Canções do Exílio.
Disse duas ou três coisas sobre o "maldito". Quando a época era de barra pesada, Macalé produziu beleza, em música. Produzir beleza pode ser uma forma de resistência, também. Quem disse que não?:

Posted by geneton at 02:01 PM

maio 28, 2014

BIÓGRAFO DE ROBERTO CARLOS FAZ BELO GOL COM LIVRO "O RÉU E O REI". E NUNCA É TARDE PARA LEMBRAR: A GUERRA CONTRA A CENSURA PRÉVIA A BIOGRAFIAS NÃO ACABOU. COMO SE DIZIA ANTIGAMENTE, "A LUTA CONTINUA!", "A LUTA CONTINUA!":

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1. Em breve, pretendo dizer duas ou três coisas sobre o (belo) livro "O Réu e o Rei" - de Paulo César de Araújo sobre o Caso Roberto Carlos.
2. Desde já, uma dica: o recém-lançado "O Réu e o Rei" é sensato, bem escrito, bem apurado. Vale ler! Não cai no rancor. Documenta uma proibição absurda.
3. Um dia, a louca censura imposta por Roberto Carlos sumirá na poeira do tempo e da estrada. Feitas as contas, RC vai ser lembrado como grande cantor. E Paulo César de Araújo como autor de uma bela biografia. É um jornalista sério, dedicado, responsável, competente. Não cometeria deslizes - como não cometeu.

4. "O Réu e o Rei" documenta não apenas os bastidores da proibição do livro "Roberto Carlos em Detalhes": é também um registro sobre a trajetória de Roberto Carlos. Há também histórias fantásticas sobre outro recluso célebre- João Gilberto ( e uma penca de grandes nomes da MPB, entrevistados por Paulo César de Araújo para dois projetos de livro ). São vários livros em um só - um bom motivo para que "O Réu e o Rei" seja devidamente devorado.
5. Que se diga de novo: toda a celeuma provocada pela proibição da biografia é cem por cento justificável. O que estava
( e continua ) em jogo é a liberdade de informação. Não é uma mesquinha briga por dinheiro.
6. Em nenhum país democrático do mundo um biógrafo precisa submeter uma biografia à censura prévia do biografado. Isso é coisa de republiqueta bananeira. Todos os países estão errados e só o Brasil certo? Óbvio que não. É justamente o contrário!
7. Dei uma olhada no site da Amazon. Há cerca de oitenta biografias de Mick Jagger. Nenhuma - é claro - foi submetida a ele antes de publicada. Um biógrafo inglês ou americano rolaria no chão de tanto rir se soubesse de tal exigência.
8. Nem tudo é treva e ridículo: meio caminho já foi andado para que a exigência de autorização prévia vá para o lixo. A Câmara já derrubou a exigência. Falta o Senado. O Supremo Tribunal Federal também vai se pronunciar.
9. Rezamos para que o Senado e a ministra Cármen Lúcia não decepcionem o país. Jesus Cristo, Jesus Cristo, nós estamos aqui.
10. Enquanto a absurda censura prévia não for revogada, o Brasil continuará a ser a triste terra da biografia a favor. ( não há outra maneira de definir a tal "autorização" : é censura, sim !). Pior: quantas e quantas biografias importantes não deixaram de ser escritas por conta desse absurdo? Tristes trópicos...
Acorda, Paulo Francis! ( o que ele diria desta discussão toda ?).
Mas...as trevas estão se dissipando aos poucos.
Como se dizia antigamente, "a luta continua".
A luta continua ! "No pasarán !".
Por fim: Roberto Carlos deveria estar ocupado em fazer música - não em perseguir biógrafos. Paulo César de Araújo deveria estar ocupado em escrever - não em comparecer a tribunais.

Posted by geneton at 02:03 PM

maio 25, 2014

SELEÇÃO BRASILEIRA DE 50 ENTRA EM CAMPO COMPLETA NESTE DOMINGO, ÀS SETE DA NOITE, NA TELA DO ESPAÇO ITAÚ, NA PRAIA DE BOTAFOGO, DENTRO DO FESTIVAL DE FILMES SOBRE FUTEBOL. É HORA DE OUVIR A PALAVRA DOS "NÁUFRAGOS" , ENTRADA FRANCA!

Emoção em grau máximo: Friaça, o ponta-direita da seleção brasileira de 1950, realizou o grande sonho de todo jogador brasileiro: fez um gol numa final de Copa do Mundo, diante de um Maracanã enlouquecido. O som da explosão da torcida até hoje emociona quando ouvida na narração radiofônica. O Brasil só precisava de um empate diante do Uruguai. Fez um zero. A taça estava ali, ao alcance da mão. O que aconteceu depois todo mundo sabe: Uruguai 2 x 1 Brasil. O que pouca gente sabe é o que aconteceu com Friaça: ficou tão traumatizado que teve um "branco". Só se lembra de ter voltado para a concentração. Depois, quando deu por si novamente, estava debaixo de uma árvore, em Teresópolis, na alta madrugada - uma cena surrealista. Como foi parar lá ? Quem dirigiu o carro? Terá ido sozinho ? Não sabe. O "branco" de Friaça é uma das incríveis histórias narradas pelos próprios jogadores do Brasil de 50 no documentário "DOSSIÊ 50: COMÍCIO A FAVOR DOS NÁUFRAGOS" - que vai ser exibido neste domingo, às sete da noite, com entrada franca, no Espaço Itaú ( Praia de Botafogo ), dentro do Cinefoot - o festival de filmes sobre futebol. O filme não trata de 50 como "tragédia". Pelo contrário: é um pedido de anistia aos jogadores que passaram o resto da vida carregando o estigma de uma derrota - quando, na verdade, tinham dado ao Brasil o primeiro título de importância no cenário internacional - o de vice-campeão do mundo.

Posted by geneton at 02:05 PM

maio 24, 2014

TODOS OS PAÍSES QUEREM SER CAMPEÕES DO MUNDO. POR QUE O BRASIL NÃO IRIA QUERER ? POR QUE NÃO "APOSTAR NA ALEGRIA" ? POR QUE TORCER PELO BODE, PELO FIASCO, PELA TRISTEZA, PELA DERROCADA ?

Em resumo: tudo indica que o Brasil pagará um mico internacional por não ter sido capaz de terminar, a tempo, obras públicas prometidas para a Copa do Mundo. Em quatro palavras: faltou competência, sobrou ineficiência.
A incapacidade de cumprir prazos - aliás - é um lamentabilíssimo traço brasileiro.
É preciso, no entanto, fazer uma distinção importante: uma coisa é reclamar - por exemplo - contra a vergonhosa qualidade dos serviços públicos ( mal secular desta república ), contra o desperdício de dinheiro ou contra o equívoco de erguer estádios que, provavelmente, se transformarão em elefantes brancos depois que a festa acabar. Outra coisa, bem diferente, é querer o fracasso do Brasil dentro do campo.
Parece ridículo jogar para dentro das quatro linhas uma raiva que, aliás, em 98% dos casos é justificável e compreensível.
Torcer por um fiasco da Seleção é um equívoco bobo. Porque, dentro do campo, o futebol é uma espetacular demonstração de criatividade do brasileiro. Uma vez, tive a chance de fazer uma longa entrevista com João Saldanha, grande ex-técnico da seleção. Guardei uma frase que ele disse: "Nosso futebol é uma expressão da arte popular". Bingo!
Como se não bastasse, o futebol brasileiro é, também, um exemplo acabado de uma das mais belas características desta república banhada pelo Atlântico Sul: a capacidade de reinventar, aqui, o que foi criado "lá fora".
De resto, todos os países querem ser campeões do mundo. Por que o Brasil não iria querer? Por que não "apostar na alegria"? Por que torcer pelo bode, pelo fiasco, pela tristeza, pela derrocada? Qual é problema em querer ser hexa-campeão? Por que dar uma demonstração de "complexo de inferioridade"?
Desde já, torço por uma final épica no Maracanã entre Brasil x Argentina - o jogo do século.
Já estou preparando o coração para aquele momento que se repete de quatro em quatro anos: lá pelas tantas, num jogo difícil, Galvão Bueno exclama "vive um drama a Seleção Brasileira !".
Mas....o gol salvador haverá de vir. Se não vier, não será nenhum desastre. Não haverá - nem de longe - a comoção registrada na derrota de 1950. Ali, o país viu escorrer entre os dedos uma chance até então inédita de mostrar ao mundo que poderia ser o maior e o melhor num esporte que arrebata multidões pelo planeta. Vieram outras chances - devidamente aproveitadas. O futebol brasileiro é pentacampeão.
Vai ter Copa, vai ter gol, vai ter protesto. Só não se deve misturar uma coisa com a outra!
Prefiro apostar na alegria.

PS: E já que o assunto é Seleção Brasileira, tomara que, na Copa, fique "tudo amarelo", tudo "yellow", como na música bonita do Coldplay ( aliás, a reação do público nos primeiros acordes parece gol do Brasil!):
https://www.youtube.com/watch?v=Bxg3wE7cp_M

Posted by geneton at 02:09 PM

maio 21, 2014

UM ENSAIO AUTOBIOGRÁFICO

Jorge Luis Borges, em "Um Ensaio Autobiográfico":
"Não considero mais a felicidade inatingível, como acreditava tempos atrás. Agora, sei que pode acontecer a qualquer momento, mas nunca se deve procurá-la".
Disse tudo.

Posted by geneton at 11:53 AM

maio 19, 2014

"FAÇA AQUILO QUE SÓ VOCÊ PODE FAZER. COMETA INTERESSANTES, IMPRESSIONANTES, GLORIOSOS, FANTÁSTICOS ERROS" ( OU: O DIA EM QUE O DISCURSO DE NEIL GAIMAN FEZ LEMBRAR EDUARDO COUTINHO )

O que é que o documentarista brasileiro Eduardo Coutinho poderia ter em comum com Neil Gaiman - o escritor e quadrinista inglês?
Acaba de ser lançado no Brasil, em livro, o texto do discurso que Gaiman fez para os estudantes da University of Arts, na Filadélfia. As palavras de Gaiman fazem sucesso entre a rapaziada. O livro chama-se "Erros Fantásticos: O discurso "Faça Boa Arte" - de Neil Gaiman".

Há uma ou outra "platitude", mas, em resumo, ele diz:
"Eu observava meus colegas, amigos e pessoas mais velhas e via quanto alguns eram infelizes: escutava quando me diziam que não conseguiam mais enxergar um cenário em que fariam o que sempre quiseram, porque àquela altura precisavam ganhar todo mês certa quantidade de dinheiro só para se manterem na posição em que estavam".
"Não podiam fazer o que importava, o que realmente queriam. Isso me pareceu tão trágico quanto qualquer problema no fracasso. Além disso, o maior problema do sucesso é que o mundo conspira para que você pare de fazer o que faz, só porque é bem-sucedido".
"Um dia, ergui os olhos e me dei conta de que tinha me tornado alguém cuja profissão era responder e-mails e, nas horas vagas, escrevia. Passei a responder menos mensagens e descobri, aliviado, que estava escrevendo muito mais ( ...)"
"A vida às vezes é dura. As coisas dão errado, na vida e no amor e nos negócios e nas amizades e na saúde e em todos os outros aspectos que podem dar errado. Quando as coisas ficarem complicadas, é assim que você deve agir: faça boa arte. É sério
(...). Faça o que só você faz de melhor (...) Faça aquilo que só você pode fazer".
"O impulso, no começo, é copiar. Isso não é ruim. Muitos de nós só encontraram a própria voz depois de soar como várias pessoas. Mas a única coisa que só você e mais ninguém tem é você. Sua voz, sua mente, sua história, sua visão (....)"
"Meus projetos que melhor funcionaram melhor foram aqueles dos quais eu estava menos certo(...). Mas qual deve ser a graça de fazer o que você sabe que vai dar certo ? E, algumas vezes, o que eu fiz não deu nada certo. Aprendi com elas tanto quanto com as que funcionaram( ...) Cometam interessantes, impressionantes, gloriosos, fantásticos erros. Quebrem regras. Deixem o mundo mais interessante por estarem nele".
Como disse, ao longo do discurso há uma ou outra declaração de princípios que pode lembrar aquelas lastimáveis performances de animadores de funcionários de corporações - mas, na essência, Neil Gaiman toca no que interessa: "Faça aquilo que só você pode fazer".
O importante é apostar no incerto, cometer erros "gloriosos".
Thank you, mr. Gaiman.
Eu me lembrei da pregação de Gaiman ao ver um documentário recém-lançado, em que o personagem principal é o documentarista Eduardo Coutinho.
Título: "Coutinho - sete de outubro", em cartaz em regime de pré-estréia no Instituto Moreira Salles, no Rio. Ao contrário do que fazia habitualmente, dessa vez o cineasta Eduardo Coutinho fica diante da câmera para dar uma entrevista, conduzida pelo realizador do documentário, Carlos Nader. É como se Coutinho se transformasse em personagem de Coutinho. Bola na rede.
( O depoimento foi gravado quatro meses antes da morte de Coutinho - uma daquelas tragédias que nos deixam mudos ).
Lá pelas tantas, Coutinho fala sobre o "prazer indizível" que é fazer um determinado filme num determinado momento num determinado lugar. É como se dissesse que a aventura do cinema
precisa - necessariamente - ser pessoal e intransferível. Só assim vale a pena. Não pode ser delegada a outros. Porque outro realizador faria de outra maneira. A regra vale, claro, para documentários - o território que Coutinho elegeu para transitar.
O ( belo ) depoimento de Coutinho aponta para um caminho: o ato de fazer um filme deve ser revestido de uma devoção quase religiosa. Fazer ou não fazer passa a ser, nos delírios do realizador, uma questão de vida ou morte ( a atitude aplica-se não apenas a filmes, claro, mas a qualquer "aventura" do tipo ).
Em resumo: "Faça aquilo que só você pode fazer".
Somente Eduardo Coutinho poderia fazer os documentários de Eduardo Coutinho. Não é, óbvio, o único caso de cineasta com marca pessoal, mas o que ele diz, na entrevista, marca uma posição, um tardio mas bem sucedido "projeto de vida".
É óbvio que noventa e nove vírgula noventa e nove por cento dos terráqueos permanecerão absolutamente indiferentes ao fato de que um filme "x" sairá ou não do papel, mas o realizador precisa criar a ilusão de que aquele filme é indispensável, é indispensabilíssimo - nem que seja para ele mesmo. Pouco importa - aliás - que o resultado seja eventualmente precário ou aparentemente banal. Não é este o "ponto". É o que Coutinho diz, com outras palavras,no depoimento.
A situação pode soar surrealista mas é assim: um personagem anônimo - como os que povoam os filmes de Coutinho - poderia, claro, ser filmado "n" vezes. Não haveria qualquer dificuldade. As situações eram, em tese, perfeitamente "repetíveis" - mas, como princípio, Coutinho se convencia de que tudo teria de acontecer , necessariamente, ali, naqueles trinta, quarenta ou sessenta minutos diante do entrevistado: o desnudamento, as revelações, a confissão. É uma sensação que, a rigor, move todos os entrevistadores. Coutinho cumpria este mandamento ao pé da letra, diante de personagens anônimos que ia encontrando em apartamentos de Copacabana, morros da zona sul, casebres no sertão. Diz, no documentário, que evitava ouvir figuras públicas ou gente que ele próprio conhecia. Não ia dar certo.
As palavras de Coutinho no documentário soam fortes: resumem a necessidade de quimeras pessoais numa época dominada pela uniformidade mediocrizante.
Já estou soando como crítico de cinema. Não sou. E foi bonito ver a plateia aplaudindo Coutinho no fim do filme.
Palmas para ele. É uma grande lástima que uma carreira que, como ele dizia, começou tarde tenha sido violentamente interrompida. "A morte é uma piada. A vida é uma tragédia. Mas, dentro de nós, mesmo no maior desespero, há uma força que clama por coisas melhores", já dizia Paulo Francis.
Em última instância, "clamar por coisas melhores" é o que faz quem, como Coutinho, apostava numa aventura pessoal. Já é tarefa para uma vida.

Posted by geneton at 11:54 AM

maio 16, 2014

CENA SELVAGEM DE BANDITISMO EXPLÍCITO NUM SUPERMERCADO!

Cena explícita de capitalismo selvagem no supermercado ZonaSul, agora há pouco, na filial da rua general Artigas, no Leblon ( ou será cena selvagem de banditismo explícito ? ): o locutor-que-vos-fala vai ao caixa, com um punhado de latas de Coca-Cola. A atendente, simpática, checa pacientemente a temperatura de cada lata, antes de dizer: "Vai levar gelada ?". Pergunto se há diferença.
Há, sim, informa ela: a Coca-Coca "natural" custa R$ 1,69. A mesmíssima, gelada, é R$ 3,50. Pensei que tinha ouvido mal. A moça confirma. A lata gelada custa, sim, o dobro do preço ! Vale repetir, para quem não entendeu direito: o dobro ! Nada justifica diferença de preço tão escandalosa. Nada.
Fico imaginando: o que leva um supermercado a cobrar o dobro do preço por um produto, apenas porque ele ficou guardado numa geladeira ? E trata-se de uma grande rede de supermercados - o ZonaSul. O que não acontecerá com outros produtos, neste e em outros supermercados ?
Faço os cálculos: o Brasil vai levar 435 anos, oito meses e vinte e oito dias para ser levado a sério - pelo menos enquanto conviver com atitudes predatórias como esta como se fossem as coisas mais normais do mundo.
PS: Uma pequena diferença de preço poderia, até, ser justificada pelo gasto de energia com a refrigeração. Mas o dobro ? Que economista seria capaz de explicar tal investida no bolso do consumidor ?

Posted by geneton at 11:55 AM

maio 11, 2014

DEU EMPATE NO PRIMEIRO LUGAR DO CAMPEONATO MUNDIAL DA ESTUPIDEZ !

O Brasil dará um salto civilizatório de cem anos no dia em que abolir o voto obrigatório. Voto é opção: vota quem quer. Em nenhum país civilizado do planeta o cidadão é obrigado a votar. Se fosse feito um Campeonato Mundial de Estupidez, o voto obrigatório e a censura prévia a biografias estariam empatados em primeiro lugar - com todos os méritos.

Posted by geneton at 11:57 AM

maio 09, 2014

O ENIGMA DA MÃO NO QUEIXO: UM PROBLEMA SÉRIO DA LITERATURA UNIVERSAL

Dúvida boba que me assalta há décadas: quem inventou que escritores
( alguns, até bons ) devem botar a mão no queixo ou na bochecha nas fotos feitas para as orelhas dos livros ? Quem ? Quem ? É para parecer com O Pensador - de Rodin ? É um mensagem cifrada ? É uma senha enviada para ETs ? Já me resignei: vou morrer sem saber.

Posted by geneton at 12:04 PM

O ENIGMA DA MÃO NO QUEIXO: UM PROBLEMA SÉRIO DA LITERATURA UNIVERSAL

Dúvida boba que me assalta há décadas: quem inventou que escritores
( alguns, até bons ) devem botar a mão no queixo ou na bochecha nas fotos feitas para as orelhas dos livros ? Quem ? Quem ? É para parecer com O Pensador - de Rodin ? É um mensagem cifrada ? É uma senha enviada para ETs ? Já me resignei: vou morrer sem saber.

Posted by geneton at 12:04 PM

GRANDE NOTÍCIA: SUSPENSO O DEBATE SOBRE SE MARMANJOS DEVEM IR PARA O TRABALHO DE BERMUDA

Vem aí o inverno. Adeus, calor. Ainda bem. Assim, um dos assuntos mais chatos da história da humanidade desaparecerá da pauta jornalística: o debate sobre se marmanjos devem ou não ir trabalhar de bermuda. É óbvio que não. A espécie humana já sofreu demais. A catálogo de horrores é infinito. Já não bastam os massacres, as guerras, os preconceitos, os ex-BBBs, as mulheres-fruta e os cantores de pagode com gel no cabelo ? Para que castigar olhos indefesos com um patético desfile de pernas cabeludas em pleno ambiente de trabalho ? Ah, não. Em nome de todos os santos: não.

Posted by geneton at 12:02 PM

JAIR RODRIGUES NUM FIM DE TARDE NA AVENIDA PAULISTA

Faz exatamente duas semanas eu caminhava num fim de tarde pela avenida Paulista quando vi uma pequena aglomeração na calçada. Paro para ver o que era. Dentro de um pequeno estúdio, à vista de quem transitava pela calçada, Jair Rodrigues dava uma entrevista ao vivo para a Bandnews FM sobre o disco que acabara de lançar. Boys, balconistas, funcionários em trânsito param para ouvir. Uma moça diz à amiga: "É Jair Rodrigues!". Tira o celular do bolso, faz uma foto. Vários dos espectadores repetem o gesto. Jair Rodrigues fala animado, canta trechos de músicas, faz aqueles gestos largos que pontuavam suas frases - como se estivesse permanentemente tentando esgarçar os músculos. Quinze dias depois, estaria morto: enfarte fulminante. Fico imaginando: se fosse possível saber a data da morte, com exatos quinze dias de antecedência, o que cada um faria ? Minha opção seria a menos barulhenta possível: um livro nas mãos, num território remoto. That´s all.

Posted by geneton at 12:01 PM

maio 07, 2014

....E, FINALMENTE, UMA NOTÍCIA BOA !

Não é todo dia que se lê nos jornais uma notícia boa. A de hoje vale por dez: "Câmara libera biografias sem a autorização do biografado".
O autor do projeto de lei - Newton Lima ( PT-SP ) - foi exemplarmente claro ao declarar:
- Em nenhum país livre do mundo, a elaboração de um livro requer autorização de quem quer que seja. Isso fere a Constituição.
Agora, é a vez de o Senado se manifestar. Ou seja: o país torce para que o Senado repita o que a Câmara fez. E o Brasil estará - finalmente - livre de uma aberração jurídica que nos cobre de vergonha.

Posted by geneton at 12:08 PM

UM MENINO CORRENDO ATRÁS DO ÔNIBUS DA SELEÇÃO

Ninguém precisa de bola de cristal para prever: é provável que haja alguma confusão na Copa do Mundo. Há motivos reluzentes para reclamações, é claro: custos além dos previstos, atrasos absurdos na execução de obras que deveriam desde já beneficiar a população, prováveis superfaturamentos, aeroportos calamitosos, estádios que terão destino incerto depois que a festa acabar, ingerências absurdas da Fifa ( um jornal publicou que, na decoração das ruas, ninguém pode, por exemplo, usar a expressão Brasil 2014, patenteada pela Fifa....Parece piada). Descontados eventuais absurdos extra-campo, a Copa do Mundo é uma bela e empolgante disputa. Não vejo motivo para torcer contra o Brasil. Qual o mal que um título conquistado em casa poderia fazer ao país ?
Ressuscito, em meus arquivos não tão implacáveis, um texto sobre o dia em que um menino de doze anos - o locutor-que-vos-fala - correu atrás do ônibus da seleção:

****
O autor da melhor definição já escrita sobre futebol é um ilustríssimo desconhecido. Seja lá quem for, merece ser entronizado quem resumiu em apenas doze palavras esta paixão tão avassaladoramente brasileira:
- Das coisas menos importantes da vida, o futebol é a mais importante…
Noventa e cinco por cento dos brasileiros devem ser adeptos desse mandamento.Os cinco por cento restantes não nasceram ainda.
Quero fazer uma confissão: eu estava banhado de suor no exato momento em que descobri que “das coisas menos importantes da vida, o futebol é a mais importante”.
Não, eu não estava disputando uma final de campeonato. Como um celerado, eu corria desembestadamente atrás do ônibus da seleção brasileira, na avenida Rosa e Silva, no Recife, no já remotíssimo ano de 1969.
Em minhas mãos, carregava uma folha de papel em branco. Não estava à procura de nenhuma declaração, não esperava por nenhuma entrevista. Nem sonhava em ser repórter. O que eu queria – como, provavelmente, todo menino brasileiro apaixonado por futebol – era um autógrafo de um dos meus ídolos.
Fui a pé de minha casa até o estádio do Náutico, na avenida Rosa e Silva. Uma multidão de torcedores esperava pela chegada da seleção, para o treino. Lá vem o ônibus. Tumulto. Gritaria. Empurrões.
Eu me lembro de ter visto Tostão e Clodoaldo acenando na janela. Ou terá sido Gérson? Quem sabe, Jairzinho. Não importa: os craques dos meus times de botão estavam ali, materializados, a dois palmos de distância.
O treino ia ser fechado. Mas eram tantos os torcedores correndo atrás do ônibus que a Federação resolveu abrir os portões do estádio.
Aquele punhado de fanáticos teve, então, o privilégio de assistir a um treino da seleção que, meses depois, entraria para a história do futebol mundial nos gramados do México como o melhor time de futebol de todos os tempos.
O que diabos eu estava fazendo na arquibancada do estádio dos Aflitos, na manhã de um dia de semana? Aos doze anos de idade, eu estava descobrindo que o futebol é a mais importante das coisas menos importantes da vida.
Dizem que a gente só guarda na memória rostos, datas e nomes que, por um ou outro motivo, nos são realmente importantes. O trator dos neurônios soterra o resto.
Pois bem: meu professor de desenho no Colégio São Luís – que Deus o perdoe – passou o ano tentando me fazer entender que “o quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos”. Eu passei o ano preocupado com outro problema: o Sport Club do Recife, afinal de contas, ia ou não barrar a caminhada do Náutico rumo ao título de heptacampeão pernambucano? O meu time de botão ia ou não ganhar o dificílimo campeonato que a gente organizava na rua Dom Manoel da Costa, no bairro da Torre?
Enquanto o professor – com cara de zagueiro alemão – tentava me familiarizar com o fantástico mundo da geometria, eu ficava pensando com meus botões: quem é hipotenusa? O que significa cateto? Onde fica a saída, pelo amor de Deus? Cadê o meu timaço de botão?
Hoje, séculos depois, declaro-me formalmente incapaz de explicar o que significa a soma dos quadrados dos catetos - mas sei de cor a escalação do time do Sport: Miltão; Baixa, Bibiu, Gílson e Altair; Válter e Vadinho; Dema, Zezinho, Acelino e Fernando Lima. Não preciso consultar nenhum jornal antigo para recitar de trás pra frente a escalação do meu time de botão – o Palmeiras de 1968: Perez; Scalera, Baldochi, Minuca e Ferrari; Dudu e Ademir da Guia, Gildo, Sevílio, Tupãzinho e Rinaldo. Eis uma prova matemática dessa verdade fundamental: das coisas menos importantes da vida, o futebol é a mais importante. Se não fosse, eu não teria guardado tantos nomes.
O meu exercício de memória, obviamente, não vale nada. Mas o que é a vida, se não uma coleção de gloriosas inutilidades ? Sou igualmente capaz de recitar o meu time de botão do Botafogo de 1969: Cao, Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Valtencir; Carlos Roberto e Gérson; Rogério, Roberto, Jairzinho e Paulo César. É pouco? Lá vai o time do Santos: Cláudio, Carlos Alberto, Ramos Delgado, Joel e Rildo; Clodoaldo e Negreiros; Manoel Maria, Toninho, Pelé e Edu.
Minha memória sepultou no cemitério dos esquecimentos todo o palavrório que meu professor mobilizou na inglória missão de me apresentar aos mistérios dos catetos e hipotenusas. Não tive coragem de dizer a ele, mas, desde o primeiro dia de aula, eu tinha certeza absoluta de que o futebol era mais importante do que a soma dos quadrados dos catetos. Não me perguntem por quê. Eu era um menino brasileiro. Não se deve pedir explicação a nenhum menino brasileiro apaixonado por futebol.
Esquecido das hipotenusas, guardei na memória duas cenas do dia em que corri desembestado atrás do ônibus da seleção brasileira. Primeira cena: Clodoaldo saiu de campo chorando, machucado. Segunda cena: termina o treino. Nós, os desocupados meninos do Brasil que saímos de casa numa manhã de dia de semana para correr atrás do ônibus da seleção, tentávamos agora vislumbrar por uma fresta numa das paredes do estádio nossos craques se preparando para ir embora. Parecia filme de Fellini. Nós nos revezávamos no posto de observação. Cada um podia olhar por cinco, dez segundos o que estava acontecendo no vestiário dos nossos deuses. Quando chegou minha vez, o que vi? Clara, nítida, diante de mim, a imagem do Rei Pelé ensaboado da cabeça aos pés. O Rei estava nu.
Quando os jogadores voltaram para o ônibus, pararam para saciar nossa fome de autógrafos. Devo ter guardado em algum lugar esta relíquia. Onde estará este meu pequeno tesouro, pessoal e intransferível ? Lá estão os autógrafos de Tostão, Rivelino, Brito, entre outros que terminaram ficando no caminho, na odisseia rumo ao México – como Paulo Borges, ponta-direita do Corinthians.
A seleção que foi treinar no campo dos Aflitos trazia as estrelas que reluziriam na campanha do México: Félix, Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza, Clodoaldo, Gérson, Jairzinho,Tostão e Pelé. Quando o ônibus partiu, repetiu-se a gritaria, o tumulto, a vibração, os acenos. Nova correria atrás do ônibus.
O que terá acontecido naquele ano na vida do menino brasileiro apaixonado por futebol ? O meu professor de desenho me reprovou, é claro. Meu pai me deu uma bronca de dimensões bíblicas: disse que eu passaria os próximos meses proibido de ir ao estádio. O meu time do Palmeiras perdeu o campeonato da rua Dom Manoel da Costa na penúltima rodada. O juiz com certeza deve ter roubado. O Santa Cruz – tragédia – venceu o campeonato pernambucano. O Sport ficou a ver navios, na Ilha do Retiro.
O menino brasileiro – um entre milhões – aprendeu ali que a vida é feita também de derrotas, fracassos, reprovações. Mas é também feita de lembranças que só aparentemente são desimportantes. Uma paixão infantil pelo escrete deve ter começado ali, na corrida atrás daquele ônibus.
Então, dou um conselho aos meninos brasileiros: corram atrás do ônibus da seleção, se tiverem a chance. Ou do carro de bombeiros no desfile da vitória. Quantas lembranças, quantas paixões pelo escrete não surgirão entre esses meninos que correrão, desembestados, com uma folha de papel em branco nas mãos ?

Posted by geneton at 12:04 PM

abril 30, 2014

O DIA EM QUE JORNALISTAS SE OCUPARAM DE JORNALISMO, NA TELA DO CINEMA

1. É gol! "O Mercado de Notícias" - documentário que o cineasta Jorge Furtado fez sobre jornalismo - acaba de ganhar o festival de cinema de Pernambuco.
2. O documentário propõe uma saudável discussão sobre a atividade jornalística. Jornalista - como se sabe - passa a vida falando dos outros mas...que tal falar do próprio jornalismo ?
3. Furtado descobriu uma preciosidade: um texto teatral inglês de 1625 chamado..."O Mercado de Notícias". Dirigiu a encenação de trechos da peça diante da câmera.
4. O documentário mistura cenas da peça com depoimentos de treze jornalistas: Jânio de Freitas, Mino Carta, Bob Fernandes, Raimundo Pereira, Paulo Moreira Leite, Renata Lo Prete, Maurício Dias, Cristiana Lobo, José Roberto de Toledo, Leandro Fortes, Luis Nassif, Fernando Rodrigues e o locutor-que-vos-fala.
Estou temporariamente longe de redações e de qualquer atividade jornalística, mas fui ver o documentário.
Primeiro, tive de me recuperar do trauma indizível de me ver "em tela grande". ( Confirmadamente, o melhor lugar do mundo para fazer cinema ou algo parecido é atrás de uma câmera, jamais na frente. Aliás: o melhor lugar é diante de um teclado - de preferência, numa ilha remotíssima). Agora, arrisco um palpite: "O Mercado de Notícias" terá uma bela carreira, porque provocará "n" discussões, entre profissionais e estudantes, sobre este bicho complicado, o jornalismo.
4. Ainda não exibido nos cinemas, "O Mercado de Notícias" terá desdobramentos: versões ampliadas dos depoimentos dos 13 jornalistas que estão no documentário serão postadas no site do projeto.
O primeiro: Jânio de Freitas.
O colunista da Folha diz que os jornalistas frequentemente se enganam: pensam que jornais são impressos para divulgar notícias. Não são - diz ele. Jornais são impressos, prioritariamente, segundo Jânio, "para editar publicidade" - porque esta é que dá dinheiro às empresas."O jornalismo recheia o entorno dos anúncios".
O depoimento:
http://goo.gl/jCFtqa

Posted by geneton at 12:08 PM

PUBLICITÁRIOS, TENTEM OUTRO SLOGAN. NADA DE MACACADA

Só pra tentar botar um inútil pingo num i : macaco é quem joga banana nos outros. Ponto. Basta uma ida ao zoológico ( ou, eventualmente, a um estádio ) para confirmar.
Quanto ao resto dos bípedes falantes, são todos humanos - até prova em contrário. Os que se declaram "macacos" na intenção de condenar um gesto estúpido estão, na verdade, se rebaixando e revogando, por vias tortas, a Teoria da Evolução das Espécies. Não é assim que se combate o racismo. Ver os outros se rebaixarem: é tudo o que um racista gostaria que acontecesse. Não vai ser dessa vez. Publicitários: tentem outro slogan, please. O do macacada não vale.

Posted by geneton at 12:08 PM

abril 21, 2014

PROFESSORA SOCORRO VIEIRA PARA PRESIDENTE !

Parem as máquinas! A melhor e mais importante declaração feita este ano por uma "autoridade pública" no Brasil não veio de nenhum governante, nenhum candidato, nenhum parlamentar municipal, estadual ou federal. Veio de uma professora de uma escola pública que fica lá no "fim do mundo" - no norte do Piauí. O lugar se chama Cocal dos Alves.
Nome da professora: Socorro Vieira. Aparece logo no início de um dos episódios da série Educação.Doc - realizada por Luiz Bolognesi e Laís Bodansky - que a Globonews acaba de reprisar.
Em resumo, ela diz que, se tivesse a chance de faturar "milhões" em outra profissão, dispensaria de bom grado o dinheiro para continuar se dedicando a uma tarefa que ela julga mais compensadora: a de guiar a mão de uma criança rabiscando as primeiras letras na turma de alfabetização. Não por acaso, a escola em que ela trabalha vem obtendo índices surpreendentes. Em uma frase: a dedicação vencendo a precariedade. A professora se pergunta por que os governos não fazem o que deveriam fazer. É possível imaginar o que poderia acontecer se as condições fossem melhores.
O locutor-que-vos-fala votaria de bom grado num candidato - ou candidata - que prometesse o seguinte: um dia depois de tomar posse, entraria no gabinete presidencial no Palácio do Planalto para anunciar que, a partir daquela data, TODAS as escolas públicas do país funcionariam em tempo integral - de nove da manhã às cinco da tarde. E também: 95% das verbas gastas pelo governo em publicidade seriam imediatamente "desviadas" para o ensino público. Ponto. Acorda, Darcy Ribeiro!
Vai aqui o link para a fala da professora. Vale ouvir:
http://goo.gl/zXecJg

Posted by geneton at 12:16 PM

PROFESSORA SOCORRO VIEIRA PARA PRESIDENTE !

Parem as máquinas! A melhor e mais importante declaração feita este ano por uma "autoridade pública" no Brasil não veio de nenhum governante, nenhum candidato, nenhum parlamentar municipal, estadual ou federal. Veio de uma professora de uma escola pública que fica lá no "fim do mundo" - no norte do Piauí. O lugar se chama Cocal dos Alves.
Nome da professora: Socorro Vieira. Aparece logo no início de um dos episódios da série Educação.Doc - realizada por Luiz Bolognesi e Laís Bodansky - que a Globonews acaba de reprisar.
Em resumo, ela diz que, se tivesse a chance de faturar "milhões" em outra profissão, dispensaria de bom grado o dinheiro para continuar se dedicando a uma tarefa que ela julga mais compensadora: a de guiar a mão de uma criança rabiscando as primeiras letras na turma de alfabetização. Não por acaso, a escola em que ela trabalha vem obtendo índices surpreendentes. Em uma frase: a dedicação vencendo a precariedade. A professora se pergunta por que os governos não fazem o que deveriam fazer. É possível imaginar o que poderia acontecer se as condições fossem melhores.
O locutor-que-vos-fala votaria de bom grado num candidato - ou candidata - que prometesse o seguinte: um dia depois de tomar posse, entraria no gabinete presidencial no Palácio do Planalto para anunciar que, a partir daquela data, TODAS as escolas públicas do país funcionariam em tempo integral - de nove da manhã às cinco da tarde. E também: 95% das verbas gastas pelo governo em publicidade seriam imediatamente "desviadas" para o ensino público. Ponto. Acorda, Darcy Ribeiro!
Vai aqui o link para a fala da professora. Vale ouvir:
http://goo.gl/zXecJg

Posted by geneton at 12:13 PM

abril 19, 2014

"NÃO TOCO HINOS SÓ PARA OS VENCEDORES CONSAGRADOS (...) VIVAS ÀQUELES QUE LEVARAM A PIOR !" - DIZ O POETA, DECLAMADO POR PERÉIO

Eis os belos versos de Walt Whitman que Paulo César Peréio declama, com aquela voz de trovão, na abertura e no encerramento do nosso documentário DOSSIÊ 50: COMÍCIO A FAVOR DOS NÁUFRAGOS - que será reexibido neste sábado, dia 19, às sete da noite, no Canal Brasil ( produzido pela GLOBONEWS, o COMÍCIO reúne, pela primeira vez, a voz ou a imagem de todos os onze jogadores brasileiros que enfrentaram o Uruguai na decisão da Copa de 50 no Maracanã - e naufragaram gloriosamente. Passaram a vida estigmatizados pela derrota. É hora de anistiá-los.
Grita, Peréio:

“Com música forte eu venho
Com minhas cornetas e meus tambores:
Não toco hinos
só para os vencedores consagrados
Vocês já ouviram dizer
Que ganhar o dia é bom ?
Pois eu digo que é bom também perder:
Batalhas são perdidas
Com o mesmo espírito
Com que são ganhas.
Eu rufo e bato o tambor pelos mortos
e sopro nas minhas embocaduras
o que de mais alto e mais jubiloso
posso por eles.
Vivas àqueles que levaram a pior
E àqueles cujos navios de guerra
afundaram no mar !
E a todos os generais das estratégias perdidas-
Foram todos heróis !
E ao sem-número de heróis desconhecidos,
equivalentes aos heróis maiores
Que se conhecem !
Aos que falharam, grandes na aspiração,
Aos soldados sem nome
tombados na vanguarda do combate-
- eu gostaria de erguer
um monumento coberto de louros
alto, bem alto , acima dos demais”.
.

Posted by geneton at 12:16 PM

abril 18, 2014

GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ DESCOBRE O SECRETO FASCÍNIO DAS MATINÊS: IR AO CINEMA À TARDE PODE SER A SOLUÇÃO PARA AS DORES E INFORTÚNIOS ÍNTIMOS

O cansaço deixou marcas no rosto de Gabriel García Márquez: os olhos estão vermelhos, os cabelos desgrenhados são uma moldura perfeita para o tédio que se desenha em cada sulco da face, a camisa branca exibe marcas de suor nas axilas. São 11 e 45 da noite.
A fama cansa. Deixe-me em paz. Quero dormir – é o que diria, se quisesse ser brutalmente franco com o repórter que o importuna neste fim de noite.
Se pudesse escolher, García Márquez estaria dormindo o quarto sono agora. Mas o Prêmio Nobel é homem de palavra. Cumpre a promessa feita horas antes : depois de passar a tarde inteira falando a estudantes de cinema sobre os segredos da criação literária, como se os talentos da imaginação pudessem ser transmitidos numa sala de aula, ele chega sozinho à recepção deste hotel de terceira categoria em Havana.
Desaba o peso do corpo sobre uma poltrona vagabunda. Acende um charuto. Aceita com um meneio de cabeça a oferta do garçom : um copo de água mineral.
GGM acha que qualquer tempo concedido a repórteres é puro desperdício. Mas aceitara dar uma entrevista desde que o assunto não fosse literatura.
Por imposição do entrevistado, o único tema permitido em nossa conversa seria o mais improvável e aparentemente mais desimportante de todos os assuntos por ventura merecedores de menção num diálogo com um prêmio Nobel de Literatura : o fascínio que as matinês de cinema exercem sobre ele até hoje.
Como todo grande escritor conquista o direito de exercitar pequenas excentricidades sem precisar dar explicações aos intrusos, GGM também determinou com antecedência o número de perguntas: somente seis. Nada além. Número cabalístico ? Jamais se saberá. Não pude perguntar. Não era este o assunto da entrevista.

Eis as descobertas de Gabriel García Márquez sobre as matinês:
1
Por que o senhor considera as matinês tão fascinantes ?
“À hora da matinê – uma palavra francesa metida a empurrões no castelhano – ,no interior dos cinemas, respira-se uma atmosfera lúgubre. Parece que os passos ressoam menos no piso atapetado, mas a verdade é que os que assistem à sessão das três procuram, inconscientemente, passar despercebidos. “É o sentimento de culpa da matinê”, já disse alguém, definindo dessa maneira a atmosfera de mistério e clandestinidade que têm os cinemas às três da tarde”
2
O que é que diferencia, então, o frequentador de matinês dos das outras sessões ?
“Um cinema à hora da matinê se parece a um museu. Ambos têm um ar gelado, uma quietude funerária. E, entretanto, é a hora preferida dos verdadeiros cinéfilos. O verdadeiro cinéfilo vai ao cinema sempre sozinho. Senta-se invariavelmente nas laterais da sala. Não mastiga chiclete nem come qualquer tipo de guloseima. Não lê jornais nem revistas, pois permanece nas nuvens, concentrando a tela com ar de concentrada estupidez até começar a projeção”
3
Pelo que o senhor conseguiu observar no escuro, como é que este cinéfilo se comporta depois de iniciado o filme ?
“Desaperta o cinto, desamarra os cordões dos sapatos e o nó da gravata e trata de apoiar os joelhos ou pôr os pés no espaldar da poltrona dianteira. Cinco minutos depois de começada a a projeção, pode estourar uma bomba no cinema que o verdadeiro cinéfilo não se dará conta”
4
Mas não é possível que as matinês sejam povoadas somente por cinéfilos fanáticos. Quem é, então, que faz companhia a eles ?
“Vai também à matinê aquele a quem o cinema não tem a menor importância. É muito provável que a clientela das matinês diminuiria sensivelmente se os colégios secundários fossem fechados. Os estudantes que comumente vão ao cinema em grupos não têm outro interesse além de se refugiar em lugar seguro enquanto as aulas passam”.
5
O fato de estudantes se refugiarem nas matinês para escapar das aulas explica o ar de estranha clandestinidade dessas sessões de cinema ?
“Como todos nós o fizemos alguma vez, é também muito provável que essa seja a origem do “sentimento de culpa” e da sensação de clandestinidade de que nós, adultos, padecemos na matinê. Devido a esse pequeno público, um cinema às três da tarde é o lugar mais seguro para um encontro escondido, para os amores secretos – por qualquer motivo – e para fugir a uma obrigação inadiável”.
6
Qual foi a melhor definição que o senhor já ouviu sobre as matinês ?
” “Quando tiver um problema sem solução, vá à matinê´´, dizia, há algum tempo, o gerente de uma importante empresa ao chefe de relações públicas : na quarta-feira da semana seguinte, eles se encontraram à saída de uma matinê”.

Meia-noite e meia. Gabriel García Márquez disfarça o bocejo, mas, dois minutos depois, emite um suspiro de cansaço e impaciência, como a dizer que chega, basta, já tinha dito o que queria sobre o mistério das matinês, um assunto mais importante do que todas as inúteis teorias literárias.
Despede-se com um aperto de mão pouco convincente. Em vinte segundos, desaparece de vista, na penumbra de um corredor de hotel mal iluminado nesta noite de julho em Havana.
***************************
(*) PS: Tanto os encontros com Gabriel García Márquez em Havana quanto as perguntas da entrevista são imaginários : um exercício de realismo mágico amador. Mas as divagações de García Márquez sobre as matinês são verdadeiras : foram extraídas do texto “Por que você vai à matinê ?”, publicado no livro “Textos Andinos” (Editora Record)

Posted by geneton at 12:16 PM

abril 17, 2014

GARCÍA MÁRQUEZ: "OS REDATORES DOS JORNAIS TROPEÇAM COM A SEMÂNTICA, NAUFRAGAM NA ORTOGRAFIA E MORREM DE INFARTO NA SINTAXE"

O grande Gabriel García Márquez morreu, mas tão cedo poderá descansar: dará voltas e voltas no túmulo, diante da quantidade industrial de subliteratura que será escrita sobre ele nos próximos dias, próximas semanas, próximos meses. Assim caminha a humanidade.
( primeira impropriedade: só deveria chamá-lo pelo apelido - "Gabo" - quem fosse realmente íntimo do homem. Todos os outros deveriam tratá-lo como Excelentíssimo Escritor Doutor Gabriel García Márquez. Ah, a falsa intimidade dos apelidos... ).
Um dia disse, ao se referir aos tempos em que não havia ainda trabalhado em redações: "Eu ainda não tinha sido vitimado pelo engodo do jornalismo como ofício".
Por castigo, ao longo da vida terminou virando "vítima" do jornalismo como personagem. Faz poucos dias, mandou dizer aos jornalistas acampados na porta do hospital: "Vão fazer algo útil !".
Tinha horror a dar entrevistas. Uma vez, reclamou de famosa incapacidade de jornalistas de reproduzir com clareza o que ouviram.
Numa conferência, o Excelentíssimo Escritor Doutor García Márquez lamentou:
"Para os redatores dos jornais, a transcrição é uma prova de fogo: confundem o som das palavras, tropeçam com a semântica, naufragam na ortografia e morrem do infarto na sintaxe".
( o texto completo da conferência de García Márquez sobre o jornalismo foi publicado em livro, no Brasil, com o título de "Eu Não Vim Fazer um Discurso").
Em "Viver para Contar", ao falar de um suicida, escreveu que ele "se pôs a salvo dos tormentos da memória".
Eis uma maneira precisa de falar da morte ! Quem morre se salva dos "tormentos da memória" - para sempre.
Ninguém melhor do que o próprio García Márquez para falar da morte de García Márquez.
Poderia - simplesmente - repetir o que escreveu em Viver para Contar, ao lembrar do navio que o levou para longe do lugar onde tinha passado parte da infância. A paisagem sumia, ao longe:
"Contemplei pela última vez as luzes do mundo que eu me dispunha a esquecer sem dor - e chorei à vontade até o amanhecer".

Posted by geneton at 12:16 PM

março 31, 2014

CENAS DO SURREALISMO BRASILEIRO

Cenas do surrealismo brasileiro: preso num quartel, no Rio de Janeiro, nas semanas que se seguiram à decretação do AI-5, Gilberto Gil ouve a oferta surpreendente: um sargento pergunta se Gil quer um violão - emprestado. A resposta é sim. O sargento traz um violão de casa. Gil guarda até hoje o nome do militar: sargento Juarez. É uma das histórias de CANÇÕES DO EXÍLIO, documentário que o CANAL BRASIL exibe nesta segunda-feira, dia 31, às sete da noite - nos cinquenta anos do golpe de 1964. E mais: Caetano Veloso se lembra de ter visto um gravador em cima da mesa, durante o interrogatório a que foi submetido por militares, no Rio. Por onde andaria, hoje, esta fita ?

Posted by geneton at 12:19 PM

BYE, BYE, BRASÍLIA: SIMON FAZ UM RETRATO FALADO DOS ÚLTIMOS DIAS DE GOULART NO PODER

Termina já, já, a uma e cinco da manhã,a MARATONA DOSSIÊ GLOBONEWS/50 ANOS DO GOLPE DE 64 -
com um detalhado depoimento do hoje senador Pedro Simon sobre a agonia dos últimos dias de João Goulart no poder.
As palavras de Simon - à época um jovem deputado, partidário de Goulart - retratam um presidente sitiado no poder, bombardeado por pressões de todos os lados: aliados que queriam pressa na execução das "reformas de base", os jornais disparando petardos impressos, os militares conspirando, os americanos se articulando para uma possível intervenção. É um depoimento que dá o que pensar.
O DOSSIÊ trouxe, nos últimos dias, depoimentos tanto de guerrilheiros que pegaram em armas quanto de generais que estão certos de que tiraram o Brasil do abismo - e civis que apoiaram o golpe.
É aquela história: uma das funções do Jornalismo pode ser, simplesmente, a de "produzir memória" - sem pretensões exageradas, sem patrulhagem ideológica. Já é o bastante.
Então, boa noite. É hora de voltar à caverna, para um período de hibernação.

Posted by geneton at 12:19 PM

março 29, 2014

GENERAL: "SOLDADO É O CIDADÃO DE UNIFORME, PARA O EXERCÍCIO CÍVICO DA VIOLÊNCIA"

Uma voz dos quarteis dos "anos de chumbo": GLOBONEWS reexibe já, já, neste sábado, às 21:05, com reapresentação no domingo às 17:05, entrevista em que o general Leônidas Pires chama todos os exilados de "fugitivos", diz que DOI-CODI pagou por informações e declara que "soldado é o cidadão de uniforme, para o exercício cívico da violência". Faz, também, narrativa sobre a noite dramática da internação do presidente eleito Tancredo Neves num hospital de Brasília, um dia antes da posse ( o general Leônidas tinha sido escolhido por Tancredo como ministro do Exército ). Um grupo de políticos - "os luminares da República", segundo ele - discutia quem deveria tomar posse no lugar de Tancredo: se o vice José Sarney ou se o presidente da Câmara, Ulysses Guimarães. O general narra que se aproximou do grupo com uma Constituição e disse que não poderia haver dúvida. Quem deveria tomar posse era Sarney. E assim foi feito.

Posted by geneton at 12:22 PM

"PAI, AFASTA DE MIM ESSE CÁLICE"

"Pai, afasta de mim esse Cálice" :
( ou: ...e,agora, uma pequena pausa para nossos "comerciais"..)
O CANAL BRASIL exibe, às sete da noite de segunda-feira, dia 31 de março, aniversário do golpe militar, íntegra do nosso documentário CANÇÕES DO EXÍLIO : A LABAREDA QUE LAMBEU TUDO. Com : Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jards Macalé e Jorge Mautner. Narração: Paulo César Peréio. Participação: Lorena Silva.
Sou suspeitíssimo para falar, mas vale ver: os depoimentos são ricos. Em alguns momentos, emocionam - como a descrição de como foi composta a música Cálice ,rara parceria de Gilberto Gil & Chico Buarque de Holanda.
O documentário não traz guerrilheiros, políticos ou militares. Vai por outro caminho: como a decretação do AI-5 afetou a vida de grandes nomes da música popular? Qual foi o impacto que a fase mais dura dos chamados "anos de chumbo" teve sobre a vida e o trabalho de artistas? Depoimentos completos de Gilberto Gil e Caetano Veloso sobre a prisão dos dois, em São Paulo; revelações sobre o que Caetano ouviu nos quartéis sobre Geraldo Vandré; as ricas discussões, no exílio, entre Glauber Rocha e Caetano Veloso sobre o papel que os militares poderiam ter na abertura política; as dúvidas sobre se deveriam ou não voltar ao Brasil do general Médici; a lembrança emocionada de Gilberto Gil sobre a experiência de ver pela TV, no exílio londrino, a vitória da seleção brasileira na Copa do Mundo no México; a incrível cena vivida por Gilberto Gil num quartel, na prisão: o comandante pede que ele cante para a tropa. Delírios brasileiros, dores do passado, caminhos interrompidos, sonhos reconstruídos.

Posted by geneton at 12:22 PM

março 28, 2014

MARATONA 50 ANOS DE 64: EX-MINISTRO DOS GOVERNOS MÉDICI E GEISEL FALA DOS BASTIDORES DO PODER NO DOSSIÊ GLOBONEWS, A UMA E CINCO DA MANHÃ

Ex-ministro Reis Velloso diz que militares deveriam ter devolvido logo o poder aos civis: teria de ter havido, em 1965, uma eleição presidencial que tinha tudo para ser empolgante: Juscelino Kubitschek enfrentaria Carlos Lacerda nas urnas. Mas não. Militares revogaram eleição direta e estenderam mandato do marechal Castelo Branco. Resultado: a eleição empolgante foi para o espaço. JK foi cassado. Lacerda idem. Só haveria eleição de novo para presidente em 1989!

Posted by geneton at 12:29 PM

A LONGA NOITE DOS DILEMAS

GLOBONEWS reexibirá depoimento do hoje senador Pedro Simon ao DOSSIÊ GLOBONEWS sobre os dilemas vividos por João Goulart nas últimas horas antes do golpe de 1964.
Simon testemunhou a chegada de Jango a Porto Alegre, na madrugada do dia primeiro, para últimas e dramáticas conversas com aliados - civis e militares. Leonel Brizola queria que fosse articulada uma resistência. O comandante do III Exército disse que estaria pronto para defender o presidente.
Simon tinha ouvido um desabafo de Jango: numa audiência em Brasília, o presidente reclamara do açodamento de aliados que queriam que as reformas fossem feitas já. Jango se sentia, também, sitiado por pressões vindas de todos os lados: dizia que empresários, Igreja, imprensa, estavam todos contra ele. E os americanos prontos a intervir. Quando a situação chegou a um ponto dramático, na madrugada do dia primeiro, Jango estava diante do dilema: resistir ou partir. Se houvesse resistência, haveria, provavelmente, derramamento de sangue - algo que o presidente não desejava. Partiu para o Uruguai. Só voltaria ao Brasil morto, em dezembro de 1976. É o único caso de presidente brasileiro que morreu no exílio. O depoimento de Simon é a palavra de uma testemunha ocular de cenas que, hoje, fazem parte da história.

Posted by geneton at 12:24 PM

março 25, 2014

O QUE UM CONSUMIDOR QUE É TRATADO COMO OTÁRIO PODE FAZER ? NADA, ALÉM DE REPETIR: QUEREM UM CONSELHO? NÃO COMPREM NO PONTO FRIO ! NÃO QUEIRAM DEPENDER DA SPRINGER PARA NADA ! NUNCA, JAMAIS, SOB HIPÓTESE ALGUMA !

Em resumo: o consumidor-otário teve a péssima idéia de comprar um ar-condicionado na loja do Ponto Frio no Barra Shopping, no dia 15 de janeiro de 2014.
O ar-condicionado foi entregue. Ficou devidamente embalado, porque não iria ser instalado na hora, claro. Quando, dias depois, o pacote foi aberto, descobriu-se que o aparelho estava amassado - muitíssimo provavelmente, o dano foi provocado por uma queda durante o transporte até a casa do consumidor-otário.
O que deveria acontecer ? Se esta não fosse a Republiqueta dos Pilantras, o aparelho deveria, simplesmente, ser trocado. É algo que poderia se resolver em duas horas - se este país não se chamasse Brasil e se o comércio não fosse dominado por bandidos de todo tipo.
Fico imaginando quantos e quantos casos parecidos não se repetem todo dia.

Primeiro, o Ponto Frio diz que o consumidor-otário deveria ter aberto o pacote para inspecionar o aparelho no momento da entrega. Em nenhum momento os entregadores disseram nada parecido: apenas entregaram o aparelho, pegaram a gorjeta e tchau.
Depois, o Ponto Frio encaminha o consumidor-otário para uma nova Via Crucis - com fabricante, assistência técnica etc.etc.. Ora, não é a loja que faz a venda que deveria fazer a troca ? Não: o consumidor-otário é orientado a entrar em contato com o fabricante - Springer ( primeiro de uma série de absurdos ).
Em seguida, a Springer aciona uma empresa chamada Service Sul - para fazer "um laudo".
Depois de uma dúzia de telefonemas, um técnico foi finalmente enviado à casa do consumidor-otário, no dia 24 de fevereiro. Constatou, por escrito: "Aparelho amassado. Provavelmente no transporte, o aparelho sofreu uma queda. Cliente solicita troca".
Desde então, um atendente empurra para outro. Diz que o consumidor-otário deve "aguardar retorno" amanhã. Não ligam nunca de volta ! Não é exagero: NUNCA! Fazem o consumidor não apenas de otário - mas de palhaço. Ficam dando inúteis números de protolocos ( já são pelo menos quatro....).
Resumo da ópera: quer ficar livre do risco de ter dor de cabeça ?
Não passe nem perto do Ponto Frio. Não passe nem perto da Springer. É preocupação, stress e perda de tempo, na certa.
Tudo indica que serão R$ 1.194.71 jogados no lixo - o preço do malfadado ar-condicionado. O número da nota poderia servir para jogar no bicho: 290.221.794. O problema é que nunca joguei.
Já virou um lugar comum: num país minimamente sério, quem trata o consumidor como otário deveria, no mínimo, levar uma multa milionária. Mas este é o país dos bandidos.
Não há o que fazer. É botar o nariz de palhaço e correr para longe, o mais longe possível de quem trata assim o idiota do consumidor que, um dia, teve a péssima ideia de entrar numa loja dessas. Como diria o corvo do poema, nunca mais, nunca mais, nunca mais.

Posted by geneton at 12:25 PM

março 21, 2014

CHE GUEVARA: "VOCÊS, BRASILEIROS, FAZEM MILAGRE...."

Aviso aos navegantes: dentro da Maratona 50 anos de 64, GLOBONEWS reprisa, a uma da manhã, entrevista com o jornalista e ex-militante Flávio Tavares: a história completa de um encontro entre Leonel Brizola e Ernesto Che Guevara, no Uruguai. Comentário de Che Guevara sobre o Brasil, ao notar que Flávio Tavares iria fotografá-lo à noite, sem flash: "Vocês, brasileiros, fazem milagre...".

Posted by geneton at 12:35 PM

março 17, 2014

FERNANDO SPENCER PEDE LICENÇA À PLATEIA E SAI DE CENA

Fernando Spencer - que saiu de cena hoje, num hospital do Recife - tinha um poder mágico: o de irradiar a paixão pelo cinema. Não se contentava em escrever sobre cinema, numa coluna do Diário de Pernambuco. Fazia filmes com o que estivesse ao alcance da mão: pouco importa se em Super 8, 16, 35.
Não é difícil imaginar a precariedade do cenário: faltava dinheiro, faltava equipamento, faltava laboratório. Mas os filmes iam nascendo, como se fossem rebentos de uma guerrilha a favor da luz. É o que o cinema jamais deixará de ser, especialmente em tempos inóspitos como eram aqueles: um ato de guerrilha a favor da luz.
Como se não bastasse, Spencer não se limitava a fazer filmes: fazia questão de mobilizar parceiros para aquela guerrilha. Bastava que o aventureiro fizesse meros filmes em Super-8 - como era o meu caso, em meados dos anos setenta - para ser imediatamente batizado de "cineasta" nas colunas de Spencer.
Trabalhei com ele, naqueles verdes anos. Uma das gavetas da mesa de Spencer na redação do Diário era um território fascinante para o repórter que se iniciava na profissão: lá estavam montanhas de fotos em preto e branco de atores, atrizes, diretores de cinema.

Graças a ele, me arrisquei a fazer um primeiro filme em Super-8. Spencer se deu ao trabalho de ir à minha casa, no domingo, para ver a "filmagem" improvisada. Publicou fotos na coluna. Inscreveu o filme na Jornada de Curta-Metragem de Salvador. Poderia ter ficado em casa, é claro, porque era dia de descanso. Mas, não: queria ver, pessoalmente, o primeiro esforço "cinematográfico" do pupilo ( aliás: se eu tivesse um mínimo controle sobre o que viria adiante, não teria dúvida em escolher cinema - e não jornalismo - como atividade. Mas a vida, em última instância, é uma grande coleção de equívocos ).
Depois, eu teria a chance de passar tardes inteiras no escritório que Spencer mantinha em casa: uma balbúrdia de fotos, laudas, roteiros, anotações, fotogramas, cartas, latas de filme, recortes de jornais e revistas. Dificilmente, Chaplin terá tido um admirador tão devotado.
( uma vez, Spencer recebeu um telefonema inesperado do editor-chefe: o carro do jornal iria levá-lo, às três da manhã, para o aeroporto. Um funcionário da companhia aérea tinha passado, em off, a informação ao jornal: um avião que trazia o ator Jack Nickolson e o diretor Roman Polanski iria fazer uma escala no Recife. Spencer pensou que era brincadeira. Não era. Tomou banho, trocou de roupa, ficou esperando a Kombi do Diário de Pernambuco. Lá se foi, insone, para o Aeroporto dos Guararapes. O funcionário da companhia aérea providenciou o desembarque de Nickolson e Polanski - que, nos poucos minutos passados em território pernambucano, foram devidamente fotografados ao lado de Fernando Spencer, o crítico do jornal. O Diário de Pernambuco estampou o flagrante na primeira página, no início de 1973. Naquelas tardes imensas, Spencer descreveria, também, os encontros com Jane Fonda e Anthony Perkins - o Norman Bates do filme Psicose. Os assessores não permitiram fotos de Jane Fonda durante a rápida entrevista: o jornal só poderia publicar a foto oficial. Coisas do submundo das celebridades...)
Os contatos com as super-estrelas eram, claro, esporádicos. A "vida real" era no Recife, o extremo-oposto do especto hollywoodiano, às voltas com planos que nem sempre saíam do papel. Spencer vibrava com cada rebento que saia da moviola para iluminar - ainda que precariamente - nossas telas improvisadas no Recife. Quem já fez ou pensou em fazer cinema no Recife nas últimas décadas, é devedor de Spencer, como bem lembrou Paulo Cunha. Num ato de justiça,o cineasta Amin Stepple - inteligência luminosa de uma geração que apostou no cinema - chamou Spencer de "pai do cinema pernambucano". Os avôs eram os pioneiros do Ciclo do Recife.
Eu me lembro com toda clareza de Spencer fumando um Hollywood atrás do outro, na última mesa à esquerda de quem entrava na redação do Diário de Pernambuco, no prédio da Praça da Independência. Junto da mesa, ficavam os teletipos das agências de notícias: AP, UPI, France Press, Meridional. O barulho incessante das máquinas transmitia à redação um tom de urgência: o mundo pulsava ali, o planeta mandava notícias - inclusive, sobre o que acontecia nas telas de cinema. A fumaça envolvia o ambiente numa névoa acinzentada. Era outro planeta - nada parecido com as atuais redações, silenciosas, assépticas, antitabagistas. Neste território, sob o som dos teletipos e envolta por aquela fumaça, movia-se a paixão arrebatadora de Spencer pelo cinema, pela luz na tela.
O cigarro matou Spencer. Mas ele já tinha sido salvo, há tempos, pelo cinema.
+++++++++++++++++++++++++++++++++++++
PS: Aqui, o artigo que Amin Stepple publicou hoje, no blog de Magno Martins, sobre o guerreiro:
Fernando Spencer, o pai do cinema pernambucano
A sala do cinema ficou hoje ainda mais escura. Morreu Fernando Spencer, aos 87 anos, depois de enfrentar uma longa batalha contra a fumaça dos cigarros que enevoou os seus pulmões ao longo de uma vida dedicada a uma grande paixão: o cinema. Se os avôs do cinema pernambucano são os pioneiros do cinema mudo Ary Severo e Jota Soares, Spencer é inquestionavelmente o pai do moderno cinema realizado hoje em nosso estado.
Crítico de cinema durante quarenta anos, com coluna no Diario de Pernambuco e ainda programa semanal de cinema na televisão, a história da produção cinematográfica pernambucana se confunde com a história de vida de Fernando Spencer. É impossível dissociá-las.
Spencer talvez seja o único cineasta em todo o Nordeste que realizou filmes em todas as bitolas: 35 mm, 16mm, Super-8 e vídeo. Premiado várias vezes em festivais e mostras nacionais, coube a Spencer outra façanha: com determinação e entusiasmo, ele recuperou praticamente todos os filmes da fase silenciosa do Ciclo do Recife (1923-31), preservando a memória visual de uma das etapas fundamentais da cultura de Pernambuco. Não é pouca coisa. Pernambuco e o Brasil devem isso a ele.
Outro traço característico de Fernando Spencer: a generosidade. Ele sempre ajudou quem o procurava com o interesse de se iniciar no cinema, realizar algum filme, escrever alguma tese, fazer alguma pesquisa cinematográfica ou até mesmo trabalho escolar. Jamais fechou a porta ou se negou a atender. Pelo contrário, muitos do que hoje brilham nos jornais ou nos filmes comeram e dormiram na cada dele, sempre aberta aos que, como ele, tinham paixão pelo cinema.
Spencer era um incentivador permanente. Um pai desprendido, sem preconceitos e absolutamente jovial. Spencer era pop, gostava de tudo o que era arte, independentemente da origem. Tive oportunidade de fazer um belo filme com Spencer e também uma série de 25 capítulos para a televisão sobre o cinema mudo pernambucano. Foi a pessoa de trato mais fácil com quem eu trabalhei até agora. Quando eu era jovem e carbonário, andei polemizando com Spencer pelos jornais. Questões rigorosamente cinematográficas, nunca nada pessoal. Uma bobagem, da minha parte.
Mas Spencer tinha duas pastas. Uma, com artigos de pessoas que brigaram com ele ou fizeram alguma crítica negativa. Outra, só com textos de pessoas que o haviam elogiado, bem mais volumosa, logicamente. Eu repousava serenamente nas duas pastas: a do contra e a do a favor. O que, com o passar do tempo, se tornou motivo de riso entre nós dois.
Uma vez ele me disse que iria me tirar da pasta do contra, já que não se sentia à vontade que eu, como grande amigo dele, permanecesse lá. Não concordei. Quem ama o cinema sabe que ele é feito também de conflitos. Disse-lhe que me sentia bem nas duas pastas. Isso era cinema e como tal deveria ficar, inalterado.
Muitas vezes, quando ia a casa dele para visitá-lo ou mesmo a trabalho, ele me oferecia uns drinques. Uísque japonês. O consulado do Japão sempre mandava para ele, no final de ano, umas garrafas de uísque made in Japan. Spencer, que entendia de cigarro (colecionava maços de cigarro de todas as partes do mundo) e nada de bebida, servia, com orgulho e prazer, o uísque dos japas.
Hoje, dia em que o cinema voltou a ficar mudo, só resta aos seus amigos e admiradores, fazer um brinde a Spencer. Uísque japonês para todos. Obrigado, Spencer.

Posted by geneton at 12:35 PM

março 15, 2014

1964: A GUERRA DAS PALAVRAS : DEPOIMENTOS CONTRA - E A FAVOR - DO GOLPE. É HOJE, NA GLOBONEWS

Aviso aos navegantes: Globonews exibe neste sábado, às 21:05, com reprise amanhã, às 17:05, segundo programa da maratona DOSSIÊ GLOBONEWS com personagens ligados ao golpe militar de 1964: gente que apoiou - como ex-ministros e ex-governadores - e gente que combateu, como ex-guerrilheiros.
Entre os personagens: ex-guerrilheiros Carlos Eugênio Paz - que, recrutado para a luta armada por Carlos Marighella, mobilizou a própria mãe para a guerrilha; Cid Benjamin, personagem importante do sequestro do embaixador americano; Paulo Egydio, governador de São Paulo na época da morte de Vladimir Herzog ; Reis Velloso, ministro dos governos Médici e Geisel.

Posted by geneton at 12:35 PM

janeiro 06, 2014

JOEL SILVEIRA, A "VÍBORA", PENSOU EM FAZER NOITE DE AUTÓGRAFO, MAS DESISTIU: "E SE "ELA" APARECER ?"

....E, para encerrar 2014, uma tirada do grande Joel Silveira
( aos não iniciados: Joel era tido - com razão - como o maior repórter brasileiro. Ganhou de Assis Chateaubriand o apelido de "a víbora").
Tive a sorte de trabalhar com Joel em dois livros: "Hitler-Stalin: o Pacto Maldito" e "Nitroglicerina Pura". Oficialmente, éramos co-autores, mas é óbvio que, na prática, Joel era mestre e eu, discípulo.
Joel - que era capaz de passar meses e meses "enclausurado" no bunker em que vivia, rodeado de livros, na rua Francisco Sá, em Copacabana - chegou a pensar em fazer noite de autógrafo de Nitroglicerina Pura.
Usei meu argumento:
- Talvez seja melhor a gente não fazer. Em primeiro lugar, haverá sempre o risco de não aparecer ninguém - ou dois gatos pingados. E, além de tudo, para que "obrigar" os outros a ficar de pé numa fila só para comprar um livro e pegar um autógrafo? Se fosse para pegar um autógrafo de Winston Churchill, tudo bem: talvez valesse a pena o leitor enfrentar o sacrifício..Mas não...Quem quiser comprar o livro pode ir a qualquer hora, em qualquer livraria, sem ser castigado por filas e esperas. E, além de tudo, há o problema dos nomes: a gente corre o risco de se esquecer dos nomes de amigos e conhecidos na hora do autógrafo! Vai ser um vexame!
Joel se convenceu. Mas o argumento definitivo quem deu foi ele mesmo:
- É melhor, então, não fazer noite de autógrafo, mas pelo seguinte: se a gente fizer, "ela" pode aparecer !
Pergunto, ingênuo:
- "Ela" quem :?
Joel exclama:
- "Ela", a espécie humana ! Quero distância ! É ela lá e eu aqui...
A ideia da noite de autógrafo morreu ali. Respirei - estupidamente aliviado.

Posted by geneton at 12:41 PM

JOEL SILVEIRA, A "VÍBORA", PENSOU EM FAZER NOITE DE AUTÓGRAFO, MAS DESISTIU: "E SE "ELA" APARECER ?"

....E, para encerrar 2014, uma tirada do grande Joel Silveira
( aos não iniciados: Joel era tido - com razão - como o maior repórter brasileiro. Ganhou de Assis Chateaubriand o apelido de "a víbora").
Tive a sorte de trabalhar com Joel em dois livros: "Hitler-Stalin: o Pacto Maldito" e "Nitroglicerina Pura". Oficialmente, éramos co-autores, mas é óbvio que, na prática, Joel era mestre e eu, discípulo.
Joel - que era capaz de passar meses e meses "enclausurado" no bunker em que vivia, rodeado de livros, na rua Francisco Sá, em Copacabana - chegou a pensar em fazer noite de autógrafo de Nitroglicerina Pura.
Usei meu argumento:
- Talvez seja melhor a gente não fazer. Em primeiro lugar, haverá sempre o risco de não aparecer ninguém - ou dois gatos pingados. E, além de tudo, para que "obrigar" os outros a ficar de pé numa fila só para comprar um livro e pegar um autógrafo? Se fosse para pegar um autógrafo de Winston Churchill, tudo bem: talvez valesse a pena o leitor enfrentar o sacrifício..Mas não...Quem quiser comprar o livro pode ir a qualquer hora, em qualquer livraria, sem ser castigado por filas e esperas. E, além de tudo, há o problema dos nomes: a gente corre o risco de se esquecer dos nomes de amigos e conhecidos na hora do autógrafo! Vai ser um vexame!
Joel se convenceu. Mas o argumento definitivo quem deu foi ele mesmo:
- É melhor, então, não fazer noite de autógrafo, mas pelo seguinte: se a gente fizer, "ela" pode aparecer !
Pergunto, ingênuo:
- "Ela" quem :?
Joel exclama:
- "Ela", a espécie humana ! Quero distância ! É ela lá e eu aqui...
A ideia da noite de autógrafo morreu ali. Respirei - estupidamente aliviado.

Posted by geneton at 12:41 PM

JOEL SILVEIRA, A "VÍBORA", PENSOU EM FAZER NOITE DE AUTÓGRAFO, MAS DESISTIU: "E SE "ELA" APARECER ?"

....E, para encerrar 2014, uma tirada do grande Joel Silveira
( aos não iniciados: Joel era tido - com razão - como o maior repórter brasileiro. Ganhou de Assis Chateaubriand o apelido de "a víbora").
Tive a sorte de trabalhar com Joel em dois livros: "Hitler-Stalin: o Pacto Maldito" e "Nitroglicerina Pura". Oficialmente, éramos co-autores, mas é óbvio que, na prática, Joel era mestre e eu, discípulo.
Joel - que era capaz de passar meses e meses "enclausurado" no bunker em que vivia, rodeado de livros, na rua Francisco Sá, em Copacabana - chegou a pensar em fazer noite de autógrafo de Nitroglicerina Pura.
Usei meu argumento:
- Talvez seja melhor a gente não fazer. Em primeiro lugar, haverá sempre o risco de não aparecer ninguém - ou dois gatos pingados. E, além de tudo, para que "obrigar" os outros a ficar de pé numa fila só para comprar um livro e pegar um autógrafo? Se fosse para pegar um autógrafo de Winston Churchill, tudo bem: talvez valesse a pena o leitor enfrentar o sacrifício..Mas não...Quem quiser comprar o livro pode ir a qualquer hora, em qualquer livraria, sem ser castigado por filas e esperas. E, além de tudo, há o problema dos nomes: a gente corre o risco de se esquecer dos nomes de amigos e conhecidos na hora do autógrafo! Vai ser um vexame!
Joel se convenceu. Mas o argumento definitivo quem deu foi ele mesmo:
- É melhor, então, não fazer noite de autógrafo, mas pelo seguinte: se a gente fizer, "ela" pode aparecer !
Pergunto, ingênuo:
- "Ela" quem :?
Joel exclama:
- "Ela", a espécie humana ! Quero distância ! É ela lá e eu aqui...
A ideia da noite de autógrafo morreu ali. Respirei - estupidamente aliviado.

Posted by geneton at 12:41 PM

janeiro 04, 2014

O CONSELHO DO GRANDE JOEL SILVEIRA: TODA VEZ QUE OUVIR ALGUÉM DIZER "NÃO SAIA DAÍ" NA TV, DIGA "SAIO,SIM!"

"Detesto calor. Se existe algo que me abate, prostra, irrita, emburrece, avilta e amolece é o calor. Derrotado por ele, como mal, bebo mal, trabalho sem vontade, as palavras me saem suadas e pastosas, porque nascem de uma cabeça opaca, onde predominam o bochorno e o desalento. Prefiro a meia-noite" - dizia o grande repórter Joel Silveira, mestre.
O calor era uma das "implicâncias" de Joel Silveira - mas não a única, é claro. Joel se irritava com apresentadores de TV que, antes dos intervalos comerciais, dizem, imperativamente, ao telespectador: "Não saia daí !".
Toda vez que ouvia alguma figura televisiva ordenar "não saia daí", Joel tinha o impulso de cometer dois pequenos gestos de desobediência. Primeiro: dizer, para si mesmo, "saio, sim!". Segundo: começar a andar em círculos pela sala, só pelo gosto de desobedecer as "ordens" vindas da TV.

Posted by geneton at 12:44 PM

AH, TRISTE SINA...

"Fazer jornalismo é dizer "lorde Jones morreu" a pessoas que nem sabiam que lorde Jones estava vivo" ( G.H. Chesterton ).

Posted by geneton at 12:41 PM

janeiro 03, 2014

DECLARAÇÃO DO ANO

A declaração do ano, desde já, foi feita pelo homem que saiu atirando a esmo na noite do reveillon, em Copacabana, porque estava com "ciúmes" da mulher. Feriu doze - inclusive crianças!
"Pediu desculpas por ter estragado o passeio da família" - segundo os jornais de hoje.
"Estragado o passeio.....".

Posted by geneton at 12:46 PM

dezembro 31, 2013

E O "PÁSSARO AZUL" LEVANTA VOO DE NOVO

Trinta e um de dezembro. Cadê aquele post antigo sobre
Bukowski ? Ei-lo, republicado:
Charles Bukowski escreveu versos bonitos e desarranjados, como “os tigres me encontraram / e eu já não me importo”.
Em apenas duas linhas deste poema chamado “Para Jane”, o velho Bukowski descreve o que poderia ser, perfeitamente, o resumo biográfico de quem chegou à idade da razão : sim, um dia os tigres terminam descobrindo nossos mais preciosos esconderijos, as unhas das feras estão roçando permanentemente a porta para forçar a entrada, mas, tudo somado, não vale a pena temê-los.
Ah, o enorme poder de síntese dos escritores de verdade…
A última linha do poema “Consumação do Pesar” é, igualmente, uma bela declaração de princípios : “Nasci para arrastar rosas pelas avenidas da morte”.
Ou: ”Circulo pelas ruas a um passo de chorar/ envergonhado do meu sentimentalismo e possível amor/ Um homem velho e confuso/ dirigindo na chuva/ perguntando-se onde a boa sorte foi parar”.
Bukowski passou a vida cantando a extravagância em textos “sujos” e dilacerados. Se não tivesse morrido de leucemia em 1994, poderia, quem sabe, saudar o ano novo com os versos de “O Pássaro Azul”, o poema que fecha a coletânea “Textos Autobiográficos” (L&PM Editores, com tradução de Pedro Gonzaga).
A cena imaginada: solitário, o poeta estaria envolto numa névoa na mesa dos fundos de um bar decadente de beira de estrada. Nós, leitores silenciosos, lançaríamos um apelo : ok, velho lobo dos bares, renda-se uma vez na vida à alegria tantas vezes estúpida e obrigatória dos dias 31 de dezembro; use a meia-noite como desculpa para soltar o pássaro azul que você diz guardar há tanto tempo no fundo do peito.
Bukowski jogaria sobre a mesa os versos que escrevera num papel já gasto:
“Há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo, fique aí, não deixarei que ninguém o veja.
Há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas eu despejo uísque sobre ele e inalo
fumaça de cigarro
e as putas e os atendentes dos bares
e das mercearias
nunca saberão que
ele está
lá dentro.
Há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo:
fique aí,
quer acabar comigo ?
(…) Há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
Eu digo: sei que você está aí,
então não fique triste.
Depois, o coloco de volta em seu lugar,
mas ele ainda canta um pouquinho
lá dentro,
não deixo que morra
completamente
e nós dormimos juntos
assim
com nosso pacto secreto
e isto é bom o suficiente para
fazer um homem
chorar,
mas eu não choro,
e você ?”

Posted by geneton at 12:52 PM

E O "PÁSSARO AZUL" LEVANTA VOO DE NOVO

Trinta e um de dezembro. Cadê aquele post antigo sobre
Bukowski ? Ei-lo, republicado:
Charles Bukowski escreveu versos bonitos e desarranjados, como “os tigres me encontraram / e eu já não me importo”.
Em apenas duas linhas deste poema chamado “Para Jane”, o velho Bukowski descreve o que poderia ser, perfeitamente, o resumo biográfico de quem chegou à idade da razão : sim, um dia os tigres terminam descobrindo nossos mais preciosos esconderijos, as unhas das feras estão roçando permanentemente a porta para forçar a entrada, mas, tudo somado, não vale a pena temê-los.
Ah, o enorme poder de síntese dos escritores de verdade…
A última linha do poema “Consumação do Pesar” é, igualmente, uma bela declaração de princípios : “Nasci para arrastar rosas pelas avenidas da morte”.
Ou: ”Circulo pelas ruas a um passo de chorar/ envergonhado do meu sentimentalismo e possível amor/ Um homem velho e confuso/ dirigindo na chuva/ perguntando-se onde a boa sorte foi parar”.
Bukowski passou a vida cantando a extravagância em textos “sujos” e dilacerados. Se não tivesse morrido de leucemia em 1994, poderia, quem sabe, saudar o ano novo com os versos de “O Pássaro Azul”, o poema que fecha a coletânea “Textos Autobiográficos” (L&PM Editores, com tradução de Pedro Gonzaga).
A cena imaginada: solitário, o poeta estaria envolto numa névoa na mesa dos fundos de um bar decadente de beira de estrada. Nós, leitores silenciosos, lançaríamos um apelo : ok, velho lobo dos bares, renda-se uma vez na vida à alegria tantas vezes estúpida e obrigatória dos dias 31 de dezembro; use a meia-noite como desculpa para soltar o pássaro azul que você diz guardar há tanto tempo no fundo do peito.
Bukowski jogaria sobre a mesa os versos que escrevera num papel já gasto:
“Há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo, fique aí, não deixarei que ninguém o veja.
Há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas eu despejo uísque sobre ele e inalo
fumaça de cigarro
e as putas e os atendentes dos bares
e das mercearias
nunca saberão que
ele está
lá dentro.
Há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo:
fique aí,
quer acabar comigo ?
(…) Há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
Eu digo: sei que você está aí,
então não fique triste.
Depois, o coloco de volta em seu lugar,
mas ele ainda canta um pouquinho
lá dentro,
não deixo que morra
completamente
e nós dormimos juntos
assim
com nosso pacto secreto
e isto é bom o suficiente para
fazer um homem
chorar,
mas eu não choro,
e você ?”

Posted by geneton at 12:52 PM

dezembro 23, 2013

....E A VERGONHA DE SER BRASILEIRO BATE À PORTA DE NOVO

Cenas que acontecem longe de tudo e de todos: duas estudantes caminhavam pelo acostamento de uma rodovia em Tabira, no sertão de Pernambuco. Iam a uma casa de festa - ajudar no trabalho de decoração do "baile de formatura" da escola em que estudavam. Uma se chamava Andreza Thaylane Ferreira dos Santos. Tinha 18 anos. A outra, Rosália Medeiros Oliveira. Idade: dezenove anos. As duas morreram atropeladas. O motorista do carro que as atingiu - Hedson Thiago da Silva - estava bêbado, segundo a polícia. Fugiu do local. Não tentou prestar socorro. Terminou preso. O que acontecerá com ele?
( a notícia, no site do Jornal do Commercio - do Recife:
http://goo.gl/os45Oy )
Corta. Uma menina de doze anos - Maria Eduarda Araújo da Silva - morreu depois de ter sido baleada na cabeça, em meio a um tiroteio entre policiais e traficantes, na favela Para-Pedro, em Colégio, na zona norte do Rio de Janeiro. Um menino de sete anos também foi baleado de raspão na cabeça. Escapou. Descobrirão quem cometeu o crime?
Thaylane, Rosália, Maria Eduarda: três tragédias pré-natalinas. Nestas horas, não há como esconder a vergonha de ser brasileiro.

Posted by geneton at 12:59 PM

"NUNCA CONFIE NUM CAFAJESTE!"

Quando criança, Peter O `Toole viveu a cena inesquecível.
O pai, Patrick, botou O`Toole em cima de um móvel. Disse a ele: "Pode pular! Eu seguro você. Confie em mim !".
O menino claro, não hesitou: pulou lá de cima do móvel, certo de que o pai iria ampará-lo antes que ele caísse no chão.
O pai se afastou. Resultado: o pequeno Peter se esborrachou no piso da sala.
Olhou para o pai, assustado. Ouviu, então, a lição definitiva:
"Nunca confie num cafajeste !".
( a história aparece no livro "Hellraisers: The Life And Times Of Burton, Harris, O'Toole & Reed").

Posted by geneton at 12:57 PM

GRANDE PETER O'TOOLE

Grande Peter O´Toole: "O único exercício que pratico é caminhar entre os caixões dos amigos que faziam exercícios".
Recusou o título de Sir. Dizia que Hollywood era "administrada por porcos".
Num certeiro obituário assinado por Luís Antônio Giron, a revista Época desta semana reproduz uma declaração de princípios de O`Toole: "Sou feliz por agarrar na mão do infortúnio".
Já não se fazem O´Tooles como antigamente.
Que diferença das peruas siliconadas, atores botoxados e cabeças de vento que povoam as telas e as revistas de celebridades....
Aliás: Kate Blanchett cintila em "Blue Jasmine", o novo filme de Woody Allen. É a perfeição em forma de atriz. Se ela não ganhar o Oscar, é melhor que fechem logo aquela joça.
E Kristen Wiig na "Vida Secreta de Walter Mitty"?
Como diria aquele locutor esportivo, "linda, linda, linda!".
Se ela não ganhar nada por este filme, quero meu dinheiro de volta!
http://www.youtube.com/watch?v=inn0N2drKP0

Posted by geneton at 12:57 PM

DATA MÓVEL

O mundo seria um lugar bem melhor se o Natal e o ano novo fossem comemorados num só dia - numa data móvel que pegasse todo mundo de surpresa.
Num ano, cairia em 30 de junho. Em outro, em 15 de setembro - e assim por diante. Todo mundo só seria avisado na véspera. Vinte e quatro horas depois, o novo ano começaria, sem estardalhaço.
Assim, os publicitários não teriam tempo de fazer anúncios com criancinhas para comover o bolso dos consumidores, as ruas não ficariam tão lotadas, não haveria - jamais - qualquer espécie de mensagem de fim de ano, os restaurantes não seriam invadidos, todos, pela gritaria da "festa da firma" - enfim, o planeta seria um território mais habitável e menos barulhento.
É pena que o Projeto Reveillon-e-Natal-em-Data-Surpresa seja, a essa altura do campeonato, inviável no Planeta Terra.
Quem sabe, um dia, em Marte....

Posted by geneton at 12:56 PM

dezembro 20, 2013

“ISTO É A ESCRITA: O ESFORÇO DE TRANSCENDER A INDIVIDUALIDADE E A MISÉRIA HUMANA, A ÂNSIA DE NOS UNIR AOS OUTROS NUM TODO, O DESEJO DE SOBREPOR-NOS À ESCURIDÃO, À DOR, AO CAOS, À MORTE"

O nome : Rosa. É assim que se chama a mulher que telefona para a redação tarde da noite à procura de um repórter. Quer dar uma notícia sobre “a aparição de uma baleia”.
O repórter suspira, desalentado: a mulher – que fala com sotaque espanhol – deve ser uma dessas loucas que escrevem cartas para as redações ou ligam de madrugada para dar notícias absurdas sobre profecias, iluminações, códigos, conspirações, segredos.
O sotaque só serve para agravar a suspeita: o espanhol é a língua preferida por cartomantes que inventam nomes e carregam no sotaque para impressionar os desesperados que as procuram.

Rosa insiste : a notícia sobre a aparição da baleia merece ser ouvida porque é algo “sumamente importante”. A entrevista fica marcada para o dia seguinte, num lugar improvável : um banco de praça.
Rosa chega na hora marcada: meio-dia ( Noto que os cabelos pretos estão penteados como se, numa subversão absurda do calendário, ela estivesse posando, agora, para uma foto que já nascia amarelada, num álbum dos anos setenta. Aquele corte de cabelo um dia foi chamado de Pigmalião. Virou febre, nos anos setenta, não em homenagem ao escultor da mitologia, mas porque era usado por uma atriz numa novelinha medíocre das sete da noite. Ah, o implacável poder simplificador da televisão…)
Informa a idade: 56 anos. Traz, nas mãos, um livro em que, na capa, a imagem de uma menina de vestido rosa se sobrepõe a uma velha foto de família. Os outros nove personagens retratados na capa estão em preto-e-branco. Só a menina ganhou a graça da cor.
Noto um detalhe banal: o título do livro que ela traz para a entrevista tem doze letras. Por um segundo, cedo às tentações da superstição: são doze os apóstolos, são doze os signos, são doze os meses do ano, são doze as horas que dividem as duas metades do dia. As doze letras do título terão algum significado ?
Não! – repreendo-me, em silêncio. Toda superstição é idiota.
A visitante se move com gestos rápidos.
Não há tempo a perder. Pergunto como foi, afinal, a aparição da baleia. Por que diabos a aparição de um animal terá sido tão aterradora, tão reveladora e tão importante? Rosa move a cabeça em direção ao gravador que seguro nas mãos. Não quer que o alvoroço do barulho de carros na rua e de crianças na praça encubra o que ela vai falar:
- “De repente, sem nenhum aviso, aconteceu. Um estampido aterrador agitou o mar ao nosso lado : era um jato d´água, o jato de uma baleia, poderoso, enorme, espumante, uma voragem que nos encharcou e fez o Pacífico ferver em torno de nós. E o ruído, aquele som incrível, aquele bramido primordial, uma respiração oceânica, o alento do mundo. Essa sensação foi a primeira : ensurdecedora, ofuscante; e imediatamente depois emergiu a baleia. Primeiro, emergiu o focinho, que logo depois tornou a se meter debaixo d´água; e depois veio deslizando todo o resto, numa onda imensa, num colossal arco de carne sobre a superfície, carne e mais carne, brilhante e escura, emborrachada e ao mesmo tempo pétrea, e num determinado momento passou o olho, um olho redondo e inteligente que se fixou em nós, um olhar intenso vindo do abismo. Quando já estávamos sem fôlego diante da enormidade do animal, ergueu a toda altura aquela cauda gigantesca e afundou-a com elegante lentidão na vertical; e, em todo esse deslocamento do seu corpo tremendo, não fez qualquer marola, não provocou a menor salpicadura nem emitiu nenhum ruído além do suave cicio de sua carne monumental acariciando a água. Quando desapareceu, imediatamente depois de ter mergulhado, foi como se nunca houvesse estado ali”.
Rosa fala sem tomar fôlego. Diz que a aparição da baleia pode significar para todos o que significou para ela : a descoberta do Cálice Sagrado, a visão inesquecível que lhe abriu as portas para desvendar o Grande Segredo das Palavras, esta obsessão que há séculos mobiliza tanta gente:
- “Com a escrita é a mesma coisa: muitas vezes, você intui que o segredo do universo está do outro lado da ponta dos seus dedos, uma catarata de palavras perfeitas, a obra essencial que dá sentido a tudo. Você está no próprio limiar da criação, e em sua cabeça eclodem tramas admiráveis, romances imensos, baleias grandiosas que só revelam o relâmpago do seu dorso molhado, ou melhor, fragmentos desse dorso, pedaços dessa baleia, migalhas de beleza que permitem intuir a beleza insuportável do animal inteiro; mas em seguida, antes de você ter tempo de fazer alguma coisa, antes de poder calcular seu volume e sua forma, antes de entender o sentido do seu olhar perfurante, a prodigiosa besta submerge e o mundo fica quieto e surdo e tão vazio”
Pergunto: o que fazer com as palavras, depois da revelação de que elas, no fim, não conseguirão desvendar a “beleza insuportável” do grande animal ? Que utilidade elas terão ?
-”Disparamos palavras contra a morte, como arqueiros de cima das ameias de um castelo em ruínas. Mas o tempo é um dragão de pele impenetrável que devora tudo. Ninguém vai se lembrar da maioria de nós dentro de alguns séculos: para todos os efeitos, será como se não houvéssemos existido. O esquecimento absoluto daqueles que nos precederam é um manto pesado, é a derrota com a qual nascemos e para a qual nos dirigimos. É o nosso pecado original”.
Se a batalha contra esse “dragão de pele impenetrável” um dia estará perdida, por que, então, insistir na tarefa de erguer barricadas com as palavras ?
- “Isto é a escrita : o esforço de transcender a individualidade e a miséria humana, a ânsia de nos unir aos outros num todo, o desejo de sobrepor-nos à escuridão, à dor, ao caos, à morte”
Você diz que escolheu escrever romances para participar dessa batalha. Por que essa escolha ?
- “Escrever romances implica atrever-se a completar o monumental percurso que tira você de si mesmo e permite se ver no convento, no mundo, no todo. E, depois de fazer esse esforço supremo de entendimento, depois de quase tocar por um instante na visão que completa e fulmina, regressamos mancando para nossa cela, para o encerro de nossa estreita individualidade, e tentamos nos resignar a morrer”.
A fita termina. Rosa soletra o sobrenome : Montero, sem “i”. Rosa Montero. Deixa de presente o livro com o título de doze letras (“A Louca da Casa”).
Despede-se com um leve meneio de cabeça. Começa a caminhar em direção ao portão de ferro que, à noite, protegerá a praça da invasão dos mendigos. Dá meia volta, pede para o repórter checar se o gravador funcionou. Fica aliviada quando vê que as pilhas funcionaram, sim. “Gravou tudo”, digo. “Por supuesto”, ela responde.
E vai embora.
**********
PS: Tanto os encontros com a escritora espanhola Rosa Montero quanto as perguntas da entrevista são imaginários. O repórter pede licença aos internautas para, uma vez na vida, inventar um cenário. Mas as respostas da escritora sobre as baleias e as palavras são verdadeiras : foram extraídas do livro “A Louca da Casa”, publicado no Brasil pela Ediouro. Recomendadíssimo.

Posted by geneton at 11:53 AM

dezembro 13, 2013

COPACABANA

Copacabana é um caso raro de bairro que comete, já na entrada, erro crasso de português. Loja "Só a Rigor", na avenida Princesa Isabel, exibe, na fachada, crase escandalosa no "a". É assim há décadas.
Quando é vão criar a profissão de revisor de placas, cartazes e anúncios? O bicho ia ficar rico de tanto trabalhar. E o que dizer do anúncio da New Ótica - no rádio e na TV - que diz, com todas as letras, "O óculos", no singular? Fica sempre a dúvida: quanto a agência de publicidade terá cobrado para dar esse soco na pobre da língua portuguesa ? Vergonha alheia....

Posted by geneton at 01:07 PM

CURSO BÁSICO DE DETETIVE

Curso básico de detetive: jamais confie em quem diz "imagina" quando você diz "obrigado". É gente capaz de palitar dente em mesa de restaurante.

Posted by geneton at 01:03 PM

PAUSA PARA COMERCIAL

E,agora, pausa para "comercial" : nova edição do nosso livro DOSSIÊ 50 - além da íntegra das entrevistas com todos os onze jogadores brasileiros que enfrentaram o Uruguai no dia 16 de julho de 1950, no Maracanã - traz um acréscimo: o depoimento do "carrasco" uruguaio Ghiggia, gravado em 2013.
Como se dizia antigamente, o livro é encontrável "nas boas casas do ramo".
Além da edição em papel - lançada pela Editora Maquinária -, o DOSSIÊ 50 ganhou uma edição digital: o e-book foi lançado pela
e-galáxia.
Aqui:
http://blog.e-galaxia.com.br/a-tragedia-de-1950/

Posted by geneton at 01:03 PM

CURSO BÁSICO DE DETETIVE

Curso básico de detetive: jamais confie em quem desenha aspas no ar com os dedos. É gente capaz de envenenar merenda de orfanato.

Posted by geneton at 01:03 PM

CURSO BÁSICO DE DETETIVE

Curso básico de detetive: jamais confie em quem só chama o parceiro de "amor". É gente capaz de cantar em karaokê.

Posted by geneton at 12:59 PM

CURSO BÁSICO DE DETETIVE

Curso básico de detetive: jamais acredite em quem usa, já usou ou pensa em usar bandana. São serial killers potenciais.

Posted by geneton at 12:59 PM

dezembro 11, 2013

FALTAM SÓ 48O HORAS!

Calma! Calma! Calma! Faltam só 480 horas para que dezembro desapareça na poeira do tempo e leve, com ele, esse velho cortejo de horrores: shoppings superlotados de marmanjos de bermudas e matronas tagarelas sacando seus cartões de crédito endividados, árvores de natal inventadas pelo departamento de marketing de bancos, anúncios "emotivos" na TV, gente falando aos berros nos "almoços da firma" em restaurantes lotados, as piadas mais infames do planeta nas brincadeiras de "amigo oculto", gente de branco empunhando taças de champagne quente na noite barulhenta do reveillon, enfim, "o horror,o horror, o horror".
Já disse aqui: em meio aos alvoroços de dezembro, somente uma cena se salva - a expressão de surpresa e alegria no rosto de uma criança diante de um presente. That´s all.
Faltam só 480 horas! Não é tanto.

Posted by geneton at 01:07 PM

O COMPANHEIRO DE VIAGEM DE JOEL SILVEIRA NOS OLHA COM CAVANHAQUE E CARA SÉRIA

Revistas antigas são baús inesgotáveis de pérolas. Numa Fatos & Fotos Gente de 1978, encontro uma entrevista de Joel Silveira a Renato Sérgio.
O grande repórter Joel descreve uma viagem que fez, a serviço dos Diários Associados, aos confins do Acre, nos anos quarenta:
"Naquele tempo, para alguém chegar ao Acre, tinha de usar aqueles aviões pata-choca, como chamavam (...) Um dia, tomei o diabo de um avião desses. O negócio era tão sinistro que eu levava um vidrinho de cachaça. Ia bebendo para aguentar a desgraçada da viagem. Claro que acabava ficando de porre. Nesses aviões, entrava de tudo: freira, médico, galinha, tudo. Pois eu estava sentado, tranquilo, no lado da janela. De repente, acordo, olho de lado: E quem está sentado ali? Um bode...Pensei: "Estou vendo coisas. É melhor parar de beber...mas, antes, vou tirar mais uma soneca...". Quando acordei novamente, olhei para o lado, estava lá o bode. Pensei: "...Mas é bode mesmo! Era. Amarradinho ali, com aquele cavanhaque, aquela cara séria...".
Por algum motivo, associei o bode companheiro de viagem de Joel Silveira ao ano de 2014. Por ora, 2014 é um bode de cavanhaque -olhando para a gente com cara séria.
Cedo ou tarde, ele haverá de sorrir.

Posted by geneton at 01:06 PM

dezembro 10, 2013

"HUMOR" BRASILEIRO: TORTURADORES ENTOAVAM BORDÃO DE CHACRINHA ENQUANTO DAVAM CHOQUE EM PRISIONEIROS

( NESTE SÁBADO, ÀS 21: 05, NO DOSSIÊ GLOBONEWS )
O que é que Chacrinha pode ter a ver com uma sessão de tortura?
Isso: enquanto rodavam a espécie de manivela que produzia choques nos prisioneiros durante os interrogatórios, torturadores entoavam o bordão que Chacrinha usava no programa de TV para chamar os comerciais: "Roda, roda, roda e avisa!".
A entrevista completa do ex-guerrilheiro Cid Benjamin - que participou diretamente do sequestro do embaixador americano - vai ao ar neste sábado,às 21:05, no DOSSIÊ GLOBONEWS.
Vale ver: nesta entrevista, ele foge do óbvio ao falar, por exemplo, sobre os torturadores.

Posted by geneton at 11:44 AM

PAUSA PARA UMA PERGUNTA DE CAETANO VELOSO: "DE QUE VALE A VIDA SE NÃO RESPONDEMOS AO ESCÂNDALO QUE É EXISTIRMOS COM GESTOS IGUALMENTE EXTREMOS ?"

A pergunta de Caetano Veloso aparece numa folha já quase amarelada de um jornal nada antigo ( é de outubro de 2011 ): "De que vale a vida se não respondemos ao escândalo que é existirmos com gestos igualmente extremos, como a fé inabalável em Deus, a dedicação obsessiva a uma pessoa, uma arte, uma causa? Se é para aumentar a altura do monte de lixo que se produz em arte, música, poesia - sem falar em organizações políticas, hábitos de vida, regras morais - melhor seria o retiro do asceta, o suicídio dos que se sentem desgraçados, a loucura do que abandona o comércio com seus semelhantes, o niilismo do Homem do Subterrâneo, a alegria terrível do homem-bomba".

Posted by geneton at 11:39 AM

dezembro 09, 2013

GUERRILHEIROS APLICAM GOLPE TEATRAL PARA "EXPROPRIAR" DÓLARES DE DEPUTADO FEDERAL!

Neste sábado, às 21:05, o DOSSIÊ GLOBONEWS exibe entrevista completa com ex-guerrilheiro que descreve, com detalhes, golpe teatral armado contra um deputado federal que guardava, em casa, uma fortuna em dólares.
Guerrilheiros ligaram para o deputado dizendo que eram repórteres interessados em fazer, para uma revista, uma reportagem sobre a pinacoteca que ele mantinha em casa.
O deputado caiu na conversa: abriu as portas do apartamento, na avenida Atlântica, no Rio.
Resultado: os guerrilheiros saíram de lá um gordo reforço financeiro para a guerrilha.
É uma das histórias do DOSSIÊ deste sábado, às 21:05, com o ex-guerrilheiro Cid Benjamin.

Posted by geneton at 11:45 AM

TESTE DE EMPREGO

Um teste simplíssimo de emprego: se o candidato a jornalista dissesse "o óculos", com o artigo no singular, em vez de "os óculos", seria convidado a voltar no ano que vem.
Saber o que é singular e o que é plural é o básico dos básicos para um jornalista - ou deveria ser. Mas, na vida real, todos sabem, as coisas não são assim.
A Última Flor do Lácio é diariamente trucidada, estapeada, pisoteada, enforcada e esmurrada nas redações deste imenso país. O enterro sairá em breve.

Posted by geneton at 11:44 AM

dezembro 08, 2013

DA SÉRIE ENTREVISTAS IMPROVÁVEIS : GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ DESCOBRE O DISCRETO MISTÉRIO DAS MATINÊS NO CINEMA

O cansaço deixou marcas no rosto de Gabriel García Márquez: os olhos estão vermelhos, os cabelos desgrenhados clamam por um pente, a camisa branca exibe marcas de suor nas axilas. São 11 e 45 da noite.
Se pudesse escolher, ele estaria dormindo o quarto sono agora. Mas o Prêmio Nobel é homem de palavra. Cumpre a promessa feita horas antes : depois de passar a tarde inteira falando a estudantes de cinema sobre os segredos da criação literária - como se os talentos da imaginação pudessem ser transmitidos numa sala de aula - ele chega sozinho à recepção deste hotel de terceira categoria em Havana. Desaba o peso do corpo sobre uma poltrona vagabunda. Acende um charuto. Aceita com um meneio de cabeça a oferta do garçom : um copo de água mineral.
GGM acha que qualquer tempo concedido a repórteres é puro desperdício - mas aceitara dar uma entrevista desde que o assunto não fosse literatura. Por imposição do entrevistado, o único tema permitido em nossa conversa seria o mais improvável e aparentemente mais desimportante de todos os assuntos por ventura merecedores de menção num diálogo com um prêmio Nobel de Literatura : o fascínio que as matinês de cinema exercem sobre ele até hoje.

Como todo grande escritor conquista o direito de exercitar pequenas excentricidades sem precisar dar explicações aos intrusos, GGM também determinou com antecedência o número de perguntas: somente seis. Nada além. Número cabalístico ? Jamais se saberá. Não pude perguntar. Não era este o assunto da entrevista.
Eis as descobertas de Gabriel García Márquez sobre as matinês:
1.Por que o senhor considera as matinês tão fascinantes ?
"À hora da matinê - uma palavra francesa metida a empurrões no castelhano - ,no interior dos cinemas, respira-se uma atmosfera lúgubre. Parece que os passos ressoam menos no piso atapetado, mas a verdade é que os que assistem à sessão das três procuram, inconscientemente, passar despercebidos. "É o sentimento de culpa da matinê", já disse alguém, definindo dessa maneira a atmosfera de mistério e clandestinidade que têm os cinemas às três da tarde"
2.O que é que diferencia, então, o frequentador de matinês dos das outras sessões ?
"Um cinema à hora da matinê se parece a um museu. Ambos têm um ar gelado, uma quietude funerária. E, entretanto, é a hora preferida dos verdadeiros cinéfilos. O verdadeiro cinéfilo vai ao cinema sempre sozinho. Senta-se invariavelmente nas laterais da sala. Não mastiga chiclete nem come qualquer tipo de guloseima. Não lê jornais nem revistas, pois permanece nas nuvens, concentrando a tela com ar de concentrada estupidez até começar a projeção"
3.Pelo que o senhor conseguiu observar no escuro, como é que este cinéfilo se comporta depois de iniciado o filme ?
"Desaperta o cinto, desamarra os cordões dos sapatos e o nó da gravata e trata de apoiar os joelhos ou pôr os pés no espaldar da poltrona dianteira. Cinco minutos depois de começada a a projeção, pode estourar uma bomba no cinema que o verdadeiro cinéfilo não se dará conta"
4.Mas não é possível que as matinês sejam povoadas somente por cinéfilos fanáticos. Quem é, então, que faz companhia a eles ?
"Vai também à matinê aquele a quem o cinema não tem a menor importância. É muito provável que a clientela das matinês diminuiria sensivelmente se os colégios secundários fossem fechados. Os estudantes que comumente vão ao cinema em grupos não têm outro interesse além de se refugiar em lugar seguro enquanto as aulas passam".
5.O fato de estudantes se refugiarem nas matinês para escapar das aulas explica o ar de estranha clandestinidade dessas sessões de cinema ?
"Como todos nós o fizemos alguma vez, é também muito provável que essa seja a origem do "sentimento de culpa" e da sensação de clandestinidade de que nós, adultos, padecemos na matinê. Devido a esse pequeno público, um cinema às três da tarde é o lugar mais seguro para um encontro escondido, para os amores secretos - por qualquer motivo - e para fugir a uma obrigação inadiável".
6.Qual foi a melhor definição que o senhor já ouviu sobre as matinês ?
" ``Quando tiver um problema sem solução, vá à matinê´´, dizia, há algum tempo, o gerente de uma importante empresa ao chefe de relações públicas : na quarta-feira da semana seguinte, eles se encontraram à saída de uma matinê".
Meia noite e meia. Gabriel García Márquez disfarça o bocejo, mas, dois minutos depois, emite um suspiro de cansaço e impaciência, como a dizer que chega, basta, já tinha dito o que queria sobre o mistério das matinês, um assunto mais importante do que todas as inúteis teorias literárias. Despede-se com um aperto de mão pouco convincente. Desaparece no penumbra de um corredor de hotel mal iluminado nesta noite de julho em Havana.
***************************
(*) PS: Tanto os encontros com Gabriel García Márquez em Havana quanto as perguntas da entrevista são imaginários: um exercício de realismo mágico amador. Mas as divagações de GGM sobre as matinês são verdadeiras : foram extraídas do texto "Por que você vai à matinê ?", publicado no livro "Textos Andinos" (Editora Record)

Posted by geneton at 11:46 AM

dezembro 05, 2013

LÍDER DA REBELIÃO DE MAIO DE 68 EM PARIS ENCERRA CARREIRA NO PARLAMENTO, PREPARA GRANDE EXPEDIÇÃO PELO BRASIL EM 2014 E DÁ CONSELHO AOS JOVENS: “SE VOCÊ SÓ TIVER DUAS POSSIBILIDADES, ESCOLHA UMA TERCEIRA!”

Daniel Cohn-Bendit (Foto Cristina Aragão.jpg
Daniel Cohn-Bendit: expedição por terras brasileiras em 2014, durante a Copa, para flagrar o país longe dos estádios (Foto: Cristina Aragão)

Quando era maio no mundo, em 1968, Daniel berrava pelas ruas de Paris.

Anarquista, aluno da Universidade de Nanterre, Daniel Cohn-Bendit comandou a rebelião dos estudantes que ocuparam o prédio da Faculdade de Sociologia, em protesto contra a prisão de seis colegas. Em poucos dias, virou líder do levante dos estudantes contra o velho mundo, a velha vida, os velhos professores, os velhos governantes, o velho tédio.

Filho de judeus alemães fugidos do nazismo, Daniel Cohn-Bendit cuspia fogo. Comandou uma passeata de um milhão de estudantes e operários. Virou “Dani, le Rouge” – Dani, o Vermelho.

Naqueles dias, os muros de Paris eram cadernos de anotações onde os estudantes rebelados gravaram com spray os mandamentos da utopia:

“Eles compram tua felicidade. Roube-a!”

“A sociedade é uma flor carnívora”

“O tédio chora”

“Tome meus desejos como realidade, porque eu acredito na realidade dos meus desejos”

“A humanidade só será feliz no dia em que o último burocrata for enforcado nas tripas do último capitalista”

“A imaginação no poder”

“É proibido proibir”

“E se a gente incendiasse a Sorbonne?”

“Professores: vocês nos fazem envelhecer!”

“Corra, camarada: o velho mundo está atrás de você!”

Daniel ganhou do jornal “Le Monde” o título de “o principal porta-voz do movimento de maio de 1968, o mais vivo, o mais inteligente”.

Expulso da França no último dia daquele maio pelo governo do general De Gaulle, terminou voltando à pátria dos pais, a Alemanha, onde, nos anos seguintes, se engajou nos movimentos alternativos até virar militante do Partido Verde.

Daniel Cohn-Bendit cumpriu mandatos como deputado verde no Parlamento Europeu. Agora, aos 68 anos de idade, anuncia que vai deixar o Parlamento. Mas nem de longe pensa em “depor as armas”.
A curto prazo, os projetos de Cohn-Bendit envolvem diretamente o Brasil: como se quisesse mostrar que nunca é hora de pendurar as chuteiras, o líder da rebelião de maio de 1968 decidiu que vai – literalmente – botar o pé na estrada, no Brasil, durante a Copa do Mundo de 2014.

A bordo de uma van, Cohn-Bendit fará uma grande viagem pelo país. Vai registrar, com uma equipe de filmagem, o que acontecerá no país durante a disputa da Copa. Pretende produzir uma espécie de diário audiovisual.

O ex-líder da rebelião dos estudantes nem chegará perto dos estádios. Chama o entorno dos estádios de “Fifa Land” – o Território da Fifa. Bendit quer se encontrar com personagens de um outro país – o Brasil real.

O resultado da expedição de Cohn-Bendit pelas estradas brasileiras vai virar filme – um documentário com lançamento previsto para o final de 2014. A van que Cohn-Bendit dirigirá pelo Brasil afora já foi batizada: ganhou o nome de “Sócrates”. É uma homenagem ao ex-jogador da seleção brasileira – que era amigo de Cohn-Bendit desde os tempos da Democracia Corinthiana, nos anos oitenta. O próprio Sócrates – morto em dezembro de 2011 – tinha transmitido a Cohn-Bendit o desejo de participar da expedição rodoviária.

Numa viagem ao Brasil, para preparar a grande expedição rodoviária que fará a partir de junho de 2014 por terras brasileiras, Daniel Cohn-Bendit falou ao Dossiê Geral, horas antes de embarcar de volta à Alemanha:

1.Como é que você se define hoje, politicamente?

Daniel Cohn-Bendit: “Sou, politicamente, um social-ecologista. Ou seja: um ecologista com engajamento social. E um batalhador pelos direitos humanos”.

2.O que a palavra utopia significa para você hoje?

Daniel Cohn-Bendit: “A gente ainda precisa de utopia. Mas é algo cada vez mais difícil. Minha geração teve uma série de utopias erradas – que não funcionaram. Não é questão de encontrar algo. Algumas vezes é uma questão de dizer “é preciso regular a globalização”. Isso é utopia, mas é uma necessidade. A utopia, portanto, é sempre algo que a gente tem de fazer, ainda que se saiba que é algo difícil de realizar”

3.Depois do fim das ideologias, a política perdeu o apelo que tinha sobre os jovens?

Daniel Cohn-Bendit: “Um dos grandes problemas é que os jovens não acreditam que a política muda as coisas. É o mesmo que acontece com a globalização. As grandes indústrias – e coisas assim – fazem o mundo. Os jovens já não acreditam nos políticos. O problema com a política, hoje, é que os políticos não dizem a verdade. Não dizem: “Não sei” ou “é difícil”. Os políticos sempre fingem que sabem para onde iremos caminhar ou como iremos. Não é verdade. É esta a razão por que os jovens dizem aos políticos: “Já não acreditamos em vocês”.

4.Você era “Dani, o Vermelho”. Depois, “Dani, o Verde”. Hoje, você é Dani o quê?

Daniel Cohn-Bendit: “Dani, o razoável….Não! Sou ainda verde. Uma vida sustentável ainda é uma necessidade. Eis aí uma utopia. Ainda acredito que a gente tem de mudar nossa maneira de viver. Porque nosso ritmo de vida é muito rápido. Os verdes – com um projeto social e ecológico – são uma necessidade”.

5.Eu sei que você não gosta de dar conselhos, como um avô – mas se um jovem pedisse a você um conselho político, o que é que você diria, em primeiro lugar?

Daniel Cohn-Bendit: “Tente encontrar seus próprios caminhos! Em segundo: o planeta corre perigo, em consequência de nosso modo de vida. Pense no que você pode fazer pelo planeta – não apenas no que os outros podem fazer por você”.

6. Há ainda, então, lugar para otimismo hoje? Como você sabe, depois do fim do socialismo, tantos disseram “ah, não quero mudar o mundo: vou tomar conta de mim mesmo…”

Daniel Cohn-Bendit: “Há um ditado judaico que diz: “Se você só tiver duas possibilidades, escolha sempre a terceira!”. Isso é otimismo.

7.E é o conselho que você dá?

Daniel Cohn-Bendit: “Sim!”

Foto Geneton.jpg
Um conselho aos jovens, baseado num ditado judaico: "Se você só tiver duas possibilidades, escolha uma terceira!" (Foto: Geneton Moraes Neto)

Posted by geneton at 03:35 AM

dezembro 03, 2013

CERTEZA

Certeza: o simples fato de o Brasil estar discutindo, a sério, no Século XXI, se biografias devem ou não ser submetidas a "aprovação" prévia de biografados é um indício claríssimo e indesmentível de que o país vive no Século X. Mas há uma luz no fim do túnel: daqui a duzentos anos, tenho certeza, o Brasil entrará gloriosamente no Século XXI ! Ainda bem.

Posted by geneton at 11:46 AM

novembro 28, 2013

PESADELO RECORRENTE

Pesadelo recorrente: chego ao inferno. O diabo da portaria me pergunta: "Fez alguma coisa de útil na vida?". Arrisco: "Jornalismo serve?". E ele: "Quá-quá-quá! Guardas, levem-no!".

Posted by geneton at 11:49 AM

novembro 23, 2013

JUSTIÇA SE FAÇA: O AEROPORTO DO GALEÃO DEVERIA ENTRAR PARA A HISTÓRIA MUNDIAL DA ADMINISTRAÇÃO!

Quem já transitou por aquelas esteiras eternamente quebradas haverá de concordar: por uma questão de justiça, o Aeroporto do Galeão - hoje privatizado - deveria entrar para a história mundial da administração como o exemplo mais clamoroso, mais reluzente, mais vergonhoso, mais estúpido e mais indiscutível da imensa incompetência gerencial brasileira. Não é culpa apenas de partido "a", "b" ou "c": é incompetência, desleixo e estupidez, acumulados ao longo de anos, anos e anos. O resultado é o que se vê ali. Ninguém precisa falar. Basta olhar. Num país sério, os responsáveis por aquela pocilga deveriam sair de lá algemados.

Posted by geneton at 11:49 AM

novembro 21, 2013

CHEGA DE TEORIAS CONSPIRATÓRIAS SOBRE O CASO KENNEDY

Chega de teorias conspiratórias sobre o Caso Kennedy. Promotor obcecado com a tragédia de Dallas diz que jamais apareceu uma prova confiável de que tenha havido uma conspiração ( ele é um dos personagens do DOSSIÊ GLOBONEWS - que será reapresentado nesta quarta, às 7:05 e ás 17:05, no dia em que a tragédia de Dallas completa 50 anos ):

http://goo.gl/XjI4

Posted by geneton at 11:49 AM

novembro 20, 2013

CÁLCULO

Refiz o cálculo: se todos os jornalistas que se acham gênios pulassem de uma vez só, o Brasil sofreria um terremoto de 9,2 na Escala Richter. Ia ser devastador.

Posted by geneton at 11:53 AM

“ISTO É A ESCRITA: O ESFORÇO DE TRANSCENDER A INDIVIDUALIDADE E A MISÉRIA HUMANA, A ÂNSIA DE NOS UNIR AOS OUTROS NUM TODO, O DESEJO DE SOBREPOR-NOS À ESCURIDÃO, À DOR, AO CAOS, À MORTE"

O nome : Rosa. É assim que se chama a mulher que telefona para a redação tarde da noite à procura de um repórter. Quer dar uma notícia sobre “a aparição de uma baleia”.
O repórter suspira, desalentado: a mulher – que fala com sotaque espanhol – deve ser uma dessas loucas que escrevem cartas para as redações ou ligam de madrugada para dar notícias absurdas sobre profecias, iluminações, códigos, conspirações, segredos.
O sotaque só serve para agravar a suspeita: o espanhol é a língua preferida por cartomantes que inventam nomes e carregam no sotaque para impressionar os desesperados que as procuram.

Rosa insiste : a notícia sobre a aparição da baleia merece ser ouvida porque é algo “sumamente importante”. A entrevista fica marcada para o dia seguinte, num lugar improvável : um banco de praça.
Rosa chega na hora marcada: meio-dia ( Noto que os cabelos pretos estão penteados como se, numa subversão absurda do calendário, ela estivesse posando, agora, para uma foto que já nascia amarelada, num álbum dos anos setenta. Aquele corte de cabelo um dia foi chamado de Pigmalião. Virou febre, nos anos setenta, não em homenagem ao escultor da mitologia, mas porque era usado por uma atriz numa novelinha medíocre das sete da noite. Ah, o implacável poder simplificador da televisão…)
Informa a idade: 56 anos. Traz, nas mãos, um livro em que, na capa, a imagem de uma menina de vestido rosa se sobrepõe a uma velha foto de família. Os outros nove personagens retratados na capa estão em preto-e-branco. Só a menina ganhou a graça da cor.
Noto um detalhe banal: o título do livro que ela traz para a entrevista tem doze letras. Por um segundo, cedo às tentações da superstição: são doze os apóstolos, são doze os signos, são doze os meses do ano, são doze as horas que dividem as duas metades do dia. As doze letras do título terão algum significado ?
Não! – repreendo-me, em silêncio. Toda superstição é idiota.
A visitante se move com gestos rápidos.
Não há tempo a perder. Pergunto como foi, afinal, a aparição da baleia. Por que diabos a aparição de um animal terá sido tão aterradora, tão reveladora e tão importante? Rosa move a cabeça em direção ao gravador que seguro nas mãos. Não quer que o alvoroço do barulho de carros na rua e de crianças na praça encubra o que ela vai falar:
- “De repente, sem nenhum aviso, aconteceu. Um estampido aterrador agitou o mar ao nosso lado : era um jato d´água, o jato de uma baleia, poderoso, enorme, espumante, uma voragem que nos encharcou e fez o Pacífico ferver em torno de nós. E o ruído, aquele som incrível, aquele bramido primordial, uma respiração oceânica, o alento do mundo. Essa sensação foi a primeira : ensurdecedora, ofuscante; e imediatamente depois emergiu a baleia. Primeiro, emergiu o focinho, que logo depois tornou a se meter debaixo d´água; e depois veio deslizando todo o resto, numa onda imensa, num colossal arco de carne sobre a superfície, carne e mais carne, brilhante e escura, emborrachada e ao mesmo tempo pétrea, e num determinado momento passou o olho, um olho redondo e inteligente que se fixou em nós, um olhar intenso vindo do abismo. Quando já estávamos sem fôlego diante da enormidade do animal, ergueu a toda altura aquela cauda gigantesca e afundou-a com elegante lentidão na vertical; e, em todo esse deslocamento do seu corpo tremendo, não fez qualquer marola, não provocou a menor salpicadura nem emitiu nenhum ruído além do suave cicio de sua carne monumental acariciando a água. Quando desapareceu, imediatamente depois de ter mergulhado, foi como se nunca houvesse estado ali”.
Rosa fala sem tomar fôlego. Diz que a aparição da baleia pode significar para todos o que significou para ela : a descoberta do Cálice Sagrado, a visão inesquecível que lhe abriu as portas para desvendar o Grande Segredo das Palavras, esta obsessão que há séculos mobiliza tanta gente:
- “Com a escrita é a mesma coisa: muitas vezes, você intui que o segredo do universo está do outro lado da ponta dos seus dedos, uma catarata de palavras perfeitas, a obra essencial que dá sentido a tudo. Você está no próprio limiar da criação, e em sua cabeça eclodem tramas admiráveis, romances imensos, baleias grandiosas que só revelam o relâmpago do seu dorso molhado, ou melhor, fragmentos desse dorso, pedaços dessa baleia, migalhas de beleza que permitem intuir a beleza insuportável do animal inteiro; mas em seguida, antes de você ter tempo de fazer alguma coisa, antes de poder calcular seu volume e sua forma, antes de entender o sentido do seu olhar perfurante, a prodigiosa besta submerge e o mundo fica quieto e surdo e tão vazio”
Pergunto: o que fazer com as palavras, depois da revelação de que elas, no fim, não conseguirão desvendar a “beleza insuportável” do grande animal ? Que utilidade elas terão ?
-”Disparamos palavras contra a morte, como arqueiros de cima das ameias de um castelo em ruínas. Mas o tempo é um dragão de pele impenetrável que devora tudo. Ninguém vai se lembrar da maioria de nós dentro de alguns séculos: para todos os efeitos, será como se não houvéssemos existido. O esquecimento absoluto daqueles que nos precederam é um manto pesado, é a derrota com a qual nascemos e para a qual nos dirigimos. É o nosso pecado original”.
Se a batalha contra esse “dragão de pele impenetrável” um dia estará perdida, por que, então, insistir na tarefa de erguer barricadas com as palavras ?
- “Isto é a escrita : o esforço de transcender a individualidade e a miséria humana, a ânsia de nos unir aos outros num todo, o desejo de sobrepor-nos à escuridão, à dor, ao caos, à morte”
Você diz que escolheu escrever romances para participar dessa batalha. Por que essa escolha ?
- “Escrever romances implica atrever-se a completar o monumental percurso que tira você de si mesmo e permite se ver no convento, no mundo, no todo. E, depois de fazer esse esforço supremo de entendimento, depois de quase tocar por um instante na visão que completa e fulmina, regressamos mancando para nossa cela, para o encerro de nossa estreita individualidade, e tentamos nos resignar a morrer”.
A fita termina. Rosa soletra o sobrenome : Montero, sem “i”. Rosa Montero. Deixa de presente o livro com o título de doze letras (“A Louca da Casa”).
Despede-se com um leve meneio de cabeça. Começa a caminhar em direção ao portão de ferro que, à noite, protegerá a praça da invasão dos mendigos. Dá meia volta, pede para o repórter checar se o gravador funcionou. Fica aliviada quando vê que as pilhas funcionaram, sim. “Gravou tudo”, digo. “Por supuesto”, ela responde.
E vai embora.
**********
PS: Tanto os encontros com a escritora espanhola Rosa Montero quanto as perguntas da entrevista são imaginários. O repórter pede licença aos internautas para, uma vez na vida, inventar um cenário. Mas as respostas da escritora sobre as baleias e as palavras são verdadeiras : foram extraídas do livro “A Louca da Casa”, publicado no Brasil pela Ediouro. Recomendadíssimo.

Posted by geneton at 11:53 AM

novembro 19, 2013

FAÇO MINHAS AS PALAVRAS DE TOM CARNEIRO

Por fim, faço minhas as palavras de Tom Carneiro, em algum outro porto deste oceano virtual:
"Um dia, os arqueólogos chegarão, para revirar a poeira de nossos ossos em busca de algum sinal. Descobrirão, boquiabertos, que dificilmente terá havido época tão medíocre quanto a nossa. Cinema medíocre, TV medíocre, música medíocre, jornalismo medíocre. Fecho a porta com cadeado - por dentro. Instalo-me no meu bunker imaginário, às margens do São Francisco. Se o planeta me chamar, direi que não estou. Mas não chamará, por supuesto. Ainda bem. Agradeço a deferência, em silêncio. Abro "A Montanha Mágica" em qualquer página. Começo a ler. Uma lufada de luz acalma a tempestade que se armava em minhas florestas interiores. A vigília vai ser longa. Ainda bem. Pode entrar, Miss Madrugada".

Posted by geneton at 11:56 AM

IMPRESSÃO

É só uma impressão: se os jornalistas de fato fossem o que pensam que são, a essa altura estariam caminhando sobre as águas - fácil, fácil.

Posted by geneton at 11:53 AM

novembro 17, 2013

DALLAS MANDA LEMBRANÇAS: MILITAR QUE ACREDITAVA EM CONSPIRAÇÃO PARA MATAR O PRESIDENTE KENNEDY É UM DOS PERSONAGENS DO DOSSIÊ GLOBONEWS - NESTE DOMINGO, ÀS 17:05

Um militar vê na primeira página de um jornal uma foto do cenário do assassinato do presidente John Kennedy: nota que as janelas do prédio do Depósito de Livros Escolares do Texas estavam abertas.
Chega a uma conclusão: "Há alguma coisa errada, alguma coisa errada!". As janelas não poderiam estar abertas e sem vigilância quando o presidente estivesse passando por ali, a bordo de um carro aberto!
O militar desconfia que a vigilância tenha sido propositadamente afrouxada durante a visita do presidente a Dallas.
Durante anos, alimenta uma teoria conspiratória: a de que Kennedy fora eliminado porque iria iniciar a retirada de tropas americanas da Guerra do Vietnã - um ato que provocaria bilhões de dólares de prejuízo à indústria armamentista.

Um documento produzido pela Casa Branca um mês antes da tragédia de Dallas de fato indica a intenção do governo americano de iniciar um retirada, já no final de 1963.
Quem teria decidido que Kennedy teria de ser removido? Uma entidade onipresente chamada "complexo industrial-militar".
A teoria do militar faz sucesso entre os que acreditam em conspiração. Como tese, é inegavelmente bem articulada. Não parece um daqueles roteiros mirabolantes inventados por "conspiracionistas" de imaginação fertilíssima.
Bati na porta da casa do homem, em Virgínia, EUA, em 1992. Era articulado. O problema é que a teoria era de difícil comprovação: jamais alguém conseguiu provar que Lee Harvey Oswald fazia parte de uma conspiração para matar o presidente Kennedy.
Como bem lembra o promotor que produziu um livro definitivo sobre o Caso Kennedy ( Vincent Bugliosi, em Reclaiming History ), ao longo de cinquenta anos jamais apareceu um indício confiável que ligasse Oswald a qualquer grupo de conspiradores.
O militar - Fletcher Prouty - e o promotor - Vincent Bugliosi - são dois dos personagens que estão no DOSSIÊ GLOBONEWS especial - neste domingo, às 17:05.
Dallas manda lembranças.

Posted by geneton at 12:01 PM

novembro 14, 2013

PROMOTOR VIRA PELO AVESSO O CASO KENNEDY : É UM DOS PERSONAGENS DO DOSSIÊ GLOBONEWS ESPECIAL - NESTE SÁBADO, ÀS 21:05.

Um dos mais conhecidos promotores americanos resolveu produzir uma obra definitiva sobre o assassinato do presidente Kennedy: esmiuçou, uma a uma, as teorias conspiratórias. Conseguiu descrever, com obssessiva precisão, tudo o que aconteceu naquele fim de semana em Dallas. O resultado da empreitada é um livraço de 1.612 páginas.
Fiz contato com o homem. Chama-se Vincent Bugliosi. Ficou famoso ao condenar os integrantes da Família Manson - aquela seita de fanáticos que matou - entre outros - a atriz Sharon Tate, mulher do cineasta Roman Polansky.
O que o promotor nos disse estará no Dossiê Globonews especial deste sábado - um programa que reunirá entrevistas que gravei, ao longo de vinte anos, com personagens importantes do Caso Kennedy - em Dallas, Virgínia, Kansas City.
Convite feito : sábado, 21:05, Globonews.

Posted by geneton at 12:05 PM

novembro 13, 2013

CONSTATAÇÃO SEM QUALQUER BASE CIENTÍFICA

Constatação sem qualquer base científica: o Brasil só será uma democracia plena no dia em que qualquer brasileiro maior de cinco anos de idade puder dar voz de prisão a quem chamar de "Fuleco" o mascote criado pela Fifa para a Copa do Mundo.

Posted by geneton at 12:02 PM

novembro 12, 2013

A DURA VIDA DO AGENTE DO FBI QUE FALHOU QUANDO NÃO PODERIA TER FALHADO JAMAIS : OS FANTASMAS DE DALLAS ESTÃO NO DOSSIÊ GLOBONEWS ESPECIAL - NESTE SÁBADO, ÀS 21:05.

E quando alguém precisa passar o resto da vida tentando encontrar uma explicação para uma "falha" que cometeu?
É o que aconteceu - por exemplo - com os jogadores da seleção brasileira de 1950.
Idem com um personagem que estará no DOSSIÊ GLOBONEWS especial deste sábado: o agente do FBI que tinha recebido, em outubro de 1963, a tarefa de investigar um certo Lee Harvey Oswald - que entrara na lista de "suspeitos" de espionagem depois de ter tentando obter visto de residência na União Soviética e em Cuba.
Semanas depois, no dia 22 de novembro de 1963, Lee Oswald estava numa janela do sexto andar do Depósito de Livros Escolares do Texas, com um rifle que comprara pelo correio, à espera da passagem da comitiva do presidente John Kennedy.
Bang, bang, bang.
O ex-agente do FBI se chamava James Hosty. Consegui um contato telefônico com ele. Aproveitei para gravar uma primeira entrevista, por garantia. Perguntei se ele me receberia para uma entrevista "olho no olho". Resposta: sim. Fui encontrá-lo num subúrbio remoto de Kansas City.
Hosty tinha ficado viúvo havia pouco tempo. Vivia num apartamento relativamente modesto, com um filho - já adulto - que exigia cuidados especiais. Não parecia fácil o dia-a-dia do ex-agente.
O agente que falhou justamente quando não poderia ter falhado é um dos personagens principais do DOSSIÊ GLOBONEWS que irá ao ar neste sábado, às 21:05. Novembro marca, como se sabe, os cinquenta anos do atentado que chocou o mundo: a morte do presidente John Kennedy.
Vale ouvir o que disse o agente que não poderia ter falhado.

Posted by geneton at 12:08 PM

novembro 11, 2013

PERSONAGENS DO CASO KENNEDY ENTRAM EM CENA NO DOSSIÊ GLOBONEWS ( SÁBADO, DIA 16, ÀS 21:05 ): É SEMPRE HORA DE "PROCURAR AS HISTÓRIAS POR TRÁS DA HISTÓRIAS"

Ao escrever um texto sobre o aniversário da morte do presidente Kennedy, um jornalista do New York Times produziu, há pouco, uma boa definição sobre ofício jornalístico: disse que a missão dos repórteres é, em essência, "descobrir as histórias por trás das histórias":
http://goo.gl/bcFmfj
Bingo!
A história principal todos sabem: o presidente Kennedy foi assassinado ao meio-dia e meia do dia 22 de novembro de 1963 quando desfilava em carro aberto no centro de Dallas, no Texas.
Mas há belos personagens cintilando em torno da grande história.

( Pausa para uma pequena digressão. Por falta de talento, vocação e habilidade para exercer alguma atividade que fosse obviamente importante, como a Medicina, por exemplo, terminei caindo no jornalismo. Dentro do jornalismo, desde cedo descobri que a única atividade que me interessava de verdade era a reportagem. Não havia nenhum motivo grandioso: era uma questão de vocação. Nada se compara a sujar o sapato de poeira para testemunhar, longe das redações, o grande espetáculo estrelado por personagens e histórias da chamada "vida real".
Faço esta digressão para dizer que, quando tinha meus sete anos de idade, em 1963, vi uma tia chorando com a notícia da morte do presidente Kennedy. Desde então, nomes que devem ter soado estranhos e remotos aos ouvidos de um menino - Dallas, Kennedy, Oswald - certamente passaram a exercer uma secreta e indefinível fascinação sobre o futuro caçador de histórias. Quem sabe, por carregarem ressonâncias da infância vivida num subúrbio desimportante do cone sul da América ).
Corta. Décadas depois, lá estava o locutor-que-vos-fala em Dallas, diante do Depósito de Livros Escolares do Texas, para entrevistar um homem que foi ferido no atentado que matou Kennedy: um personagem pouco conhecido da tragédia.
Eu teria a chance de ouvir - também - o fotógrafo que estava a poucos passos do carro que conduzia o presidente no instante do atentado. Aparece no filme do assassinato. Ouviu com clareza a exclamação de horror da primeira-dama, Jacqueline Kennedy: "Oh, não!".
Fui bater na porta do apartamento do agente do FBI que tinha sido encarregado de vigiar Lee Oswald semanas antes do atentado. Falhou quando não poderia ter falhado. Oswald tinha entrado na lista do FBI porque tentara conseguir cidadania soviética.
Ouvi a historiadora que era a única pessoa que conheceu pessoalmente tanto o presidente quanto o assassino. Publicou um livro sobre Lee Oswald e a mulher - uma russa chamada Marina.
Perto de Washington, pude ouvir o militar do Pentágono que atribuía a morte do presidente a uma conspiração. Motivo: Kennedy iria iniciar a retirada de tropas americanas do Vietnam. Isso significaria um prejuízo de bilhões de dólares à indústria armamentista.
Também abordei um ministro de Kennedy: o ex-secretário de defesa Robert McNamara. Perguntei se a morte do presidente teria alguma conexão - remota que fosse - com a guerra do Vietnam.
As entrevistas foram feitas entre 1992 e 2003 - para reportagens levadas ao ar pelo Fantástico.
Agora, estes personagens estarão reunidos numa edição especial do DOSSIÊ GLOBONEWS - que irá ao ar no próximo sábado, dia 16, às 21:05, no mês em que a morte de Kennedy completa cinquenta anos.
As gravações originais foram preservadas. Há material que nunca foi ao ar.
Sujar o sapato com a poeira da estrada, em busca de personagens. Pode ser em Dallas, em Hanói, em Bonsucesso, em Santa Maria da Boa Vista. Não importa. Haverá sempre uma história por trás da história.

Posted by geneton at 12:08 PM

outubro 31, 2013

HORA DE OUVIR UMA RARIDADE: A PALAVRA DE TODOS OS ONZE JOGADORES QUE DISPUTARAM A PARTIDA MAIS DRAMÁTICA DA HISTÓRIA DA SELEÇÃO BRASILEIRA: A DECISÃO DA COPA DE 50, CONTRA O URUGUAI.

Timaço de atores participa do documentário DOSSIÊ 50: COMÍCIO A FAVOR DOS NÁUFRAGOS - que será exibido pela GLOBONEWS neste domingo, às oito e meia da noite, sem intervalos: Paulo César Peréio, Cláudio Jaborandy, Mílton Gonçalves e Chico Diaz - flagrado, aqui, por Rodrigo Bodstein, nos bastidores, em companhia do locutor-que-vos-fala.

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Posted by geneton at 12:17 PM

CAMPEÕES DE COPAS DO MUNDO HOMENAGEIAM OS VICE-CAMPEÕES DA COPA DE 1950!

Amarildo, campeão da Copa do Mundo de 1962, faz uma aparição-surpresa no final do documentário DOSSIÊ 50: COMÍCIO A FAVOR DOS NÁUFRAGOS - ao lado de Zagalo ( campeão em 1958 e 1962, como jogador), Carlos Alberto e Jairzinho( campeões em 1970 ), Dunga ( campeão em 1994), Ronaldo Fenômeno ( campeão em 2002 ). Hora de homenagear os vice-campeões da Copa de 1950 - que passaram o resto da vida carregando estima da derrota: neste domingo, às 20:30, na GLOBONEWS ( foto: Rodrigo Bodstein ).

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Posted by geneton at 12:13 PM

CAMPEÕES DE COPAS DO MUNDO HOMENAGEIAM OS VICE-CAMPEÕES DA COPA DE 1950!

Amarildo, campeão da Copa do Mundo de 1962, faz uma aparição-surpresa no final do documentário DOSSIÊ 50: COMÍCIO A FAVOR DOS NÁUFRAGOS - ao lado de Zagalo ( campeão em 1958 e 1962, como jogador), Carlos Alberto e Jairzinho( campeões em 1970 ), Dunga ( campeão em 1994), Ronaldo Fenômeno ( campeão em 2002 ). Hora de homenagear os vice-campeões da Copa de 1950 - que passaram o resto da vida carregando estima da derrota: neste domingo, às 20:30, na GLOBONEWS ( foto: Rodrigo Bodstein ).

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Posted by geneton at 12:13 PM

outubro 29, 2013

PERÉIO BRADA OS VERSOS DO GRANDE POETA WALT WHITMAN NO DOCUMENTÁRIO SOBRE A COPA DE 50 ( NESTE DOMINGO, ÀS OITO E MEIA DA NOITE, NA GLOBONEWS ): UM VIVA AOS QUE "LEVARAM A PIOR" E AOS "NAVIOS DE GUERRA QUE AFUNDARAM NO MAR"!

Atenção, senhores passageiros: neste domingo, às oito e meia da noite, Globonews exibe, na íntegra, sem intervalos, nosso documentário DOSSIÊ 50: COMÍCIO A FAVOR DOS NÁUFRAGOS - chance rara de ouvir a palavra de todos os onze jogadores brasileiros que entraram em campo, no Maracanã, para decidir a Copa do Mundo contra o Uruguai. Durante as décadas seguintes, eles ficaram marcados pelo estigma da derrota. Chegou a hora de anistia-los!
O documentário conta com a participação de um timaço de atores: Mílton Gonçalves, Cláudio Jaborandy, Chico Diaz e narração de Paulo César Peréio ( a foto foi tirada na gravação: Peréio "repassando" o texto conosco, antes de soltar a voz ).

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Logo no início, a voz inconfundível de Peréio declama um belo poema de Walt Whitman em homenagem a todos os que perderam a batalha:
“Com música forte eu venho
Com minhas cornetas e meus tambores:
Não toco hinos
Só para os vencedores consagrados
Vocês já ouviram dizer
Que ganhar o dia é bom ?
Pois eu digo que é bom também perder:
Batalhas são perdidas
Com o mesmo espírito
Com que são ganhas.
Eu rufo e bato o tambor pelos mortos
e sopro nas minhas embocaduras
o que de mais alto e mais jubiloso
posso por eles.
Vivas àqueles que levaram a pior
E àqueles cujos navios de guerra
Afundaram no mar !
E a todos os generais das estratégias perdidas-
Foram todos herois !
E ao sem-número de heróis desconhecidos,
Equivalentes aos heróis maiores
Que se conhecem !
( ...) Aos que falharam, grandes na aspiração,
Aos soldados sem nome
tombados na vanguarda do combate-
- eu gostaria de erguer
um monumento coberto de louros
alto, bem alto , acima dos demais”.

Posted by geneton at 12:17 PM

outubro 28, 2013

ROBERTO CARLOS

ROBERTO CARLOS: CERTÍSSIMO E ERRADÍSSIMO (OU: AO CONTRÁRIO DO QUE DIZ RC, BIÓGRAFO NÃO É NEM JAMAIS SERÁ “DONO DA HISTÓRIA” DO BIOGRAFADO…)

Roberto Carlos: certíssimo ao querer lançar uma autobiografia. Por que não?

Roberto Carlos: erradíssimo ao dizer que um biógrafo “passa a ser dono da história” do biografado.

E erradíssimo mil vezes ao fazer o papel de polícia da ditadura e mandar recolher um livro que não traz uma linha, uma palavra, uma sílaba sequer de calúnia, injúria ou difamação. Já se disse mil vezes, mas não custa repetir: triste, triste, triste.

O “x” da questão é este: pobre do país em que a lei permite que um trabalho jornalístico correto e embasado possa ser censurado, recolhido, trancafiado num galpão ou simplesmente incinerado. Prévia ou não, o que aconteceu ali foi censura. Não há outra palavra: censura, censura, censura – algo abominável numa democracia. Já que tantos argumentos são repetidos, não custa repisar esta palavra: abominável, abominável, abominável.

A declaração de Roberto Carlos ao Fantástico deste domingo traz um equívoco espetacular:

“O biógrafo também pesquisa uma história que está feita pelo biografado. Não cria uma história. Faz um trabalho e narra aquela história que não é dele – é do biografado. A partir do que escreve, ele passa a ser dono da história. Isso não é certo. Isso, na minha opinião, não é justo”.

Fecha aspas.

Neste caso, Roberto Carlos parece achar que apenas as autobiografias devem ser publicadas. O lançamento de biografias de personagens da música, cinema, política, esporte – ou seja o que for – não seria “justo” ou “certo”, porque os biógrafos, na visão equivocada de RC, passariam a ser donos das histórias dos biografados….

Ora, biógrafos não são “donos da história” de ninguém! São narradores e, na grandessíssima maioria dos casos, competentes e responsáveis. O papel que eles cumprem é importante para a cultura brasileira. Ou será que biógrafos que escreveram sobre Nélson Rodrigues (Ruy Castro) , Assis Chateaubriand (Fernando Morais) , Getúlio Vargas (Lyra Neto), Carlos Marighella (Mário Magalhães ) e o próprio Roberto Carlos ( Paulo César de Araújo ), para ficar apenas nestes notórios exemplos brasileiros, seriam reles usurpadores de histórias alheias? Não são. Nunca foram. Jamais seriam. É desrespeitoso se referir a eles como se fossem piratas.

É óbvio que o biógrafo contará sempre a história de outra pessoa – o biografado. Caso contrário, estaria fazendo uma autobiografia. Desde quando o biógrafo “passa a ser dono da história”?

Se, ao fazer aquela declaração sobre a natureza das biógrafos, Roberto Carlos na verdade estava se referindo a dinheiro, então ele estará reduzindo tudo – a produção de biografias, a prática do jornalismo, a história de um país, a crônica de uma época – a uma questão puramente mercantil. É uma visão igualmente triste, triste, triste. Há aspectos comerciais envolvidos? Há, é claro. Mas não é tudo.

Feitas as contas, repito: o que vai ficar de Roberto Carlos é a música, boa ou má, que ele produziu ao longo desse tempo. “Roberto Carlos em ritmo de aventura” – por exemplo – é produto pop de primeira. O que fica, então, é o que ele criou: não é este festival de atitudes equivocadas sobre biografias. Mas nunca é tarde para corrigir uma derrapada feia.

(Por fim: ao contrário do que possa parecer, não penso – jamais pensei – em escrever biografia de quem quer que seja. Não falo, portanto, em “causa própria”. Nem de longe. Sou um mero entrevistador. Fico no jogo de pergunta-e-resposta. Dá trabalho. Já basta. Por mim, iria para o vestiário, penduraria discretamente as chuteiras às 16:15 de hoje e cairia fora. Já conheço o circo. “Dou por visto”. Diagnóstico: patético. A recíproca, eu sei, é verdadeira. Ainda bem).

Se, numa hipótese absurda, um gênio da lâmpada se materializasse aqui e agora e me oferecesse um milhão de dólares por semana, um carro zero e um ano de férias numa ilha ensolarada no Pacífico para escrever a biografia de alguém, eu diria “obrigado, forasteiro, mas estou fora, fora, fora. Vivo satisfeito com meu Fiat 2003, minha conta bancária de vez em quando no vermelho, meu velho volume de poemas de Maiakóvski….Dão pro gasto”.

Por falar no poeta… Acorda, Maiakóvski, vem recitar aqueles versos: “Uma camisa lavada e clara / e basta / para mim, é tudo”.

É o que importa, é o que sempre importou.

Posted by geneton at 02:32 AM

outubro 27, 2013

RÁPIDOS APONTAMENTOS DOMINGUEIROS

1. Globonews exibe, neste domingo, às 20:30, reportagem especial de Cláudio Renato Passavante com o juiz que desafiou a ditadura na hora de dar uma sentença sobre o Caso Herzog. Uma das funções do jornalismo é tentar contar, hoje, o que um dia não pôde ser contado.
2. Lou Reed - que morreu hoje - perguntava: quem precisa de um carrão de sessenta mil dólares? Meus botões sussurram: um idiota precisa.
"Strawman" é bola na rede:
http://www.youtube.com/watch?v=siiNiX5-zAk
3. Uma coluna informa que Justin Bieber quer ter, no camarim, no Brasil, "pacotes de jujuba em formato de peixinhos".
Meu demônio-da-guarda me pergunta: "Urgente, urgente: quando é que parte o foguete para o outro planeta?".
4. Dou uma olhada no jornal. Uma candidata diz que perdeu o horário da prova do Enem porque, antes, foi pintar os cabelos. Outra explicou que passou a noite participando de um protesto, na Lapa. Chegou atrasada. Um punhado de candidatos eliminados dizem que, simplesmente, se esqueceram de levar o mais básico dos documentos, a único que não poderia ser deixado em casa de jeito nenhum: a carteira de identidade. Perderam o ano.
Carrões de sessenta mil dólares, candidata pintando cabelo em dia de prova, "jujuba em formato de peixinhos" e coisas do gênero.
Ah, a V.H.I jamais deixa de dar sinal de vida. A V.H.I : a Velha Humanidade Inviável...

Posted by geneton at 12:22 PM

O REPÓRTER RICARDO KOTSCHO TOMA POSIÇÃO NA "BATALHA DAS BIOGRAFIAS": PELO FIM DA POSSIBILIDADE DE CENSURA PRÉVIA E PELA GARANTIA DE DIREITO DE RESPOSTA RÁPIDO E EFETIVO

Sobre a chamada "batalha das biografias", vale registrar a posição do grande repórter Ricardo Kotscho - que defende dois pontos importantes: o fim de restrições à publicação das biografias e, "ao mesmo tempo", a adoção de medidas que tornem rápido e efetivo o "direito de resposta" a quem se sentir prejudicado. Kotscho manifestou estas opiniões numa troca de e-mails com o locutor-que-vos-fala. Vale compartilhar o que ele disse, como contribuição ao debate.

Aspas:
"Apesar da gravidade do tema, tenho pra mim que se está fazendo este enorme barulho em torno das biografias não autorizadas por falta de outro assunto, já que a imprensa vive hoje de polêmicas, crises, denúncias e futricas.
É o que o Tutty Vasquez chama de notícia enguiçada.
Afinal, estamos falando de uma lei antiga, que corresponde à censura prévia, e só ganhou esta importância toda agora porque Caetano e Cia., sob a batuta esperta de Paulinha, resolveram entrar em campo para evitar que o Congresso Nacional vote outra lei para acabar com a dita cuja.
Até o Supremo Tribunal Federal marcou uma audiência pública para discutir o assunto em novembro.
A Câmara pretende votar a questão antes para não ficar mais uma vez a reboque.
Se for levada a ferro e fogo, a atual lei é tão arbitrária que nós não poderíamos mais escrever reportagens sem pedir autorização aos personagens citados e muito menos escrever perfis, que são pequenas biografias jornalísticas.
Acho que duas leis devem ser adotadas ao mesmo tempo: a que acaba com a censura prévia de publicações e, no mesmo momento, regulamentar o direito de resposta, para que os que se sentem ofendidos em qualquer plataforma (livro, tv, rádio, jornal, revista, etc) possam se defender com presteza sem cair no triangulo das bermudas do nosso judiciário.
Hoje, a sociedade não tem meios para se defender da imprensa.
Numa sociedade civilizada, cada um publica o que quer e é responsável por aquilo que publica. Simples assim. Aqui, querem ao mesmo tempo acabar com a liberdade e a responsabilidade..."

Posted by geneton at 12:21 PM

outubro 25, 2013

JORNALISTAS....AQUELA RAÇA DOS QUEM JOGAM, DESPUDORADAMENTE, NOTÍCIA NO LIXO. JULGAM-SE, NA MAIORIA, MUITÍSSIMO MAIS IMPORTANTES DO QUE REALMENTE SÃO. PECAM PELA PRETENSÃO DELIRANTE OU PELA VAIDADE DESCABIDA. MAS....

Trecho do artigo "Fica dramática a situação do Brasil":
*********************
O problema não são os artistas. Os problemas não são os biógrafos. O problema é a lei. Por que não se muda a lei, consensualmente, então? Tudo podia ser tão simples. O fogo cruzado deste debate há de trazer bons resultados - para biógrafos e biografados. O enorme choque de opiniões faz parte das dores do parto. Democracia dá trabalho. Mas um rebento pode estar a caminho.

Ah, antes que alguém atire a primeira pedra: nem preciso lembrar que a privacidade é direito irrevogável de todo brasileiro, vivo ou morto. Mas é absurdo imaginar que toda biografia seja invasão de privacidade. Não é. Neste debate, a figura dos biógrafos foi "demonizada". Correm o risco de serem vistos como abutres famintos que investem sobre a vida alheia em busca do vil metal. Falso, falso, falso.
Grandes nomes da música brasileira foram igualmente "crucificados" porque, para surpresa geral, se declararam a favor da autorização prévia. Há uma grande novidade, desta vez: Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, ícones de uma geração, parecem estar do lado errado. Estão.
Tensão entre jornalistas e artistas é saudável. Eu diria: saudabilíssima. Jornalista não deve pensar como artista - felizmente. E artista não deve pensar como jornalista - ainda bem! Quando pensa como artista, o jornalista trai o jornalismo. E o artista trairá a arte se pensar como jornalista.
Neste exato momento, alguém levanta a mão na plateia imaginária para dizer que estou brandindo argumentos a favor da liberação incondicional das biografias porque sou jornalista. Não e não.
Arrisco-me, até, a fazer uma declaração que, no fim das contas, depõe contra o Jornalismo: em figuras como Gilberto Gil, em Caetano Veloso, em Chico Buarque, o importante é a música que eles produziram ou produzem. Certamente, fizeram o país "andar para a frente" e dar um passo para se livrar dos atoleiros mentais do subdesenvolvimento. São "gigantes" - pelo que criaram. O importante, repito, é o que produziram: não é o que eles disseram eventualmente a um jornalista. Ou o que um jornalista - biógrafo ou não - possa escrever sobre eles.
De qualquer maneira, é claro que eventuais biografias de figuras públicas como eles podem ajudar a iluminar este palco fascinante e sofrido por onde se move o Brasil. O que se quer, em uma palavra, é luz. Lastimavelmente, luz não rima com "autorização" para o exercício do jornalismo (biografia é um produto jornalístico).
Sou razoavelmente insuspeito para falar. Faço jornalismo há quatro décadas (uma língua maldosa perguntaria: não seria hora de procurar um estábulo confortável para repousar os ossos cansados? ). Não tenho, no entanto, contemplação com o jornalismo. Falo aqui, em nome "estritamente pessoal". Jornalistas cometem uma vasta coleção de pecados. Jogam, despudoradamente, notícia no lixo. Julgam-se, na maioria, muitíssimo mais importantes do que realmente são. Pecam pela pretensão delirante ou pela vaidade descabida. Mas, independentemente desse rol de pecados, a maioria esmagadora toma cuidado com o que faz.
**************
Íntegra do texto:
http://goo.gl/p9XJ76

Posted by geneton at 12:22 PM

JORNALISTA NÃO DEVE PENSAR COMO ARTISTA – FELIZMENTE! E ARTISTA NÃO DEVE PENSAR COMO JORNALISTA – AINDA BEM! ( DUAS OU TRÊS CENAS DE BASTIDORES: O PEDIDO DE ROBERTO CARLOS, O MEIO-IRMÃO DE CHICO BUARQUE, A INDISCRIÇÃO DE CAETANO VELOSO & A VASTA, VASTÍSSI

….E, como diria Galvão Bueno, aos quarenta e dois minutos do segundo tempo de um daqueles jogos em que nada dá certo, “fica dramática a situação do Brasil !”.

“Por quê?” – dirá o leitor imaginário, já assustado com a súbita referência a um narrador esportivo num debate tão pouco esportivo quanto este sobre a publicação de biografias.

Responderei, para esclarecer logo o mal entendido: “Fica dramática a situação do Brasil!”, sim, porque a lei esdrúxula que submete a publicação de biografias à aprovação dos biografados ou seus herdeiros já produz efeitos colaterais graves.

Ninguém me contou, eu vi: editoras estão com medo de publicar não apenas biografias, mas simples reportagens em livro, por temor da lei da mordaça biográfica. Qual será o próximo passo?

Quem sai perdendo, no fim das contas, é aquela velha senhora tão querida e tão mal compreendida – Dona Democracia da Silva Xavier.

Não é exagero dizer: o artigo do Código Civil que torna possível o veto a biografias é um estupendo desserviço ao país. Qual é o autor que vai suar a camisa durante meses e meses, anos e anos, para, no fim das contas, ter o trabalho condenado a mofar no fundo de uma gaveta? Basta que o biografado – ou seus herdeiros – implique com um parágrafo, um detalhe, uma frase. Pronto! Acabou. Já era. Basta para que o livro vá para a fogueira – simbólica ou literal.

Resultado: dezenas de livros estão deixando de ser publicados. Não é exagero. Instala-se o silêncio, no lugar da palavra. Seja qualquer for o argumento que se use para justificá-lo, silêncio nunca foi bom para o Jornalismo ou a História de um país. Nunca. Never. A trajetória de figuras públicas – e de anônimas, também – se confunde, sim, com a trajetória do Brasil. Biografias pessoais podem, então, jogar luzes sobre a história. Jogam. Já o silêncio não joga nada sobre nada. Produz treva e vazio. Por que, então, submeter as biografias ao vexame da censura? (Não há outra palavra. O efeito prático da lei é a censura, sim ).

O problema não são os artistas. Os problemas não são os biógrafos. O problema é a lei. Por que não se muda a lei, consensualmente, então? Tudo podia ser tão simples. O fogo cruzado deste debate há de trazer bons resultados – para biógrafos e biografados. O enorme choque de opiniões faz parte das dores do parto. Democracia dá trabalho. Mas um rebento pode estar a caminho.

Ah, antes que alguém atire a primeira pedra: nem preciso lembrar que a privacidade é direito irrevogável de todo brasileiro, vivo ou morto. Mas é absurdo imaginar que toda biografia seja invasão de privacidade. Não é. Neste debate, a figura dos biógrafos foi “demonizada”. Correm o risco de serem vistos como abutres famintos que investem sobre a vida alheia em busca do vil metal. Falso, falso, falso.

Grandes nomes da música brasileira foram igualmente “crucificados” porque, para surpresa geral, se declararam a favor da autorização prévia. Há uma grande novidade, desta vez: Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, ícones de uma geração, parecem estar do lado errado. Estão.

Tensão entre jornalistas e artistas é saudável. Eu diria: saudabilíssima. Jornalista não deve pensar como artista – felizmente. E artista não deve pensar como jornalista – ainda bem! Quando pensa como artista, o jornalista trai o jornalismo. E o artista trairá a arte se pensar como jornalista.

Neste exato momento, alguém levanta a mão na plateia imaginária para dizer que estou brandindo argumentos a favor da liberação incondicional das biografias porque sou jornalista. Não e não. Arrisco-me, até, a fazer uma declaração que, no fim das contas, depõe contra o Jornalismo: em figuras como Gilberto Gil, em Caetano Veloso, em Chico Buarque, o importante é a música que eles produziram ou produzem.

Certamente, fizeram o país “andar para a frente” e dar um passo para se livrar dos atoleiros mentais do subdesenvolvimento. São “gigantes” – pelo que criaram. O importante, repito, é o que produziram: não é o que eles disseram eventualmente a um jornalista. Ou o que um jornalista – biógrafo ou não – possa escrever sobre eles.

De qualquer maneira, é claro que eventuais biografias de figuras públicas como eles podem ajudar a iluminar este palco fascinante e sofrido por onde se move o Brasil. O que se quer, em uma palavra, é luz. Lastimavelmente, luz não rima com “autorização” para o exercício do jornalismo (biografia é um produto jornalístico).

Sou razoavelmente insuspeito para falar. Faço jornalismo há quatro décadas (uma língua maldosa perguntaria: não seria hora de procurar um estábulo confortável para repousar os ossos cansados? ). Não tenho, no entanto, contemplação com o jornalismo. Falo aqui, em nome “estritamente pessoal”. Jornalistas cometem uma vasta coleção de pecados. Jogam, despudoradamente, notícia no lixo. Julgam-se, na maioria, muitíssimo mais importantes do que realmente são. Pecam pela pretensão delirante ou pela vaidade descabida. Mas, independentemente desse rol de pecados, a maioria esmagadora toma cuidado com o que faz.

Já deixei de publicar trechos de uma entrevista de Roberto Carlos porque ele pediu. Minha pergunta tocava num tema pessoal: um trauma sofrido por ele na infância. Em respeito à privacidade do entrevistado, o trecho ficou de fora. Engoli o sapo. Ainda assim, entrei na “lista negra” do Rei. Uma produtora me disse que Roberto Carlos não me daria outra entrevista. Acontece.

Já ouvi indiscrição de Caetano Veloso. Não publiquei porque a indiscrição foi dita fora da entrevista. Poderia ter publicado. Resisti à tentação. Engoli o auto-sapo.

Chico Buarque não gostou nem um pouco de ver uma chamada do “Fantástico” trombeteando uma declaração inofensiva que ele me dera numa entrevista: confirmou que tem um meio-irmão alemão – a quem nunca encontrou. Bem humorado, disse: “Meu pai teve um filho alemão antes de se casar. Depois, perdeu-o de vista, porque voltou ao Brasil, onde se casou. Uma vez, quando eu estava em Berlim, tive a impressão de estar vendo um irmão em alguma parte – alguém que parecesse comigo ou com ou com o meu pai. O engraçado é que sempre perguntavam ao meu pai – que era muito branco de pele: “Por acaso o senhor é filho de alemão?. E ele dizia: “Não. Sou pai de um…”

Quando me preparava para a entrevista, vi esta história sobre o meio-irmão num perfil de Chico Buarque publicado num número antigo da revista “Realidade”. Perguntei. Chico Buarque respondeu – mas quando, dias depois, viu a chamada do programa com a voz de trovão de Cid Moreira, quase caiu para trás. Se ele tivesse pedido para que este trecho – inofensivo – não fosse incluído, eu teria tirado. A entrevista foi ao ar. Chico cortou relações – já quase inexistentes – com o “Fantástico”, programa em que eu trabalhava, na época. Reclamou de sensacionalismo. Engoli o sapo. Acontece. Com ou sem entrevista, o importante não é o que ele disse ou deixou de dizer. É o que ele compôs. Por fim: jornalistas (por extensão, biógrafos) respeitam a privacidade, sim.

Feitas estas ressalvas e cometidas estas pequenas confissões sobre cenas de bastidores do jornalismo, pergunta-se: os artistas que defendem a autorização para publicação de entrevistas estão equivocados? Estão equivocadíssimos. Agarraram-se a um monstrengo que abre o caminho para o silêncio e a proibição.

O terrível, o dramátrico, o trágico – para o Brasil, para o jornalismo e para a história – é que, na prática, a exigência de autorização prévia para publicação de biografias, defendida por tantos artistas, pode servir para proteger ditadores, políticos corruptos, torturadores etc.etc. Eis um efeito colateral danoso.

O STF pode declarar inconstitucional o tal artigo que sujeita as biografias à autorização de biografados e herdeiros. Tomara que declare. O Congresso pode derrubá-lo. Tomara que derrube.

Tudo deveria ser tão simples. Primeiro: que se liberem as biografias. Segundo: que se respeite incondicionalmente a privacidade, a imagem, a honra, seja o que for. Quem cometer abuso que responda diante da lei. É assim em todas as democracias. Por que diabos teria de ser diferente aqui?

Do jeito que foi concebida, a lei é uma imensa pedra no meio do caminho do Brasil. Não é exagero: uma imensa pedra no meio do caminho. Poeta Drummond, acorde! Venha tirar esta pedra. Venha repetir aqueles belos versos:

“À sombra do mundo errado, murmuraste um protesto tímido…”

É o que resta fazer.

————-

(*) Publicado no Globo Online

Posted by geneton at 02:34 AM

outubro 24, 2013

A GUERRA DAS BIOGRAFIAS & ALGUMAS CENAS DE BASTIDORES DO JORNALISMO ( O DIA EM QUE ENTREI NA LISTA NEGRA DE ROBERTO CARLOS E TAMBÉM: O IRMÃO QUE CHICO BUARQUE NUNCA VIU )

Sinal de alerta:
Ninguém me contou, eu vi: editoras estão com medo de publicar não apenas biografias, mas simples reportagens em livro, por temor da lei da mordaça biográfica. Qual será o próximo passo?
Resultado: dezenas de livros estão deixando de ser publicados. Não é exagero. Instala-se o silêncio, no lugar da palavra. E, seja qualquer for o argumento que se use para justificá-lo, silêncio nunca foi bom para o Jornalismo ou a História de um país.
Aqui, artigo nosso que O GLOBO Online acaba de publicar - uma contribuição do locutor-que-vos-fala ao debate que vem incendiando o arraial:

goo.gl/qYtXAf

Posted by geneton at 12:24 PM

SIMPLES ASSIM

É SIMPLES ASSIM: JORNALISTA NÃO DEVE PENSAR COMO ARTISTA - FELIZMENTE. E ARTISTA NÃO DEVE PENSAR COMO JORNALISTA - AINDA BEM! QUANDO PENSA COMO ARTISTA,O JORNALISTA TRAI O JORNALISMO. E O ARTISTA TRAIRÁ A ARTE SE PENSAR COMO JORNALISTA.
A TENSÃO ENTRE JORNALISTAS E ARTISTAS, PORTANTO, É SAUDÁVEL. EU DIRIA: SAUDABILÍSSIMA.
Aqui, o texto completo do artigo que O GLOBO On line acaba de publicar - no espaço dedicado à chamada "batalha das biografias":
goo.gl/qYtXAf

Posted by geneton at 12:24 PM

outubro 23, 2013

UMA RARIDADE: A PALAVRA DOS ONZE JOGADORES QUE DISPUTARAM A PARTIDA MAIS DRAMÁTICA DA HISTÓRIA DA SELEÇÃO BRASILEIRA. VALE A PENA OUVI-LOS!

Aviso aos navegantes: a Globonews exibe, às oito e meia da noite do domingo, três de novembro, documentário DOSSIÊ 50: COMÍCIO A FAVOR DOS NÁUFRAGOS - que retrata a saga dos onze jogadores que atuaram na mais dramática partida da história da seleção brasileira - a decisão da Copa do Mundo contra o Uruguai, em 1950, diante de um Maracanã superlotado.
O que eles viveram deixou lições importantes não apenas para o futebol, mas para o país. Vale para quem gosta e para quem não gosta de futebol. O documentário traz uma raridade: a palavra dos onze jogadores que entraram em campo naquela tarde de domingo. E conta com a participação de Paulo César Peréio, Mílton Gonçalves, Cláudio Jaborandy e Chico Diaz - timaço de atores.
O livro-reportagem que deu origem ao documentário - "DOSSIÊ 50", com a íntegra dos depoimentos dos jogadores, acaba de ganhar uma nova edição, em dois formatos: em papel, sai pela Editora Maquinária.
Em formato digital, sai pela e-Galáxia, nova editora de São Paulo.
Nestes próximos dias, daremos, aqui, o "serviço completo" sobre onde encontrar o DOSSIÊ 50 - em papel ou em formato digital.
Tks!

Posted by geneton at 12:27 PM

outubro 13, 2013

A PALAVRA MALDITA VOLTA À CENA: CENSURA, CENSURA, CENSURA. POR QUANTO TEMPO, AFINAL, O BRASIL VAI CONTINUAR PRODUZINDO ESQUISITICES, EXOTISMOS, MONSTRENGOS E ABERRAÇÕES COMO A LEI DA MORDAÇA BIOGRÁFICA? COM A PALAVRA, O STF: MINISTRA CÁRMEN LÚCIA, NÃO DE

*****
Artigo 1º : Ah, não. O Brasil já sofreu com a censura federal. Quase três décadas depois da volta da democracia, não pode ficar refém de algo que, na prática, é uma censura privada.
Artigo 2º: O Brasil é o país das meias palavras. Mas chega de eufemismos. ”Autorização prévia” é sinônimo de ”censura prévia”. Com censura prévia, não se faz jornalismo, não se faz história, não se faz nada. Faz-se oba-oba.
Artigo 3º : Em nenhuma outra democracia do planeta, existe algo parecido com a censura prévia a biografias. Pergunta-se: todos os países estão errados e só o Brasil certo? Claro que não.
Artigo 4º: Para que existem leis, afinal? Se alguém se sentir prejudicado por uma biografia, que recorra à justiça. É assim em qualquer lugar do mundo - menos no Brasil, é claro. Por quanto tempo o Brasil vai continuar produzindo esquisitices, exotismos, monstrengos e aberrações como a lei da mordaça biográfica?

Artigo 5º: Alguém já parou para pensar no enorme dano que esta legislação absurda causou à história, à cultura, à vida brasileira? Durante os tais “anos de chumbo”, os livros eram censurados depois de publicados. Hoje, sequer são publicados! Quantas e quantas biografias deixaram de ser publicadas porque esta lei ameaça proibi-las? Quantos e quantos projetos vão mofar no fundo das gavetas? Vergonha vergonha, vergonha.
Artigo 6º: É óbvio que todos os brasileiros, sem exceção - sejam eles anônimos ou famosos – têm direito à privacidade. É garantia da Constituição. Mas a liberdade de informação também é direito de todos. Não foi fácil consegui-la. Não se trata de publicar fofoca pessoal, mas de retratar a história de um país – que passa, sim, por trajetórias pessoais. E liberdade de informação não existe com censura prévia. Nunca existiu. Jamais existirá.
Aartigo 7º: Não é uma questão financeira. Nunca foi. É uma questão de liberdade de informação. De qualquer maneira, eis uma curiosidade contábil: ainda não nasceu um autor que tenha ficado rico escrevendo biografias. O autor ganha dez por cento do preço da capa de cada exemplar vendido. A tiragem média no Braasil é de três mil exemplares. Se o autor vender três mil exemplares a quarenta reais cada, vai ganhar 12 mil reais depois de meses e meses de trabalho.
Artigo 8º: A ministra Cármen Lúcia – do STF – vai se pronunciar sobre o caso. O Congresso Nacional também. Ou estamos todos loucos ou nunca houve um caso tão simples:
O Brasil espera que a Justiça e os políticos declarem inconstitucional a censura prévia a biografias. Ponto. Quem cometer algum abuso responderá perante a lei. Isso é o que se chama de civilização. A liberdade é civilizatória. A censura - qualquer que seja- é barbárie.
Artigo 9:º Uma vez, um estudante rebelado pichou num muro da universidade, na França: “E se a gente incendiasse a Sorbonne?”. Simbolicamente, é hora de perguntar: e se o STF e o Congresso incendiassem a lei da mordaça biográfica? Com toda certeza, o Brasil iria amanhecer melhor no dia seguinte.
PS: Texto levado ao ar no Jornal das Dez – da Globonews – no dia 12/10:
http://goo.gl/Mi7228
PS2: A discussão sobre a Lei da Mordaça Biográfica ficou centrada nos artistas que apoiam a manutenção desta aberração. Mas o problema maior não é a biografia de artistas. O problema maior é o seguinte: hoje, se um autor brasileiro quiser publicar - por exemplo - a biografia de um ditador, um torturador, um corrupto, terá de pedir autorização aos próprios – ou aos herdeiros. Risível. Estúpido. Indefensável. É óbvio que tal autorização jamais será dada. Neste caso, a censura estará instalada. A palavra maldita volta à cena: censura, censura, censura. Como alternativa, a publicação será “negociada”, o que é uma vergonha. Tudo será tratado como uma questão financeira. É o tal “comércio da honra” a que se referem os editores de livros. Quem sai perdendo? O Brasil. Defender a manutenção da mordaça biográfica é, em última instância, defender a manutenção de um atentado contra o jornalismo e a história - ou imaginar que os biógrafos brasileiros são um bando de picaretas irresponsáveis que entopem os bolsos de dinheiro às custas de escândalos. Não são. Nunca foram. As biografias publicadas nos últimos anos foram, em geral, trabalhos de alto nível jornalístico. O triste, o lamentável é imaginar a quantidade de biografias importantes que deixaram e deixarão de ser escritas e publicadas, se o STF ou o Congresso não derrubarem a mordaça. Tristes trópicos.
Ministra Cármen Lúcia: a senhora poderá fazer história – para o bem ou para o mal. Tomara que não escolha o caminho maldito – o da manutenção de uma aberração jurídica que abre espaço para o silêncio e a censura. Senhores deputados: não decepcionem – de novo – a plateia !

Posted by geneton at 11:34 AM

POR QUANTO TEMPO O BRASIL VAI CONTINUAR PRODUZINDO ESQUISITICES, EXOTISMOS, MONSTRENGOS E ABERRAÇÕES COMO A LEI DA MORDAÇA BIOGRÁFICA? COM A PALAVRA, O STF: MINISTRA CÁRMEN LÚCIA, NÃO DECEPCIONE O BRASIL!

Artigo 1º : Ah, não. O Brasil já sofreu com a censura federal. Quase três décadas depois da volta da democracia, não pode ficar refém de algo que, na prática, é uma censura privada.

Artigo 2º: O Brasil é o país das meias palavras. Mas chega de eufemismos. “Autorização prévia” é sinônimo de “censura prévia”. Com censura prévia, não se faz jornalismo, não se faz história, não se faz nada. Faz-se oba-oba.

Artigo 3º : Em nenhuma outra democracia do planeta, existe algo parecido com a censura prévia a biografias. Pergunta-se: todos os países estão errados e só o Brasil certo? Claro que não.

Artigo 4º: Para que existem leis, afinal? Se alguém se sentir prejudicado por uma biografia, que recorra à justiça. É assim em qualquer lugar do mundo - menos no Brasil, é claro. Por quanto tempo o Brasil vai continuar produzindo esquisitices, exotismos, monstrengos e aberrações como a lei da mordaça biográfica?

Artigo 5º: Alguém já parou para pensar no enorme dano que esta legislação absurda causou à história, à cultura, à vida brasileira? Durante os tais “anos de chumbo”, os livros eram censurados depois de publicados. Hoje, sequer são publicados! Quantas e quantas biografias deixaram de ser publicadas porque esta lei ameaça proibi-las? Quantos e quantos projetos vão mofar no fundo das gavetas? Vergonha vergonha, vergonha.

Artigo 6º: É óbvio que todos os brasileiros, sem exceção, sejam eles anônimos ou famosos, têm direito à privacidade. É garantia da Constituição. Mas a liberdade de informação também é direito de todos. Não foi fácil consegui-la. Não se trata de publicar fofoca pessoal, mas de retratar a história de um país – que passa, sim, por trajetórias pessoais. E liberdade de informação não existe com censura prévia. Nunca existiu. Jamais existirá.

Artigo 7º: Não é uma questão financeira. Nunca foi. É uma questão de liberdade de informação. De qualquer maneira, eis uma curiosidade contábil: ainda não nasceu um autor que tenha ficado rico escrevendo biografias. O autor ganha dez por cento do preço da capa de cada exemplar vendido. A tiragem média no Braasil é de três mil exemplares. Se o autor vender três mil exemplares a quarenta reais cada, vai ganhar 12 mil reais depois de meses e meses de trabalho.

Artigo 8º: A ministra Cármen Lúcia – do STF – vai se pronunciar sobre o caso. O Congresso Nacional também. Ou estamos todos loucos ou nunca houve um caso tão simples:

O Brasil espera que a Justiça e os políticos declarem inconstitucional a censura prévia a biografias. Ponto. Quem cometer algum abuso responderá perante a lei. Isso é o que se chama de civilização. A liberdade é civilizatória. A censura - qualquer que seja- é barbárie.

Artigo 9:º Uma vez, um estudante rebelado pichou num muro da universidade, na França: “E se a gente incendiasse a Sorbonne?”. Simbolicamente, é hora de perguntar: e se o STF e o Congresso incendiassem a lei da mordaça biográfica? Com toda certeza, o Brasil iria amanhecer melhor no dia seguinte.

PS: Texto levado ao ar no Jornal das Dez – da Globonews – no dia 12/10

PS2: A discussão sobre a Lei da Mordaça Biográfica ficou centrada nos artistas que apoiam a manutenção desta aberração. Mas o problema maior não é a biografia de artistas. O problema maior é o seguinte: hoje, se um autor brasileiro quiser publicar - por exemplo - a biografia de um ditador, um torturador, um corrupto, terá de pedir autorização aos próprios – ou aos herdeiros. Risível. Estúpido. Indefensável. É óbvio que tal autorização jamais será dada. Neste caso, a censura estará instalada. A palavra maldita volta à cena: censura, censura, censura. Como alternativa, a publicação será “negociada”, o que é uma vergonha. Tudo será tratado como uma questão financeira. É o tal “comércio da honra” a que se referem os editores de livros. Quem sai perdendo? O Brasil. Defender a manutenção da mordaça biográfica é, em última instância, defender a manutenção de um atentado contra o jornalismo e a história - ou imaginar que os biógrafos brasileiros são um bando de picaretas irresponsáveis que entopem os bolsos de dinheiro às custas de escândalos. Não são. Nunca foram. As biografias publicadas nos últimos anos foram, em geral, trabalhos de alto nível jornalístico. O triste, o lamentável é imaginar a quantidade de biografias importantes que deixaram e deixarão de ser escritas e publicadas, se o STF ou o Congresso não derrubarem a mordaça. Tristes trópicos.

Ministra Cármen Lúcia: a senhora poderá fazer história – para o bem ou para o mal. Tomara que não escolha o caminho maldito – o da manutenção de uma aberração jurídica que abre espaço para o silêncio e a censura. Senhores deputados: não decepcionem – de novo – a plateia !

Posted by geneton at 02:37 AM

outubro 06, 2013

ONDE ESTÃO TODOS?

( Texto sobre o pai de três desaparecidos políticos argentinos é republicado aqui porque trazia pequenos erros de digitação )
*********************

Onde estão as legiões de ouvintes que deveriam estar aqui e agora para escutar a palavra do homem é um grande símbolo das vítimas da ditadura militar argentina?
Onde estão os militantes para gritar "nunca mais, nunca mais, nunca mais"?
Onde estão os neo-rebeldes para bradar "presente!", enquanto alguém pronunciaria os nomes de Martin, José e Valéria?
Onde estão os repórteres com seus blocos de anotações implacáveis, suas perguntas impertinentes e aquela sede por boas histórias? Onde estão todos?

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"Estão todos dormindo", diria o poeta. Ou, quem sabe, estão todos mergulhados na estupenda banalidade de um começo de noite de quinta-feira na cidade do Rio de Janeiro, ocupados com a tarefa prioritária de tocar suas vidas. Ah, tocar a vida, tocar o barco, tocar pra frente.
A vida segue assim - mas pequenos grandes acontecimentos podem quebrar a cadeia da banalidade.
Por exemplo: um homem de barba branca por fazer caminha anônimo pelos corredores do Shopping Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro, em meio à indiferença de casais que passam apressados para não perder a sessão do cinema, crianças que arrastam as mães para as lanchonetes, jovens que contemplam vitrines recheadas de tênis, fregueses que lotam lojas que vendem celulares. Uma bengala o ajuda na caminhada.
Dentro da Livraria da Travessa, ele busca apoio no corrimão enquanto vence os degraus rumo ao acanhado auditório do primeiro andar. Carrega consigo uma pasta plástica esverdeada, em que guarda um texto recheado de emendas e palavras grifadas.
Se soubessem quem este homem é, alguns dos passantes certamente teriam a curiosidade de abordá-lo, porque ele é um personagem extraordinário.
Quem sabe, um dos casais que correm para o cinema ou uma das mães que se aboletam no balcão da lanchonete ou um dos jovens que contemplam vitrines ou um dos fregueses que testam celulares teria o ímpeto de ouvi-lo. Mas não, ninguém lhe dirige a palavra. Rafael Belaustegui passa despercebido.
Já o punhado de frequentadores que se instalou no auditório para ouvi-lo, numa sessão da Quinzena de Literatura Latino-americana, sabe quem é aquele homem: o argentino Rafael Belaustegui viveu um drama indizível. É pai de três desaparecidos políticos: Martin, José, Valéria.
O primeiro a sumir foi Martin, no dia 26 de julho de 1976, quando completava vinte anos de idade. Valéria - de 24 anos - desapareceu no dia 13 de maio de 1977.
Duas semanas depois, no dia 30, foi a vez de José. Os três militavam na clandestinidade contra a ditadura militar instalada em 1976 na Argentina. Valéria estava grávida. Rafael jamais soube o que aconteceu com o neto: pode ter nascido na prisão, pode ter morrido junto com a mãe.
A namorada de Martin - nora de Rafael, portanto - também estava grávida quando sumiu. Não se sabe que destino teve o bebê. Além dos três filhos, Rafael perdeu dois netos também, além das noras e do genro. O horror, o horror, o horror, diria aquele personagem de O Coração das Trevas.
Uma cena novelesca aconteceu em meio ao massacre: quando foi presa, grávida, Valéria, filha de Rafael, tinha um bebê de um ano e dois meses. O bebê foi levado também. Dias depois, foi deixado numa rua. Trazia um aviso, manuscrito: "Sou filha de Valéria Belaustegui". Criada pelos avós paternos, Tânia, a neta que escapou da morte, teve, recentemente, filhos gêmeos. Vive nos Estados Unidos.
Rafael viajou de Buenos Aires ao Rio porque acha que falar do desaparecimento dos filhos é uma "missão". Tive a chance de entrevistá-lo em Buenos Aires, para a Globonews, em 2010.
Vivi, na entrevista, uma cena que me comoveu profundamente. Terminada a gravação, Rafael me chamou para uma dependência do apartamento, para que eu visse "os filhos". Falava como se os três estivessem ali, vivos. Dentro do quarto, ele apontou para a parede: lá estava uma foto ampliada de Valéria, José, Martin e a mãe dos três, Matilde - que morreria, doente, tempos depois. Os filhos eram um retrato na parede.
Quando o programa foi ao ar, ele me enviou uma mensagem igualmente comovente: disse que o testemunho que ele me deu ficaria como "herança" para seus filhos. Sim, Rafael voltaria a ser pai depois da tripla tragédia.
Teve três outros filhos, num segundo casamento. Por uma coincidência inacreditável, os nascimentos seguiram a mesma sequência dos nascimentos dos filhos desaparecidos: uma menina e, em seguida, dois meninos. Detalhe: o intervalo entre os nascimentos dos três filhos do segundo casamento foi igual ao intervalo entre os nascimentos dos três primeiros.
Rafael se apressa a dizer que não é místico, mas deixa reticências quando fala da extraordinária coincidência: era como se, por algum capricho inexplicável, a vida lhe desse a chance de começar tudo de novo, depois do mergulho nas profundezas do abismo mais escuro.
Quando Benjamin Magalhães, organizador da Quinzena, me perguntou se eu teria um nome a sugerir, pensei imediatamente na figura deste argentino que, já octogenário, quer falar de Martin, José e Valéria não para espalhar comoção, mas para tocar a consciência de quem o ouve.
Quem perdeu a passagem de Rafael Belaustegui pelo pequeno auditório da Livraria da Travessa deixou de viver um momento memorável. Não há outra maneira de descrever o encontro: a emoção estava "à flor da pele".
( Repórter deve deixar transparecer a emoção? Em situações normais, talvez não. Mas confesso que hoje, pela primeira vez, não consegui completar uma frase ao falar da saga deste argentino. O nó na garganta foi maior. Aconteceu.)
Como se não bastasse, Rafael acrescentou, à emoção, uma declaração que pode provocar polêmica: disse que é hora de reconhecer que, se as forças insurgentes tivessem tomado o poder nos anos setenta, certamente não implantariam regimes democráticos. Mas, antes que algum ouvinte apressado imagine que ele esteja querendo relativizar a culpa dos militares, Rafael se apressa a dizer que o "terrorismo de Estado" é um "inadmissível" crime de "lesa-humanidade".
Quem se deu ao trabalho de ir ouvir o pai dos três desaparecidos não se arrependeu.
( uma equipe da Globonews foi a única que esteve no auditório, pouco antes do debate, com a repórter Maria Paula Carvalho, a serviço do Jornal das Dez. O outro repórter presente estava a serviço da própria curiosidade: Lúcio de Castro. Pelo que deu para ver, that´s all . Uma dúvida - quiçá razoável - agitava minhas florestas anteriores: e se ali, em vez do pai de três desaparecidos - que se aboletou de Buenos Aires para o Rio apenas única e exclusivamente para este encontro com brasileiros - estivesse uma daquelas peruas siliconadas que se expõem em realities shows? Com toda certeza, haveria fotógrafos amontoados, algazarra, explosão de flashs. Assim caminha a humanidade).
Perguntado, Rafael Belaustegui jamais se nega a dar detalhes.
Dirá, por exemplo, que estava no Brasil quando recebeu um telefonema da primeira mulher, Matilde, às duas horas da manhã, com a notícia do primeiro desaparecimento: "Aconteceu uma coisa terrível" - disse ela. "Levaram Martin!". Jamais imaginaria que dois outros desaparecimentos se seguiriam.
Contará o incrível encontro que teve com um dos integrantes da junta militar argentina, o almirante Emilio Massera, já depois do fim da ditadura, cena digna de um roteiro cinematográfico. Por um acaso absoluto, os dois estavam no mesmo avião. Rafael sentou ao lado do almirante. Disse que era pai de três desaparecidos. O almirante mentiu: garantiu ao pai que os filhos estavam bem guardados em algum lugar. Rafael iria receber notícias. Não recebeu jamais. Os filhos de Rafael tinham se engajado no Exército Revolucionário do Povo ( ERP ).
( em outro momento, Rafael provocará reações de espanto na plateia ao narrar a desfaçatez do militar que, irônico, disse a ele que havia filhos de militares que também tinham desaparecido: um sumiu esquiando, outro num acidente etc.etc.)
Descreverá a cena que viveu recentemente: recebeu a informação de que o maitre de um restaurante em Buenos Aires era o neto nascido na prisão. Correu ao restaurante. Olhou para o rosto do maitre. Viu as feições da filha - Valéria. Chegou a falar com a mãe do maitre, mas ela não quis levar adiante a conversa. Rafael desistiu. Imaginou que,se insistisse, poderia criar um drama em outra família. Vai passar o resto dos seus dias alimentando a dúvida: aquele rapaz é ou não o neto que ele queria tanto conhecer?
Pronunciará uma definição marcante sobre a tragédia dos desaparecidos: "Desaparecer é matar a morte. E matar a morte é voltar a ter vida. Os meninos, assim, estarão sempre vivos - na memória e na eternidade". Rafael conseguiu a proeza de extrair do horror absoluto um clarão de luz: quem desaparece mata a morte! Eis aí a única saída possível para conviver com o que aconteceu.
Responderá que jamais poderá perdoar os autores do sequestro e desaparecimento dos filhos, porque estes são crimes de lesa-humanidade, "imprescritíveis" e "atemporais". O tempo, neste caso, não revogará o horror.
Por fim, puxará da pasta o texto que digitou um texto. Tocará num ponto polêmico: dirá que hoje, tanto tempo depois, "defende a pluralidade dos relatos, porque creio que também nas forças que se insurgiram houve maldades".
Eis quatro pontos que o pai dos três desaparecidos usou para estimular o debate sobre os erros cometidos também pelos que combateram o horror:
"As Forças Armadas usurpadoras decidiram eliminar todo o pensamento de esquerda - matando a todos os esquerdistas"
1
"O terrorismo de Estado é inadmissível. Seus crimes são de lesa-humanidade e, portanto, transnacionais e imprescritíveis. Cometeu-se um genocídio na Argentina. O que as Forças Armadas usurpadoras do poder fizeram foi mais do que combater os violentos: decidiram eliminar todo o pensamento de esquerda matando a todos os esquerdistas. Queriam, pela morte, fazer desaparecer estas ideias. Mas um presidente argentino do século XIX, Domingo Faustino Sarmiento, tornou célebre esta máxima: as idéias não se matam".
2
"É hora de deixar a memória do passado a cargo da investigação histórica e começar a pensar no que fazer. É hora de uma pensamento crítico que traga idéias e projetos para a superação das ideologias que deixaram de ter vigência. O que é hoje a esquerda? O que é hoje a direita? Lênin uma vez perguntou: o que fazer? Já havia questionado o que chamou de infantilismo da esquerda, os extremismos que não levavam a uma melhoria das condições das classes marginalizadas da sociedade(...) ".
3
"Poderíamos perguntar o que teria acontecido se as forças que se insurgiram tivessem triunfado nos países de nossa região. Teríamos o cerco das potências ocidentais? Estaríamos dominados por milícias civis uniformizadas, empobrecidos e estagnados economicamente? Creio que sim. Não era no que acreditava em minha juventude. Isto, para meus filhos, soaria como uma heresia, como também para jovens utópicos de hoje".
4
"A geração dos anos setenta, marcada pelo golpe de 24 de março de 1976, acreditou ser possível instaurar uma ordem definitivamente justa. Em nome desta crença, matou e morreu. Morreu muito mais do que matou. Estou citando a socióloga Cláudia Hilb, renomada pesquisadora argentina: diz que hoje se pode fazer uma reflexão sobre a responsabilidade da esquerda dos anos setenta no advento do horror. Pode-se equiparar a responsabilidade dos militares com a dos militantes? Não. A violência política dos militantes ocorreu sob a forma de assassinatos seletivos ou de atentados ( menos seletivos ), muito poucos. Não se pode equiparar às formas de violência que ocorreram nos campos de concentração, as loucuras, as mortes, o rapto de bebês e o ato de embarcar prisoneiros em aviões e jogá-los vivos no rio da Prata. Os trinta mil desaparecidos deixaram um vazio. Eram o melhor desta geração perdida".
Termina a sessão da Quinzena Latino-americana. O ator Carlos Vereza levanta-se do lugar que ocupava na primeira fila para beijar a mão de Rafael.
O pai de Valéria, José e Martin posa para fotos. A pequena plateia se retira. Acompanhado de duas cicerones da Livraria da Travessa, Rafael caminha novamente pelos corredores. Cruza com funcionários de lojas que estão apressados porque querem ir embora. O expediente acabou - para Rafael e para eles.
Amanhã, os funcionários começam tudo de novo. Rafael também - porque jamais dará por encerrada a missão de manter viva a memória de Valéria, José e Martin. Que importa o tamanho das plateias?
Pode chegar o dia em que os auditórios de Rafael estarão desertos. Pode chegar, sim. Os terráqueos, certamente, estarão ocupados com outras tarefas, sem tempo de ouvir relatos sobre desaparecidos. Não é absurdo imaginar. Quando esse dia chegar, quem sabe, Rafael estará fazendo o que me disse que espera fazer: "Vou estar em algum lugar do Uruguai, certamente em Punta del Este, em companhia de um amigo - um cachorro. Bastará um perro. Não vivem dizendo que ele é o melhor amigo do homem?".

Posted by geneton at 11:34 AM

outubro 05, 2013

UMA MENSAGEM DO PAI DE TRÊS DESAPARECIDOS, UM POEMA ESCRITO POR UM DOS FILHOS - AOS TREZE ANOS

Uma surpresa: Rafael Belaustegui, o advogado argentino pai de três desaparecidos políticos ( ver texto anterior, em que detalho a visita que ele fez ao Brasil ), acaba de deixar, no próprio post, um comentário sobre o relato que publiquei primeiro no blog Dossiê Geral - no G1 - e, em seguida, aqui.
A mensagem de Rafael:
Geneton prezado, todavía estoy conmovido por mi estadía en Río de Janeiro. El post suyo que comento lo guardaré entre los documentos más valiosos de los que tengo, vinculados con esta trágica historia. Un resumen perfecto, con un estilo literario y periodístico impecable. Lo incluyo en el círculo mis amigos que puedo contar con los dedos de una mano. Felicitaciones y agradecimientos por todo, hy a la gente de Livraria Travessa.
Reações, assim, emocionam, é claro. Reforçam a ilusão de que, ainda que aos trancos e barrancos, a prática do jornalismo pode ter seus momentos compensadores. E não é preciso fazer nada, nada de extraordinário! Basta registrar e passar adiante histórias como a deste personagem - um pai que, aos 86 anos, encontra disposição para viajar, falar do drama indizível que viveu e lançar idéias ao debate.
Por que quase nenhum jornalista foi ouvi-lo? Tento a tentação de repetir a pergunta, já feita em post anterior. Onde estão todos? Onde estão todos? É preciso avaliar criticamente o jornalismo. Ah, o jornalismo: o mesmíssimo jornalismo que deu uma cobertura modesta - ou inexistente - à passagem do pai dos três desaparecidos pelo Brasil. O mesmíssimo jornalismo que encontra espaço e tempo fartos para falar de subcelebridades, lipoaspirações e dietas de famosos, mas quase desconhece personagens como este. Ninguém lerá nada sobre eles nas edições do fim de semana. E o tema renderia, com toda certeza, uma belíssima reportagem.
Por fim, um acréscimo: Rafael leu, ao final do encontro na Travessa, um poema "premonitório" que José, um de seus filhos desaparecidos, escreveu quando tinha apenas treze anos. Título: "Poema para não morrer".
Ei-lo:
Sé que algún día dejare de pertenecer al mundo,
y nunca más podre escribir,
ni hacer el amor,
ni disfrazar la naturaleza con un poema,
ni viajar en los libros,
ni exponer mis ideas.
Por eso en este poema dejo mar, cielo y luna
mariposas, besos y sirenas,
y me dejo a mí,
porque cuando muera seguiré viviendo en estos versos.

Posted by geneton at 11:39 AM

OS FILHOS SÃO UM RETRATO NA PAREDE

Os filhos são um retrato na parede ( ver post anterior ) :
terminada a entrevista que gravei com ele em Buenos Aires, em 2010, o pai de três desaparecidos políticos argentinos me chama para ver "os filhos", como se eles estivessem ali. Vai a um quarto. Aponta para a parede. Lá estão, nesta foto:
José, Martin, Valéria ( a filha que estava grávida quando foi sequestrada ). Em primeiro plano, Matilde, a mãe dos três.
Rafael Belaustegui, o pai, passou esta semana pelo Rio - quase sem ser notado. Pergunto, no post anterior: onde estavam os militantes, os repórteres (!), os manifestantes - que não aparecerem?

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Posted by geneton at 11:39 AM

outubro 04, 2013

ONDE ESTÃO?

Onde estão as legiões de ouvintes que deveriam estar aqui e agora para escutar a palavra do homem é um grande símbolo das vítimas da ditadura militar argentina?
Onde estão os militantes para gritar "nunca mais, nunca mais, nunca mais"?
Onde estão os neo-rebeldes para bradar "presente!", enquanto alguém pronunciaria os nomes de Martin, José e Valéria?
Onde estão os repórteres com seus blocos de anotações implacáveis, suas perguntas impertinentes e aquela sede por boas histórias? Onde estão todos?
"Estão todos dormindo", diria o poeta. Ou, quem sabe, estão todos mergulhados na estupenda banalidade de um começo de noite de quarta-feira na cidade do Rio de Janeiro, ocupados com a tarefa prioritária de tocar suas vidas. Ah, tocar a vida, tocar o barco, tocar pra frente.
A vida segue assim - mas pequenos grandes acontecimentos podem quebrar a cadeia da banalidade.

Por exemplo: um homem de barba branca por fazer caminha anônimo pelos corredores do Shopping Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro, em meio à indiferença de casais que passam apressados para não perder a sessão do cinema, crianças que arrastam as mães para as lanchonetes, jovens que contemplam vitrines recheadas de tênis, fregueses que lotam lojas que vendem celulares. Uma bengala o ajuda na caminhada.
Dentro da Livraria da Travessa, ele busca apoio no corrimão enquanto vence os degraus rumo ao acanhado auditório do primeiro andar. Carrega consigo uma pasta plástica esverdeada, em que guarda um texto recheado de emendas e palavras grifadas.
Se soubessem quem este homem é, alguns dos passantes certamente teriam a curiosidade de abordá-lo, porque ele é um personagem extraordinário.
Quem sabe, um dos casais que correm para o cinema ou uma das mães que se aboletam no balcão da lanchonete ou um dos jovens que contemplam vitrines ou um dos fregueses que testam celulares teria o ímpeto de ouvi-lo. Mas não, ninguém lhe dirige a palavra. Rafael Belaustegui passa despercebido.
Já o punhado de frequentadores que se instalou no auditório para ouvi-lo, numa sessão da Quinzena de Literatura Latino-americana, sabe quem é aquele homem: o argentino Rafael Belaustegui viveu um drama indizível. É pai de três desaparecidos políticos: Martin, José, Valéria.
O primeiro a sumir foi Martin, no dia 26 de julho de 1976, quando completava vinte anos de idade. Valéria - de 24 anos - desapareceu no dia 13 de maio de 1977.
Duas semanas depois, no dia 30, foi a vez de José. Os três militavam na clandestinidade contra a ditadura militar instalada em 1976 na Argentina. Valéria estava grávida. Rafael jamais soube o que aconteceu com o neto: pode ter nascido na prisão, pode ter morrido junto com a mãe.
A namorada de Martin - nora de Rafael, portanto - também estava grávida quando sumiu. Não se sabe que destino teve o bebê. Além dos três filhos, Rafael perdeu dois netos também, além das noras e do genro. O horror, o horror, o horror, diria aquele personagem de O Coração das Trevas.
Uma cena novelesca aconteceu em meio ao massacre: quando foi presa, grávida, Valéria, filha de Rafael, tinha um bebê de um ano e dois meses. O bebê foi levado também. Dias depois, foi deixado numa rua. Trazia um aviso, manuscrito: "Sou filha de Valéria Belaustegui". Criada pelos avós paternos, Tânia, a neta que escapou da morte, teve, recentemente, filhos gêmeos. Vive nos Estados Unidos.
Rafael viajou de Buenos Aires ao Rio porque acha que falar do desaparecimento dos filhos é uma "missão". Tive a chance de entrevistá-lo em Buenos Aires, para a Globonews, em 2010.
Vivi, na entrevista, uma cena que me comoveu profundamente. Terminada a gravação, Rafael me chamou para uma dependência do apartamento, para que eu visse "os filhos". Falava como se os três estivessem ali, vivos. Dentro do quarto, ele apontou para a parede: lá estava uma foto ampliada de Valéria, José, Martin e a mãe dos três, Matilde - que morreria, doente, tempos depois. Os filhos eram um retrato na parede.
Quando o programa foi ao ar, ele me enviou uma mensagem igualmente comovente: disse que deixaria o testemunho que ele deu na gravação como "herança" para seus filhos. Sim, Rafael voltaria a ser pai depois da tripla tragédia.
Teve três outros filhos, num segundo casamento. Por uma coincidência inacreditável, os nascimentos seguiram a mesma sequência dos nascimentos dos filhos desaparecidos: uma menina e, em seguida, dois meninos. Detalhe: o intervalo entre os nascimentos dos três filhos do segundo casamento foi igual ao intervalo entre os nascimentos dos três primeiros.
Rafael se apressa a dizer que não é místico, mas deixa reticências quando fala da extraordinária coincidência: era como se, por algum capricho inexplicável, a vida lhe desse a chance de começar tudo de novo, depois do mergulho nas profundezas do abismo mais escuro.
Quando Benjamin Magalhães, organizador da Quinzena, me perguntou se eu teria um nome a sugerir, pensei imediatamente na figura deste argentino que, já octogenário, quer falar de Martin, José e Valéria não para espalhar comoção, mas para tocar a consciência de quem o ouve.
Quem perdeu a passagem de Rafael Belaustegui pelo pequeno auditório da Livraria da Travessa deixou de viver um momento memorável. Não há outra maneira de descrever o encontro: a emoção estava "à flor da pele".
( Repórter deve deixar transparecer a emoção? Em situações normais, talvez não. Mas confesso que hoje, pela primeira vez, não consegui completar uma frase ao falar da saga deste argentino. O nó na garganta foi maior. Aconteceu.)
Como se não bastasse, Rafael acrescentou, à emoção, uma declaração que pode provocar polêmica: disse que é hora de reconhecer que, se as forças insurgentes tivessem tomado o poder nos anos setenta, certamente não implantariam regimes democráticos. Mas, antes que algum ouvinte apressado imagine que ele esteja querendo relativizar a culpa dos militares, Rafael se apressa a dizer que o "terrorismo de Estado" é um "inadmissível" crime de "lesa-humanidade".
Quem se deu ao trabalho de ir ouvir o pai dos três desaparecidos não se arrependeu
( uma equipe da Globonews foi a única que esteve no auditório, pouco antes do debate, com a repórter Maria Paula Carvalho, a serviço do Jornal das Dez. O outro repórter presente estava a serviço da própria curiosidade: Lúcio de Castro. Pelo que deu para ver, that´s all . Uma dúvida - quiçá razoável - agitava minhas florestas anteriores: e se ali, em vez do pai de três desaparecidos - que se aboletou de Buenos Aires para o Rio apenas unica e exclusivamente para este encontro com brasileiros - estivesse uma daquelas peruas siliconadas que se expõem em realities shows? Com toda certeza, haveria fotógrafos amontoados, algazarra, explosão de flashs. Assim caminha a humanidade).
Perguntado, Rafael Belaustegui jamais se nega a dar detalhes.
Dirá, por exemplo, que estava no Brasil quando recebeu um telefonema da primeira mulher, Matilde, às duas horas da manhã, com a notícia do primeiro desaparecimento: "Aconteceu uma coisa terrível - disse ela. Levaram Martin!". Jamais imaginaria que dos outros desaparecimentos se seguiriam.
Contará o incrível encontro que teve com um dos integrantes da junta militar argentina, o almirante Emilio Massera, já depois do fim da ditadura, cena digna de um roteiro cinematográfico. Por um acaso absoluto, os dois estavam no mesmo avião. Rafael sentou ao lado do almirante. Disse que era pai de três desaparecidos. O almirante mentiu: garantiu ao pai que os filhos estavam bem guardados em algum lugar. Rafael iria receber notícias. Não recebeu jamais. Os filhos de Rafael tinham se engajado no Exército Revolucionário do Povo ( ERP ).
( em outro momento, Rafael provocará reações de espanto na plateia ao narrar a desfaçatez do militar que, irônico, disse a ele que havia filhos de militares que também tinham desaparecido: um sumiu esquiando, outro num acidente etc.etc.)
Descreverá a cena que viveu recentemente: recebeu a informação de que o maitre de um restaurante em Buenos Aires era o neto nascido na prisão. Correu ao restaurante. Olhou para o rosto do maitre. Viu as feições da filha - Valéria. Chegou a falar com a mãe do maitre, mas ela não quis levar adiante a conversa. Rafael desistiu. Imaginou que,se insistisse, poderia criar um drama em outra família. Vai passar o resto dos seus dias alimentando a dúvida: aquele rapaz é ou não o neto que ele queria tanto conhecer?
Pronunciará uma definição marcante sobre a tragédia dos desaparecidos: "Desaparecer é matar a morte. E matar a morte é voltar a ter vida. Os meninos, assim, estarão sempre vivos - na memória e na eternidade". Rafael conseguiu a proeza de extrair do horror absoluto um clarão de luz: quem desaparece mata a morte! Eis aí a única saída possível para conviver com o que aconteceu.
Responderá que jamais poderá perdoar os autores do sequestro e desaparecimento dos filhos, porque estes são crimes de lesa-humanidade, "imprescritíveis" e "atemporais". O tempo, neste caso, não revogará o horror.
Por fim, puxará da pasta o texto que digitou um texto. Tocará num ponto polêmico: dirá que hoje, tanto tempo depois, "defende a pluralidade dos relatos, porque creio que também nas forças que se insurgiram houve maldades".
Eis quatro pontos que o pai dos três desaparecidos usou para estimular o debate sobre os erros cometidos também pelos que combateram o horror:
"As Forças Armadas usurpadoras decidiram eliminar todo o pensamento de esquerda - matando a todos os esquerdistas"
1
"O terrorismo de Estado é inadmissível. Seus crimes são de lesa-humanidade e,portanto, transnacionais e imprescritíveis. Cometeu-se um genocídio na Argentina. O que as Forças Armadas usurpadoras do poder foi mais do que combater os violentos: decidiram eliminar todo o pensamento de esquerda matando a todos os esquerdistas. Queriam, pela morte, fazer desaparecer estas ideias. Mas um presidente argentino do século XIX, Domingo Faustino Sarmiento, tornou célebre esta máxima: as idéias não se matam".
2
"É hora de deixar a memória do passado a cargo da investigação histórica e começar a pensar no que fazer. É hora de uma pensamento crítico que traga idéias e projetos para a superação das ideologias que deixaram de ter vigência. O que é hoje a esquerda? O que é hoje a direita? Lênin uma vez perguntou: o que fazer? Já havia questionado o que chamou de infantilismo da esquerda, os extremismos que não levavam a uma melhoria das condições das classes marginalizadas da sociedade(...) ]".
3
"Poderíamos perguntar o que teria acontecido se as forças que se insurgiram tivessem triunfado nos países de nossa região. Teríamos o cerco das potências ocidentais? Estaríamos dominados por milícias civis uniformizadas, empobrecidos e estagnados economicamente? Creio que sim. Não era no que acreditava em minha juventude. Isto, para meus filhos, soaria como uma heresia, como também para jovens utópicos de hoje".
4
"A geração dos anos setenta, marcada pelo golpe de 24 de março de 1976, acreditou ser possível instaurar uma ordem definitivamente justa. Em nome desta crença, matou e morreu. Morreu muito mais do que matou. Estou citando a socióloga Cláudia Hilb, renomada pesquisadora argentina: diz que hoje se pode fazer uma reflexão sobre a responsabilidade da esquerda dos anos setenta no advento do horror. Pode-se equiparar a responsabilidade dos militares com a dos militantes? Não. A violência política dos militantes ocorreu sob a forma de assassinatos seletivos ou de atentados ( menos seletivos ), muito poucos. Não se pode equiparar às formas de violência que ocorreram nos campos de concentração, as loucuras, as mortes, o rapto de bebês e o ato de embarcar prisoneiros em aviões e jogá-los vivos no rio da Prata. Os trinta mil desaparecidos deixaram um vazio. Eram o melhor desta geração perdida".
Termina a sessão da Quinzena Latino-americana. O ator Carlos Vereza levanta-se do lugar que ocupava na primeira fila para beijar a mão de Rafael.
O pai de Valéria, José e Martin posa para fotos. A pequena plateia se retira. Acompanhado de duas cicerones da Livraria da Travessa, Rafael caminha novamente pelos corredores. Cruza com funcionários de lojas que estão apressados porque querem ir embora. O expediente acabou - para Rafael e para eles.
Amanhã, os funcionários começam tudo de novo. Rafael também - porque jamais dará por encerrada a missão de manter viva a memória de Valéria, José e Martin. Que importa o tamanho das plateias?
Pode chegar o dia em que os auditórios de Rafael estarão desertos. Pode chegar, sim. Os terráqueos, quem sabe, estarão ocupados com outras tarefas, sem tempo de ouvir relatos sobre desaparecidos. Não é absurdo imaginar. Quando esse dia chegar, quem sabe, Rafael estará fazendo o que me disse que espera fazer: "Vou estar em algum lugar do Uruguai, certamente em Punta del Este, em companhia de um amigo - um cachorro. Bastará um perro. Não vivem dizendo que ele é o melhor amigo do homem?".

Posted by geneton at 11:39 AM

outubro 02, 2013

NESTA QUINTA, OITO DA NOITE, NA TRAVESSA/LEBLON, ADVOGADO ARGENTINO PAI DE TRÊS DESAPARECIDOS POLÍTICOS PARTICIPARÁ DE ENCONTRO ABERTO AO PÚBLICO

Livraria da Travessa/Leblon confirma chegada ao Rio do advogado argentino Rafael Belaustegui, pai de três desaparecidos políticos.
É uma das mais notórias vítimas do chamado "terrorismo de estado" ocorrido durante a ditadura militar argentina: jamais obteve notícias sobre paradeiro dos três filhos.
Nesta quinta, às oito da noite, Rafael participará de um encontro, aberto ao público, no auditório da Livraria da Travessa/Leblon: tratará não apenas do drama indizível por que passou, mas também de temas importantes, como, por exemplo, anistia e punição.

Posted by geneton at 11:43 AM

setembro 29, 2013

CHANCE ÚNICA DE UM ENCONTRO COM UM PERSONAGEM MARCANTE: PAI DE TRÊS DESAPARECIDOS POLÍTICOS ARGENTINO VEM AO RIO PARA ENCONTRO NA LIVRARIA DA TRAVESSA/LEBLON

Quem quiser ter a chance de conhecer um personagem inesquecível deve ir, sem falta, à Livraria da Travessa, no Leblon, às oito da noite de quinta-feira, para ouvir a palavra de um argentino que viveu um drama indescritível mas encontrou forças para ir adiante.
O homem que, na noite de quinta, caminhará, anônimo, pelos corredores do shopping Leblon em direção ao pequeno auditório da livraria chama-se Rafael Belaustegui. É um dos personagens mais impressionantes que tive a chance de entrevistar: Rafael é pai de três desaparecidos políticos. Os três ( dois rapazes e uma moça ) sumiram durante a ditadura militar argentina. Octogenário, ele encontra disposição para viajar e debater temas como anistia, punição, ditadura, reconciliação.
A filha de Belaustegui estava grávida quando desapareceu. O que terá acontecido com o filho que ela esperava ? São perguntas que Rafael faz a si mesmo.
O encontro é aberto aos interessados. Entrada gratuita. Participarei como entrevistador. E Rafael Belaustegui responderá a perguntas da plateia.

Posted by geneton at 11:43 AM

setembro 28, 2013

UM "FALCÃO" FALA!

O que passa pela cabeça de um "falcão" da era Bush? Globonews reprisa, neste sábado, às 21:30, entrevista com um dos "cérebros" da invasão do Iraque. A pegunta que não quer calar volta a ser feita: onde estavam as tais "armas de destruição em massa do Iraque" - argumento usado pelos EUA para justificar a invasão?

Posted by geneton at 11:43 AM

setembro 14, 2013

"AS PAREDES NÃO GUARDAM NADA DA GENTE". SÓ A MEMÓRIA EXISTE. EIS A CONSTATAÇÃO DO POETA FERREIRA GULLAR AO VOLTAR AO CHILE DÉCADAS DEPOIS DE TER TESTEMUNHADO A QUEDA DO PRESIDENTE SALVADOR ALLENDE.

******************
A GLOBONEWS reexibe neste sábado, às 21:05, na Faixa Acervo, o DOSSIÊ com o poeta Ferreira Gullar. Para quem não sabe: exilado da ditadura brasileira, Gullar desembarcou no Chile, país que vivia uma experiência inédita: pela primeira vez, um presidente socialista era eleito pelo voto do povo. Mas a "primavera chilena" durou pouco: o golpe militar comandado pelo general Pinochet derrubou o governo Allende.
Gullar percorreu os cenários do drama: o Palácio de La Moñeda, a rua onde morou.
Se fosse um cientista político, Gullar faria um tratado sobre o que viu. Se fosse um jornalista, anotaria suas impressões. Se fosse um economista, recitaria números. Mas, felizmente, é um poeta. Preferiu notar que as paredes "não guardam nada da gente". O que existe é a memória - impalpável, mas viva, fascinante e onipresente.

Eis um trecho do que ele nos disse,na entrevista que a Globonews reexibe esta noite, na semana em que o golpe militar do Chile completa quarenta anos:
“Estava lá o mesmo palácio onde Salvador Allende foi assassinado e diante do qual fiquei tantas vezes em manifestações políticas. Não havia mais nada. Era aquele silêncio. Eu, então, senti saudade daqueles tempos. Agora, tudo está tranquilo, mas falta o fogo, a luta pelo mundo melhor e pela transformação! A gente nunca está contente”.
“De repente, estou de novo diante daquele prédio – e não ficou nada do que aconteceu lá. O porteiro que me recebe não sabe quem sou nem sabe que morei ali. A escada é a mesma, os degraus são os mesmos. Mas não têm nenhuma marca de mim ou do que aconteceu. Da mesma maneira que diante do La Moneda, falei assim: mas cadê aquelas coisas que aconteceram aqui ? Cadê a tragédia ? Cadê o drama humano ? Apagou tudo! Por um lado, tudo bem: o Chile agora é muito mais feliz do que naquele momento. Mas é uma coisa contraditória. Porque a gente vê que nós, na verdade, é que carregamos as coisas conosco”.
“Fui ao prédio onde morei, na avenida Providência. Era diferente. Não reconheci. A sensação que dá é essa: as paredes, as ruas não guardam nada da gente. É como se nada tivesse acontecido ! Está tudo em minha cabeça. É tudo memória minha. As paredes, os prédios, as ruas são indiferentes ao que a gente faz, ao que a gente pensou, sofreu e chorou. Tudo se apaga”.

Posted by geneton at 11:48 AM

SEM DIZER UMA PALAVRA, MOTORISTAS DE CARRÕES QUE AVANÇAM SINAIS E ARRISCAM A VIDA DE PEDESTRES FAZEM UM DISCURSO ELOQUENTE

Vou me arriscar a cometer "sociologia de botequim" - mas não resisto. Hoje, em torno das 17:20, o sinal estava vermelho para os carros no final da Bartolomeu Mitre, perto do Jóquei. Sinal vermelho! Os carros param - menos o motorista de um carrão Suzuki ( placa KDS 58...). O que ele faz? Numa manobra rápida, desvia do velho Fiat que estava parado à frente, acelera e avança o sinal, indiferente ao resto do planeta. O sinal já estava verde para os pedestres - que aguardavam a hora de atravessar. Se algum tivesse feito a coisa certa ( ou seja: atravessar ), correria o risco de ser atropelado pelo carrão.
Não resisto à tentação de pensar: o motorista do carrão Suzuki deu uma estupenda demonstração do comportamento de um certo tipo de "elite" : truculenta, insana, insensível, violenta, destruidora.
O que é que o gesto do motorista traduz ? Sem dizer uma só palavra, ele fez um discurso que, desgraçadamente, se repete todos os dias nas ruas do Brasil : "Tenho o meu carrão. Estou pouco ligando para o sinal vermelho ! Se algum motorista otário parar para obedecer ao sinal, eu corto e vou em frente ! Eu sou o dono da rua ! Tenho 50, 100, 200 mil reais para pagar num carro ! O pedestre que trate de tomar cuidado ! Porque estou pouco ligando para o que pode acontecer com a patuleia que anda a pé! Depois, o atropelado que vá penar nos hospitais públicos ! Eu vou estar em Miami dando comida às focas ou fazendo teste drive em alguma concessionária !. Eu tenho a força! Eu sou o Rei da Rua! Danem-se vocês todos! O meu cartão de crédito compra tudo! Quá-quá-quá ! Quá-quá-quá !".
( O pior de tudo é que o motorista que avança sinais com o carrão e arrisca a vida dos outros talvez seja um exemplar acabado daquilo que a tolerância brasileira chama de "um doce de pessoa". Eis aí - aliás - um dos traços mais trágicos do brasileiro: a capacidade de ser truculento,insano, insensível, violento e destruidor com um meio sorriso tolerante e condescendente nos lábios ).

Posted by geneton at 11:48 AM

setembro 09, 2013

"JORNALISTA EXPERIENTE", EM GERAL, É AQUELE SUJEITO QUE VIRA DERRUBADOR DE MATÉRIA. SE É ASSIM, ESTOU FORA. QUERO DISTÂNCIA. COMIGO NÃO, VIOLÃO. XÔ, SATANÁS!

A Rio TV Câmara me transforma - por um dia - em entrevistado. Topo o convite, porque, depois de quarenta anos pastando em redações, devo ter aprendido duas ou três coisas que podem ser úteis às almas ingênuas que estão se iniciando na profissão.
Por que não passá-las adiante?
Mas faço logo uma ressalva: prefiro não em enquadrar no "universo mental" do jornalista. Porque "jornalista experiente", em geral, é aquele sujeito que um dia teve entusiasmo pela Grande Marcha dos Fatos mas, com o passar do tempo, termina se tornando um exímio derrubador de matérias. Ou seja: passa o tempo jogando no lixo notícias, histórias e personagens ou criando dificuldades imaginárias para o exercício da profissão.
Se este é o caminho, digo "não, obrigado". Estou fora. Deus me livre. Parto pra outra. Comigo não, violão. Quero distância. Xô, Satanás !
E tudo poderia ser simples assim: fazer jornalismo é passar adiante - da maneira mais fiel e mais atraente possível - o que foi visto e ouvido. Ponto. Só que, na prática, o céu não é tão azul.
Sobre a profissão: prefiro tentar manter a ( patética ) ingenuidade de quando tinha dezesseis anos de idade. É assim ou nada.
Voilà:
http://goo.gl/oWwfol

Posted by geneton at 11:48 AM

setembro 05, 2013

"ONDE ESCONDESTE O VERDE CLARÃO DOS DIAS ? / E PASSAMOS / CARREGADOS DE FLORES SUFOCADAS / MAS, DENTRO, NO CORAÇÃO/ EU SEI / A VIDA BATE / SUBTERRANEAMENTE/ A VIDA BATE" ( GLOBONEWS REEXIBE NESTE SÁBADO BELO DEPOIMENTO DE FERREIRA GULLAR - UM POETA BRASIL

Tempo de mergulho intensivo na ilha de edição, para preparar o documentário DOSSIÊ 50: COMÍCIO A FAVOR DOS NÁUFRAGOS.
( em breve,detalhes sobre a empreitada ).
Mas, antes, um aviso aos navegantes :a Globonews reexibe, neste sábado, às nove da noite, na Faixa Acervo, um belo e sincero depoimento do poeta Ferreira Gullar ao DOSSIÊ GLOBONEWS sobre duas experiências marcantes que viveu no Chile.
Em resumo: um poeta brasileiro – que também era militante político – desembarca no Chile, no início dos anos setenta, para viver uma experiência que tinha tudo para ser historicamente fascinante: pela primeira vez, o país era governado por um presidente socialista que chegara ao poder pelo voto direto.
Exilados brasileiros apostavam que uma primavera estava nascendo ao pé da Cordilheira dos Andes. O Eldorado dos militantes políticos ganhava um novo nome : Santiago do Chile.
O poeta era Ferreira Gullar. O presidente era Salvador Allende. A experiência terminou em tragédia: as Forças Armadas bombardearam o Palácio de La Moneda no dia 11 de Setembro de 1973.
Allende saiu do Palácio sem vida ( há controvérsias sobre se teria cometido suicídio ou se teria sido morto, o que não faz tanta diferença).
A Junta Militar, comandada pelo general Augusto Pinochet, instalou uma ditadura que, como se sabe, não brincou em serviço. Há relatos de cenas tétricas: helicópteros pousavam no gramado do Estádio Nacional para recolher presos que, em seguida, desapareciam. Nem sempre se sabia para onde eram levados. Pelo menos cinco exilados brasileiros estão até hoje desaparecidos.
Traumatizado pela experiência que viveu no país, Ferreira Gullar passou décadas sem voltar ao Chile. Quando finalmente voltou, teve sentimentos “contraditórios”.
Nesta expedição de volta ao cenário das turbulências que testemunhou no início dos anos setenta, o poeta Ferreira Gullar contemplou, por exemplo, a fachada do Palácio de La Moneda. Pegou um táxi para visitar a rua onde vivera.
Descobriu que a paisagem é absolutamente indiferente ao que a gente sente. As cidades, diz ele, são feitas de “pedra”. Não se contaminam com as lembranças, dramas, aventuras, alegrias, tragédias e vitórias de cada um.
A memória é algo pessoal e intransferível – que cada um carrega dentro de si, até o dia do apagão final. Fora deste território feito de lembranças, o que há é a paisagem, com seus palácios, edifícios, ruas, becos e avenidas, gloriosamente indiferentes aos nossos espantos.
Um trecho da entrevista que Ferreira Gullar nos concedeu para o DOSSIÊ GLOBONEWS:
“Estava lá o mesmo palácio onde Salvador Allende foi assassinado e diante do qual fiquei tantas vezes em manifestações políticas. Não havia mais nada. Era aquele silêncio. Eu, então, senti saudade daqueles tempos. Agora, tudo está tranquilo, mas falta o fogo, a luta pelo mundo melhor e pela transformação! A gente nunca está contente”.
“De repente, estou de novo diante daquele prédio – e não ficou nada do que aconteceu lá. O porteiro que me recebe não sabe quem sou nem sabe que morei ali. A escada é a mesma, os degraus são os mesmos. Mas não têm nenhuma marca de mim ou do que aconteceu. Da mesma maneira que diante do La Moneda, falei assim: mas cadê aquelas coisas que aconteceram aqui ? Cadê a tragédia ? Cadê o drama humano ? Apagou tudo! Por um lado, tudo bem: o Chile agora é muito mais feliz do que naquele momento. Mas é uma coisa contraditória. Porque a gente vê que nós, na verdade, é que carregamos as coisas conosco”.
“Fui ao prédio onde morei, na avenida Providência. Era diferente. Não reconheci. A sensação que dá é essa: as paredes, as ruas não guardam nada da gente. É como se nada tivesse acontecido ! Está tudo em minha cabeça. É tudo memória minha. As paredes, os prédios, as ruas são indiferentes ao que a gente faz, ao que a gente pensou, sofreu e chorou. Tudo se apaga”.
Ferreira Gullar é um poetaço.
Um trecho do belo “A Vida Bate” :
“Alguns viajam:
vão a Nova York,
a Santiago do Chile.
Outros ficam
mesmo na Rua da Alfândega,
detrás de balcões e de guichês.
Vista do alto,
com seus bairros e ruas e avenidas,
a cidade é o refúgio do homem,
pertence a todos e a ninguém.
São pessoas que passam sem falar
e estão cheias de vozes
e ruínas.
És Antônio ?
És Francisco ?
És Mariana ?
Onde escondeste o verde
clarão dos dias?
E passamos
carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate.
Subterraneamente,
a vida bate.
Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as penas da lei,
em teu pulso,
a vida bate.
E é essa clandestina esperança
misturada ao sal do mar
que me sustenta
esta tarde
debruçado à janela de meu quarto em Ipanema
na América Latina”

Posted by geneton at 11:52 AM

agosto 15, 2013

VEREZA VOLTA AOS PALCOS NESTA SEXTA-FEIRA EM TRÊS FRENTES : COMO AUTOR, ATOR E DIRETOR. VALE VER

Recomendado: depois de duas décadas, Carlos Vereza resolveu voltar - em dose tripla - aos palcos. É autor, diretor e ator da peça "O Teste".
Vai reestrear, nesta sexta-feira, no Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico. A temporada segue às sextas, sábados (21h) e domingos (20h). Fui ver quando a peça fez uma primeira temporada, na Barra. Em uma frase : vale a pena !
Vereza , nos palcos e nas telas, sempre foi sinônimo de intensidade. Para completar,a atriz Carolinie Figueiredo é uma bela surpresa.
É a história de um cinegrafista "decadente" que trabalha numa dessas produtoras que oferecem promessas de emprego a candidatas a atrizes.

Posted by geneton at 11:52 AM

agosto 13, 2013

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE AQUELE BICHO, O JORNALISMO

Estudantes de jornalismo de Belo Horizonte - repórteres do jornal Contramão - me pedem um depoimento sobre aquele velho senhor, o Jornalismo. Primeiro, penso com meus fatigados botões: "Vocês não tinham ninguém melhor para entrevistar ?".
Ainda assim, topo o convite. Como conheço o bicho ( ou seja: o tal do Jornalismo ) há décadas, tento balbuciar digo duas ou três coisas sobre ele. Tipo: toda entrevista precisa ser - necessariamente - exploratória. Não pode ser congratulatória.
Entrevista em que entrevistador e entrevistado ficam trocando congratulações é, em geral, constrangedora.
Ou : sem qualquer pretensão, prefiro não me enquadrar no "universo mental" do jornalista clássico. Porque "jornalista clássico" é aquele que, depois que fica velho ou vira chefe, passa a vida jogando no lixo o entusiasmo dos repórteres. Estou fora:

Posted by geneton at 11:57 AM

agosto 05, 2013

O REPÓRTER GABEIRA BOTA O PÉ DA ESTRADA, NO BRASIL DE 2013 ( JÁ DEIXOU PARA TRÁS OS TEMPOS EM QUE, AO SABER DO SEQUESTRO DO EMBAIXADOR AMERICANO, O PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS PERGUNTAVA AO SECRETÁRIO DE ESTADO: "QUE MERDA É ESSA, ROGERS ?").

Fernando Gabeira foi contratado pela Globonews. Fez para o Jornal das Dez deste domingo uma primeira reportagem - sobre o sumiço do pedreiro Amarildo, na Rocinha. Vai fazer um programa semanal.
Aos 72 anos, tinha tudo para ser um "figurão". Poderia ficar no "conforto" do ar-condicionado. Mas não: numa conversa de corredor, foi logo me dizendo que não gosta de ficar em redação. Prefere botar o pé da estrada.
Ainda bem !
Além de repórter, Gabeira é o cinegrafista de suas reportagens: bota a câmera debaixo do braço e vai sujar os sapatos na poeira.

É o que se chamava antigamente de jornalismo.
Confesso uma leve estranheza por ter, como "colega de redação", alguém que foi personagem de um livro que publiquei nem faz tanto tempo : o "DOSSIÊ GABEIRA" ( http://goo.gl/DsglO ).
O livro nasceu de uma uma entrevista de horas e horas e horas que gravei com Gabeira, num hotel em Ipanema: um balanço das tempestades que ele atravessou.
O que me fez procurar Gabeira para a entrevista que virou livro foi apenas a curiosidade de repórter (*) .
Agora, é bom ver o próprio Gabeira dedicado à reportagem, depois da expedição pela política.
Com toda razão, Gabeira não quer ser visto eternamente como o ex-guerrilheiro. Chega. Basta. Já foi.
Uma passagem do DOSSIÊ GABEIRA trata da quase-morte do guerrilheiro. Baleado em São Paulo por dois "agentes da repressão", Gabeira tinha certeza de que iria morrer. Pensou, então, numa morte gloriosa.
Um trecho do nosso DOSSIÊ :
"Enquanto via o sangue lhe escapar do corpo pela ferida, o guerrilheiro Fernando Gabeira começou a viver o que hoje parece a cena de um delírio. Era como se estivesse encenando, como ator principal, uma daquelas sequências em que o fotógrafo do filme usa um filtro para deixar a imagem propositadamente embaçada.
A diferença é que a cena que Gabeira protagonizou era dramaticamente real: caído no chão, já sem forças para recomeçar a fuga, viu desfilar, diante dos olhos, a imagem de líderes revolucionários que tinham perdido a vida para tentar salvar esta entidade incerta chamada América Latina.
Tinha certeza de que iria morrer. Se era assim, se o destino estava selado, se a vida se esvaía naquelas golfadas de sangue, já não poderia fazer nada, além de tentar dar um tom grandioso ao último ato.
Não queria que a morte se consumasse, anônima, num chão de terra batida numa tarde de sol suburbana. Ah, não. A aventura em que ele tinha embarcado para tentar salvar o Brasil não poderia terminar daquele jeito: anônima, inglória, misturada a sangue e areia, varada de balas.
Era preciso dar um toque épico à própria morte, imaginar um fim heroico para um filme que parecia condenado a terminar melancolicamente, numa sessão vespertina de cinema de subúrbio, sem platéia, sem aplausos, o silêncio quebrado apenas pelo estampido das balas disparadas por um dos agentes que o perseguiam.
Gabeira agarrava-se à imaginação – o último recurso que lhe restava. Fazia o papel de um alpinista que, em queda livre, estendia as mãos para tentar alcançar uma corda invisível no ar.
Imaginou, então, hordas de estudantes fazendo um minuto de silêncio para homenageá-lo, a multidão cantando, quem sabe, os versos do poeta Capinam na letra de Soy Loco por Ti América: “Espero a manhã que cante/ el nombre del hombre muerto/ Não sejam palavras tristes/ soy loco por ti de amores/ Um poema ainda existe com palmeiras, com trincheiras, canções de guerra/ Quem sabe, canções do mar/ ai, hasta te comover/ ai, hasta te comover”
Como acontecia naquelas manifestações contra a ditadura, um estudante gritaria com um megafone o nome do novo mártir: “Fernando Gabeira!”. A multidão responderia: “Presente!”, “presente!”, “presente!”. O chão da Candelária iria tremer. Richard Nixon, a tua hora vai chegar! Sim, Richard Nixon, o presidente dos Estados Unidos: aquele que, ao saber que o embaixador americano tinha sido seqüestrado num bairro do Rio de Janeiro, teria perguntado, cheio de espanto, ao secretário de Estado, William Rogers: “Que merda é essa, Rogers?”.
A merda é essa, Rogers: o corpo baleado de Fernando Gabeira vai incendiar corações e mentes, vai acender um rastilho de pólvora pelos campos e cidades desta república sul-americana, vai servir de guia na caminhada de operários e camponeses rumo ao destino inevitável, hasta la vitória, siempre.
Depois de ter participado do sequestro do embaixador americano, Gabeira estava em São Paulo para cumprir, na clandestinidade, uma missão que, tempos depois, já na época da abertura política, seria desempenhada por um sindicalista barbudo chamado Luiz Inácio Lula da Silva: agitar o operariado do ABC paulista. Mas a bala certeira atrapalhou tudo.
O agente que tinha atirado aponta novamente a arma para Gabeira. Quer dar o tiro de misericórdia, liquidar a fatura, acabar logo com aquela brincadeira brutal de esconde-esconde. Mas o outro impede: não, é melhor levar o bicho para o Hospital das Clínicas. A dupla joga o prisioneiro no banco traseiro de uma caminhonete Veraneio. Toca para o pronto-socorro.
A trilha sonora bem que poderia ser uma voz sussurrando os versos engajados que Ferreira Gullar: “Teu fim está perto/não basta estar certo/para vencer a batalha/Ernesto Che Guevara, não estejas iludido/a bala entra em teu corpo/como em qualquer bandido/Ernesto Che Guevara, é chegada a tua hora/e o povo ignora se por ele lutavas”.
A visão, turva, enxerga agora luzes brilhando lá no alto. Deve ser o “precipício de luzes” da canção. Deve ser. Mas, não: são as luzes do teto do corredor do hospital – que agora desfilam diante dos olhos semi-cerrados do guerrilheiro estendido numa maca. “Num precipício de luzes/ entre palmeiras/ trincheiras/ canções de guerra/ quem sabe, canções de mar”.
Fernando Gabeira só se lembra da voz firme de um médico: “Nome? Ocupação? ”. Ainda encontra forças para responder: “Ocupação: guerrilheiro!”. Os policiais que o cercam riem. A morte arde. Gabeira finalmente desmaia, dopado, a caminho da mesa de cirurgia".
***************
(*) Nota de pé de página: sempre fui admirador da tribo dos que preferem acreditar que jornalismo se faz na rua. Bem ou mal, jogo nesse time. Considero perdido para sempre cada minuto que desperdicei no jornalismo em outras atividades fora da reportagem. Nunca quis ser chefe de ninguém. Jamais tive interesse por cargos. "A bem da verdade", vivi um pequeno desastre profissional: passei anos e anos e anos no veículo errado - a TV. Paguei um preço pelo equívoco : o de ter perdido um tempo irrecuperável. Quando o assunto é profissão, já deu para notar, sou um péssimo gestor de mim mesmo. É tudo uma questão de vocação: a minha sempre foi a de "repórter da imprensa escrita", desde as priscas eras no Diário de Pernambuco, há quatro décadas...Não deveria ter saído de jornal. Por puro acidente, caí em praias televisivas. Mas tudo bem. A essa altura do carnaval, é tarde para rodar o pires na praça. O corvo de Edgar Allan Poe me sopra, ao pé do ouvido: "Nunca mais, nunca mais, nunca mais". Como sempre, a razão fica com os poetas: Drummond já dizia que a vida não passa de um "vácuo atormentado, um sistema de erros". Bingo. Vale para a profissão, também. Mas devo confessar: quando já conto os minutos para pendurar as ferraduras, fico intimamente comovido ao testemunhar,no Gabeira repórter, um ânimo de estagiário. Próxima pauta, por favor.

Posted by geneton at 11:57 AM

julho 30, 2013

NOTA CINEMATOGRÁFICA

"Amor Pleno" ( "To The Wonder"), novo filme de Terrence Malick, é bonito, bonito, bonito. Ponto.
O fato de espectadores reclamarem de coisas como "lentidão" e "falta de ação" no filme é um indício de que a beleza pura e simples já não conta tanto "ponto" no cinema.
Ouvi, na saída, uma mulher dizer á outra : "Ah, desculpe...Mas o bonequinho do Globo estava aplaudindo de pé....".
Malick tem uma virtude: imprime assinatura pessoal ao que faz, numa indústria cinematográfica em que marcas autorais vão ficando raríssimas.
Quem quer ver soco, explosão, gritaria deve comprar ingresso para Rambo ( ainda existe ?).

Posted by geneton at 11:57 AM

julho 26, 2013

PERGUNTA DE QUEM NÃO É UM CATÓLICO PRATICANTE

Que outra personalidade seria capaz de provocar cenas de euforia popular como estas de agora, no desfile do Papa Francisco pelas ruas do Rio de Janeiro ?

Posted by geneton at 12:02 PM

PERGUNTA DE QUEM NÃO É UM CATÓLICO PRATICANTE

Que outra personalidade seria capaz de provocar cenas de euforia popular como estas de agora, no desfile do Papa Francisco pelas ruas do Rio de Janeiro ?

Posted by geneton at 12:02 PM

julho 25, 2013

FATO 1 E 2

Fato 1: o Papa Francisco é um fenômeno avassalador de popularidade. Fato 2: ninguém esperava que algo assim fosse acontecer em 2013. Vaticanólogos, tratem de explicar !

Posted by geneton at 12:02 PM

julho 21, 2013

OS "SINS" E OS "NÃOS" QUE DEVEM SER DITOS NESTA ONDA DE PROTESTOS (*):

A origem dos movimentos que estão sacudindo o Brasil - e o Rio de Janeiro, em particular - é extremamente simples e absolutamente complicada.
Em primeiro lugar, a complicação:
nunca houve um movimento tão difuso, tão sem rosto, tão sem líderes, tão internet, tão twitter, tão facebook, tão difícil de explicar.
É tudo novo.
De repente, os analistas se tornaram personagens daquela letra de Bob Dylan, tão citada por estes dias:
"Alguma coisa está acontecendo - e você não sabe o que é, não é mister Jones ?".
Em segundo lugar, as questões mais simples:
É justo protestar contra a calamidade histórica da saúde pública ?
Sim.

É justo protestar contra o estado permanente de insegurança pública ?
Sim.
É justo protestar contra a educação pública que nos cobre de vergonha ?
Sim.
É justo gritar contra a velhíssima corrupção, contra o conluio de empreiteiras e governantes, contra superfaturamentos e subdesenvolvimentos ?
Sim.
É justo dizer que polícia se acostumou a cometer abusos, principalmente contra os despossuídos, os favelados, os renegados ?
Sim.
É esta a resposta que - com certeza - noventa e nove por cento dos brasileiros dariam:
sim, sim e sim.
Mas, antes que seja tarde, alguém precisa dizer, urgente, às pequenas tribos de mascarados;
alguém precisa dizer, urgente, aos depredadores de bens públicos e privados;
alguém precisa dizer, urgente, aos que impedem o trabalho de jornalistas....
que só existe uma resposta possível à intolerância e ao vandalismo:
não, não, não e não.
Alguém precisa dizer, antes que todo mundo vire personagem daquela música de Bob Dylan:
"e uma chuva pesada/ uma chuva pesada / uma chuva pesada vai cair".
Assinado: uma testemunha da quarta-feira de cinzas na zona sul do Rio.
.
.
********************************
* Texto levado ao ar na Globonews. O vídeo pode ser visto no site da Globonews, no espaço do Jornal das Dez/ Protestos no Brasil:
http://goo.gl/25WIp

Posted by geneton at 12:02 PM

julho 20, 2013

O CITADÍSSIMO NÉLSON RODRIGUES DISSE TUDO, UMA VEZ: “TODA ORAÇÃO É LINDA. DUAS MÃOS POSTAS SÃO SEMPRE TOCANTES, AINDA QUE REZEM PELO VAMPIRO DE DUSSELDORF”A 'LISTA DE OURO' DE SUASSUNA: CRIADORES QUE MERECEM O TRONO DA CULTURA BRASILEIRA

Toda demonstração coletiva de fé é comovente. A passagem do Papa Francisco pelas ruas do Rio certamente terá cenas bonitas.

Independentemente de qualquer coisa, a opção do Papa pelo despojamento e por uma simplicidade franciscana já criou uma imagem simpática a ele – desde o primeiro dia.

Eu me lembro de duas cenas marcantes. Nunca me esqueci da aparição sorridente do recém-eleito Papa João Paulo I na sacada do Vaticano. Um onda de simpatia se espalhou em questão de horas pelo planeta (hoje, seria em questão de segundos). Trinta e três dias depois, ele estava morto.

E aquela imagem de João Paulo II se contorcendo em dores e tentando abençoar a multidão, numa janela da Praça de São Pedro ?

O citadíssimo Nélson Rodrigues escreveu uma vez: “Toda oração é linda. Duas mãos postas são sempre tocantes, ainda que rezem pelo vampiro de Dusseldorf”.

Disse tudo, em dezessete palavras.

Para ser sincero: minha fé é aérea. Quando estou em terra firme, sou devastado por dúvidas. Quando me aproximo do aeroporto, começo a me converter. Durante as turbulências, minha fé explode, fervorosa. Nestes momentos, comparado comigo, o Papa não passa de um reles ateu. De volta à terra firme, no entanto, meus embates teológicos comigo mesmo se reiniciam, ferozes. Um dia, se resolverão.

Sempre achei os ateus extremamente pretensiosos, porque se julgam donos de um conhecimento capaz de negar algo obviamente superior a todos nós : a força inexplicada que move a máquina do mundo. Que maquinação é esta que incendeia protóns, elétrons, átomos, energias ? Ninguém conseguiu até hoje produzir uma explicação indiscutível.

Os crentes também não me convencem, porque, na esperança de um dia serem salvos, passaram a acreditar cegamente em impossibilidades físicas e em dogmas cientificamente desmontáveis ( se não fosse assim, aliás, não seriam dogmas ) .

E o silêncio dos céus ? Numa bela passagem do livro O Nariz do Morto, o grande escritor ( católico ) Antônio Carlos Vilaça pediu às estátuas e aos crucifixos: “Falai !” :

“Ó paredes, dizei-me. “Eu quero a estrela da manhã !”. Dizei-me o endereço dela. Ó sala capitular, ó claustros, ó antifonários com iluminuras, ó sinos brônzeos, estatuazinhas , capitéis, afrescos, casulas, pesadas estalas, pedras, faces, madeiras e ouro, tapetes, cálices, relicários , retábulos e móveis, crucifixos e virgens, falai ! Um sussurro que nos chegue. Que monólogo é este, dia e noite entretido ? Sombras, sombras, sussurrai-me, segredai-me. Todo esse passado, esse peso, essa pátina, pureza, pecado”.

Por fim : por menor que seja, a fé é, sempre, uma vitória pessoal contra o silêncio. Quando demonstrada coletivamente, como acontecerá nos próximos dias no Brasil, jamais deixa de ser tocante.

A casa é sua, Francisco !

Posted by geneton at 02:42 AM

julho 17, 2013

DA SÉRIE : MEMÓRIAS DO TUBO AZULADO

O Fantástico uma vez precisava encontrar um nome para um mágico que revelava truques. Tive um "estalo": "Que tal Mister M?". Pegou.
Imagino a cena. Chego ao inferno. O Capeta me pergunta: "O que fizeste de memorável ?". Gaguejo :..."Bem....Quer dizer... Mister M serve ?". E ele: "Quá-quá-quá ! Guardas, levem-no !".

Posted by geneton at 12:07 PM

julho 14, 2013

A 'FUGA IMPOSSÍVEL" DO GÊNIO NÉLSON RODRIGUES : "VIVER E MORRER NUMA ILHA SELVAGEM, SÓ HABITADA PELOS VENTOS E PELO GRITO DAS GAIVOTAS"

Fiz um cálculo aproximado: vão se passar 90 anos, 8 meses e 25 dias até que apareça, em algum ponto do Atlântico Sul, alguém que escreva como Nélson Rodrigues.
Como diria o próprio Nélson Rodrigues, naquele tom operístico, "todo brasileiro, vivo ou morto", deveria lê-lo.
Frases pescadas aleatoriamente em "Memórias / a Menina Sem Estrela", coletânea lançada nem faz tanto tempo :
1. "Eu sabia, mais do que nunca, que, um dia, verei todos os mortos da família, inclusive a avó que pintava, na louça, escravas de sandália. Mas onde, onde os verei ? Talvez eu os encontre nas absurdas profundidades marinhas, onde as águas têm frio e sonham".


2. "Eis o que senti, na minha visita ao Mosteiro de São Bento: o desejo de ser um punhado de ossos. Por cima, na pedra do túmulo, gravados um nome, uma data e uma cruz. Queria ser uma fina, diáfana, meiga ossada de monge".
3. "Pensei numa fuga impossível: viver e morrer numa ilha selvagem, só habitada pelos ventos e pelo grito das gaivotas".
4. "Nasci a 23 de agosto de 1912 no Recife, Pernambuco. Vejam vocês: eu nascia na rua Dr. João Ramos (Capunga) e, ao mesmo tempo, Mata-Hari ateava paixões e suicídios nas esquinas e botecos de Paris"
5. "Eis o que me importa dizer: o amigo é a desesperada utopia que todos nós perseguimos até a última golfada de vida".
6. "Comecei a sonhar, imediatamente. Ouvia gritos, mulheres alucinadas se esganiçavam nas sacadas; buzinas acordavam os galos e o medo escorria das paredes".
7. "Penso no chofer varado de balas. O sujeito que leva seis tiros não tem tempo para o grito. E o chofer há de ter sentido apenas o espanto, sem entender aquela constelação de estampidos".
8. "Toda infância é varrida de tias. Umas mais velhas, outras mais moças. Eu chegava em casa e caía sobre mim aquela saraivada de tias( ...) Coincidiu que chovesse: e elas pareciam pingar das goteiras. Tias inéditas, jamais suspeitadas".
9. "Agora me lembro: toda a cidade tremia de clarões"
10. "Ah, Getúlio estourou o coração, mas preservou sabiamente a cara para a História e para a Lenda. Pelo vidro do caixão, o povo espiou o rosto, o perfil, intactos. Kennedy, não. A bala arrancou-lhe o queixo forte, crispado, vital".
11. "O que chamamos de reputação é a soma de palavrões que inspiramos através dos tempos".
12. "O pulha costuma ter uma fluorescente aura de simpatia".
13. "O goleiro caminhava, de fronte alta, o olho incandescente, como um profeta".
14. "Certo personagem dizia o seguinte : "Amor entre marido e mulher é uma grossa bandalheira". A coisa dita assim, em tom de ópera, sem uma motivação lógica, causou o maior efeito na Câmara dos Deputados (...) Congressistas abriam os braços para o lustre, num mudo escândalo desolado".
15. "Descrevi a viagem do colega e amigo à Noruega. Farto de tanto desenvolvimento, começou a ter saudades até da nossa mortalidade infantil (....) Descobrira que o desenvolvimento é burro. Ao passo que o subdesenvolvimento pode tentar um livre, desesperado, exclusivo projeto de vida"
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PS: Tive a sorte de um encontro inesquecível com o gênio Nélson Rodrigues: diante de uma TV ligada, em dia de jogo da Seleção Brasileira.
Aqui, breve relato do encontro, devidamente captado pelo meu velho gravador :
http://goo.gl/1UCBO
E o texto completo:
http://goo.gl/oVqFu
Entrevista de Nelson Rodrigues a Geneton Moraes Neto

Posted by geneton at 12:07 PM

julho 13, 2013

QUASE TUDO O QUE APRENDI SOBRE AQUELE VELHO SENHOR MAL-FALADO, O JORNALISMO !

Oh, Minas Gerais ! O locutor-que-vos-fala zarpou para Belo Horizonte, a convite do Projeto Sempre um Papo, para falar sobre este velho e tão mal-falado senhor, o tal do Jornalismo.
A noitada começou com a exibição de um trecho de "Garrafas ao Mar", o documentário que fiz sobre o grande repórter Joel Silveira.
Como se sabe, já sou um quase-dinossauro: entre idas e vindas, estou nessa brincadeira desde 1972, quando, "inocente, puro e besta", entrei na redação do Diário de Pernambuco. Tinha 16 anos de idade. Acabo de entrar nos 57. Faço as contas. O resultado é assustador: 41 anos de profissão !
O demônio-da-guarda me sopra, ao pé do ouvido direito: "Que coisa ! Tanto tempo pra nada !!". Sempre a postos, o anjo-da-guarda reage imediatamente, ao pé do ouvido esquerdo: " Vá tocando o barco ! Com sorte, pode ser que alguma coisa se salve!" Ouço os dois com toda atenção. Dou razão aos dois. C´est la vie.
Em suma: é inevitável que, depois de tanto tempo, a gente aprenda duas ou três coisas ao longo do caminho. Eu seria uma anta juramentada se, depois de tanto tempo, não tivesse aprendido. Por que não passar adiante ? Quem sabe, ali, na décima-terceira fileira, um estudante de Jornalismo pode se animar.
Nesta expedição a Belo Horizonte, tentei, na medida do possível, passar adiante quase tudo que consegui aprender . É aquela história: "vida aos outros legada", como diz o verso de Drummond.
Ressalva número um : nunca tive a pretensão de "pontificar" sobre o Jornalismo. Pelo contrário: faço questão absoluta de não me enquadrar no "universo mental" do jornalista clássico. Deus me livre !
1. "Jornalista clássico" é aquele sujeito que faz jornalismo para jornalistas, não para o público curioso. Joga fora - com a maior desfaçatez - assuntos interessantíssimos. Derruba matérias com a naturalidade de quem bebe água. Estou fora ! Sempre estive.
2. Prefiro ser um dissidente - ainda que minúsculo e desimportante. É melhor assim ! Pode ser divertido. Prefiro pensar e agir como leitor e como telespectador - seres, em geral, mais interessados na Grande Marcha da Vida Real do que jornalistas envenenados pela pretensão e pelo tédio.
3. Falei de encontros marcantes com "monstros" como Paulo Francis, Joel Silveira, Nélson Rodrigues, Chico Buarque, Carlos Drummond de Andrade, Glauber Rocha. O grande Paulo Francis se queixava de que o Brasil não tinha criado, ainda, a tradição de uma "prosa clara e instruída". Aqui, vigora a crença equivocada de que escrever bem é escrever difícil. É exatamente o contrário: escrever bem é escrever claro ! Se participarem do esforço para que se crie no Brasil a tradição de uma "prosa clara e instruída", os jornalistas estarão contribuindo para revogar um julgamento do próprio Francis: "Nossa imprensa: previsível, empolada, chata. Como é chata, meu Deus !".
4. Detonei algumas das pragas do jornalismo, como as entrevistas-voleibol ( aquelas em que o entrevistador passa o tempo todo levantando a bola para o entrevistado ).
5. Tratei de lição pétrea que aprendi: entrevista precisa ser - necessariamente - instrumento de prospecção e de revelação sobre o entrevistado : jamais de congratulação ! Não ! Não ! Não !
6. Chutei o balde das inacreditáveis entrevistas sem perguntas : aquelas em que o entrevistador fica fazendo afirmações diante do entrevistado. Ora, cada frase pronunciada pelo entrevistador deve - obrigatoriamente - terminar com um ponto de interrogação, pelo simples motivo de que entrevistador nasceu para fazer perguntas, não para fazer afirmações diante do entrevistado ! Ponto.
7. Reafirmei uma crença que adquiri depois de anos e anos pastando em redações: não existe assunto desinteressante; o que existe é jornalista desinteressado, um ser nocivo à profissão.
8. Declarei que jornalista que se preza não pode exercer, sob hipótese alguma, patrulhagem ideológica. Conheço jornalistas que se recusariam a entrevistar George Bush porque ele invadiu o Iraque. Conheço jornalistas que se recusariam a entrevistar Fidel Castro porque ele é um ditador comunista. Eu daria um milhão de dólares, se tivesse, para entrevistar os dois.
9. Citei uma estatística inventada, mas perfeitamente plausível : 98,7 % dos jornalistas se julgam mais importantes do que realmente são. Se todos os jornalistas que se acham gênios pulassem de uma vez só, o Brasil sofreria um terremoto de 6,9 na escala Richter.
10. Resmunguei: o texto jornalístico, empobrecido e tratado a socos, caminha, célere, para o fundo do poço. Um dia, chegará ao gugu-dadá. Não demora.
Chega. Por incrível que pareça, o Jornalismo nem é o meu assunto preferido. ( Uma língua maldosa exclamaria agora: "Imagine se fosse...") . Eu preferiria me ocupar de "A Montanha Mágica", "O Leopardo" ou de um bom verso de Maiakovski. Bons parágrafos de "A Montanha Mágica" ou "O Leopardo" valem mais do que dez tomos de jornalismo. Mas, se alguém pergunta sobre jornalismo, como em Belo Horizonte, termino falando - por experiência e por falta de talento para me ocupar de coisas de fato mais importantes.
Se eu pudesse escolher, aliás, estaria jogando futebol. Mas sou um péssimo jogador - além de tudo, fora de forma. Não sei tocar violão. Não sei nadar. Que venha o Jornalismo, então - um ofício que, a rigor, não exige grandes habilidades ou grandes talentos. Em sete dias, doze horas e vinte e cinco minutos, uma foca amestrada seria perfeitamente capaz de aprender a manusear os rudimentos do jornalismo: quem, o quê, quando, onde, por quê. Assim caminha a humanidade.
Se é tão banal, o mínimo que um jornalista pode fazer é tentar "incendiar" o jornalismo com um mínimo de devoção e interesse. É hora de acender uma vela em homenagem ao estudante rebelado que pichou no muro da universidade, na Paris de 1968: "E se a gente incendiasse a Sorbonne ?".
Jornalistas bem que deveriam pichar, em seus muros imaginários : "E se a gente incendiasse o Jornalismo ?". Ou seja: e se despejasse sobre o jornalismo lança-chamas de imaginação e vivacidade, contra o cinzento dos burocratas ?
É uma causa perdida, com quase toda certeza. Mas as causas perdidas são as melhores. Sempre foram. E para sempre serão.
Não sabia que o encontro em Belo Horizonte com Afonso Borges - o criador do Projeto Sempre um Papo - já tinha caído na rede. Pousou no You Tube.
"Cair na rede" : eis o destino de tudo o que acontece hoje com os terráqueos. Ainda bem.
Bato em retirada. Boa noite.
goo.gl/lgOXS

Posted by geneton at 12:13 PM

julho 11, 2013

ANOTAÇÕES SOBRE O ESTADO GERAL DAS COISAS - 5

Chega de Economia. O país só avança de verdade se investir em poesia.

Posted by geneton at 12:13 PM

ANOTAÇÕES SOBRE O ESTADO GERAL DAS COISAS - 6

Em "O Estrangeiro", Camus fala da "terna indiferença do mundo". Isso resume tudo: "a terna indiferença". É só o que há. Aceitá-la é ser feliz.

Posted by geneton at 12:13 PM

ANOTAÇÕES SOBRE O ESTADO GERAL DAS COISAS - 7

Primeira frase da autobiografia de Vladimir Nabokov: "O berço oscila num abismo". Disse tudo em 21 letras. A vida: um berço oscilando num abismo !

Posted by geneton at 12:13 PM

julho 10, 2013

ANOTAÇÕES SOBRE O ESTADO GERAL DAS COISAS - 4

Impressão irrevogável: o ditado mais estúpido já produzido pela espécie humana é aquele "manda quem pode, obedece quem tem juízo". Em uma palavra: é indefensável, porque justifica todo tipo de estupidez, subserviência e mediocridade.

Posted by geneton at 12:16 PM

julho 09, 2013

ANOTAÇÕES SOBRE O ESTADO GERAL DAS COISAS - 2

A fórmula secreta da felicidade : aprender a conviver com fracassos. Não existe coisa melhor. Isso só é possível depois dos quarenta.

Posted by geneton at 12:21 PM

ANOTAÇÕES SOBRE O ESTADO GERAL DAS COISAS - 3

Divulgada a fórmula secreta da felicidade: S + QDH + AC+ L+ TSS. Ou seja:solidão + quarto de hotel + ar-condicionado + livro + tv sem som. É o paraíso

Posted by geneton at 12:17 PM

julho 08, 2013

ANOTAÇÕES SOBRE O ESTADO GERAL DAS COISAS - 1

A vida real é assim: a gente abandona livros indispensáveis, sai no meio do filme, acha ópera insuportável, desliga a TV. Ah,a bela vida real...

Posted by geneton at 12:22 PM

julho 05, 2013

RELATO DE UMA TESTEMUNHA ACIDENTAL DO TUMULTO DESTA NOITE NA AVENIDA DELFIM MOREIRA, DURANTE O PROTESTO PERTO DO APARTAMENTO DO GOVERNADOR: DE REPENTE, O DR. GL ENTROU EM CENA !

Fazia trinta e seis anos que eu não via, pessoalmente, o Dr. GL : o Gás Lacrimogêneo. Aconteceu hoje, no Rio de Janeiro.
Boa noite, Dr. GL. Prazer. Sou aquele estudante que conheceu o senhor no Recife, faz tempo. O senhor não se lembra, claro. Mas como eu iria esquecer ?
(a primeira vez, como eu ia dizendo antes de ser interrompido pelos cumprimentos de praxe, aconteceu no Recife, nos idos de 1977. Eu tinha meus vinte, vinte e um anos. Estudava Jornalismo na Universidade Católica. Uma manifestação que contaria com a presença de três senadores da oposição ao regime militar - Marcos Freire, Paulo Brossard e Teotônio Vilela- tinha sido proibida. O governo impediu os senadores de falar. A manifestação estava vetada . Não poderia ser feita nem na rua nem em recinto fechado. Ainda assim, os senadores compareceram à frustrada manifestação. Tiveram de ir embora - de táxi - sob aplausos e gritos de apoio de quem tinha ido ali para ouví-los. Eu me lembro de ter visto o triunvirato de senadores entrando no carro - na rua do Hospício, no centro do Recife. Ah, o nome daquela rua: Hospício! O boato corria solto: a cavalaria viria dispersar os manifestantes. Dito e feito. Assim que os senadores saíram, os cavalos chegaram. Tumulto. Correria. Gás lacrimogêneo. Prisões. Givaldo - por coincidência, o dono de uma livraria especializada em livros "subversivos" - foi arrastado pelos cabelos até o carro da polícia. Ali, o Dr. GL batizou minhas retinas juvenis).
Hoje, estava conversando sobre política, Macalé, Sérgio Sampaio e Copa de 50 (!!) numa calçada do Leblon com um amigo que encontrei por acaso - Maurício Valadares - sim, aquele que faz o antenadíssimo programa Ronca Ronca nas ondas dos rádios e internets do planeta. Ali, éramos - também - testemunhas do protesto que se armava nas proximidades da casa do governador. De repente, o velho filme rodou de novo, sob outras circunstâncias e em outros tempos: tumulto. Correria. Gás. Lá vem o Dr.GL ! Crianças, correi!
A bem da verdade, não deu para ver como tudo começou. Mas uma chuva de bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo foi lançada sobre os manifestantes. A polícia avançou. Quem estava ali correu. Quando estava na avenida Delfim Moreira, olhei para trás: não fosse pela truculência, a cena era até bonita. A polícia tinha apagado as luzes da avenida. O rastro deixado pelas bombas produzia garranchos brancos no ar, perto da praia escura. Se fosse Reveillon, ia ter gente aplaudindo. Não era Reveillon. Teve gente correndo.

O som das explosões deve ter acordado quem paga o IPTU mais caro do Cone Sul da América. O tempo fecha: lá vem a Tropa de Choque. Um helicóptero flutua lá em cima, às escuras, estranhamente estacionado no céu. Parece não se mover. Não emite qualquer sinal luminoso. Só o barulho do motor. Pego o telefone. Aviso à redação da Globonews que o protesto acaba de se transformar numa bela confusão. "Por sorte", meu combalido celular consegue captar, ao vivo, nos últimos minutos do Jornal das Dez, o som das explosões.
Em meio ao tumulto, recolho no chão uma bomba, já disparada. Marca: Condor. "Tecnologias não-letais". "GL- 203/L.Carga múltipla lacrimogênea"."Indústria brasileira"."Atenção: oferece perigo se utilizado após o prazo de validade". Tento decifrar a data de validade. Não consigo enxergá-la. Os números estão gastos. O desenho de uma bandeira brasileira completa o envólucro da bomba. A pequena bandeira é azul, como todas as outras inscrições. Parece uma daquelas ironias involuntárias: tudo azul com o Dr.GL. Guardo a "relíquia" comigo. Meu filho Daniel também recolhe no asfalto uma lembrança do Dr. GL, por pura curiosidade.
Impressão desta testemunha acidental : a reação da polícia parece ter sido desproporcional a qualquer eventual provocação que tenha acontecido. Nem eram tantos os manifestantes. Resultado : por alguns minutos, a avenida Delfim Moreira parecia o que, por esses dias, se chama de "praça de guerra".
Dr. GL, o senhor não precisava ter saído da caverna esta noite. Estava tudo azul, até que o senhor resolveu entrar em cena. E aí a Delfim Moreira virou rua do Hospício.
Ah, Dr. GL....Quando é que o senhor vai tomar jeito ?

Posted by geneton at 12:21 PM

RELATO DE UMA TESTEMUNHA ACIDENTAL DE UM TUMULTO NAS RUAS DO LEBLON: O DR. GL ENTRA EM CENA NUM FIM DA NOITE DE QUINTA-FEIRA

Fazia trinta e seis anos que eu não via, pessoalmente, o Dr. GL : o Gás Lacrimogêneo. Aconteceu hoje, no Rio de Janeiro.

Boa noite, Dr. GL. Prazer. Sou aquele estudante que conheceu o senhor no Recife, faz tempo. O senhor não se lembra, claro. Mas como eu iria esquecer ?

(a primeira vez, como eu ia dizendo antes de ser interrompido pelos cumprimentos de praxe, aconteceu no Recife, nos idos de 1977. Eu tinha meus vinte, vinte e um anos. Estudava Jornalismo na Universidade Católica. Uma manifestação que contaria com a presença de três senadores da oposição ao regime militar – Marcos Freire, Paulo Brossard e Teotônio Vilela- tinha sido proibida. O governo impediu os senadores de falar. A manifestação estava vetada . Não poderia ser feita nem na rua nem em recinto fechado. Ainda assim, os senadores compareceram à frustrada manifestação. Tiveram de ir embora – de táxi – sob aplausos e gritos de apoio de quem tinha ido ali para ouví-los. Eu me lembro de ter visto o triunvirato de senadores entrando no carro – na rua do Hospício, no centro do Recife. Ah, o nome daquela rua: Hospício! O boato corria solto: a cavalaria viria dispersar os manifestantes. Dito e feito. Assim que os senadores saíram, os cavalos chegaram. Tumulto. Correria. Gás lacrimogêneo. Prisões. Givaldo – por coincidência, o dono de uma livraria especializada em livros “subversivos” – foi arrastado pelos cabelos até o carro da polícia. Ali, o Dr. GL batizou minhas retinas juvenis).

Hoje, estava conversando sobre política, Macalé, Sérgio Sampaio e Copa de 50 (!!) numa calçada do Leblon com um amigo que encontrei por acaso – Maurício Valadares – sim, aquele que faz o antenadíssimo programa Ronca Ronca nas ondas dos rádios e internets do planeta. Ali, éramos – também – testemunhas do protesto que se armava nas proximidades da casa do governador. De repente, o velho filme rodou de novo, sob outras circunstâncias e em outros tempos: tumulto. Correria. Gás. Lá vem o Dr.GL ! Crianças, correi!

A bem da verdade, não deu para ver como tudo começou. Mas uma chuva de bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo foi lançada sobre os manifestantes. A polícia avançou. Quem estava ali correu. Quando estava na avenida Delfim Moreira, olhei para trás: não fosse pela truculência, a cena era até bonita. A polícia tinha apagado as luzes da avenida. O rastro deixado pelas bombas produzia garranchos brancos no ar, perto da praia escura. Se fosse Reveillon, ia ter gente aplaudindo. Não era Reveillon. Teve gente correndo.

O som das explosões deve ter acordado quem paga o IPTU mais caro do Cone Sul da América. O tempo fecha: lá vem a Tropa de Choque. Um helicóptero flutua lá em cima, às escuras, estranhamente estacionado no céu. Parece não se mover. Não emite qualquer sinal luminoso. Só o barulho do motor. Pego o telefone. Aviso à redação da Globonews que o protesto acaba de se transformar numa bela confusão. “Por sorte”, meu combalido celular consegue captar, ao vivo, nos últimos minutos do Jornal das Dez, o som das explosões.

Em meio ao tumulto, recolho no chão uma bomba, já disparada. Marca: Condor. “Tecnologias não-letais”. “GL- 203/L.Carga múltipla lacrimogênea”.”Indústria brasileira”.”Atenção: oferece perigo se utilizado após o prazo de validade”. Tento decifrar a data de validade. Não consigo enxergá-la. Os números estão gastos. O desenho de uma bandeira brasileira completa o envólucro da bomba. A pequena bandeira é azul, como todas as outras inscrições. Parece uma daquelas ironias involuntárias: tudo azul com o Dr.GL. Guardo a “relíquia” comigo. Meu filho Daniel também recolhe no asfalto uma lembrança do Dr. GL, por pura curiosidade.

Impressão desta testemunha acidental : a reação da polícia parece ter sido desproporcional a qualquer eventual provocação que tenha acontecido. Nem eram tantos os manifestantes. Resultado : por alguns minutos, a avenida Delfim Moreira parecia o que, por esses dias, se chama de “praça de guerra”.

Dr. GL, o senhor não precisava ter saído da caverna esta noite. Estava tudo azul, até que o senhor resolveu entrar em cena. E aí a Delfim Moreira virou rua do Hospício.

Ah, Dr. GL….Quando é que o senhor vai tomar jeito ?

Posted by geneton at 03:06 AM

julho 03, 2013

1964 : OS MARINES ESTÃO CHEGANDO

Os bastidores de um drama político brasileiro: já tecnicamente deposto por um golpe, o ainda presidente João Goulart fez uma referência direta à iminência de uma intervenção americana no Brasil. Quem conta - em entrevista especial ao DOSSIÊ GLOBONEWS, neste sábado, às 21: 05 - é uma testemunha da cena: o hoje senador Pedro Simon, à época deputado pelo PTB do Rio Grande do Sul.
Jango temia que uma tentativa de resistência, seguida de uma intervenção americana, resultasse numa guerra civil, com "derramamento de sangue". Partiu para o exílio, no Uruguai. Só voltaria ao Brasil morto, em 1976.
Simon foi um dos políticos que acompanharam Jango até a casa do comandante do III Exército, em Porto Alegre, para uma última rodada de articulações, numa madrugada que se revelaria inútil. O golpe estava consumado. Os militares marchavam para o poder.

Posted by geneton at 12:29 PM

O DIA EM QUE O MINISTRO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO DESCOBRIU O QUE É "ESPIONAGEM" : SECRETÁRIO DE ESTADO AMERICANO SABIA MAIS SOBRE SEGREDO MILITAR BRASILEIRO DO QUE ELE

Do nosso blog Dossiê Geral, no G1:
Quando era ministro das Relações Exteriores do presidente Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso teve, na prática, uma lição de como a “espionagem” funciona. Durante uma escala nos Estados ...Unidos, a caminho de uma missão diplomática no Japão, FHC ouviu do secretário de estado americano, numa conversa privada, uma pergunta sobre um segredo militar brasileiro. FHC desconhecia o assunto. Já na presidência, Fernando Henrique soube que o projeto a que o secretário americano se referia de fato existia. Em suma: o secretário de Estado americano sabia mais sobre o Brasil do que o então ministro das Relações Exteriores brasileiro.

Numa entrevista que fiz com ele ( publicada, na íntegra, no livro DOSSIÊ BRASÍLIA : OS SEGREDOS DOS PRESIDENTES” – que traz, também, depoimentos de José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco), FHC descreve a cena:
Qual o grande segredo o senhor teve de guardar quando estava no poder mas pode revelar hoje ?
FHC: “Não é um grande segredo. Aconteceu antes de eu estar na presidência: quando estava indo para o Japão, como chanceler do presidente Itamar, passei pelos Estados Unidos, onde o secretário de Estado, Warren Christopher, depois de uma conversa agradável que teve comigo e com várias pessoas, me disse que precisava me falar em particular: “Ministro, temos informações de que o Brasil vem obtendo material secreto da Rússia para fazer mísseis” . Fiquei surpreso ! Brinquei na resposta que dei ao secretário de Estado: “Se o Brasil e a Rússia estão fazendo, só se for com financiamento americanom porque estamos em uma crise grande…”
Tempos depois, já como presidente da República, fui informado de que o Brasil tinha, efetivamente, conseguido controlar o sistema de lançamento de satélites – que, na verdade, é o mesmo ( usado para mísseis). Era esse o fato.
Tomei, então, a seguinte decisão: “Vou anunciar ao mundo que o Brasil dispoe da tecnologia”. Combinei com os ministros militares e com o Itamaraty que iríamos propor que o Brasil entrasse para o sistema internacional de controle – que se chama MTCR ( Missile Technology Control Regime – ou Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis).
Vim para São Paulo, fui até São José dos Campos, para o lançamento de um avião da Embraer que faz tanto sucesso hoje: o 135. Fiz o discurso. Tive, então, uma surpresa: ninguém no Brasil deu importância ao que eu disse ! Só quando saiu publicado nos Estados Unidos é que deram importância. De fato, tínhamos nos apoderado da tecnologia para o lançamento de satélites”.
O governo americanoo estava mais bem informado do que o senhor ?
FHC: “O governo americano sabia ! Quando voltei daquela viagem, falei com o presidente Itamar – que também não estava informado sobre o assunto. Aquilo foi feito com discrição. Era uma coisa boa: um desenvolvimento tecnológico nosso”.
Depois de eleito presidente, Fernando Henrique Cardoso teve conversas privadas com o presidente americano Bill Clinton. Num desses encontros, Clinton insinuou que o Brasil poderia ter uma presença militar na Colômbia, país que enfrentava dois problemas gigantescos: os cartéis da droga e a força da guerrilha:
O que é que o presidente Bill Clinton dizia ao senhor em conversas privadas ? O senhor foi convidado a passar um fim de semana en Camp David, a residência de verão do presidente…
FHC: “Fui a Camp David. O presidente Clinton queria que o Brasil tivesse um papel mais ativo na Colômbia – e até no Oriente Médio. Os americanos gostam que o Brasil tenha tenha um papel mais ativo em casos assim. Mas eu eu era muito restritivo, sobretudo diante da sugestão de que o Brasil fosse mais ativo na Colômbia, onde há guerrilha. Isso signficava, no fundo, presença militar brasileira. O que havia, ali, não era uma insistência de Bill Clinton: era uma conversa em que achava que o Brasil poderia ter esse papel.
Conversamos bastante sobre História. Clinto sabe muito de História: é um homem de cultura. Impressionou-me muito quando falou sobre a China e sobre a Rússia. Disse o seguinte: “A deve sempre perguntar a um país como esse: do que é que ele tem medo ? Qual o medo histórico desse país ? Qual é a ambiçao ? Por exemplo: a Rússia deve ter medo de ser invadida, porque já sofreu invasões várias vezes. Já a China deve ter medo de ser despadaçada pelos chefes da guerra. Deve-se perguntar: qual é a ambição de países assim ? São expansionistas ? Não são expansionistas ?”.
O senhor achou, então, que o presidente Bill Clinton esperava que o Brasil tivesse uma presença militar na Colômbia ?
FHC: “Clinton não me disse com essas palavras, mas a verdade era essa. Isso foi antes de os Estados Unidos terem essa presença tão ativa. O que ele disse foi: “O Brasil poderia ter um pouco mais de preocupação….”. Mas, nessa matéria, tínhamos uma posição muito mais retraída e muito menos intervencionista”.
Que resposta o senhor deu ao presidente Bill Clinton quando ele fez essa insinuação sobre a presença militar do Brasil em território colombiano ?
FHC: “Clinton não falou nesss termos, em “militar”. É que havia, na Colòmbia, a guerriha e a droga – a questão mais séria. A resposta que dei foi a seguinte: “Temos no Brasil nossa política antidrogas, temos também a floresta amazônica – que, de alguma maneira, mas não tanto, nos protege”. A polêmica era a seguinte: os Estados Unidos queriam que houvesse um comando único da repressão à droga. O Brasil não quis. Queríamos ter nossa política. O fundo da questão é esse”.

Posted by geneton at 12:21 PM

junho 26, 2013

BOA NOITE, VELHO BÊBADO BUKOWSKI. OBRIGADO POR NOS SOPRAR PALAVRAS SÁBIAS SOBRE O TEU "DEUS PESSOAL" : A SIMPLICIDADE

É quase impossível "passar batido" por um livro. Eu diria: seja qual for ( ah, a dor de saber que será impossível ler tudo o que mereceria ser lido...) .
Folheio ao acaso páginas do velho Charles Bukowski - "Pedaços de um Caderno Manchado de Vinho" :
"Passei a me fixar na direção para a qual eu deveria ir. Voltei-me para o meu deus pessoal: SIMPLICIDADE. Quanto mais compacto e menor você se tornar, menor é a chance de errar ou de mentir .(...) Palavras eram balas, raios solares. Palavras eram capazes de romper o infortúnio e a danação (...) Eu queria resistir a todas as armadilhas, para morrer junto à máquina de escrever, uma garrafa de vinho à minha esquerda e o rádio, tocando, quem sabe, Mozart, à direita".
Obrigado, velho Bukowski, por nos soprar estas palavras bêbadas num fim de noite. Caíram em minhas mãos por acaso.
O bicho disse tudo: a opção preferencial pela simplicidade e pelo despojamento é o caminho mais curto para a felicidade. Pode parecer lição copiada de um daqueles manuais estúpidos de autoajuda, mas é verdade. Sempre foi.
Qualquer passo na direção contrária é traição grave ! Deve ser punida com a infelicidade.
( Acorda, Maiakóvski, vem recitar aqueles versos : "Uma camisa lavada e clara / e basta / para mim, é tudo".
Eu me lembro de que uma vez, em Moscou, em meio à cobertura de uma eleição, corri para visitar o quarto onde o poetaço Maiakóvski viveu e se matou ).
É assim: pichar num muro imaginário um imenso não às vaidades vãs, aos apelos da carreira, à corrida pelo dinheiro, às tentações do conforto, às ambições estúpidas. Intimamente, dizer não, não, não, dar boa noite ao velho bêbado, acenar para a sombra de Maiakovski e sumir na estrada incerta carregando uma camisa lavada e clara, uma camisa lavada e clara, uma camisa lavada e clara, porque "é tudo".

Posted by geneton at 12:32 PM

E O ANJO DA GUARDA SOPRA A PERGUNTA INEVITÁVEL : QUEM FOI O IMBECIL QUE INVENTOU O VOTO OBRIGATÓRIO ? QUEM FOI O IMBECIL QUE INVENTOU CENSURA PRÉVIA A BIOGRAFIAS ? QUEM ? QUEM ? QUEM ?

O plebiscito pode ser uma grande chance de acabar com uma aberração: o voto obrigatório. Ninguém pode ser obrigado a votar. Voto é conquista, é direito, é sagrado. Mas vota quem quer.
Lastimavelmente, neste debate sobre reforma política, ninguém falou até agora sobre o fim do voto obrigatório - esta aberração brasileira.
Deus queira que apareça, no Congresso Nacional, uma alma caridosa pronta para lutar pela inclusão desta cláusula no plebiscito que vem aí.
O voto obrigatório é uma daquelas "instituições" que nos cobrem de vergonha - algo tão estúpido quanto a lei que dá aos biografados ou herdeiros o direito de censurar previamente as biografias.
( em breve, se não quiser passar por um vexame histórico, o Supremo deve derrubar a censura prévia. A ministra Cármen Lúcia vai ser a relatora. É hora de rezar: ministra, não decepcione o país ! Não legitime a censura ! Não alimente os abutres da liberdade de expressão ! Quem se sentir prejudicado por uma biografia que recorra à justiça. É assim em qualquer lugar do mundo. Somente no Brasil existe a absurda censura prévia. Lixo, lixo, lixo ).
Diante de um e de outro - o voto obrigatório e a censura prévia a biografias - nosso anjo-da-guarda imediatamente nos sopra no ouvido a pergunta inevitável: quem foram os imbecis que inventaram estes dois monstros ? Quem ? Quem ? Quem ?

Posted by geneton at 12:29 PM

junho 25, 2013

VOTO OBRIGATÓRIO É COISA DE REPUBLIQUETA ! SEMPRE FOI !

Uma possível bandeira para a reforma política: acabar com o voto obrigatório. Porque obrigar alguém a votar é coisa de republiqueta bananeira de décima-quinta categoria. Vota quem quer.
Com toda certeza, o voto espontâneo melhorará a qualidade da representação política.

Posted by geneton at 12:33 PM

junho 24, 2013

O GRANDE PRÊMIO NOBEL DE FICÇÃO DELIRANTE

Independentemente de qualquer discussão: por uma questão de justiça, o Grande Prêmio Nobel de Ficção Delirante deve ser concedido aos que imaginaram que estava em curso um "golpe" contra a presidente Dilma.
São os mais novos integrantes da seita dos que acreditam piamente que a) os Estados Unidos atacaram (!!!!!) os Estados Unidos no 11 de Setembro para justificar a invasão do Iraque; b) Tancredo Neves levou um tiro; c) o Brasil vendeu a Copa do Mundo de 98 para a França; d) Pato Donald é agente da CIA. E assim por diante, por todos os séculos e séculos, amém.

Posted by geneton at 12:38 PM

junho 23, 2013

A ONDA QUE ESPALHA "PERPLEXIDADE"

1. Uma palavra atravessa as tentativas de análise sobre o que acontece com o país: "perplexidade". Em suma: a Onda pegou todo mundo de surpresa.
2. Quais serão os desdobramentos? Não se sabe. Mas parece claro que 99% clamam - simplesmente - por um país melhor. Falar de "golpe" é paranoia.
3. Não dá para levar a sério análises que veem nos movimentos um "golpe" contra Dilma. Ora, a própria Dilma saudou a voz das ruas...
4. A óbvia rejeição a partidos políticos pode ser "perigosa" ? Pode. Mas é o preço que eles pagam pelos pecados que cometeram por anos a fio.
5. O que acontecerá daqui pra frente? Eis a pergunta de um milhão de dólares. Mas me arrisco a dizer que, no fim das contas, o país melhorará.
6. Por fim, eis aí um possível nome para os Acontecimentos de Junho: a Onda. É o que parece ser : uma Onda que ninguém foi capaz de prever.
7. A Onda já terá cumprido um belo papel se fizer com que - por exemplo - os governos corram para consertar a calamidade dos serviços públicos - especialmente, saúde e educação. Não é o que tanta gente pede ?

Posted by geneton at 12:39 PM

junho 21, 2013

GRAVANDO! DILMA OLHA PARA A CÂMERA. RESPIRA FUNDO. VAI FALAR

Dilma olha para a câmera e diz, em rede nacional (*):

“Boa noite. Tenho uma boa notícia: a voz das ruas foi ouvida. Chegou aos palácios, ao Congresso, às assembleias, às câmaras, aos ministérios, às secretarias. Não vou me ocupar dos vândalos. São caso de polícia. Vou me ocupar do Brasil – que grita legitimamente por um Brasil melhor. Parecem palavras gastas, desacreditadas, inúteis, cansativas, entediantes : “um Brasil melhor”. Não são.

O que fazer depois que as ruas levantaram a voz ? – todos se perguntam. Eu digo: chegou a hora de criar o que chamarei de “Agenda Positiva de Emergência” para o país.

Que agenda é esta? Pode ser a mais simples possível:

Estou convocando todos os partidos no Congresso para que, o mais rápido possível, tornem lei o que é desejo de tantos: a partir de agora, o orçamento para a educação será sumariamente duplicado, em todos os níveis. Eu disse: duplicado.

Fica proibida por lei uma vergonha mundial: uma professora primária não pode receber salário de R$ 1000 por mês! Uma escola não pode funcionar caindo aos pedaços. O efeito não aparecerá daqui a um ano ou dois. Aparecerá em uma geração. Tenho certeza de que ninguém se arrependerá.

As assembleias estaduais, as câmaras municipais, o Congresso Nacional farão uma revisão drástica de seus gastos. Eu disse: drástica. Deixarão de ser cabides de emprego. A Assembleia Legislativa do Rio tem 4.300 funcionários. Pergunto: quantos são indispensáveis ? Os bilhões economizados irão automaticamente para a educação.

Vai aparecer um tecnocrata para dizer: ‘…mas as coisas são tão simples assim ! Não é fácil tirar dinheiro de um lugar para botar em outro!’. Eu digo: é, sim. Se o mecanismo não existe, que seja criado.

O número de ministérios será reduzido em dois terços a partir de segunda-feira. Ponto.

Os contratos das empreiteiras com os governos serão revisados item por item, letra por letra.

Corruptores e corruptos terão de ser expostos à execração pública e punidos como sempre mereceram – mas nunca foram.

Fica instituída a tarifa zero para o transporte público. Eu disse: tarifa zero. Hospital público é de graça. Por que o transporte não poderia ser ? É ingenuidade perguntar? Não! Chega de aplicar ao transporte público a lógica privada do lucro. Quanto custará aos governos esta novidade? Bilhões de reais. Eu disse: bilhões de reais. Mas tudo é uma questão de vontade política. Quando todo mundo quer, o dinheiro aparece.

Quando ficou decidido que o Brasil seria sede da Copa, tudo foi feito “num passe de mágica”. Estádios gigantescos foram erguidos. Que venha a Copa. O Brasil espera o hexa. Mas… por que estradas, escolas, hospitais não podem ser construídos com tamanha rapidez e tamanha eficiência ?

“De graça” – aliás – é uma força de expressão. O que a gente diz que é “de graça” na verdade é pago com o imposto tirado do salário do trabalhador. Nada mais justo do que devolver a ele em forma de serviços públicos minimamente aceitáveis.

Corrupção – esta palavra maldita – passa a ser crime inafiançável. Político ou administrador flagrado com a mão em dinheiro público – ou privado ! – não poderá jamais voltar a ocupar cargos públicos. Aos ladrões, as penas da lei. É assim em qualquer lugar que se queira civilizado. Por que não haverá de ser assim no Brasil ?

Ofereço a “Agenda Positiva de Emergência” porque a voz das ruas diz que o Brasil cansou. E eu repito: cansou. Boa noite”.

O operador apaga as luzes do estúdio. Dilma sai por uma porta lateral. Em que estará pensando ?

———

(*) As cenas e as palavras de Dilma são, obviamente, imaginárias. Mas a vontade de que palavras assim fossem ditas parece real.

Posted by geneton at 03:06 AM

junho 20, 2013

TUDO PODERIA COMEÇAR COM UMA PERGUNTA

Quando se olharem no espelho, governantes de TODOS os níveis poderiam perguntar a si mesmos : em algum lugar do Brasil existe alguém satisfeito com a saúde, o transporte e a educação públicas ?

Posted by geneton at 12:39 PM

junho 18, 2013

HÁ QUANTAS E QUANTAS DÉCADAS ?

....E vai se tecendo uma teia de explicações sobre o dia em que o Brasil foi às ruas. Já é possível fazer um punhado de constatações.
Primeira: quase ninguém se sente representado por partidos políticos. Num momento em que o país faz um protesto histórico, não se fala no nome de um partido, político, um líder. São novos os tempos. Ainda bem!
( aliás: quem pensou que os protestos eram escaramuças de partido "a" ou "b" contra fulano ou beltrano teve de engolir suas palavras. Errou feio, feio, feio. O movimento não obedece a qualquer orquestração partidária! ).
Segunda: é óbvio que o motivo da queixa não é apenas o aumento da passagem.
Terceira: há um sentimento de cansaço generalizado contra os desmandos.
Há quantas e quantas décadas a gente diz que a saúde pública é "um absurdo" ?
Há quantas e quantas décadas se diz que o salário de professor é "uma vergonha" ?
Há quantas e quantas décadas se lamenta o desperdício de dinheiro público ?
Há quantas e quantas décadas se pede que o dinheiro pago em impostos volte ao cidadão em forma de serviços públicos de qualidade ?
Há quantas e quantas décadas se diz que dinheiro de empreiteira termina no bolso de governantes e políticos bandidos ?
Há quantas e quantas décadas a gente vê no jornal foto de gente que morre na frente de hospital por falta de atendimento ? ( o que é que acontecia ? A gente soltava um muxoxo indignado e passava para a página seguinte. Quem é capaz de repetir o nome de uma dessas vítimas da crueldade brasileira ? ).
Há quantas e quantas décadas se diz que o transporte público transforma gente em gado ? Há quantas e quantas décadas se diz que empresas de ônibus bandidas recebem concessões públicas sem que ofereçam um serviço aceitável ?
Há quantas e quantas décadas se diz que a violência é "intolerável" ?
De tão repetidas, as queixas perderam a força. De tão óbvias, viraram sonolentos lugares-comuns : "absurdo", "vergonha", "desperdício". Já não chamavam atenção. Provocavam bocejos. Um dia, as queixas teriam de ser gritadas para serem ouvidas. As ruas tinham de falar. Falaram. Terão de ser ouvidas.

Posted by geneton at 12:39 PM

junho 17, 2013

QUE SE OUÇA O "GRITO DOS DISSIDENTES INGÊNUOS" !

É cedo para fazer "teses" sobre o Grito das Ruas. Não quero me arriscar a fazer a chamada "sociologia de botequim". Não sou cronista político.
Mas....se for para gritar contra um transporte público notoriamente caro e ineficiente, se for para gritar contra empresas de ônibus que financiam campanhas de políticos e jogam nas ruas motoristas incapazes de respeitar um sinal vermelho, se for para gritar contra um sistema de saúde que transforma em bicho quem não tiver dinheiro para pagar plano privado, se for para gritar contra um Congresso que elege para presidente do Senado um senador que recebia "ajuda" de empreiteiras, se for para gritar contra um sistema educacional que sempre pagou a professores salários indecentes, se for para gritar contra o mau uso de impostos que castigam quem trabalha, o Grito das Ruas haverá de fazer bem ao Brasil.
Além de tudo, certamente há, entre os jovens que gritam, aqueles que acreditam que a vida é algo além de cartão de crédito, carro do ano, shopping center, "roupa de grife" e passagem para Miami.
Numa época destroçada pelo triunfo da Grande Conspiração da Mediocridade - que parece dominar a vida em todas, todas, todas as instâncias - é preciso restaurar um mínimo de ingenuidade ! Faz bem a cada um e ao país. Por que não?

Virou moda dizer que as utopias devem ser sumariamente descartadas, porque, um dia, produziram os horrores do finado "socialismo real". Mas....não. Há utopias que podem, sim, fazer bem ao país, porque trazem aquela dose de ingenuidade, aquela dose de inocência, aquela chama apaixonada que diz "não", "não" e "não" à mediocridade cotidiana ( aliás: é ou não é triste ver a classe média desfilando nas ruas pateticamente escondida sob vidros pretos dos carros ? ).
Há uma regra universal: invariavelmente, o dissidentes sempre foram mais interessantes que os aderentes. É só olhar em volta.
O fogo da dissidência será sempre necessário, assim como a ingenuidade das utopias.
E a Utopia dos Dissidentes Ingênuos pode ser a mais simples possível: acreditar que o Grito das Ruas pode, sim, chamar de novo a atenção dos poderosos ( não importa a que partidos pertençam! ) para o fosso gigantesco que sempre existiu entre o Brasil dos sonhos dos ingênuos e o Brasil real, aquele país injusto, cínico, excludente, cruel.
Que se ouça, então, em meio a essa torrente, o Grito dos Dissidentes Ingênuos.
Um estudante rebelado na Paris de maio de 68 pichou num muro:
"Debaixo do asfalto, o mar".
É isso: debaixo do asfalto, o mar !

Posted by geneton at 12:38 PM

junho 12, 2013

ATENÇÃO, TORCIDA BRASILEIRA : ACABA DE SER DADO UM NOVO PASSO RUMO AO FIM DA CENSURA PRÉVIA A BIOGRAFIAS NO BRASIL !

Nem tudo se perdeu. Quando o assunto é publicação de biografias, nem tudo é cegueira, obscurantismo, ignorância, estupidez: a Procuradoria-Geral da República acaba de reconhecer que exigência de autorização prévia para publicação de biografias configura "censura privada".
A bela notícia:
http://goo.gl/JpKQc
Somente numa republiqueta de décima-oitava categoria a publicação de uma biografia é submetida, antes, à censura do biografado ou de herdeiros. É uma estupidez que só acontece no Brasil.
Já não bastam os danos que a censura policial causou à cultura brasileira durante décadas ? Chega !
Em qualquer lugar que se queira civilizado, quem se sente ofendido
por um livro recorre à Justiça. Ponto. O que não se pode tolerar é a institucionalização da "censura particular" como sucessora da censura policial. Não. Não. Não.
Agora, aguarda-se ansiosamente o pronunciamento da ministra do STF Cármen Lúcia.
Ministra, não decepcione o Brasil ! Jogue a censura prévia no lixo !

Posted by geneton at 12:38 PM

junho 11, 2013

CÚMULO DO GROTESCO

1. Joel Silveira dizia que o cúmulo do grotesco é um sujeito gordo, suado e barrigudo tocando cavaquinho.
2. Há um concorrente para o Campeonato do Ridículo e do Grotesco: a Fifa querendo proibir venda de acarajé perto do estádio em Salvador.
3. Depois de um ano de debates, o acarajé foi liberado, porque se chegou à conclusão de que não é concorrente da Rede
McDonald´s...Deus do céu.

Posted by geneton at 12:44 PM

junho 07, 2013

ATENÇÃO, ATENÇÃO : O STF VAI SE PRONUNCIAR EM BREVE SOBRE A ESTÚPIDA CENSURA PRÉVIA ÀS BIOGRAFIAS. MINISTRA CÁRMEN LÚCIA : NÃO DECEPCIONE O BRASIL ! JOGUE A CENSURA PRÉVIA NO LIXO !

1.O STF deve se pronunciar, em breve, sobre a ação que pede o fim da absurda e estúpida censura prévia às biografias. É hora de jogá-la no lixo.
2.O Brasil torce para que a ministra Cármen Lúcia - a relatora - faça o que se espera de uma autoridade: que defenda o fim da censura prévia! Simples assim.
3. Em qualquer país civilizado, quem se sente atingido por uma biografia recorre à Justiça. O que não pode existir é censura prévia. Chega!

4. Ministra Cármen Lúcia: não nos decepcione! Censura prévia a biografia é coisa de republiqueta de quinta. Lugar de censura é o lixo !
5. É só entrar em qualquer livraria de qualquer país: as prateleiras estão abarrotadas de biografias. A censura prévia é "invenção" brasileira.
6. Não há, nunca houve, jamais haverá meio termo: quem defende censura prévia é obscurantista. Ponto.
7. As editoras recorreram ao Supremo. Mas deveria haver uma mobilização maior: passeatas, barricadas, protestos, greves de fome!
8.....Mas vivemos uma época despolitizada, desmobilizada e, portanto, medíocre ! Os protestos contra a censura prévia teriam de ser diários!
9. Como nem tudo se perdeu, resta esperar que o Supremo Tribunal Federal não se torne cúmplice da censura prévia.
10. Não se tornará !

Posted by geneton at 12:44 PM

junho 03, 2013

A CBF, MILIONÁRIA, DEVERIA CONTRATAR POR UM DIA UM PROFESSOR DE BONS MODOS. SÓ ASSIM JOGADORES APRENDERIAM QUE É ESTUPIDEZ FAZER O QUE ELES FAZEM: TAPAM OS OUVIDOS COM HEADPHONES PARA NÃO OUVIR JORNALISTAS E TORCEDORES !

Alguém já notou? Toda vez que o ônibus da Seleção aparece na TV as câmeras flagram um exemplo extremo de estupidez e falta de educação.
Show de falta de educação e consideração é dado por jogadores que tapam os ouvidos com headphones para não ouvir jornalistas e torcedores.
Felipão - que,dizem,faz papel de pai para jogadores - deveria punir com suspensão jogador que usa headphone a caminho do ônibus. É patético.
Não existe na CBF um assessor capaz de dizer aos jogadores headphonemaníacos que eles têm obrigação de dar atenção a quem fala com eles ?

Posted by geneton at 12:48 PM

UMA BELÍSSIMA NOTÍCIA SOBRE A COPA DO MUNDO !

Alívio! Como a Copa vai ser no Brasil, ninguém vai ser castigado por aquelas matérias em que repórter prova pratos do país-sede e diz "hum..."
Eis aí um belo motivo para um ano de comemoração ! ( é o tempo que falta para a Copa ).

Posted by geneton at 12:48 PM

maio 20, 2013

ATENÇÃO, POLÍCIA FEDERAL: ALGUÉM PODE AVISAR A ESTE DELEGADO-TIRANETE QUE O BRASIL JÁ NÃO VIVE NUMA DITADURA ?

Uma cena que ( não há outra palavra !) causa nojo e indignação:
um delegado-tiranete da Polícia Federal confiscando, ilegalmente, equipamento de jornalista que estava a serviço do Conselho Indigenista Missionário. As imagens foram postadas no Youtube.
Em suma: num país sério, quem deveria ir para cadeia é um delegado que imagina que o Brasil ainda vive sob as patas da ditadura. É de dar ânsia de vômito a suposta ironia do delegado.
As imagens falam :

Posted by geneton at 12:48 PM

maio 19, 2013

A POESIA NUNCA FOI TÃO INÚTIL – NEM TÃO NECESSÁRIA. QUE OS VERSOS FALEM DOS ESQUECIDOS MENINOS DA SECA, COM “OLHOS RESSEQUIDOS/ APOÉTICOS / DIFÍCEIS DE PEGAR RIMA”

Pode existir algo tão inútil quanto a poesia ?

“Não !”, sussurra o interlocutor imaginário, enquanto percorre um sebo em busca de versos escondidos sob a poeira. “Não pode existir nada tão inútil – nem tão indispensável”.

Bingo.

Quem faz poesia hoje ? Quem publica ? Pouca, pouquíssima gente. Numa era tão medíocre quanto a nossa, a poesia nunca foi tão inútil nem, em consequência, tão indispensável. Assim caminha a humanidade.

O Dossiê Geral faz uma pausa para celebrar dois poemas.

O locutor-que-vos-fala, consumidor eventual de versos, sócio do clube dos seguidores de Vladimir Maiakóvski, Walt Whitman, Carlos Drummond de Andrade, Manoel Bandeira, Ferreira Gullar & cia ilimitada, teve uma surpresa tardia esta semana.

Recebi, em Brasília, um exemplar de um livro publicado já há quatro anos. O título: “Perfume de Resedá”. O autor: Paulo José Cunha. A Editora: Oficina da Palavra ( Piauí ). “Perfume de Resedá” é um poema de 111 páginas que se lê “de um fôlego só”, como se dizia antigamente.

O autor, jornalista, passou vinte e cinco anos – um quarto de século ! – sem publicar versos. O silêncio deve ter feito bem ao poeta. Porque Paulo José Cunha conseguiu produzir, em “Perfume de Resedá”, um belo poema, totalmente inspirado em lembranças de uma infância e uma juventude vividas em paisagens piauienses que, certamente, já foram riscadas do chamado “mundo real”, mas sobrevivem naquele território pétreo e inviolável que todos carregam dentro de si: a memória.

Lá vem ela, a fera onipresente : a memória. Em “Perfume de Resedá”, a memória se transforma em belos versos. É o que basta. Para que mais ?

Trechos pinçados do mergulho nas páginas do livro:

“…e naquela noite

as redes recolheram do fundo do rio

cardumes de versos e cantigas”

——-

“daqui a pouco o sol

não estará mais aqui

nem a linha de cerol

e os papagaios

que sumiam do céu

(como aquele sura azul de gladstone

que até hoje vaga entre crateras lunares )”

———————

“mesmo a mais severina das fomes

termina um dia

embebida na memória

e se presta quando nada

ao ofício inútil dos poetas “

—————————-

“ficou-me

na concha da mão

apartada a escória

estes grãos de ouro

que guardo de cor

para recitar

em noites de insônia”

—————————-

“mães e meninos

entanguidos pela caatinga

olhos ressequidos

apoéticos

difíceis de pegar rima”

—————————

Por algum motivo, o locutor-que-vos-fala se lembrou de outro belo poema nascido do fogo da memória do poeta Jaci Bezerra, alagoano há décadas radicado no Recife. Chama-se “Inventário do Fundo do Poço”. É parte do livro “Comarca da Memória”.

Um trecho de “Inventário do Fundo do Poço” fecha esta pequena expedição ao território dos versos e das memórias:

“O rosto do meu pai, amarga ausência que jamais alcanço,

à noite me acalanta na antiga cadeira de balanço.

(…) Minha infância, doente, se extraviava em corredores escuros,

e eu sonhava, insone, com as belezas do mar que ardia atrás dos muros.

O adulto que sou continua a cultivar no coração a insônia

dos quintais dessa infância, incendiada de verões e begônias.

(…) Na geografia do meu coração guardo um país que pouca gente nota

e um mapa de sonhos tatuado a giz nas asas das gaivotas.

(…) Tudo me dói como o mar, luminosíssima e constante presença,

farfalhando no meu coração com o rumor luminoso das avencas.

(…) Depois, no silêncio do quarto, para esquecer antigas cicatrizes,

sonhava com viagens e me perdia no azul de outros países.

(…) Recordo, hoje, que, nessa e em mais distante época, minha mãe queria

que o seu menino crescesse para ser alguém um dia.

Minha mãe não sabia, nem eu, que outro e bem melhor destino

teria sido eu ter ficado para sempre menino.

Tudo isso penso à noite, quando me dói a luminosa mágoa

e o coração, igual a um peixe, soluça dentro d`água”.

Posted by geneton at 11:30 PM

maio 18, 2013

A LEMBRANÇA DE DARCY RIBEIRO CONTRA OS "TODOS OS CULPADOS E CONIVENTES QUE BEBERAM NOSSO SANGUE E PEDEM NOSSO ESQUECIMENTO"

Para fechar, por ora, o capítulo UNB/Garrafas ao Mar/Darcy Ribeiro ( ver post anterior ) :
depois da exibição do documentário sobre Joel Silveira, no auditório da Faculdade de Comunicação, recebo de presente um livro comemorativo dos cinquenta anos da UNB. Chama-se "História Contada".
Lá estão, não por acaso, belas palavras de Darcy Ribeiro, o primeiro reitor da Universidade de Brasília:
"Não nos esqueçamos de organizar a defesa das instituições democráticas contra novos golpistas militares e civis, para que em tempo algum do futuro ninguém tenha outra vez de enfrentar e sofrer e depois esquecer os conspiradores, os torturadores, os censores e todos os culpados e coniventes que beberam nosso sangue e pedem nosso esquecimento".

Posted by geneton at 12:53 PM

maio 17, 2013

UMA RÁPIDA EXPEDIÇÃO A BRASÍLIA ( OU : AS CAUSAS PERDIDAS PODEM SER AS MELHORES. GERALMENTE, SÃO. SEMPRE FOI ASSIM )

Uma notícia rápida: nesta sexta, nosso documentário GARRAFAS AO MAR, sobre Joel Silveira, maior repórter brasileiro, foi exibido no auditório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília,a UNB.
Um momento que me emocionou profundamente foi ouvir a voz de Darcy Ribeiro logo no início do documentário ecoando naquela sala lotada de estudantes.
Um pequeno momento que valeu a viagem a Brasília.
Para quem não viu o documentário: Darcy,um dos criadores da Universidade, diz que é uma ofensa ver um jovem desiludido com o Brasil.
Faz uma declaração de princípios comovente : diz que, uma a uma, as causas que ele defendeu ao longo da vida fracassaram
( como salvar os índios, fazer uma reforma agrária ou criar uma educação pública digna deste nome ) mas pouco importa. O que ele não queria era estar do lado dos vencedores.
Em suma: as causas perdidas podem ser as melhores.
Sempre foi assim.
Ouvir a declaração de princípios de Darcy Ribeiro, ali, no meio dos estudantes, foi comovente.
Nem preciso falar das palavras generosíssimas que ouvi de um dos maiores documentaristas brasileiros, o grande Vladimir Carvalho.
Nunca tinha ido ao campus da UNB.
Não vou esquecer o que vi lá hoje.

Posted by geneton at 12:53 PM

maio 03, 2013

O MAL DO BRASIL É A SIS ( SÍNDROME DA INCOMPETÊNCIA SIMPÁTICA )

Se eu fosse sociólogo, faria uma tese sobre uma característica essencialmente brasileira: a incompetência simpática.
O Rio de Janeiro resume este espírito. Nada funciona direito. Ninguém chega na hora.Tratos (comerciais ou pessoais) são desrespeitados.
A qualidade do serviço é das piores do planeta. Mas haverá sempre um meio sorriso nos lábios,um tapinha nas costas,uma tirada engraçada.
É bem diferente da eficiência antipática de outros povos. Nosso problema é a SIS (Síndrome da Incompetência Simpática), doença epidêmica aqui instalada há séculos, sem perspectivas imediatas de cura.
Deus do céu, protegei-nos deste vírus, amém.

Posted by geneton at 12:57 PM

NÃO EXISTE ASSUNTO DESINTERESSANTE. O QUE EXISTE É JORNALISTA DESINTERESSADO! UM BOM ANTÍDOTO CONTRA O JORNALISMO BUROCRÁTICO É OUVIR O QUE GAY TALESE TEM A DIZER: NESTE SÁBADO, 21:30, NA FAIXA ACERVO DA GLOBONEWS

Aviso aos nevegantes, especialmente jornalistas, iniciantes ou dinossauros: GLOBONEWS reexibe neste sábado,às 21:30, na Faixa Acervo, entrevista completa com um dos pais do Novo Jornalismo, o célebre Gay Talese. O que Talese diz vale por uma "aula de jornalismo".
Por exemplo: confessa que não teria o menor interesse em entrevistar grandes astros do cinema, porque vivem repetindo o que assessores de imprensa lhes sopram. Dificilmente pronunciam alguma coisa relevante. Talese é daqueles que acreditam que a gente anônima pode ser - e é - dez vezes mais interessante que as chamadas "celebridades". Bingo.
Basta ver a maioria das entrevistas com celebridades: em geral, são um desfile constrangedor de obviedades, insufladas por repórteres-vôlei. Ou seja: aqueles que vivem levantando a bola para o entrevistado. Trágico, trágico, trágico.

Talese fala do personagem de uma das primeiras reportagens que fez: ao transitar por uma rua de Nova York, ficou imaginando quem seria o homem que operava aqueles placares luminosos que anunciavam as notícias do dia. Teve a curiosidade de procurá-lo. Produziu uma reportagem interessante a partir de uma pauta original.
Idem com um dos clássicos do Novo Jornalismo: Talese escolheu como personagem uma figura anônima da redação - o redator de obituários, aquele sujeito que passava o tempo imaginando que frase de efeito poderia escreveria quando um grande nome morresse.
O resultado do trabalho de Gay Talese é um perfil excepcional, um dos capítulos da coletânea "Fama e Anonimato".
Eis aí o enésimo exemplo de que não existe assunto desinteressante. O que existe é jornalista desinteressado.
É uma figura cem por cento nociva à profissão, porque transforma o Jornalismo num monumento à chatice.
O Jornalismo tinha tudo para ser vívido, interessante, curioso. É o que acontece quando retrata personagens como os que despertaram a curiosidade de Talese. Mas, na "vida real", é sufocado por burocratas que passam a vida "derrubando matéria" (ou seja: jogando no lixo da redação assuntos que, com toda certeza, interessariam ao público).
Neste exato momento, às 11 horas da manhã do dia três de maio de 2013, em alguma redação, um sujeito com ar entediado acaba de decretar, com os olhos semi-cerrados: "Isso não é notícia. Isso não vale. A "concorrência" já deu"....
Assim caminha a humanidade.
Uma das mais belas pichações produzidas durante a rebelião de maio de 68 em Paris foi feita na parede de uma das mais tradicionais universidades francesas por um estudante provavelmente ingênuo : "E se a gente incendiasse a Sorbonne ?" - perguntava ele.
O jornalismo poderia melhorar se cada iniciante ( e cada dinossauro! ) refizesse todo dia, logo pela manhã, a pergunta ingênua que o pichador de 68 fez na parede da universidade : "E se a gente incendiasse o Jornalismo ?".
Em última instância, é o que o sr. Talese fez: de certa maneira, incendiou o jornalismo, com imaginação.
Não existe outro combustível contra a mesmice, o tédio e a chatice do jornalismo burocrático.
Um Gay Talese aparece de cinquenta em cinquenta anos. Mas um jornalista que aposte na ousadia e na imaginação e não se deixe contaminar pelo tédio dos burocratas não é uma flor tão rara.
Como diz aquele música bonita dos Rolling Stones, Angie: "Você não pode dizer que a gente nunca tentou".
Fica, então, o aviso: vale a pena ouvir o que Gay Talese tem a dizer sobre esta profissão estupenda e desgraçada, o tal do Jornalismo: reapresentação do DOSSIÊ GLOBONEWS neste sábado, às 21:30.

Posted by geneton at 12:57 PM

abril 26, 2013

LOUCURAS DA DITADURA : UM CENSOR METE A TESOURA NO TRECHO DE UM DISCURSO DO GENERAL ERNESTO GEISEL ( A HISTÓRIA COMPLETA QUEM CONTA É O MINISTRO CHEFE DA SECRETARIA DE PLANEJAMENTO, EM ENTREVISTA EXCLUSIVA AO DOSSIÊ GLOBONEWS, NESTE SÁBADO, ÀS 21:05 )

Uma cena dos bastidores do poder no regime militar: um ministro leva ao general Ernesto Geisel, no Palácio do Planalto, o trecho de um discurso. Pergunta se o general reconhece o texto. O general responde: "Isso é meu!". E era: as palavras tinham sido tiradas de um discurso do general-presidente.
Em seguida, ministro mostra ao general um trecho da Bíblia. Quer saber se o general sabe o que é. O general sabe. Vem, então, a surpresa: o ministro diz ao general que tanto o trecho do discurso quanto a citação da Bíblia tinham sido cortados por censores que destroçavam O Pasquim, o jornal que reunia gente do quilate de Paulo Francis, Millôr Fernandes, Ivan Lessa, Sérgio Augusto, Jaguar, Ziraldo & cia ltda.
Transformado em "vítima" da tesoura feroz da censura, Geisel diz ao ministro que iria mandar suspender a censura ao Pasquim.
O ministro que levou os dois textos ao general Geisel era Reis Velloso, chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da República.
Ocupou um gabinete no Palácio do Planalto tanto no governo Médici quanto no governo Geisel.
O ministro que comandou Planejamento durante dez anos faz uma confissão : disse que, até hoje, tem "dúvidas" sobre se o general Médici, afinal, sabia ou não da existência de tortura nos quarteis.
Diante do ministério reunido, ao responder a uma pergunta específica de um ministro sobre o assunto,o general-presidente disse que não havia tortura. Mas, como se sabe, havia, sim.
A entrevista do ex-ministro Reis Velloso ao DOSSIÊ GLOBONEWS que vai ao ar neste sábado, às 21:05, terá reprise no domingo, às 17:05.

Posted by geneton at 12:58 PM

abril 12, 2013

RECOMENDADO

Recomendado: depois de duas décadas, Carlos Vereza resolveu voltar - em dose tripla - aos palcos. É autor, diretor e ator da peça "O Teste", em cartaz no Teatro Ariano Suassuna ( avenida das Américas, 2603 - Barra da Tijuca ). Fui ver. Em uma frase : vale a pena!
Vereza , nos palcos e nas telas, sempre foi sinônimo de intensidade. Para completar,a atriz Carolinie Figueiredo é uma bela surpresa.
É a história de um cinegrafista "decadente" que trabalha numa dessas produtoras que oferecem promessas de emprego a candidatas a atrizes.
Em cartaz às sextas e sábados às nove da noite - e domingo, às oito.

Posted by geneton at 01:02 PM

abril 07, 2013

SOCORRO ! O RIO PEDE UM SECRETÁRIO, UM PREFEITO, UM GOVERNADOR, SEJA LÁ QUEM FOR : ALGUÉM QUE SEJA CAPAZ DE INSTALAR UM "MARCO CIVILIZATÓRIO" NA CIDADE. OU SEJA: PUNIR IMPLACAVELMENTE EMPRESAS QUE ENTREGAM A DIREÇÃO DE ÔNIBUS A POTENCIAIS HOMICIDAS

Domingo, sete de abril de 2013, 18:40 :Avenida Bartolomeu Mitre, no lado oposto ao antigo quartel, todos os carros pararam no sinal vermelho - menos dois ônibus.
Os motoristas dos ônibus linha 439/número A27643 e linha 460/número 041060 avançaram criminosamente o sinal.
É a "trilésima" vez que faço um registro desse tipo.
Não vou me dar ao trabalho de tentar ligar para as empresas, como já fiz das outras vezes. Jamais obtive um retorno. Já registrei "queixa" na Fetranspor. Idem: espero uma resposta até hoje.
Como sempre: se algum passageiro desavisado tivesse atravessado na faixa teria sido atropelado pelos dois homicidas em potencial que guiavam ônibus pela Bartolomeu Mitre. Um dos ônibus era de uma empresa chamada Real. O outro não consegui anotar.
É simples assim: se um dia um secretário, um prefeito, um governador quiserem instalar um "marco civilizatório" no trânsito do Rio e, portanto, entrar para a história da cidade, teriam apenas de tomar uma providência relativamente simples: bastaria contratar guardas ( ou equipamentos eletrônicos ) em número suficiente para vigiar todos os sinais de trânsito. Certamente, sairia caro. É óbvio que sairia uma "fortuna" .
Mas...e os bilhões de reais gastos ao longo dos anos com tanta coisa inútil, como propaganda oficial, obras mal acabadas ou desnecessárias, roubalheiras de todos os tipos e tamanhos etc.etc.etc. ? E as vidas que seriam poupadas ? Com toda certeza, valem mais, muitíssimo mais.
O segundo passo: multar implacavelmente os ônibus dirigidos por candidatos a homicidas. A empresa que atingisse um número "x" de infrações teria a concessão suspensa.
Quando é que vai aparecer um vereador capaz de fazer uma proposta assim?
Porque empresas que se provam incapazes de exigir que seus motoristas obedeçam a um mero sinal vermelho são, na melhor das hipóteses, incompetentes e, portanto, totalmente incapacitadas para oferecer um serviço público.
Já estou falando como se fosse um vereador de beira de estrada, mas a verdade é esta: são incompetentes.
Não podem continuar arriscando a vida da população. Precisam ser punidas com a única linguagem que entendem: a do dinheiro. Se forem multadas implacavelmente - ou simplesmente fechadas - talvez aprendam.
"Capitalismo selvagem" é assim: o dinheiro fala mais alto do que qualquer outra força.
Por ora, a instalação de um "marco civilizatório" no trânsito é um sonho.
Não há o menor indício de que algo assim acontecerá.
As empresas de ônibus continuarão a entregar a direção a candidatos a assassinos, continuarão a financiar campanhas eleitorais, continuarão a publicar anúncios dizendo que estão preocupadas com a "qualidade", continuarão a navegar de braçada num mar de impunidade.
O mal do Brasil é a leniência com os abusos.
Enquanto UM motorista de ônibus for capaz de jogar conscientemente toneladas de ferro sobre pedestres indefesos ( é o que faz quem avança um sinal vermelho !), as empresas merecem ser chamadas de inidôneas, incompetentes, assassinas e tratadas como tal.
Não é exagero. Cenas como a que vi hoje ( e tantas outras vezes ) são simplesmente inimagináveis em outros lugares. Já vivi fora do Brasil. NUNCA vi um ônibus avançar um sinal.
Aqui, avançam,avançam,avançam. O pedestre, este coitado, este idiota, este traste ( é assim que as empresas de ônibus os veem ) que tome todo cuidado na hora de atravessar a faixa.
Porque podem ser mortos por um ônibus. Vão virar notícia por um dia. E os donos das empresas de ônibus continuarão a encher os cofres. Sempre foi assim.
Aqui, cabe a aplicação do princípio da responsabilidade coletiva. Bandido não é apenas o motorista que avança sinal. Bandido é, também, quem os contrata. Ponto.
Pobre cidade, pobre cidade, pobre cidade.

Posted by geneton at 01:02 PM

abril 05, 2013

PENSEI QUE ERA PIADA

Pensei que era piada. Vejo a notícia: a Fifa decide que o estádio de Brasília não poderá ser chamado de Mané Garrincha durante a Copa. Agora, só falta a Fifa exigir que o Palácio do Planalto, o Viaduto do Chá e os Arcos da Lapa mudem de nome. Deus do céu.

Posted by geneton at 01:06 PM

março 30, 2013

UMA ENTREVISTA INDISCRETA SOBRE OS BASTIDORES DO PODER NESTE SÁBADO, às 21:05, NA FAIXA ACERVO DA GLOBONEWS: EX-ASSESSOR DE GEORGE BUSH DIZ O QUE VIU O OUVIU NA CASA BRANCA SOBRE A DECISÃO DE INVADIR O IRAQUE

Informa o Plantão Facebook: quem quiser ver (ou rever) uma entrevista reveladora sobre os bastidores da Casa Branca deve sintonizar a GLOBONEWS neste sábado, às 21:05.
A Faixa Acervo vai reexibir o Dossiê Globonews que gravamos, em Washington, com um ex-integrante do Conselho de Segurança Nacional do governo Bush.
Ao explicar como Bush decidiu invadir o Iraque, Richard Clarke usa uma imagem aparentemente banal. Disse: imagine que, no primeiro dia de aula, um aluno leva um soco no nariz. Chega em casa sangrando. Um dia depois, ao voltar para a escola, ele decide revidar. Acontece que, em vez de brigar apenas com o autor da agressão, ele resolve, também, dar um direto no queixo do aluno mais forte da escola. Assim, os outros veriam que ele não estava para brincadeira nem poderia virar saco de pancada.

O ex-assessor de Bush diz que, na cabeça do presidente, o aluno que levou o soco foram os Estados Unidos - no 11 de Setembro. Quem deu o soco foi a Al-Qaeda. Quando foi revidar, Bush resolveu que não bastaria apenas atacar as bases da Al Qaeda, no Afeganistão. Quis dar, também, um direto no queixo de alguém mais forte - o Iraque, para mostrar que não admitiria outros "socos".
Por mais "primária" que possa parecer, a lógica foi esta, segundo a curiosa descrição que Clarke faz.
Richard Clarke conta,com detalhes, como decisões inéditas foram tomadas em questão de minutos, na manhã do 11 de Setembro- como a de mandar esvaziar a Casa Branca e manter o Presidente longe de Washington, uma situação até então inimaginável.
De início, Bush - que estava na Flórida - evitou retornar imediatamente à capital. Mas, logo depois, resolveu ignorar o conselho dos assessores, feito através de uma videoconferência.
O presidente disse que, assim que o avião fosse reabastecido, ele voltaria a Washington. Recusava-se a discutir qualquer alternativa. A decisão estava tomada. Neste momento, o Presidente exerceu a autoridade que o cargo lhe conferia. Os assessores engoliram seco.
A viagem foi feita sob um clima de tensão extrema. Não se sabia qual a extensão do ataque perpetrado pela Al Qaeda. Escoltado por caças, o avião de Bush finalmente pousou na capital.
Clarke descreve um diálogo que, na época, obviamente não chegou ao conhecimento público. Reunido com assessores diretos, Bush falou em retaliação. Quando um assessor disse que um eventual ataque a outro país poderia ferir preceitos do Direito Internacional, Bush respondeu que estava pouco se importando com o que advogados diriam.
O resultado desta postura foi, como se sabe, a decisão de invadir o Iraque. O ex-integrante do Conselho de Segurança Nacional diz, na entrevista, que o Iraque dispunha de armas químicas: tanto é que as tinha usado na guerra contra o Irã. Mas o "arsenal" não representava qualquer perigo. Jamais poderia ser usado,como foi, como justificativa para uma invasão.
Ao final, Clarke lamenta que jovens americanos tenham morrido em nome do que ele, sem meias palavras, chama de "mentira". Isto é: a suposta existência de armas de destruição em massa.
É uma entrevista que espanta pela sinceridade e dá o que pensar.
Clarke fala sem censura porque rompeu com Bush. Já não precisa fazer malabarismos verbais para tentar proteger o chefe.

Posted by geneton at 01:07 PM

março 02, 2013

ZICO LEVANTA-SE DO BANCO. A 8.000 QUILÔMETROS DE DISTÂNCIA, A VIBRAÇÃO DA TORCIDA ENCHE AS RUAS

Senhoras e senhores jurados, peço a palavra. Compareço espontaneamente a este tribunal, em nome de Carlos, Josimar, Júlio César, Edinho, Branco, Alemão, Sócrates, Júnior (Silas), Elzo, Muller (Zico) e Careca, para tentar corrigir uma injustiça histórica. Ainda é tempo.

Ouso perguntar: qual foi a Seleção Brasileira que passou quatro jogos (e meio) de uma Copa sem sofrer um gol sequer? Qual foi a Seleção que tinha, portanto, uma defesa intransponível? Qual foi a Seleção Brasileira que só se despediu de uma Copa porque tropeçou na loteria dos pênaltis? Excluídos os fanáticos, dificilmente alguém se lembrará – mas foi a Seleção de 1986, a Grande Injustiçada.

O senso de justiça obriga este advogado a proclamar: os brasileiros que pisaram no gramado do Jalisco, em Guadalajara, para combater o exército francês no dia 21 de junho de 1986 foram personagens de uma das mais emocionantes atuações de uma Seleção Brasileira numa Copa.

O videoteipe me socorre. Revejo as fitas da epopéia. Os minutos finais da prorrogação foram um daqueles momentos capazes de acelerar os batimentos cardíacos do mais estóico dos torcedores. Cometo a petulância de corrigir Nélson Rodrigues: não, o videoteipe não é burro. O videoteipe é a redenção da Grande Injustiçada, a Seleção de 1986, porque guardará para sempre a coleção de momentos arrebatadores daquela prorrogação. Ali, o futebol misturou drama, arte, alegria e sofrimento. Faltam três minutos para o fim da prorrogação. Placar: 1 a 1. A França avança num contra-ataque. Uma catástrofe brasileira começa a se desenhar: ninguém consegue deter Bellone – que dispara rumo ao gol. Ah, a épica solidão do artilheiro na hora fatal! O supergoleiro Carlos sai desesperado. Voa sobre Bellone. Consegue desequilibrar o candidato a carrasco. Elzo tira a bola da área.

Um segundo depois, o Brasil arma um contra-ataque que poderia ter decidido tudo. Exausto, o time avança como se fosse um afogado tentando o último suspiro. Careca faz um cruzamento, Sócrates corre para marcar o gol redentor. A bola passa a centímetros de seus pés. Não é exagero: centímetros. O gol estava escancarado. Bastaria um mísero toque. Eis a crueldade do futebol: a distância entre a glória e o esquecimento pode ser um átimo, uma fagulha, um milímetro. O jogo terminou 1 a 1. A França venceria por 4 a 3 a disputa de pênaltis.

Tenho também um motivo pessoal para escolher esse jogo. Fui testemunha auditiva de uma ovação inesquecível. Quando as câmeras mostraram Zico se levantando do banco de reservas para entrar em campo, a torcida que acompanhava o jogo, nas casas e apartamentos daquela rua da Tijuca, vibrou como se comemorasse um gol. Ouvi, claro e nítido, aquele rumor indescritível da torcida. Deve ser o que chamam de “a voz rouca das ruas”. Zico jamais soube daquela cena. Mas, a 8.000 quilômetros de distância do México, numa rua da Tijuca, meninos, eu ouvi: nunca a imagem de um jogador se levantando do banco de reservas mereceu tamanha ovação da torcida. Ah, essa paixão tão bonita, tão inútil – e tão brasileira. Por favor, esqueçam que Zico desperdiçou um pênalti.

Peço aos Senhores Jurados que absolvam a Seleção de 1986. Aquela prorrogação redime tudo. O final da prorrogação, por todos os motivos, foi inolvidável. Sim, inolvidável. Faço uma confissão: ainda menino, ouvi a palavra “inolvidável” pronunciada com pompa pelo locutor de um thriller de cinema. Corri ao dicionário. Sempre quis usá-la num texto. Tive de esperar décadas por uma chance. Acabo de satisfazer o desejo: uso “inolvidável” porque não me ocorre palavra melhor para descrever o desempenho da Grande Injustiçada de 1986 naqueles minutos dramáticos da prorrogação em Guadalajara.

Acorda, grande poeta Walt Whitman! Vem cantar conosco para os derrotados de todas as Copas: “Vivas àqueles que levaram a pior! E àqueles cujos navios de guerra afundaram no mar! E a todos os generais das estratégias perdidas! Foram todos heróis”.

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*Texto publicado pela revista Época

Posted by geneton at 11:47 PM

janeiro 05, 2013

“CANÇÕES DO EXÍLIO”: A VOZ DOS ENTREVISTADOS, SEM INTERRUPÇÕES. COM A PALAVRA, CAETANO VELOSO, GILBERTO GIL, JARDS MACALÉ E JORGE MAUTNER!

GLOBONEWS EXIBE NESTE SÁBADO, ÀS 20:30, DOCUMENTÁRIO ‘CANÇÕES DO EXÍLIO” – COM DEPOIMENTOS COMPLETOS DE GILBERTO GIL E CAETANO VELOSO SOBRE PRISÃO EM SÃO PAULO, PASSAGEM POR QUARTÉIS NO RIO, VIDA VIGIADA EM SALVADOR E IDA A LONDRES.
(AQUI, TEXTO ESCRITO QUANDO DO LANÇAMENTO DA SÉRIE DE QUATRO EPISÓDIOS – QUE DEU ORIGEM AO DOCUMENTÁRIO):

A quem interessar possa: bem ou mal, tento retomar, com CANÇÕES DO EXÍLIO, um caminho que abandonei lá atrás : o de possível documentarista.

O locutor-que-vos-fala já é uma ruína cinquentenária. Vivo repetindo para mim mesmo os títulos daqueles editoriais clássicos do Correio da Manhã: “Chega!”, “Basta!”, “Fora!”. Cinco vezes ao dia, penso em apagar a luz do meu velho teatro mambembe, recolher as tralhas, devolver aos incautos o dinheiro da entrada, bater em retirada e ir morar num cubículo minimamente confortável na zona rural de Santa Maria da Boa Vista, cidade onde nunca estive, aliás, mas que elegeria como destino favorito, pelo belo nome. Quanto a todo o resto, dou por visto o espetáculo. Veredito definitivo: risível. A recíproca, eu sei, é verdadeira.

Há uma síndrome que imagino comum em quem um dia resolveu sair de casa : depois de algum tempo, a gente não resiste à tentação de fazer a pergunta “fatal” : Deus do céu, o que diabos vim fazer aqui, no “estrangeiro” ? De qualquer maneira, como diz o lixo subliterário de autoajuda, “nunca é tarde” para retomadas. Decidi, então, nem que fosse como mera experiência, retomar o fio de uma meada interrompida. Fiz um documentário. Poderia ser um bom passatempo.

Em um texto narrado por Paulo César Peréio – uma das vozes mais marcantes do Brasil – ,exponho, logo na primeira parte de CANÇÕES DO EXÍLIO, as dúvidas e vacilações que tive depois de gravar os depoimentos. Como usá-los ? O que fazer com tudo o que Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jards Macalé e Jorge Mautner contaram ? Resolvi correr o “risco” de dividir estas dúvidas com os possíveis espectadores .

A exposição pública das dúvidas do documentarista pode até criar alguma estranheza em quem espera ouvir, logo no início de CANÇÕES DO EXÍLIO, a palavra do timaço de entrevistados. Mas vou logo avisando: depois que o narrador sai de cena, a palavra é passada, “radicalmente” , aos personagens. Ninguém interfere : nem o entrevistador. Desta vez, atuo atrás das câmeras. É minha opção favorita. Sempre foi.

Estar diante de uma câmera é, para mim, um incômodo comparável ao de obturar um dente sem anestesia. Tenho horror. Teria imensa alegria se um dia recebesse uma ordem judicial que me obrigasse a manter uma distância de 500 metros de uma câmera: eis a minha visão do paraíso.

Depois de ver e rever as gravações feitas com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jards Macalé e Jorge Mautner em 2010 , fiz uma opção radical : a de deixar que os entrevistados simplesmente falassem – sem interrupções, sem cortes desnecessários, sem concessões ao ritmo “frenético” e à ditadura do tempo na TV, em que um minuto é uma eternidade. Há falas de cerca de dez minutos. Por que não ? Por que cortá-las, mutilá-las, desossá-las, em nome de uma suposta agilidade ?

Devo dizer que foi uma honra ter tido a chance de contar com Peréio como uma espécie de “alter ego”. Não se pense que esta ”divagação” sobre o que fazer com os depoimentos foi uma viagem em torno do próprio umbigo. ”Pas de tout !”. Pelo contrário. A exposição das dúvidas vem sempre acompanhada de informação jornalística.

Exemplo : se digo que poderia reforçar o documentário com entrevistas tiradas do baú, apresento, por exemplo, o áudio da gravação que fiz com Caetano Veloso, no Recife, no remotíssimo ano de 1973. Eu tinha 16 anos de idade. Mr. Veloso tinha voltado do exílio havia pouco tempo. Tratei de guardar a fita cassete. Preservada por todo este tempo, a gravação virou relíquia. Ganhou status de documento jornalístico: o que um dos mais importantes nomes da Geléia Geral Brasileira dizia, ali, no começo dos anos setenta ?

Feitas as contas, tudo o que CANÇÕES DO EXÍLIO quer é fazer algo que, tenho certeza, pode ter alguma utilidade : produzir memória. Vivo dizendo que produzir memória é uma das (poucas) coisas realmente úteis que o jornalismo pode fazer.

Se fosse escolher entre Cinema e Jornalismo, aliás, eu escolheria Cinema, sem vacilar. Já tinha escolhido, lá atrás. Quando era “inocente, puro e besta”, como na letra de Raul Seixas, no Recife dos anos setenta, fazia meus filmecos em Super-8. Mas terminei exercendo o Jornalismo, por mil razões. É sempre assim: a correnteza vai nos arrastando. C´est la vie. Mas – de vez em quando – é possível dar umas braçadas para tentar evitar o precipício – de resto, inevitável.

Independentemente de qualidade, CANÇÕES DO EXÍLIO é uma tentativa bem pessoal de fazer as duas coisas, juntar as duas pontas: o que é documentário, afinal , se não Jornalismo para Cinema ?

A disponibilidade, o talento e a dedicação de Jorge Mansur, ex-editor de telejornalismo que resolveu investir suas energias numa produtora, abriram o caminho para que a ideia do documentário se materializasse.

Posso garantir aos senhores jurados que os depoimentos, reunidos, formam um documento precioso sobre os chamados “anos de chumbo”: a prisão e o exílio de Caetano Veloso e Gilberto Gil, dois grandes nomes que, com o Tropicalismo, tinham incendiado o cenário da música brasileira.

Lá estão: Caetano Veloso descrevendo com detalhes o interrogatório, gravado, a que foi submetido assim que desembarcou no Brasil para uma visita negociada : os militares queriam, entre outras coisas, que ele compusesse uma música em louvor à rodovia Transamazônica; Jorge Mautner explicando como e por que defendia, no exílio londrino, a ideia de que a novidade planetária não viria da Europa: viria do Brasil; Jards Macalé revivendo a sensação inesquecível que teve ao desembarcar de volta ao Brasil, no auge do verão de 1972, depois de amargar invernos londrinos: era a tal “labareda que lambeu tudo”; Gilberto Gil revelando o sofrimento que teve, pouco depois da volta ao Brasil, para compor, com Chico Buarque, uma música que jamais conseguiu gravar: a bela “Cálice”.

A frase “Pai, afasta de mim este cálice/de vinho tinto de sangue” foi escrita numa sexta-feira da paixão. Atormentado com a dificuldade que estava encontrando para demonstrar solidariedade a Chico Buarque, vítima das tesouras da censura, Gil se lembrou do sofrimento do Cristo. Não por acaso, a música foi proibida. Só foi gravada, pelo próprio Chico Buarque, anos depois, ao lado de Milton Nascimento.

Em resumo : ao fazer o documentário CANÇÕES DO EXÍLIO, originalmente exibido pelo Canal Brasil no formato de quatro episódios, constatei, pela enésima vez, que não há assunto esgotado. É bom saber que o que interessa foi feito : CANÇÕES DO EXÍLIO produziu memória. A palavra de ordem, então, bem que poderia ser : pé na estrada, câmera na mão & luz na tela. Ponto. Faz bem à saúde correr riscos, apostar no incerto. Missão cumprida. Próximo passatempo, por favor.

Posted by geneton at 11:49 PM

novembro 08, 2012

DEZ COISAS QUE APRENDI SOBRE ELA, A PROFISSÃO DE JORNALISTA

Descubro, em algum escaninho virtual, uma espécie de carta que escrevi, faz alguns anos, para um estudante de jornalismo imaginário. A carta seria parte de um manual de jornalismo que nunca foi publicado:

A primeira obrigação do jornalista é ser claro e objetivo. Aos fatos, pois:

1. Se, depois de tantos anos de convivência em redações, eu fosse convocado a dar um “conselho” a uma turma de recrutas do jornalismo, diria simplesmente: em nome de todos os santos, por favor, please, s'il vous plâit, não percam nunca a capacidade de se espantar diante dos fatos. Vejam tudo com os olhos curiosos de um menino descobrindo a maravilha do mundo. O olhar faz toda a diferença. É o que distingue um jornalista burocrata de um jornalista interessante. Não existe assunto chato: o que existe é jeito chato de tratar de um assunto.

2. Conselho número dois: não existe nada tão triste quanto a figura do velho jornalista, pretensamente “sábio”, que passa o tempo todo jogando no lixo as matérias (e o entusiasmo) dos repórteres. Cuidado com eles. Fazem mal à saúde da profissão, porque sofrem de uma doença que cataloguei como Síndrome da Frigidez Editorial (SFE). É um mal que acomete os “derrubadores de matérias”.

3. O jornalista pertence a uma categoria especialíssima: de tanto conviver com fatos extraordinários, ele corre o risco de um achar tudo “normal” e “ordinário”. Neste momento, ele se transforma naquele sujeito entediado que, para o bem do Jornalismo, deveria estar exercendo outra profissão. Cuidado para não se transformar num desses inimigos da notícia. Parece incrível, mas existem, às pencas, nas redações.

4. Quando cruzar com uma dessas Monumentos ao Tédio Profissional, faça uma oração silenciosa em louvor a Gutemberg, o Pai do Imprensa. Pode servir de exorcismo. Ou então deixe escrita uma frase, no muro de seus protestos imaginários: “Acorda, Gutemberg! Eles enlouqueceram!”. ( É uma homenagem indireta ao estudante que, ao ver os tanques soviéticos invadirem a Tchecoslováquia para esmagar a Primavera de Praga, em 1968, pichou num muro: “Acorda, Lênin: eles enlouqueceram!”. O espírito ingênuo daquele estudante bem que poderia inspirar os guerrilheiros do jornalismo. Acorda, Gutemberg: eles enlouqueceram. Não deixai que os dinossauros pisem na alegria e na inocência dos que acreditam que o Jornalismo pode ser interessante, vivo, criativo e original. O importante é tentar.

5. Se eu fosse descrever os casos de matérias que foram derrubadas pelo tédio, pela cegueira, pela insensibilidade ou pela mera incompetência de editores, preencheria uma enciclopédia inteira. Pouparei vossa paciência. Mas, calouros, em verdade vos digo: preparem-se para sofrer com a insensibilidade alheia. Faz parte da profissão.

6. O grande escritor Italo Calvino disse – com outras palavras – que enfrentava um desafio: jamais deixar que o eventual azedume da vida contaminasse o texto. As palavras, as frases, os sujeitos, os verbos, os predicados – tudo precisa de vivacidade, clareza, sutileza, vida própria. A regra não vale apenas para os escritores: vale também para os jornalistas- inclusive os novatos. Nunca é cedo para aprender.

7. Seja saudavelmente pretensioso. Faça a si mesmo uma pergunta antes de resmungar porque foi escalado para entrevistar uma celebridade que já deu mil entrevistas: quem sabe se, na milésima primeira entrevista, eu não consigo arrancar uma história nova, uma declaração inédita, um detalhe que ninguém conhece? Não jogue fora a notícia antes de tentar.

8. Fazer bom jornalismo é dar, ao leitor, ouvinte ou telespectador, uma informação que ele não conhecia. Tente ser o porta-voz da novidade.

9. Ainda não inventaram uma fórmula mágica. A velha regra vale para todos os filhos de Deus: só escreve bem quem lê muito. Ponto final. Revogam-se as disposições em contrário. Cansei de ver nas redações: nem todo mundo que lê consegue ter um texto claro, límpido e atraente. Mas, invariavelmente, quem não lê não sabe escrever. Os maiores absurdos que já li foram escritos por gente que sofre de bibliofobia – horror a livro. Preferem ler revista de celebridade na sala de espera do dentista.

10. Conselho final aos recrutas: agora e sempre, espantem-se ! O jornalismo ficará cem por cento melhor se todo jornalista olhar o planeta com os olhos de um descobridor chegando ao Novo Mundo. Pedro Álvares Cabral, Cristóvão Colombo, acordai: eu, humildemente, vos nomeio nossos patronos.

Posted by geneton at 12:53 PM

julho 20, 2012

O DIA EM QUE O REPÓRTER FOI CONVIDADO PELA ACADEMIA PARA RECEBER UMA MEDALHA ( OU: QUINZE ANOTAÇÕES DE UM FORASTEIRO NO PETIT TRIANON )

1
Repórter existe para fazer perguntas impertinentes, quando possível. Procurei o então presidente da Academia Brasileira de Letras, Austregésilo de Athayde, no início dos anos noventa, para saber: por que a Academia não elegeu o ex-presidente Juscelino Kubitschek ?

Aos que nasceram ontem: cassado pelo regime militar, JK amargava uma espécie de exílio interno no Brasil. Era o mais popular dos ex-presidentes. Mas não podia se candidatar a nada. Não havia eleição direta para prefeito de capital, governador de Estado e Presidente da República. Os generais se revezavam no Poder. A eleição de JK para uma vaga na Academia Brasileira de Letras se transformaria, obviamente, num acontecimento político. O discurso de posse seria um “acontecimento”. Quando as urnas da Academia foram abertas, no entanto, JK recebeu a pior notícia: tinha sido derrotado pelo escritor goiano Bernardo Élis.

2
Não voltei de mãos vazias de minha expedição à Academia. O presidente Austregésilo, surpreendentemente, me disse que pode ter havido um “equívoco” na eleição que derrotou JK. Resulttado da primeira votação tinha sido JK 19 x Bernardo Élis 19. Segunda votação: JK 19 x Bernardo Élis 18. Terceira votação: JK 18 x Bernardo Élis 20. Que equívoco terá sido este ? Um acadêmico pode ter se confundido na hora de votar. “O ex-presidente poderia ter sido eleito”, disse-me o então presidente da Academia, “se à última hora não tivesse havido um equívoco de um dos nossos companheiros – que deixou de votar nele. Se não fosse o equívoco desse voto, Juscelino provavelmente teria sido eleito. Um acadêmico mudou de voto naquele momento”.

Quem terá “traído” o ex-presidente ? Jamais se saberá. A eleição é secreta. Os votos viram cinza depois de embebidos em álcool e incinerados numa urna que fica guardada num sala da Academia. Minha garimpagem rendeu esta revelação: a história completa da derrota de JK traz, ainda, capítulos obscuros.

O Caso JK é uma pequena mostra de que Academia obviamente não é infensa ao rol de sentimentos que move a comédia humana : grandezas, miudezas, glórias, fracassos, belezas, vaidades, traições, luzes, sombras, esplendores, escuridão. Aqui há também cintilâncias e apagões. C´est la vie.

3
Duas décadas depois, desembarco novamente na Academia Brasileira de Letras – dessa vez, não para vasculhar os bastidores da eleição frustrada do ex-presidente, mas para receber uma medalha! Sem falsa modéstia – um sentimento que, aliás, frequentemente produz cenas patéticas – , devo confessar que tomei um susto quando recebi o comunicado da Academia. Jamais imaginei que um dia receberia um prêmio da ABL. Mas iria receber : por proposta do acadêmico Ledo Ivo, fui agraciado com a Medalha João Ribeiro, prêmio que seria entregue no dia em que a Academia comemorava cento e quinze anos de fundação. Lá vou eu.

4
Meu demônio iconoclasta me sopra ao pé do meu ouvido esquerdo: “Quem diria! Você no templo acadêmico !”. Meu demônio moderado contra-argumenta, ao pé do ouvido direito : “Mas qual é o problema ? Academia é lugar em que se cultiva saber e se zela pela língua. Eis aí duas tarefas que o Jornalismo pode (e deve) exercer!. O mínimo que você pode fazer é agradecer o reconhecimento! Vá em frente, forasteiro!”.

5
O que um repórter pode fazer, além de apurar os ouvidos e observar o movimento em volta? É o que faço. Enquanto não começa a solenidade de entrega de prêmios literários ( e da medalha ), viro partícipe ou ouvinte daqueles pequenos e inofensivos diálogos que costumam preencher os minutos de espera. Um acadêmico me faz um comentário simpático: “Quando os generais de pijama pensavam que ninguém ia incomodá-los, você chegou lá com suas perguntas….”. Fala das entrevistas que fiz para a Globonews com generais do regime militar. Numa roda, o filósofo Sérgio Paulo Rouanet se declara sinceramente espantado com o canto de guerra de soldados entoado durante treinamento militar. Um dos “versos” diz: “Arranca a cabeça/e joga no mar”. Não há nada menos acadêmico do que o canto bélico, mas os versos são recitados, com sincero espanto, sob o teto da Academia.

6
Digo a outro acadêmico que uma vez fiz uma longa reportagem, na Academia, sobre os bastidores da derrota de JK. O acadêmico lembra que seria impossível recontar os votos, por exemplo, para constatar se houve ou não o tal “equívoco”. Tudo vira cinza, na urna. “Não fica rastro nem das traições”, constata.

Eis aí um toque irônico nos rituais acadêmicos : a porta de entrada para a “imortalidade” passa necessariamente pela fugacidade de votos que, em questão de minutos, são reduzidos a cinza, em nome do sigilo eterno. Murilo Melo Filho, jornalista, acadêmico, lembra que testemunhou uma cena inesquecível: estava na casa de Juscelino, na noite da eleição, à espera da notícia da vitória. Toca o telefone. Josué Montello, acadêmico e cabo eleitoral de JK, avisa ao ex-presidente que “dessa vez, não deu”. Ao receber a notícia da derrota, JK esconde a prostração. Começa a dançar com uma filha. Pareceu não acusar o golpe. “Mas, depois, ele sentiu…”, diz a testemunha ocular da dança.

7
Cinco da tarde. Os convidados se dirigem para o salão nobre do Petit Trianon. A presidente Ana Maria Machado abre os trabalhos lendo o texto de um discurso pronunciado pelo fundador e patrono da Academia – o grande Machado de Assis. O salão confere um ar solene a tudo o que se diz ali. Fala-se em voz baixa. Um decorador implicante poderia notar que a Academia exagerou na policromia da sala : as cadeiras são azuis; as paredes, verdes ; as cortinas, amarelas. Deve haver algum sentido oculto na escolha das cores. Deve,sim. Mas me escapa.

Do alto de uma das paredes, um busto do patrono da Academia contempla, soberano, o trânsito de mortais e imortais, cá embaixo. Esculpida provavelmente em bronze, a imagem de Machado de Assis ganhou a companhia de outros dois bustos de acadêmicos: o de Austregésilo de Athayde e o de Afrânio Peixoto. Noto que, no busto, Austregésilo de Athayde parece bem mais jovem do que era. O bronze remoça.

Meu demônio iconoclasta volta a suspirar, perto do meu ouvido : “Ah, a ilusória imortalidade conferida por votos que se transformam em cinza e rostos que se transmutam em bronze…!”. Se é verdade que as últimas palavras de Goethe foram “luz,luz, luz!”, ei-las, literalmente: seis lustres pendem do teto, outros seis enfeitam as paredes. Há uma profusão de luzes – se bem, em ou outro lustre, lâmpadas queimadas implorem pela atenção de um zelador.

8
Os principal prêmio, o Machado de Assis, vai para o mais recluso dos escritores brasileiros, o minimalista Dalton Trevisan. O homem não aparece, o que já era previsível. Mas manda um texto em que atribui a ausência aos impedimentos e inconveniências provocadas pela idade algo avançada. “Ai de mim”, suspira, por escrito. A plateia faz de conta que acredita na desculpa. Mas sabe que é mais fácil um daqueles bustos bronzeados começar a dançar do que Dalton Trevisan se materializar de repente, ali, num fim de tarde de quinta-feira, sob os lustres do Petit Trianon.

Faço uma breve consulta à história deste prédio, o Petit Trianon, um presente do governo francês à Academia Brasileira. O site da ABL informa que,”no Salão Francês, o Acadêmico eleito cumpre a tradição de permanecer sozinho, em momentos de reflexão, antes da cerimônia de posse”.

Eis aí uma boa pauta para repórteres eventualmente interessados em rituais acadêmicos : em quê cada acadêmico terá pensado neste breve momento de solidão ? Se o “vampiro” Dalton Trevisan tivesse levantado voo em Curitiba para pousar no Petit Trianon, quem sabe, poderia inaugurar uma nova tradição: pedir um momento de reflexão solitária antes de receber o prêmio Machado de Assis, láurea máxima da Academia.

9
Há qualquer coisa de louvável na atitude de escritores, que, a exemplo de Dalton Trevisan, passam a vida se protegendo renitentemente das investidas do mundo exterior – aí incluídos os acenos acadêmicos. É como se dissesse: deixem-me só, as musas da literatura já me consomem todo o meu tempo, toda minha energia – que não quero gastar a bordo de aviões ou em quartos de hotel. Os espectadores da premiação da Academia entendem as razões daltonianas. Palmas para ele.

10
Os outros agraciados recebem seus diplomas: Alberto Mussa ( pelo livro O senhor do Lado Esquerdo) , Ricardo Leão ( por Os Atenienses: a Invenção do Cânone Nacional) , Manoel de Barros ( por Escritos em Verbal de Ave – também não pôde viajar ao Rio, mas mandou a filha) , Rubens Figueiredo ( pela tradução de Guerra e Paz ), Caio César Boschi ( por Exercícios de Pesquisa Histórica) , Marisa Lajolo ( por O Poeta do Exílio) , Marcelo Rubens Paiva (pelo roteiro do filme Malu de Bicicleta ).

Que se diga: Marcelo Rubens Paiva mereceria um prêmio pelo belo cronista que é, além de roteirista eventual. Fico imaginando: quanta dedicação, quantas centenas de horas de trabalho não terá consumido a empreitada de traduzir um clássico como Guerra e Paz ? Um prêmio é pouco, mas há de ser um reconhecimento.

11
Os premiados não discursam. Os acadêmicos é que se revezam na tribuna, na leitura de pareceres que justificam as premiações. Nélson Pereira dos Santos, o cineasta acadêmico, deve ter esquecido os óculos em casa : lê com alguma dificuldade um parecer. O ex-ministro Eduardo Portella move-se vagaroso, amparado por uma bengala. Informa que levou uma queda ao cumprir o improvável papel de peladeiro de futebol.

12
A Medalha João Ribeiro é entregue ao locutor-que-vos-fala no fim da solenidade. O autor da proposta, Ledo Ivo, sussurra, bem humorado, ao me entregar a medalha e um diploma: “Pensei que você estivesse em Nova York”….Não, não.

Sempre que ouço falar em Ledo Ivo, lembro-me da beleza dos versos que ele um dia escreveu em “A Queimada”:

“Queime tudo o que puder :

as cartas de amor

as contas telefônicas

o rol de roupas sujas

as escrituras e certidões

as inconfidências dos confrades ressentidos

a confissão interrompida

o poema erótico que ratifica a impotência

e anuncia a arteriosclerose

os recortes antigos e as fotografias amareladas.

Não deixe aos herdeiros esfaimados

nenhuma herança de papel.

Seja como os lobos : more num covil

e só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados.

Viva e morra fechado como um caracol.

Diga sempre não à escória eletrônica.

Destrua os poemas inacabados,os rascunhos,

as variantes e os fragmentos

que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas.

Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha.

Não confie a ninguém o seu segredo.

A verdade não pode ser dita”.

A proposta que o poeta Ledo Ivo apresentara à Academia comete exageros – a meu favor. Refere-se com adjetivos generosos a um livro-reportagem que publiquei – o Dossiê Drummond. Atribui-me uma posição que, definitivamente, não ocupo – nem teria a mais remota pretensão de ocupar – no que ele chama de “jornalismo eletrônico”. A bem da verdade, fui levado ao “jornalismo eletrônico” pelas conspirações do acaso e pela lei da inércia. Meu planeta é o “jornalismo impresso” – sempre foi, desde quando, com treze anos de idade, vi meu nome impresso pela primeira vez no suplemento infantil do Diário de Pernambuco. ( hoje, eu diria “jornalismo escrito”, em vez de “jornalismo impresso”, já que o mundo de papel parece caminhar para as telas dos computadores e afins).

13
Em suma: sou um animal estranho ao veículo onde terminei trabalhando já por tanto tempo – a TV. Quando passo em revista minha acidentada folha corrida na TV, confirmo esta impressão. Mas foi, basicamente, o trabalho em TV que motivou o acadêmico a propor a concessão do prêmio… Quem sou eu para denunciar o equívoco? A vida é assim : uma sucessão de inadequações, desencontros, vocações desperdiçadas. Agradeço sinceramente ao poeta. Bato em retirada com meus dois acompanhantes – Elizabeth e Daniel. Termina minha breve incursão ao Petit Trianon.

14
Lá fora, exposta ao sereno, indiferente ao rosário de desencontros e inadequações que move o pobre mundo dos mortais, a estátua de Machado de Assis reina sobre o pátio escurecido da Academia.

Meu demônio moderado me dá um último conselho: “Hora de zarpar. Hora de zarpar”.

15
Enquanto cruzo o pátio em direção à rua, imagino o que poderia escrever sobre a expedição à Academia. Faço anotações, para não esquecer dos detalhes. Neste momento, ouço o ruído inconfundível das patas de uma fera roçando a porta dos fundos: é o Cão da Subliteratura querendo entrar. Já o conheço de outros carnavais, é claro. O bicho sempre dá sinal de vida toda vez que tento cometer frases de efeito. Dessa vez, não crio caso: “Pode entrar. Não faça cerimônia. Já tenho a primeira frase do texto: “repórter existe para fazer perguntas impertinentes”. Você me ajuda a escrever o resto do texto?”.

O cão imaginário balança a cabeça. A resposta é sim.

Posted by geneton at 12:12 PM

fevereiro 12, 2012

FAZER JORNALISMO PODE SER SIMPLES: É VER, OUVIR E PASSAR ADIANTE – DA MANEIRA MAIS FIEL E MAIS INTERESSANTE POSSÍVEL

A Revista da TV ( O Globo ) pede que o locutor-que-vos-fala diga o que vê e viu na TV. O questionário foi publicado neste domingo. Voilà a íntegra :

O GLOBO: Qual é a sua a primeira lembrança televisiva?

GENETON MORAES NETO: quando criança, via “Além da imaginação”. Não deveria. Ia dormir morrendo de medo de que um daqueles personagens – em geral, mortos que voltavam de outra dimensão – reaparecessem de repente no meio da madrugada, naquela rua do bairro da Torre, no Recife. Jamais perdia um episódio de “O fugitivo”. O Dr. Richard Kimble, médico que passava a vida fugindo de cidade em cidade para tentar escapar da acusação injusta de ter matado a mulher, era ídolo absoluto. Adulto, comprei DVDs das duas séries. A gente passa a vida procurando – em vão – reconquistar o paraíso perdido.

O que falta na programação?

GENETON: Eu gostaria de ver – quem sabe, numa madrugada – um programa jornalístico que tratasse de temas que a TV aberta descartou nos últimos tempos.

Cena mais marcante que lembra de ter visto na TV.

GENETON: Minha lista não difere dos clássicos: a morte de Kennedy, os astronautas na Lua, os aviões do 11 de Setembro. Uma cena marcante que vi aos quatorze anos – quando passava férias na casa de tios, no já remotíssimo ano de 1971 – teve a TV como “personagem”: enquanto a televisão transmitia imagens de astronautas da Apollo 14, a cozinheira dispensou intermediários e foi para a janela observar diretamente a Lua. Guardei aquela cena: uma mistura de comovente ingenuidade com sincera curiosidade. A propósito: um dos primeiros “choques de realidade” quem me deu foi a TV: quando tinha exatamente dez anos, fui chorar escondido no quarto, depois de ver no “Repórter Esso” que Walt Disney tinha morrido. Pronto. Falei.

Gosta de séries?

GENETON: A versão original de “The office” é genial. Tudo ali deu certo. Rick Gervais é gênio: cínico, politicamente incorreto, provocador, naturalmente engraçado. Sou anglófilo em matéria de humor e de imprensa. Ninguém faz humor como os ingleses. E ninguém faz TV (nem jornais) como eles, com as exceções de praxe. Das brasileiras: “O auto da compadecida”, dirigida por Guel Arraes, é tudo o que uma teledramaturgia brasileira pode ter de bom.

Que atração você não perde?

GENETON: Sou o clássico zapeador. Passo sempre pela Globo News para ver se o planeta sofreu algum abalo ou para ouvir algum entrevistado interessante. “Chegadas & Partidas”, com Astrid Fontenelle, no GNT, é excelente, sem pieguice. É programa para ver sem ninguém por perto. Porque é chororô na certa. Pronto. Falei. Gosto do “CQC” desde que começou. O clima no “Esquenta” é sempre fervente. Quando posso, não perco o “Late show” com David Letterman. “Altas Horas” vale a vigília. Jô Soares é uma parada quase obrigatória. Marília Gabriela é uma boa entrevistadora. Sempre passo pelo Canal Brasil. Os silêncios de Paulo César Peréio entrevistando são ótimos. E devo ter me esquecido de outros tantos.

E não vê de jeito nenhum?

GENETON: Corrida de cavalo. Leilão de joia. Partida de golfe. Pregação religiosa, seja qual for. Não há qualquer motivo especial: é por pura preguiça. Ou alguma idiossincrasia. Mas, a princípio, não me recuso a ver nada. Vejo programas como aqueles do NGT em que apresentadores fazem os trejeitos e a empostação de Silvio Santos, com bailarinas desajeitadas fazendo caras e bocas para a câmera, cenários toscos, “atrações” que dublam os números musicais… Imperdíveis.

Programa que você adora e que ninguém imaginaria.

GENETON: Como passo por quase tudo, eu mesmo não me surpreendo com as paradas que faço. De qualquer maneira, se eu parar no momento em que o Freddie Mercury Prateado tenta fazer o segurança rir, no “Pânico na TV”, fico por ali. Se estiver passando “Backyardgans” e Beatriz (neta de quase três anos) e João (neto de quase dois) estiverem por perto, vejo até o fim. O olhar atento dos dois vale mais do que qualquer outra coisa.

Qual foi a entrevista mais memorável que você fez na TV?

GENETON: Reportagem é a única coisa que me interessa no jornalismo desde que comecei, aos dezesseis anos de idade. É assim até hoje, aos 55, quando faço contas para bater em retirada. Assim, caminhei pelo cais de onde saiu o Titanic, em companhia da mais jovem sobrevivente do naufrágio, Milvina Dean. Tive a chance de entrevistar o promotor britânico que, no Tribunal de Nuremberg, mandou para a forca os maiores criminosos de guerra nazistas. Duvidei da confissão de inocência que ouvi do homem que matou o herói negro Martin Luther King. Não vou me esquecer dos relatos que ouvi de quatro astronautas que pisaram na Lua. Faz pouco tempo, tive a chance de entrevistar, simultaneamente, dois Prêmios Nobel: o ex-presidente Jimmy Carter e o arcebispo Desmond Tutu. Isso acontece uma vez na vida. Fazer jornalismo pode ser simples: é ver, ouvir e passar adiante – da maneira mais fiel e mais interessante possível. Ou seja: produzir memória. É o que tento fazer.

E qual foi a mais difícil?

GENETON: As entrevistas com os generais Newton Cruz e Leônidas Pires Gonçalves, feitas para a Globo News, tiveram momentos difíceis, porque, várias vezes, eles me “devolviam” perguntas – eventualmente, em tom irritado. Nem sempre respondi, porque meu papel, ali, não era o de fazer “discurso”, mas o de ouvi-los, para levar ao público o que duas figuras importantes do regime militar tinham a dizer. Repórter não pode ser militante. O maior pecado que um jornalista pode cometer é exercer patrulhagem ideológica na hora de entrevistar alguém ou de tratar de um assunto. Quer ser militante ou patrulheiro? Inscreva-se num partido político.

Quem você gostaria que te entrevistasse?

GENETON: Um dos outros mil pecados capitais de jornalistas é o fato de se julgarem mais importantes do que realmente são. Em geral, a pretensão descabida resulta em cenas risíveis. E seria “pretensioso” eu escalar um entrevistador. Feita esta ressalva, quero dizer que acho uma empulhação esta história de que “jornalista não é notícia”. Já li centenas de matérias interessantes sobre jornalistas. Para aprender, eu leria uma entrevista de duzentas páginas de Elio Gaspari. Por que não? Fiz uma entrevista de vinte horas com Evandro Carlos de Andrade, ex-diretor de jornalismo da TV Globo. Tinha o que contar. Por que não? Devolvo, aqui, a gentileza que meu amigo Pedro Bial me fez, nesta mesmíssima seção, ao dizer que me escolheria como entrevistador e entrevistado.

E quem ainda falta entrevistar?

GENETON: A lista daria para encher um catálogo telefônico. Mas – de cara – adoraria ter a chance de entrevistar George W. Bush e Fidel Castro. São dois grandes personagens jornalísticos. Sem patrulhagem ideológica, eu teria uma enorme lista de perguntas para fazer a cada um dos dois.


Posted by geneton at 01:00 PM

fevereiro 10, 2012

MARGARETH THATCHER

MEMÓRIAS LONDRINAS: O DIA EM QUE MARGARETH THATCHER, A DAMA DE FERRO, DISSE QUE NÃO CONSEGUIRIA SE DEFINIR EM UMA SÓ PALAVRA

Os arquivos não tão implacáveis do locutor-que-vos-fala guarda este relato de um breve encontro, em Londres, com a ex-primeira ministra britânica Margareth Thatcher – que acaba de ser retratada por Meryl Streep no filme A Dama de Ferro :

Lá vem ela, lá vem a baronesa. Vista a dois palmos de distância, Margareth Hilda Thatcher é um atestado ambulante de que o poder, quando falta, envelhece os poderosos. As rugas da pele, pálida como uma folha de papel, vão redesenhando os traços do rosto. Setenta anos, afinal, não são setenta dias. A pele pende do pescoço. A magreza, adquirida depois que deixou de ser a Dama de Ferro para se transformar na Baronesa, surpreende.

Assessores cochicham que o abatimento se deve a um tratamento dentário. Se um mero tratamento dentário é capaz de tal devastação, então Papai Noel existe, a lua é vermelha e Edmundo Animal é um modelo de bom comportamento. O vestido, longo até os calcanhares, é de um azul sóbrio. Um broche – será diamante ? – reluz no peito esquerdo da Dama.

Quando começa a falar diante de um púlpito, a baronesa desfaz a má impressão causada pela aparência abatida. O grande tema deste final de século mobiliza todas as forças da Dama de Ferro: qual deve ser, afinal, o papel do Estado na vida das sociedades ? A resposta de Thatcher é mais do que clara : o Estado deve se intrometer o menos possível na vida do cidadão comum. “Só um governo mínimo pode tornar máximo o potencial de cada um”, repete, como se estivesse recitando um mandamento que não admite contestação.

A oradora Thatcher ganha de novo o viço que parecer ter se evaporado. A plateia – duas mil pessoas aglomeradas no Westminster Central Hall em reverente silêncio para ouvir a vestal dos conservadores – explode em aplausos quando a baronesa solta frases fortes com aquele tom de voz de professora exigente diante de alunos relapsos.

Cada frase é pontuada por gestos incisivos coreografados com o punho fechado. “Eu detesto ser oposição . Detesto ! Porque oposição só fala, fala, fala. Não faz nada. E eu sou de fazer”. Delírio no anfiteatro. Depois de reinar por onze anos e meio como soberana da política inglesa – entre 1979 e 1990 -, Thatcher passou o bastão para o também conservador John Major. Mas, se medalhões da política se recusam a vestir o pijama da aposentadoria quando se retiram da cena, por que a Dama de Ferro iria vestir a camisola ? “Meu elixir secreto é o trabalho” – ela avisa aos navegantes. “Não penso em me aposentar”.

Se quem foi primeira-ministra nunca perde a majestade, Thatcher recebe por onde passa reverências dispensadas a super-estrelas. Além de exalar carisma, a baronesa exercita uma qualidade reconhecida até por adversários : a paixão com que defende suas ideias – com um fervor que frequentamente traz pitadas de autoritarismo. Que o digam os ministros defenestrados do gabinete por discordarem da Dama de Ferro durante os anos em que ela reinava. Ainda assim, a legião de admiradores é imensa.

Fãs disputam com guarda-costas um palmo de espaço para um foto ao lado da baronesa, antes, durante e depois da conferência no Westminster Central Hall. Um admirador arranca murmúrios da plateia ao pagar um mico sem o menor constrangimento: depois de faturar um autógrafo, oferece a ela uma medalha, beija-lhe a mão e quase se ajoelha diante da musa, em sinal de reverência.

Um japonês solitário quer porque quer tirar uma foto ao lado de Thatcher: implora ao vizinho na plateia que não perca a chance de registrar para a posteridade, com uma dessas máquinas fotográficas amadoras, a pose que ele fará ao lado de Thatcher na hora de colher um autógrafo.

Um funcionário da editora termina virando fotógrafo improvisado: fica encarregado de pegar máquinas fotográficas dos fãs para flagrá-los ao lado da estrela. Assessores e guarda-costas delicadamente vão guiando os intrusos para a porta de saída, depois que cada um desfruta dos quinze segundos regulamentares diante de Thatcher – tempo suficiente para a obtenção de um livro autografado.

Pergunto à Dama de Ferro se ela poderia se definir em uma só palavra. “Você quer que eu me defina em uma só palavra ? ” – desta vez, ela é que me pergunta, com ar de espanto.”Não, não posso me definir em apenas uma palavra. Vou assinar o meu nome e escrever a data de hoje. Thank you very much !” – diz a baronesa, com aquela polidez estudada de quem ouve todo tipo de pedidos. A essa altura, um segurança que não faria feio como adversário de Rambo numa luta de boxe encerra a tentativa de entrevista.

Volta e meia, a Dama de Ferro pousa de novo nas manchetes. Virou uma espécie de oráculo dos conservadores. A última investida de Thatcher é o recém-lançado segundo volume de memórias – um tijolaço de 656 páginas batizado de The Path to Power. O lançamento do livro se transforma num excelente pretexto para que ela repita a pregação contra os demônios do Estado onipresente:

- O século vinte assistiu a uma experiência política e econômica sem precedentes. O modelo de sociedade baseado no controle centralizado foi tentado de várias formas – seja através do totalitarismo comunista ou nazista, seja através dos vários modelos de social-democracia e de socialismo democrático, seja através de um corporativismo tecnocrático não-ideológico. O modelo descentralizado liberal também foi tentado – principalmente, na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos dos anos oitenta. O balanço do século mostra uma mensagem irresistível: qualquer que seja o critério de julgamento, seja ele político, social ou econômico, o coletivismo fracassou. Já a aplicação dos princípios clássicos liberais tem transformado países e continentes para melhor.

A Dama de Ferro garante que esta foi “a mais importante vitória política do século”. Para ilustrar o que diz, recorre a exemplos do dia-a-dia do cidadão comum: “O que as pessoas querem é poder aproveitar os frutos do próprio trabalho, é gastar o próprio dinheiro do jeito que quiserem, terem suas próprias casas, em benefício dos seus próprios filhos”.

O que é, então, que um “governo mínimo” deve fazer ? Thatcher dá um exemplo que arranca aplausos da plateia: em vez de gastar dinheiro público construindo conjuntos habitacionais, o governo deve diminuir os impostos para que cada cidadão, com mais dinheiro no bolso, possa fazer o que quiser com o salário – inclusive, comprar uma casa.

A adesão de países latino-americanos aos mandamentos do credo liberal arranca exclamações da baronesa. Sem citar nominalmente o Plano Real, Thatcher classifica como “sério” o esforço do governo brasileiro para eliminar o fantasma da inflação:

- O Brasil, um dos maiores e mais populosos países, com enormes recursos minerais, indiscutivelmente tem o maior potencial na América Latina. As taxas de crescimento comprovam este potencial – apesar de políticas econômicas equivocadas adotadas no passado. Agora, medidas sérias foram tomadas para domar a inflação e o endividamento do governo e para promover a privatização. Mas ainda há muito o que fazer, para limitar os piores excessos da presença exagerada do governo e a consequente corrução” – diz a baronesa, em The Path to Power.

A Dama pode ser de ferro, mas nem tanto : depois de levantar a voz no púlpito para celebrar “a mais importante vitória política do século”, asssinar centenas de exemplares de suas memórias e exercitar os músculos do rosto incontáveis vezes em sorrisos para as máquinas fotográficas dos admiradores, a baronesa emite sinais de cansaço.

A plateia oferece-lhe um último gesto de simpatia: Thatcher é aplaudida de é, numa ovação que dura cerca de cinco minutos. O odio dos adversários só é correspondido, em igual medida, pelo entusiasmo de fãs conservadores.

Não existem meias palavras para Thatcher. Talvez ela tenha razão: com esse currículo de paixões e ódios, não deve ser nada fácil se definir em uma só palavra.

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O ano era 1995. Desde então, a baronesa Margareth Thatcher se retirou de cena. Reclusa, faz raríssimas aparições públicas. Passou a exibir, nos últimos anos, sinais de “demência”, conforme revelou a filha. Voltou a ser notícia com o lançamento do filme A Dama de Ferro. O debate sobre o tamanho do Estado continua.

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dezembro 19, 2011

VENENO PURO: DIPLOMATAS ESCREVEM EM RELATÓRIOS SECRETOS TUDO O QUE NÃO DIZEM EM VOZ ALTA( MAS, UM DIA, O SEGREDO ACABA )

O vazamento sistemático de documentos confidenciais produzidos por diplomatas foi uma das sensações de 2010. O responsável: o site Wikileaks.

O que o Wikileaks faz é antecipar a publicação de documentos confidenciais que,um dia, seriam divulgados, em parte ou na íntegra, pelos governos que os produziram.

Todo ano, o governo britânico libera, à sanha de repórteres e pesquisadores, documentos secretos que passaram décadas protegidos pelo sigilo.

Já enfrentei longas jornadas na sede do Public Record Office, em Londres, em busca de documentos venenosos sobre o Brasil.

Não saí de mãos abanando.

Vasculho meus arquivos não tão implacáveis.

Eis uma amostra da colheita:

Quem ? Lindolfo Collor ? “Político ambicioso e inescrupuloso, Sem dúvida, lembra desagradavelmente os políticos nefandos que a Revolução de 30 pretendia varrer do mapa”. O escritor e diplomata Gilberto Amado ? “Nordestino típico,baixo e feio. Excessivamente mal-educado”. Lourival Fontes,o braço direito de Getúlio Vargas na área da propaganda ? “Aboslutamente detestável. Corcunda, zarolho,interesseiro e impopular”. O chanceler Oswaldo Aranha ? “Bem conhecido pelas atenções que dá a mulheres fora do ambiente doméstico”. O general Goes Monteiro, chefe do Estado Maior das Forças Armadas ? “Um tremendo bebedor”. O general Flores da Cunha,”o mais poderoso político do Rio Grande do Sul” ? “Inescrupuloso”, “um jogador inveterado”. O deputado,senador, ministro e governador baiano Otávio Mangabeira ? “Um mulato de família pobre que enriqueceu através da política”. Assis Chateaubriand, o fundador do império jornalístico dos Diário e Emissoras Associados ? “Personalidade perigosa e intrigante”. O duas vezes ministro da Viação e Obras Públicas José Américo de Almeida ? Descobriu tanta maracutaia no Ministério que ficou incapaz de “distinguir o que é bom e o que é mau”. O jornalista Herbert Moses, presidente da Associação Brasileira de Imprensa ? “Um homenzinho parecido com um macaco”. Luís Carlos Prestes ? “Um revolucionário profissional”. O marechal Cândido Rondon ? “Proprietário de enormes extensões de terra no interior, particularmente em Goiás e Mato Grosso, que adquiriu por meios dúbios e desonestos”. O ministro Félix Pacheco ? “Aumentou enormemente a fortuna pessoal graças às suas transações com o Banco do Brasil para a compra do Jornal do Brasil”. O ex-presidente da República Epitácio Pessoa ? “Sempre pronto, em troca de vantagens, a colocar seus grandes conhecimentos jurídicos a serviço de corporações britânicas em dificuldades com as leis brasileiras”. Amaral Peixoto ? “Sua maior credencial para a fama deve-se ao fato de que namora com uma das filhas do presidente”. O general Eurico Gaspar Dutra ? “Não muito inteligente. Cão de guarda”. O ex-ministro Francisco Sá ? “Conseguiu encher os bolsos confortavelmente” quando no governo. Francisco Campos, o ministro da Justiça que inventou um arremedo de Constituição para a ditadura do Estado Novo ? “Um fanático totalitário. Personalidade de temperamento arrogante e desagradável”. O conde Matarazzo ? “Tirava proveito da legislação protecionista para “vender seus produtos a preços elevados”. Os brasileiros ? “Vivem macaqueando todos os modismos materiais ou intelectuais”.

Não sobra pedra sobre pedra. Diatribes desse calibre renderiam uma pilha de processos de injúria,calúnia e difamação se um dis tivessem chegado ao conhecimento dos personagens atingidos. Não chegaram. Jamais chegarão. A maioria dos personagens já virou nome de rua, em qualquer capital brasileira que se preze. O veneno impresso em letra de forma não foi cometido por nenhum panfletário interessado em reduzir a pó a elite política brasileira. Não. O autor deste manual de iconoclastia política foi,quem diria, o Senhor Embaixador do Reino Unido da Grã-Bretanha no Brasil, aquele mesmísssimo diplomata que,nos salões oficiais, brindava com salamaleques figuras que eram arrasadas nos relatórios secretos despachados para Londres. Os relatórios passaram meio século trancados nos arquivos do governo britânico, longe do alcance de aventureiros dedicados à tarefa de bisbilhotar os segredos da diplomacia de Sua Majestade. Somente depois de esgotado o veto de cinquenta anos imposto à divulgação dos documentos é que foi possível saber o que a diplomacia britânica pensava dos brasileiros, numa época em que Londres era o endereço da sede de um império. Os papéis secretos expõem julgamentos que jamais um embaixador pronunciaria em voz alta, sob pena de causar embaraços diplomáticos, políticos, éticos e, até, jurídicos.Mas o que é a diplomacia, se não esse jogo de dissimulações em que elogios mútuos são desmentidos em relatórios secretos ? Tudo o que a diplomacia inglesa pensava – mas não dizia em voz alta – sobre figurões desta República era cuidadosamente alinhavado em relatórios secretos que cruzavam o mar para se aninhar nos gabinetes do Foreign Office, o ministério das Relações Exteriores do Reino Unido da Grã-Bretanha. Ali, depois de digeridos, eram despachados para o Public Record Office, a repartição encarregada de guardar todos os papéis que o governo inglês considera dignos da posteridade. O mecanismo guarda um lado cruel: julgamentos arrasadores sobre figuras públicas brasileiras jamais foram desmentidos, simplesmente porque não podiam ser divulgados. Quem mereceu adjetivos pouco abonadores nos documentos secretos morreu sem direito a réplica. Hoje, “para todos os efeitos”,esses papéis ganharam status de documentos históricos.

Meu mergulho no mar de documentos secretos produzidos tanto pelo governo britânico quanto pelo governo americano terminou rendendo dois livros, ambos (feliz ou infelizmente) já esgotados ,mas encontráveis em sebos : “Nitroglicerina Pura” ( de onde retirei o texto publicado acima) e “Dossiê Brasil”. Fiz “Nitroglicerina Pura” em parceria com aquele que era considerado o maior repórter brasileiro: Joel Silveira. Fiquei encarregado de mergulhar nos papéis em Londres e em Washington. Joel produziu um texto memorialístico sobre a escuridão da ditadura do Estado Novo.

A divulgação de documentos secretos do governo britânico obedece a uma escala de vetos de duração variada. Há documentos que sofrem um veto de vinte e cinco anos. O veto pode se estender a cinquenta anos ou,até, a cem. Depende do teor de nitroglicerina que os documentos carregam.

O Wikileaks subverte as regras do sigilo oficial. Vive de vazamentos. Em alguns casos, desnuda, hoje, o que seria desnudado daqui a meio século.

O que será que os relatórios confidenciais terão dito sobre a Era Lula ? Fazia tempo que a política brasileira não produzia um personagem tão improvável e tão surpreendente. Com que palavras os diplomatas estrangeiros o retrataram em documentos que só serão divulgados daqui a décadas ?

Posted by geneton at 12:38 PM

dezembro 04, 2011

O POETA LEVANTA A VOZ: “VIVAS ÀQUELES QUE LEVARAM A PIOR! E ÀQUELES CUJOS NAVIOS DE GUERRA AFUNDARAM NO MAR!” (BEM QUE PODERIA ESTAR FALANDO DO CAPITÃO SÓCRATES)

O ano: 1986. Paro o carro num sinal vermelho, na esquina da rua Ibituruna com Mariz de Barros, na Tijuca, Rio de Janeiro. Um carro, certamente não tão tosco quanto o meu velho Fusca branco, pára ao lado. Olho para o motorista. Surpresa: é Sócrates, o cracaço da seleção brasileira de 1982. Os dois motoristas trocam aquele olhar levemente inquisidor, típico dos que estão presos num sinal de trânsito.

Sócrates já deveria estar acostumado com a cena: numa situação daquelas, quando o outro motorista o reconhecia, certamente o cumprimentava com um meneio da cabeça. É o que fiz. O sinal abriu, como na música de Paulinho da Viola. E lá se foi o “Doutor”. Naqueles tempos, ele jogava pelo Flamengo. Fiquei imaginando: se tivesse tido tempo de trocar duas palavras, teria perguntado por que diabos ele não tomou distância da bola naquela desgraçada disputa de pênaltis no jogo contra a França, na Copa do Mundo de 1986. Sócrates perdeu o pênalti. Por que diabos ele não conseguiu, no minuto final da prorrogação, alcançar a bola que passou a centímetros de distância de seus pés, na pequena área da França ? Ia ser um gol épico. Mas a batalha se perdeu. O Brasil foi eliminado pela França.


Minhas perguntas seriam inúteis. Não, se Sócrates tivesse chegado a tempo naquele lance dramático na pequena área da França ou se tivesse acertado o pé na disputa de pênaltis, a história seria outra. Mas a história não se faz com “se”. Se o capitão Sócrates tivesse levantado a taça na Copa do Mundo de 1982 ou se tivesse avançado para as finais da Copa de 1986, ah, Sócrates não seria Sócrates. Não teria caregado pelos tempos aquela bela aura de anti-herói. Quem disse que só os vencedores merecem as glórias ? Os que afundaram, afundam e afundarão no mar um dia haverão de ganhar uma faixa no peito. Porque os derrotados, os outsiders, os desperdiçados, os emudecidos são, em noventa por cento dos casos, mais interessantes que os intocáveis, os vitoriosos, os bem-sucedidos…

“Vocês já ouviram dizer/ que ganhar o dia é bom ?/Pois eu digo que é bom também perder : batalhas são perdidas/ com o mesmo espírito / com que são ganhas / Eu rufo e bato pelos mortos / e sopro nas minhas embocaduras/o que de mais alto e mais jubiloso posso por eles” – disse o poeta Walt Whitman, em “Folhas de Relva”.

Se tivesse vivido nestes tempos, Whitman poderia ter escrito sobre Sócrates, capitão de um barco naufragado.

Hoje é dia de lembrar o poeta Whitman, em homenagem ao Capitão que não levantou a taça na Copa de 1982 nem avançou para as fases finais da Copa de 1986:

Senhoras e senhores jurados, peço a palavra. Compareço espontaneamente a este tribunal, em nome de Carlos, Josimar, Júlio César, Edinho, Branco, Alemão, Sócrates, Júnior (Silas), Elzo, Muller (Zico) e Careca, para tentar corrigir uma injustiça histórica. Ainda é tempo.

Ouso perguntar: qual foi a Seleção Brasileira que passou quatro jogos (e meio) de uma Copa sem sofrer um gol sequer? Qual foi a Seleção que tinha, portanto, uma defesa intransponível? Qual foi a Seleção Brasileira que só se despediu de uma Copa porque tropeçou na “loteria dos pênaltis”? Excluídos os fanáticos, dificilmente alguém se lembrará – mas foi a Seleção de 1986, a Grande Injustiçada.

O senso de justiça obriga este advogado a proclamar: os brasileiros que pisaram no gramado do Jalisco, em Guadalajara, para combater o exército francês no dia 21 de junho de 1986 foram personagens de uma das mais emocionantes atuações de uma Seleção Brasileira numa Copa.

O videoteipe me socorre. Revejo as fitas da epopéia. Os minutos finais da prorrogação foram um daqueles momentos capazes de acelerar os batimentos cardíacos do mais estóico dos torcedores. Cometo a petulância de corrigir Nélson Rodrigues: não, o videoteipe não é burro. O videoteipe é a redenção da Grande Injustiçada, a Seleção de 1986, porque guardará para sempre a coleção de momentos arrebatadores daquela prorrogação. Ali, o futebol misturou drama, arte, alegria e sofrimento. Faltam três minutos para o fim da prorrogação. Placar: 1 a 1. A França avança num contra-ataque. Uma catástrofe brasileira começa a se desenhar: ninguém consegue deter Bellone – que dispara rumo ao gol. Ah, a épica solidão do artilheiro na hora fatal! O supergoleiro Carlos sai desesperado. Voa sobre Bellone. Consegue desequilibrar o candidato a carrasco. Elzo tira a bola da área.

Um segundo depois, o Brasil arma um contra-ataque que poderia ter decidido tudo. Exausto, o time avança como se fosse um afogado tentando o último suspiro. Careca faz um cruzamento, Sócrates corre para marcar o gol redentor. A bola passa a centímetros de seus pés. Não é exagero: centímetros. O gol estava escancarado. Bastaria um mísero toque. Eis a crueldade do futebol: a distância entre a glória e o esquecimento pode ser um átimo, uma fagulha, um milímetro. O jogo terminou 1 a 1. A França venceria por 4 a 3 a disputa de pênaltis.

Tenho também um motivo pessoal para escolher esse jogo. Fui testemunha auditiva de uma ovação inesquecível. Quando as câmeras mostraram Zico se levantando do banco de reservas para entrar em campo, a torcida que acompanhava o jogo, nas casas e apartamentos daquela rua da Tijuca, vibrou como se comemorasse um gol. Ouvi, claro e nítido, aquele rumor indescritível da torcida. Deve ser o que chamam de “a voz rouca das ruas”. Zico jamais soube daquela cena. Mas, a 8.000 quilômetros de distância do México, numa rua da Tijuca, meninos, eu ouvi: nunca a imagem de um jogador se levantando do banco de reservas mereceu tamanha ovação da torcida. Ah, essa paixão tão bonita, tão inútil – e tão brasileira. Por favor, esqueçam que Zico desperdiçou um pênalti.

Peço aos Senhores Jurados que absolvam a Seleção de 1986. Aquela prorrogação redime tudo. O final da prorrogação, por todos os motivos, foi inolvidável. Sim, inolvidável. Faço uma confissão: ainda menino, ouvi a palavra “inolvidável” pronunciada com pompa pelo locutor de um trailer de cinema. Corri ao dicionário. Sempre quis usá-la num texto. Tive de esperar décadas por uma chance. Acabo de satisfazer o desejo: uso “inolvidável” porque não me ocorre palavra melhor para descrever o desempenho da Grande Injustiçada de 1986 naqueles minutos dramáticos da prorrogação em Guadalajara.

Acorda, grande poeta Walt Whitman! Vem cantar conosco para os derrotados de todas as Copas: “Vivas àqueles que levaram a pior! E àqueles cujos navios de guerra afundaram no mar! E a todos os generais das estratégias perdidas! Foram todos heróis”.

PS: Uma das cenas mais bonitas e mais emocionantes dos últimos tempos: toda a torcida do Corinthians e todos os jogadores de punho erguido, no estádio, momentos antes do início do jogo decisivo. Era um gesto que Sócrates gostava de fazer quando marcava gols importantes.

(*) O artigo sobre Brasil x França, aqui reproduzido em negrito, foi publicado originalmente na revista Época, numa coluna sobre os jogos mais arrebatadores das Copas do Mundo.

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julho 28, 2011

UM CASO “EXEMPLAR” : QUEM DISSE QUE INTERNET É TERRA DE NINGUÉM ? QUEM DISSE QUE INTERNAUTAS PODEM PUBLICAR AGRESSÕES GRATUITAS ? A JUSTIÇA DIZ QUE NÃO!

Guardei silêncio durante dez meses sobre uma ofensa intolerável que me foi feita no Twitter, um dos territórios livres da Internet. Eu poderia sair atirando petardos virtuais contra quem me agrediu, mas preferi recorrer à Justiça. Queria criar um precedente que considero importante: não, ninguém pode usar a Internet ( nem que seja um mero tweet – uma frase de míseros 140 caracteres) para atacar os outros impunemente. Não pode. No pasarán !

A boa notícia é que a Justiça, afinal, se pronunciou – a meu favor. Respiro aliviado. Fiz a minha parte: queria provar que não, Internet não é lixeira. Se alguém escreve um absurdo ( não importa que seja numa página lida por três gatos pingados ) , deve responder por ele. Por que não ? Eu não poderia ficar calado.

Resolvi adotar como lema o verso bonito de “Consolo na Praia”, aquele poema de Carlos Drummond de Andrade : “À sombra do mundo errado, murmuraste um protesto tímido”. É o que tentei fazer – em 99% dos casos, sem qualquer resultado. Neste caso, ao murmurar meu “protesto tímido”, tentei, na verdade, defender o bom Jornalismo na selva da Internet. O bom Jornalismo ! Tão simples: é aquele que, entre outras virtudes, não comete calúnia nem injúria nem difamação. Diante do pronunciamento da Justiça, tive vontade de gritar: é gol ! O Jornalismo venceu.

Pequeno esclarecimento aos caríssimos ouvintes : ao contrário do que o grito de gol imaginário possa sugerir, minha relação com o Jornalismo é profundamente acidentada. Detalhes no final do texto (*)

O fato de me julgar um perfeito alienígena no Planeta Jornalismo não me impede de defender o Jornalismo na hora em que as tropas inimigas se aproximam. Bem ou mal, é a atividade que, já por tanto tempo, consome minhas parcas energias. Lá vou eu, então, para a Sala de Justiça.

A Internet é a maior invenção dos últimos séculos ? É provável que seja. Quem imaginaria a vida sem um terminal de computador ? Quase ninguém. Hoje, qualquer um pode criar, em um minuto, uma conta no Twitter ou no Facebook ou no Orkut ou num hospedeiro de blogs para se manifestar sobre o que bem entender. Em questão de segundos, qualquer texto, qualquer imagem, qualquer frase,qualquer pensamento podem ser replicados incontáveis vezes. Eis a oitava maravilha do mundo!

Em meio a tantas maravilhas, uma dúvida vibra no ar : que proteção existe contra o internauta que usa o Twitter, por exemplo, para atingir a honra alheia ? Agora, posso dizer: a Justiça. Há uma dificuldade: nem sempre é fácil localizar o autor da ofensa. A autoridade judiciária me disse – com razão – que a Justiça talvez não tenha como localizar e intimar um agressor que se esconde sob pseudônimo na imensa floresta da Internet. Se o autor é “encontrável”, pode acabar “nas barras dos tribunais”, como se dizia.

Em resumo: abri um processo por calúnia, injúria e difamação contra o autor de um comentário ofensivo publicado no Twitter. O que dizia o comentário estúpido ? Que eu simplesmente tinha “roubado” de um trabalho de conclusão de curso de alunos de Jornalismo as perguntas que fiz a Geraldo Vandré, o compositor que resolvera quebrar o silêncio depois de passar trinta e sete anos sem dar entrevista para TV. É óbvio que, diante da chance raríssima, fui – voando – ao encontro do enigmático Vandré. Que jornalista não teria a curiosidade de ouvir um grande nome que sumira do mapa por tanto tempo ? Mas a última coisa que eu faria, na vida, seria “roubar” perguntas de quem quer que seja.

A entrevista foi ao ar na Globonews, em setembro de 2010 ( aqui, o link para o vídeo completo: http://goo.gl/qp4v7 ). Diante da ofensa publicada no Twitter, parti para a briga. O juiz remeteu o processo ao Ministério Público. O passo seguinte: uma audiência preliminar no Quarto Juizado Especial Criminal, no Leblon, às 14:45 da terça-feira, vinte e seis de julho do ano da graça de 2011.

Não tinha sido difícil achar o autor da ofensa publicada no Twitter: é um jornalista que trabalha numa emissora de rádio importante de São Paulo. Imagino que tenha poucos anos de formado. Salvo algum desvio, deverá ter uma carreira pela frente. Vou, aqui, ter um gesto de “magnanimidade” que o autor da agressão não teve para comigo: não vou citar nomes, para não prejudicá-lo nem deixar rastros na Internet. Idem com a mulher que repetiu a ofensa e chamou a entrevista de “farsa” num comentário enviado a um site ( neste caso, a dificuldade citada pela autoridade judiciária se confirmou: não foi possível localizá-la). Também não vou citar, aqui, o nome desta pobre coitada. Tenho perfeita noção de como funciona este circo: qualquer referência que “caia na rede” virá sempre à tona a cada vez que alguém fizer uma busca no Google…

A citação dos nomes envolvidos no processo 0336624-21.2010.8.19.0001, em última instância, nem é indispensável. O que vale, neste caso, é o exemplo, a situação, a tentativa ( bem sucedida !) de abrir um precedente.

Chegou a hora da audiência. O sistema de alto-falantes do Quarto Juizado Especial Criminal chama os envolvidos no caso. Sou citado como vítima. Dentro da sala, o clima era de constrangimento absoluto. O autor da agressão no Twitter tinha vindo de São Paulo, acompanhado de um advogado : estava sentado do outro lado da mesa, diante de mim. Ao meu lado, estava o advogado Marcelo Alfradique.

Sem falsa modéstia, sou um orador que, num julgamento generoso, poderia se situar na tênue fronteira entre o ruim e o péssimo. Não me arriscaria a falar de improviso, mas não queria de maneira alguma perder a chance de marcar posição. Rabisquei, então, o que eu gostaria de dizer diante de uma autoridade da Justiça e de quem usou o Twitter para cometer uma agressão intolerável.

Pedi a palavra. Já engoli sapos monumentais, gigantescos, monstruosos ao longo da vida. Mas, ali, era hora de soltar os cachorros:

“Quero dizer que, para mim, o fato de estar aqui é constrangedor. É a primeira vez que processo alguém. Fiz questão absoluta de recorrer à Justiça porque somente a Justiça poderia dar uma lição que me parece indispensável : ninguém pode usar impunemente a Internet para escrever o que quiser e agredir a honra alheia. Uma das obrigações do jornalista é usar as palavras com toda precisão possível. Se escrevo que alguém “roubou” alguma coisa, eu o estou chamando de “ladrão”. Ponto. Quem comete uma farsa é um farsante. Ponto. Fui chamado – portanto – de ladrão e farsante pelo crime de ter feito uma entrevista com Geraldo Vandré! O caso é tão absurdo que nem vale a pena entrar em detalhes”.

“O que aconteceu ? Uma jornalista me enviou um trabalho de conclusão de curso sobre Geraldo Vandré. Meses depois, fui escalado, às pressas, na TV, para gravar uma entrevista com ele. A produtora Mariana Filgueiras conseguira marcar uma entrevista com Vandré, no dia em que ele completava setenta e cinco anos de idade. Eu nem tinha lido o trabalho enviado pela estudante, por pura falta de tempo. Todo o mérito da obtenção da entrevista com Vandré, aliás, cabe à produtora, algo que digo com toda clareza no texto do programa. A produtora, igualmente, não tinha lido o trabalho”.

“Quando a entrevista foi ao ar, na Globonews, fui acusado publicamente – ou seja: através da Internet – de ter “roubado” as perguntas do trabalho escolar que me fora enviado. Como se, depois de quase quarenta anos de profissão, eu precisasse recorrer a um trabalho escolar para fazer as perguntas de uma entrevista ! Comecei a trabalhar cedo, aos dezesseis anos de idade, em 1972. Perdi a conta das entrevistas que fiz – com presidentes da República, políticos, artistas, escritores, atletas, gente anônima e famosa, aqui e no exterior. Nunca – repito: nunca, jamais, em tempo algum – fui acusado de falta de ética ou de imprecisão ou de “roubar” o que quer que seja”.

“Não quero fazer bravatas. Mas agora, diante de uma autoridade, nesta sala de Justiça, quero declarar oficialmente o seguinte : se o autor da agressão provar que “roubei” perguntas seja de quem for, ao longo desses trinta e nove anos de profissão, eu assino um documento legal transferindo para ele tudo o que eu vier a receber como pagamento por minha atividade profissional de hoje até o fim da minha vida. Isso não é uma bravata. É um compromisso”.

“Fui chamado – em público – de ladrão e farsante. Fiquei em silêncio até agora. Não escrevi nada sobre o ataque porque preferi aguardar a palavra da Justiça. Se eu chamasse publicamente os autores da agressão de “ladrões da honra alheia”, estaria usando a mesmíssima arma que usaram contra mim, irresponsavelmente. Não”.

“Para ilustrar o absurdo da situação : em 2005, como editor-chefe da revista Almanaque Fantástico, publiquei uma reportagem sobre Geraldo Vandré, escrita por um colega de redação, Alberto Villas. Se eu quisesse cometer uma ignomínia igual à que foi cometida contra mim, eu poderia acusar os autores do trabalho de escolar de terem “roubado” a pauta da revista do Fantástico. Mas eu não seria tão estúpido”.

“Uma ofensa cometida na Internet se multiplica rapidamente. Depois da publicação da ofensa no Twitter, “x” – que não conheço – escreveu numa caixa de comentários de um site o seguinte: “Existe um livro do qual o repórter está de posse e do qual foram “sugadas” as perguntas”. Logo depois, um ex-cineasta chamado “x” insinuou, com ironia, que minha entrevista foi “inspirada” no trabalho dos alunos….Ou seja: repassaram a calúnia” ( aqui, omito nomes)

“Isso virou ponto de honra para mim ! Faço questão absoluta de que os autores da ofensa provem que sou ladrão de perguntas e farsante. O patrimônio profissional mais valioso que um jornalista pode obter é a credibilidade. Isso é conquistado em anos, anos e anos de trabalho duro e dedicação. É uma questão de caráter, também. Não posso aceitar, sob hipótese alguma, que algo conquistado com tanto esforço, com tantas madrugadas de trabalho, com tantos fins de semana – em que eu deveria estar convivendo com meus filhos - seja atacado de maneira tão irresponsável. Não, não e não. Não me interessam desculpas. Não, não e não. Não me interessam recompensas financeiras. Não, não e não. Se houver, que seja doada à escola mais necessitada do sertão do Piauí ou à creche mais pobre da Favela da Rocinha”.

“A única coisa que, sinceramente, espero é que a Justiça mostre, a todos os blogueiros, a todos os twitteiros, a todos os internautas – a mim, inclusive - que abusos deste tipo não podem ser cometidos, impunemente, via Internet – que corre o risco de virar Terra de Ninguém. Não, não e não”.

O autor da ofensa ouviu tudo calado. Não disse uma palavra sequer. Só deu uma “justificativa”, no início da audiência: disse que tinha escrito o tweet em “solidariedade” à amiga que me enviara o malfadado trabalho de conclusão de curso sobre Geraldo Vandré. A Justiça se pronunciou. Desta vez, quem recebeu solidariedade fui eu.

Uma alternativa me foi oferecida: se eu não quisesse dar o caso por encerrado ali, poderia levar o processo adiante, para a esfera criminal. Em suma: poderia pedir uma indenização pela injúria, pela calúnia, pela difamação. Preferi dar o caso por encerrado, porque, na prática, já tinha conseguido o que queria: uma demonstração de que, no território livre da Internet, ninguém pode escrever, impunemente, contra a honra alheia.

Pelo menos neste caso, pude ver que nem sempre a Internet nem sempre é terra de ninguém. Twitter não é lixeira : é um meio de comunicação importante. Idem com o Facebook, o Orkut, os blogs – e todas as outras plataformas. O que se escreve ali pode ter consequência. Devem ser usados, portanto, com responsabilidade.

Preferi não prolongar o trabalho que estava dando à Justiça – que, como se sabe, já vive sobrecarregada. Dei-me por satisfeito.

A autoridade determinou que o autor da ofensa no Twitter prestasse vinte horas de serviço comunitário numa das instituições cadastradas no Quarto Juizado Especial Criminal – ou então fizesse um pagamento que, a bem da verdade, me pareceu simbólico: seiscentos reais. O dinheiro é recolhido pela Justiça e repassado a uma das instituições habilitadas para receber a ajuda. Detalhe: nestes próximos cinco anos, caso reincida, o autor já não poderá dispor do benefício da “transação penal” ( ou seja: uma espécie de acordo que susta a evolução do processo, como aconteceu agora ).

Terminei mostrando que agressão infundada e gratuita – ainda que seja cometida no espaço ínfimo dos 140 caracteres de um tweet, numa página com poucos seguidores – pode levar o autor a enfrentar o constrangimento de ouvir, diante de uma autoridade, palavras que ele certamente não gostaria de ter ouvido. Se pudesse escolher, eu não gostaria de ter dito. Mas, ali, eu não tinha escolha. Era “ponto de honra” : eu confiava que a Justiça iria criar um precedente.

Atenção, todos os carros; atenção, twitteiros, facebookeiros, blogueiros, orkuteiros : a tribuna da Internet é livre, mas, quando forem escrever, meçam as palavras, como fazem jornalistas responsáveis. Ou então tratem de ir preparando os cheques : as instituições de caridade cadastradas na Justiça vão agradecer penhoradamente a ajuda, ainda que forçada.

—————–

(*) Ah, sim: como eu ia dizendo antes de ser interrompido pela narração de minha incursão pelos corredores da Justiça, minha relação com esta joça popularmente conhecida como Jornalismo é acidentada. Meu demônio da guarda me sopra de meia em meia hora, ao pé do meu ouvido esquerdo : “Get out ! Get Out ! Get out ! Bata em retirada! Baixe a cortina! O Jornalismo não é , nem de longe, o que você pensava quando chegou numa redação aos dezesseis anos de idade ! Você era um inocente imberbe, achava que fazer Jornalismo era simplesmente contar da maneira mais atraente possível o que você tinha visto e ouvido na rua, era descobrir personagens fascinantes que ninguém conhecia, era se esforçar para fazer as perguntas certas na hora certa a anônimos ou famosos, era tentar retratar da maneira mais fiel a Grande Marcha dos Acontecimentos, era olhar a vida como se fosse uma criança que estivesse vendo tudo pela primeira vez, era devorar todos os jornais e revistas que lhe caíam nas mãos para aprender com quem sabia fazer, era não deixar jamais que o veneno do engajamento político contaminasse o exercício da profissão, era ler e reler os textos dos mestres, era ter a certeza de que não existe assunto desinteressante: o que existe é jornalista desinteressado. Quá-quá-quá ! Deixe de ser estupidamente ingênuo! Jornalistas de verdade jogam notícia no lixo; criam dificuldade para tudo; apostam na mesmice mais cinzenta; deixam de publicar uma história interessante porque “a concorrência já deu”; fazem Jornalismo pensando nos outros jornalistas, não no público; pontificam sobre todos os temas do Universo; participam de campeonatos de vaidade; escorregam na autorreferência obssessiva, na pretensão descabida, no egocentrismo delirante, no exibicionismo vulgar. Os jornalistas estúpidos, feito você, acham que é tudo um absurdo indefensável. Para que, então, prolongar este equívoco ? Get out ! Get out! Get out ! Mas você não me obedece. Você, bobo, tenta preservar os sinais vitais do menino ingênuo que, lá atrás, apostou no Jornalismo. Você sabe que a tentativa é rigorosamente inútil, mas é a única coisa a fazer. Continue tentando, então. Pode ser divertido ! ” . Depois de me soprar estas palavras, num ritual que se repete há anos, meu Demônio da Guarda se recolhe, sorridente, porque tem certeza de uma coisa : quase nunca eu o obedeço, mas, no fundo, sei que ele tem toda razão )

Posted by geneton at 03:04 AM

UM CASO “EXEMPLAR” : QUEM DISSE QUE INTERNET É TERRA DE NINGUÉM ? QUEM DISSE QUE INTERNAUTAS PODEM PUBLICAR AGRESSÕES GRATUITAS ? A JUSTIÇA DIZ QUE NÃO!

Guardei silêncio durante dez meses sobre uma ofensa intolerável que me foi feita no Twitter, um dos territórios livres da Internet. Eu poderia sair atirando petardos virtuais contra quem me agrediu, mas preferi recorrer à Justiça. Queria criar um precedente que considero importante: não, ninguém pode usar a Internet ( nem que seja um mero tweet – uma frase de míseros 140 caracteres) para atacar os outros impunemente. Não pode. No pasarán !

A boa notícia é que a Justiça, afinal, se pronunciou – a meu favor. Respiro aliviado. Fiz a minha parte: queria provar que não, Internet não é lixeira. Se alguém escreve um absurdo ( não importa que seja numa página lida por três gatos pingados ) , deve responder por ele. Por que não ? Eu não poderia ficar calado.

Resolvi adotar como lema o verso bonito de “Consolo na Praia”, aquele poema de Carlos Drummond de Andrade : “À sombra do mundo errado, murmuraste um protesto tímido”. É o que tentei fazer – em 99% dos casos, sem qualquer resultado. Neste caso, ao murmurar meu “protesto tímido”, tentei, na verdade, defender o bom Jornalismo na selva da Internet. O bom Jornalismo ! Tão simples: é aquele que, entre outras virtudes, não comete calúnia nem injúria nem difamação. Diante do pronunciamento da Justiça, tive vontade de gritar: é gol ! O Jornalismo venceu.

Pequeno esclarecimento aos caríssimos ouvintes : ao contrário do que o grito de gol imaginário possa sugerir, minha relação com o Jornalismo é profundamente acidentada. Detalhes no final do texto (*)

O fato de me julgar um perfeito alienígena no Planeta Jornalismo não me impede de defender o Jornalismo na hora em que as tropas inimigas se aproximam. Bem ou mal, é a atividade que, já por tanto tempo, consome minhas parcas energias. Lá vou eu, então, para a Sala de Justiça.

A Internet é a maior invenção dos últimos séculos ? É provável que seja. Quem imaginaria a vida sem um terminal de computador ? Quase ninguém. Hoje, qualquer um pode criar, em um minuto, uma conta no Twitter ou no Facebook ou no Orkut ou num hospedeiro de blogs para se manifestar sobre o que bem entender. Em questão de segundos, qualquer texto, qualquer imagem, qualquer frase,qualquer pensamento podem ser replicados incontáveis vezes. Eis a oitava maravilha do mundo!

Em meio a tantas maravilhas, uma dúvida vibra no ar : que proteção existe contra o internauta que usa o Twitter, por exemplo, para atingir a honra alheia ? Agora, posso dizer: a Justiça. Há uma dificuldade: nem sempre é fácil localizar o autor da ofensa. A autoridade judiciária me disse – com razão – que a Justiça talvez não tenha como localizar e intimar um agressor que se esconde sob pseudônimo na imensa floresta da Internet. Se o autor é “encontrável”, pode acabar “nas barras dos tribunais”, como se dizia.

Em resumo: abri um processo por calúnia, injúria e difamação contra o autor de um comentário ofensivo publicado no Twitter. O que dizia o comentário estúpido ? Que eu simplesmente tinha “roubado” de um trabalho de conclusão de curso de alunos de Jornalismo as perguntas que fiz a Geraldo Vandré, o compositor que resolvera quebrar o silêncio depois de passar trinta e sete anos sem dar entrevista para TV. É óbvio que, diante da chance raríssima, fui – voando – ao encontro do enigmático Vandré. Que jornalista não teria a curiosidade de ouvir um grande nome que sumira do mapa por tanto tempo ? Mas a última coisa que eu faria, na vida, seria “roubar” perguntas de quem quer que seja.

A entrevista foi ao ar na Globonews, em setembro de 2010 ( aqui, o link para o vídeo completo: http://goo.gl/qp4v7 ). Diante da ofensa publicada no Twitter, parti para a briga. O juiz remeteu o processo ao Ministério Público. O passo seguinte: uma audiência preliminar no Quarto Juizado Especial Criminal, no Leblon, às 14:45 da terça-feira, vinte e seis de julho do ano da graça de 2011.

Não tinha sido difícil achar o autor da ofensa publicada no Twitter: é um jornalista que trabalha numa emissora de rádio importante de São Paulo. Imagino que tenha poucos anos de formado. Salvo algum desvio, deverá ter uma carreira pela frente. Vou, aqui, ter um gesto de “magnanimidade” que o autor da agressão não teve para comigo: não vou citar nomes, para não prejudicá-lo nem deixar rastros na Internet. Idem com a mulher que repetiu a ofensa e chamou a entrevista de “farsa” num comentário enviado a um site ( neste caso, a dificuldade citada pela autoridade judiciária se confirmou: não foi possível localizá-la). Também não vou citar, aqui, o nome desta pobre coitada. Tenho perfeita noção de como funciona este circo: qualquer referência que “caia na rede” virá sempre à tona a cada vez que alguém fizer uma busca no Google…

A citação dos nomes envolvidos no processo 0336624-21.2010.8.19.0001, em última instância, nem é indispensável. O que vale, neste caso, é o exemplo, a situação, a tentativa ( bem sucedida !) de abrir um precedente.

Chegou a hora da audiência. O sistema de alto-falantes do Quarto Juizado Especial Criminal chama os envolvidos no caso. Sou citado como vítima. Dentro da sala, o clima era de constrangimento absoluto. O autor da agressão no Twitter tinha vindo de São Paulo, acompanhado de um advogado : estava sentado do outro lado da mesa, diante de mim. Ao meu lado, estava o advogado Marcelo Alfradique.

Sem falsa modéstia, sou um orador que, num julgamento generoso, poderia se situar na tênue fronteira entre o ruim e o péssimo. Não me arriscaria a falar de improviso, mas não queria de maneira alguma perder a chance de marcar posição. Rabisquei, então, o que eu gostaria de dizer diante de uma autoridade da Justiça e de quem usou o Twitter para cometer uma agressão intolerável.

Pedi a palavra. Já engoli sapos monumentais, gigantescos, monstruosos ao longo da vida. Mas, ali, era hora de soltar os cachorros:

“Quero dizer que, para mim, o fato de estar aqui é constrangedor. É a primeira vez que processo alguém. Fiz questão absoluta de recorrer à Justiça porque somente a Justiça poderia dar uma lição que me parece indispensável : ninguém pode usar impunemente a Internet para escrever o que quiser e agredir a honra alheia. Uma das obrigações do jornalista é usar as palavras com toda precisão possível. Se escrevo que alguém “roubou” alguma coisa, eu o estou chamando de “ladrão”. Ponto. Quem comete uma farsa é um farsante. Ponto. Fui chamado – portanto – de ladrão e farsante pelo crime de ter feito uma entrevista com Geraldo Vandré! O caso é tão absurdo que nem vale a pena entrar em detalhes”.

“O que aconteceu ? Uma jornalista me enviou um trabalho de conclusão de curso sobre Geraldo Vandré. Meses depois, fui escalado, às pressas, na TV, para gravar uma entrevista com ele. A produtora Mariana Filgueiras conseguira marcar uma entrevista com Vandré, no dia em que ele completava setenta e cinco anos de idade. Eu nem tinha lido o trabalho enviado pela estudante, por pura falta de tempo. Todo o mérito da obtenção da entrevista com Vandré, aliás, cabe à produtora, algo que digo com toda clareza no texto do programa. A produtora, igualmente, não tinha lido o trabalho”.

“Quando a entrevista foi ao ar, na Globonews, fui acusado publicamente – ou seja: através da Internet – de ter “roubado” as perguntas do trabalho escolar que me fora enviado. Como se, depois de quase quarenta anos de profissão, eu precisasse recorrer a um trabalho escolar para fazer as perguntas de uma entrevista ! Comecei a trabalhar cedo, aos dezesseis anos de idade, em 1972. Perdi a conta das entrevistas que fiz – com presidentes da República, políticos, artistas, escritores, atletas, gente anônima e famosa, aqui e no exterior. Nunca – repito: nunca, jamais, em tempo algum – fui acusado de falta de ética ou de imprecisão ou de “roubar” o que quer que seja”.

“Não quero fazer bravatas. Mas agora, diante de uma autoridade, nesta sala de Justiça, quero declarar oficialmente o seguinte : se o autor da agressão provar que “roubei” perguntas seja de quem for, ao longo desses trinta e nove anos de profissão, eu assino um documento legal transferindo para ele tudo o que eu vier a receber como pagamento por minha atividade profissional de hoje até o fim da minha vida. Isso não é uma bravata. É um compromisso”.

“Fui chamado – em público – de ladrão e farsante. Fiquei em silêncio até agora. Não escrevi nada sobre o ataque porque preferi aguardar a palavra da Justiça. Se eu chamasse publicamente os autores da agressão de “ladrões da honra alheia”, estaria usando a mesmíssima arma que usaram contra mim, irresponsavelmente. Não”.

“Para ilustrar o absurdo da situação : em 2005, como editor-chefe da revista Almanaque Fantástico, publiquei uma reportagem sobre Geraldo Vandré, escrita por um colega de redação, Alberto Villas. Se eu quisesse cometer uma ignomínia igual à que foi cometida contra mim, eu poderia acusar os autores do trabalho de escolar de terem “roubado” a pauta da revista do Fantástico. Mas eu não seria tão estúpido”.

“Uma ofensa cometida na Internet se multiplica rapidamente. Depois da publicação da ofensa no Twitter, “x” – que não conheço – escreveu numa caixa de comentários de um site o seguinte: “Existe um livro do qual o repórter está de posse e do qual foram “sugadas” as perguntas”. Logo depois, um ex-cineasta chamado “x” insinuou, com ironia, que minha entrevista foi “inspirada” no trabalho dos alunos….Ou seja: repassaram a calúnia” ( aqui, omito nomes)

“Isso virou ponto de honra para mim ! Faço questão absoluta de que os autores da ofensa provem que sou ladrão de perguntas e farsante. O patrimônio profissional mais valioso que um jornalista pode obter é a credibilidade. Isso é conquistado em anos, anos e anos de trabalho duro e dedicação. É uma questão de caráter, também. Não posso aceitar, sob hipótese alguma, que algo conquistado com tanto esforço, com tantas madrugadas de trabalho, com tantos fins de semana – em que eu deveria estar convivendo com meus filhos - seja atacado de maneira tão irresponsável. Não, não e não. Não me interessam desculpas. Não, não e não. Não me interessam recompensas financeiras. Não, não e não. Se houver, que seja doada à escola mais necessitada do sertão do Piauí ou à creche mais pobre da Favela da Rocinha”.

“A única coisa que, sinceramente, espero é que a Justiça mostre, a todos os blogueiros, a todos os twitteiros, a todos os internautas – a mim, inclusive - que abusos deste tipo não podem ser cometidos, impunemente, via Internet – que corre o risco de virar Terra de Ninguém. Não, não e não”.

O autor da ofensa ouviu tudo calado. Não disse uma palavra sequer. Só deu uma “justificativa”, no início da audiência: disse que tinha escrito o tweet em “solidariedade” à amiga que me enviara o malfadado trabalho de conclusão de curso sobre Geraldo Vandré. A Justiça se pronunciou. Desta vez, quem recebeu solidariedade fui eu.

Uma alternativa me foi oferecida: se eu não quisesse dar o caso por encerrado ali, poderia levar o processo adiante, para a esfera criminal. Em suma: poderia pedir uma indenização pela injúria, pela calúnia, pela difamação. Preferi dar o caso por encerrado, porque, na prática, já tinha conseguido o que queria: uma demonstração de que, no território livre da Internet, ninguém pode escrever, impunemente, contra a honra alheia.

Pelo menos neste caso, pude ver que nem sempre a Internet nem sempre é terra de ninguém. Twitter não é lixeira : é um meio de comunicação importante. Idem com o Facebook, o Orkut, os blogs – e todas as outras plataformas. O que se escreve ali pode ter consequência. Devem ser usados, portanto, com responsabilidade.

Preferi não prolongar o trabalho que estava dando à Justiça – que, como se sabe, já vive sobrecarregada. Dei-me por satisfeito.

A autoridade determinou que o autor da ofensa no Twitter prestasse vinte horas de serviço comunitário numa das instituições cadastradas no Quarto Juizado Especial Criminal – ou então fizesse um pagamento que, a bem da verdade, me pareceu simbólico: seiscentos reais. O dinheiro é recolhido pela Justiça e repassado a uma das instituições habilitadas para receber a ajuda. Detalhe: nestes próximos cinco anos, caso reincida, o autor já não poderá dispor do benefício da “transação penal” ( ou seja: uma espécie de acordo que susta a evolução do processo, como aconteceu agora ).

Terminei mostrando que agressão infundada e gratuita – ainda que seja cometida no espaço ínfimo dos 140 caracteres de um tweet, numa página com poucos seguidores – pode levar o autor a enfrentar o constrangimento de ouvir, diante de uma autoridade, palavras que ele certamente não gostaria de ter ouvido. Se pudesse escolher, eu não gostaria de ter dito. Mas, ali, eu não tinha escolha. Era “ponto de honra” : eu confiava que a Justiça iria criar um precedente.

Atenção, todos os carros; atenção, twitteiros, facebookeiros, blogueiros, orkuteiros : a tribuna da Internet é livre, mas, quando forem escrever, meçam as palavras, como fazem jornalistas responsáveis. Ou então tratem de ir preparando os cheques : as instituições de caridade cadastradas na Justiça vão agradecer penhoradamente a ajuda, ainda que forçada.

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(*) Ah, sim: como eu ia dizendo antes de ser interrompido pela narração de minha incursão pelos corredores da Justiça, minha relação com esta joça popularmente conhecida como Jornalismo é acidentada. Meu demônio da guarda me sopra de meia em meia hora, ao pé do meu ouvido esquerdo : “Get out ! Get Out ! Get out ! Bata em retirada! Baixe a cortina! O Jornalismo não é , nem de longe, o que você pensava quando chegou numa redação aos dezesseis anos de idade ! Você era um inocente imberbe, achava que fazer Jornalismo era simplesmente contar da maneira mais atraente possível o que você tinha visto e ouvido na rua, era descobrir personagens fascinantes que ninguém conhecia, era se esforçar para fazer as perguntas certas na hora certa a anônimos ou famosos, era tentar retratar da maneira mais fiel a Grande Marcha dos Acontecimentos, era olhar a vida como se fosse uma criança que estivesse vendo tudo pela primeira vez, era devorar todos os jornais e revistas que lhe caíam nas mãos para aprender com quem sabia fazer, era não deixar jamais que o veneno do engajamento político contaminasse o exercício da profissão, era ler e reler os textos dos mestres, era ter a certeza de que não existe assunto desinteressante: o que existe é jornalista desinteressado. Quá-quá-quá ! Deixe de ser estupidamente ingênuo! Jornalistas de verdade jogam notícia no lixo; criam dificuldade para tudo; apostam na mesmice mais cinzenta; deixam de publicar uma história interessante porque “a concorrência já deu”; fazem Jornalismo pensando nos outros jornalistas, não no público; pontificam sobre todos os temas do Universo; participam de campeonatos de vaidade; escorregam na autorreferência obssessiva, na pretensão descabida, no egocentrismo delirante, no exibicionismo vulgar. Os jornalistas estúpidos, feito você, acham que é tudo um absurdo indefensável. Para que, então, prolongar este equívoco ? Get out ! Get out! Get out ! Mas você não me obedece. Você, bobo, tenta preservar os sinais vitais do menino ingênuo que, lá atrás, apostou no Jornalismo. Você sabe que a tentativa é rigorosamente inútil, mas é a única coisa a fazer. Continue tentando, então. Pode ser divertido ! ” . Depois de me soprar estas palavras, num ritual que se repete há anos, meu Demônio da Guarda se recolhe, sorridente, porque tem certeza de uma coisa : quase nunca eu o obedeço, mas, no fundo, sei que ele tem toda razão )

Posted by geneton at 03:04 AM

março 03, 2011

ATENÇÃO, SENHORES DEPUTADOS : É HORA DE FAZER HISTÓRIA, EM NOME DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. JOGUEM NO LIXO O PODER ABSURDO DADO A BIOGRAFADOS ( E HERDEIROS!)

Avante, ó vítimas da intolerância e do obscurantismo : nós, leitores proibidos de ler biografias que nem foram escritas…

Estão em tramitação na Câmara dos Deputados dois projetos de lei que acabam com uma excrescência brasileira : um artigo do Código Civil que dá, a biografados ou a seus herdeiros (!), o absurdo poder de vetar a publicação de biografias não-autorizadas.

Não há outra palavra : quem teve a brilhante ideia de introduzir este artigo no Código Civil deveria receber, por unanimidade, o Oscar da Estupidez. Porque o artigo que transforma herdeiros e biografados em pequenos ditadores é um atentado absurdo à liberdade de expressão. O Brasil é o único país democrático do mundo em que herdeiro (ou biografado) pode fazer, impunemente, o papel de censor nazista. Lixo,lixo, lixo.

Nem há o que discutir : em qualquer país civilizado do mundo (e, certamente, até em republiquetas que, ao contrário do Brasil, não toleram tais abusos), as prateleiras das livrarias estão abarrotadas de biografias não-autorizadas de personalidades públicas. Não é “força de expressão” : as prateleiras estão abarrotadas. Quem por acaso se julgar prejudicado por alguma informação publicada em tais biografias recorre ao mais óbvio dos instrumentos: a Justiça. É o bê-a-bá da civilização. Sempre foi assim. É tão simples e tão cristalino.

Mas é claro que o Brasil teria de destoar : aqui, qualquer biografado ou herdeiro de uma figura pública pode pedir a proibição de um livro, amparados nos argumentos mais esdrúxulos. Eis uma aberração indefensável. Chegou a hora de devolver esta excrescência ao lugar de onde ela jamais deveria ter saído: a lata de lixo.

É impossível calcular o prejuízo que o artigo estúpido já causou à cultura , ao jornalismo e à memória brasileira : há “n” casos de editoras ( e autores ) que simplesmente desistiram de levar adiante projetos de biografias porque não iriam correr o risco de investir tempo, trabalho e pesquisa num trabalho que poderia ser embargado por um herdeiro de mau humor ou um biografado temperamental. Ou seja: há livros, livros e livros que deixaram de ser publicados.

Agora, finalmente, a Câmara dos Deputados, palco de tantos escândalos e tantos absurdos, ganha uma grande chance de prestar um serviço histórico ao país : jogar no lixo – de uma vez por todas – o poder estapafúrdio que foi dado a biografados e a herdeiros. O Brasil não pode ter leis de republiqueta bananeira.

A liberdade de expressão ( e, igualmente, o respeito aos direitos alheios) são valores intocáveis. Os dois – tanto a liberdade de expressão dos biógrafos quanto os direitos dos biografados – podem, devem e haverão de coexistir sem qualquer problema. Por que não ? É assim no mundo civilizado. Por que não poderia ser no Brasil ? O que é incompatível com a democracia é a existência de um artigo porco que transforma biografados e herdeiros em pequenos policiais, donos de um indefensável poder de veto. “No pasarán”. Os tempos de censura prévia já acabaram !

Os autores dos projetos que acabam com a violência são a deputada Manuela D´Ávila (PC do B)e o deputado Newton Lima (PT). Palmas para os dois. A deputada desarquivou um projeto que, originalmente, tinha sido apresentado por Antonio Palocci,0 atual ministro-chefe da Casa Civil. O projeto que acaba com a censura chegou a obter parecer favorável do relator, o hoje ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, mas acabou engavetado, por uma desses mistérios dos bastidores do parlamento.

Os leitores estão perdendo a chance de se informar. As editoras estão deixando de publicar livros importantes. Os biógrafos estão desistindo por antecipação de produzir obras que, com certeza, contribuiriam para a memória brasileira. Chegou a hora de estancar esta sangria.

É hora de entupir as caixas de e-mails dos senhores parlamentares com apelos maciços em favor da liberdade de expressão.

Atenção, deputados de todos os partidos : não é possível que a Câmara dos Deputados vá desperdiçar a grande chance de corrigir um absurdo que transforma o Brasil em motivo piada.

Não quero parecer pomposo ou “panfletário” , mas, se quiserem honrar de verdade os votos que receberam dos eleitores, os deputados haverão de votar pela derrubada da censura.

Chega ! Basta! Fora ! Ao lixo o que é do lixo !

Posted by geneton at 12:05 PM

março 02, 2011

A CENA QUE DEMOROU 79 ANOS PARA ACONTECER SÓ DUROU QUARENTA SEGUNDOS, NUMA MANHÃ DE VERÃO EM MOSCOU (OU: O DIA EM QUE UM MUNDO DESABOU, NÃO COM UM ESTRONDO, MAS COM UM SILÊNCIO ENIGMÁTICO)

Mikail Gorbachev completa oitenta anos de idade neste início de março de 2011. Faz parte da história do Século XX. Eis um relato do dia em que este repórter teve a chance (rara!) de ver a História acontecendo : pela primeira vez, a Rússia fazia uma eleição direta para eleger um presidente. Numa cena que, em outras épocas, seria catalogada como absurda e improvável, um ex-líder da União Soviética disputava uma eleição direta. O ano era 1996. Vi a última cena da glasnost (a abertura política) acontecer a, literalmente, um passo de onde eu estava: o momento em que Gorbachev entrou na cabine para votar. O que vi e ouvi (*) :

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Mikail Gorbachev: Dia D em Moscou (ao lado, o locutor-que-vos-fala)

Chega o grande dia. Moscou assiste a uma cena jornalisticamente improvável . As pesquisas apontam como campeões de votos o comunista arrependido Boris Yeltsin e o comunista renitente Gennady Ziuganov. Mas para onde correm os repórteres ? Que Yeltsin que nada. Que Ziuganov que nada. Todos querem testemunhar um pequeno gesto que carrega um imenso peso simbólico : o instante em que o último líder da já extinta União Soviética – Mikail Gorbatchev – se encaminhará para a cabine de votação. Quando Gorbachev depositar o voto na urna, um longo, tumultuado e surpreendente processo estará concluído.

Meninos, eu vi. Mikhail Gorbachev, o estadista que provavelmente será lembrado daqui a cem anos por ter iniciado a abertura da cortina de ferro comunista para a democracia, foi personagem de uma cena histórica no início da tarde de um domingo, um dia de céu azul em Moscou : era exatamente meio-dia e quarenta e nove minutos quando Gorbachev, candidato a presidente, caminhou em direção a uma urna eletrônica instalada numa sala do primeiro andar do Instituto de Química e Física da Academia de Ciências da Rússia, num bairro chamado Colina dos Rouxinóis.

A cena que demorou setenta e nove anos para acontecer durou apenas quarenta e cinco segundos - tempo que Mikail Gorbachev precisou para cumprir o ritual do voto na cabine. Quem estava naquela sala do Instituto de Química testemunhou uma cena inédita : jamais um líder máximo da União Soviética participou de uma eleição direta. Nenhum dos antecessores de Gorbatchev no comando do hoje extinto império soviético (Lenin, Stalin, Kruschev, Brejnev, Andropov e Tchernenko) encarou o teste das urnas.

Sobriamente vestido, com um paletó escuro e uma camisa azul-clara, acompanhado pela mulher, Raisa Gorbachev, o homem que chamou a atenção do mundo para a glasnost exibia um sorriso protocolar de candidato quando chegou ao Instituto de Física e Química. Antes de depositar o voto na urna, posou para os fotógrafos, com ar confiante de quem espera um milagre — mas, no íntimo, certamente sabia que eleição não se ganha com milagre, mas com voto. A campanha se encerrara. Já não haveria tempo para operar o milagre da multiplicação dos votos.

Todos os levantamentos indicavam que os votos de Gorbachev eram extremamente escassos na Rússia pós-soviética. Ficam em torno de um por cento – um vexame eleitoral. Admirado no exterior como estadista, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, eleito pela revista Time como “o homem da década”, Mikhail Gorbachev virou sinônimo de candidato impopular. A maioria do eleitorado joga sobre os ombros de Gorbachev a culpa pelo colapso da União Soviética e pela condução de reformas econômicas que afundaram o país numa crise.

A História pode ser impopular, como agora, mas atrai todas as atenções. Quando finalmente entra na sala de votação, Gorbachev – um dirigente que quebrou a tradição de carrancas no Kremlin – exibe um ar sisudo. Deixou lá fora o sorriso protocolar. Não há traços daquele rosto jovial que, para espanto dos seguranças , sorria para fãs nas ruas de Nova Iorque durante uma visita aos Estados Unidos, como se fosse um improvável popstar.

O Gorbachev que agora caminha rumo à cabine de votação é outro homem. Era como se, por um instante, o peso do iminente naufrágio eleitoral fosse maior do que a certeza de que um ciclo histórico se fechava ali. Ou como se o último capítulo de uma saga prenunciasse novos dramas. A ex-primeira-dama acompanha, discreta, a caminhada de Gorbachev em direção à cabine. O ex-homem-forte da URSS traz um fotógrafo à tiracolo – aparentemente,encarregado de registrar para a posteridade os passos públicos do chefe,como se já não houvesse uma miríade de objetivas apontadas para o homem.

O alvoroço é inevitável. Cinegrafistas e fotógrafos levantam a voz. Raísa assiste a tudo, impassível. Já perdeu a conta de quantas vezes assistiu ao ritual selvagem de fotógrafos e cinegrafistas disputando espaço físico em busca de um bom ângulo. Gorbachev deposita o voto na urna em câmera lenta, para não frustrar os caçadores de imagens. Ao fundo,com uma folha de papel na mão esquerda, Raísa Gorbachev testemunha a cena ao lado do fotógrafo particular do homem.

Sou um intruso em meio aos fotógrafos. Por ter chegado ao lugar da votação com duas horas de antecedência, me transformo em posseiro de um posto de observação privilegiado : instalo-me a dois passos da cabine de votação com minha máquina fotográfica e meu gravador (quem sabe se, num acesso de generosidade,o homem não brindaria tantos repórteres impertinentes com uma declaração histórica ?).

Aos poucos, cinegrafistas, fotógrafos e repórteres vão ocupando cada centímetro quadrado disponível da sala. Ganho uma recompensa : fotógrafo improvisado, tenho a chance de captar uma imagem histórica – o exato instante em que,pela primeira vez na História, um ex-dirigente máximo da União Soviética vota numa eleição direta. É o último gesto da glasnost – o surpreendente e acidentado processo de abertura política.

Quando Gorbachev sai da sala, é abordado por repórteres que disputam no grito o privilégio de uma declaração. Mas ele parece não querer perturbar os trabalhos da seção eleitoral. Faz de conta que não ouve as perguntas feitas em inglês. Perdida em meio ao alvoroço dos jornalistas internacionais,há uma pequena troupe de jornalistas brasileiros – formada por Francisco Câmpera (livre-atirador disposto a cavar notícias na Moscou),Cláudia Varejão (enviada especial do serviço brasileiro da BBC de Londres),Gustavo Moraes(tradutor onipresente) e pelo locutor-que-vos fala.

Diz a lenda que Gorbachev é perfeitamente capaz de responder a perguntas em inglês,mas faz questão absoluta de falar russo quando responde a indagações de forasteiros. Pergunto – em inglês – quem ele vai apoiar no segundo turno. Gorbachev pede, com um gesto, um tradutor. Já do lado de fora do prédio da Escola de Química, diante de uma grossa coluna branca, Gorbachev finalmente faz uma parada estratégica para atender aos jornalistas, sob o sol forte do verão moscovita, ao lado de seguranças que dirigem olhares inquisidores a quem se aproxima da estrela máxima. Raísa Gorbachev abre uma sombrinha para se proteger do sol.

Em meio ao tumulto formado pelo empurra-empurra de fotógrafos, repórteres, cinegrafistas e seguranças, consigo me aproximar do homem. Pergunto se ele vai ficar na oposição de qualquer maneira, qualquer que seja o vencedor da eleição — Boris Yeltsin ou o comunista Zyuganov. Sempre falando em russo, Gorbachev dá uma resposta de candidato: “Se eu passar para o segundo turno, vou ganhar, sem dúvida nenhuma. Por que é então que a gente vai falar de oposição agora? Isso fica para depois!”.

Adiante, deixa de lado o papel de candidato para reassumir as funções de estadista:

– A realização destas eleições significa que já obtive uma vitória !. Porque fui eu que propus as eleições neste país.

Os repórteres seriam brindados com frases épicas, apropriadas para a ocasião. O homem que mudou o curso da história do século XX enfrentava com estoicismo a iminência de um naufrágio eleitoral :

- A primeira vitória eu já obtive: é a realização das eleições. Uma batalha só é considerada perdida quando o próprio comandante renuncia a ela.

– Nada pode me humilhar - nem as pesquisas, nem o poder. Nenhuma força pode humilhar um homem se ele se sente confiante, mantém a dignidade e a defende. Vocês têm diante de si um homem assim.

A muralha de cinegrafistas,fotógrafos e repórteres impede que Gorbachev avance. O homem que, naquele instante, simbolicamente dava por encerrada a revolução da glanost faz uma nova pausa na caminhada para falar aos jornalistas. Eis as palavras que Gorbatchev diz àquele punhado de jornalistas russos e estrangeiros,transformados em “testemunhas oculares da História” .Meu velho gravador guarda para a posteridade a voz firme do último líder soviético :

- “As reformas feitas na Rússia (sob o governo de Yeltsin) visam aos interesses de uma minoria. Minha Fundação acredita que sejam dez a doze por cento da população. Todas as outras faixas tiveram perdas. Cinqüenta por cento estão na linha de pobreza – ou abaixo. O meu programa quer desenvolver reformas para a maioria. Se não for assim, não superaremos o abismo profundo. Temos que fazer tudo para que, por meio de uma nova política e reformas, a população sinta que alguma coisa mudará. Mas o ponto principal é pôr em ordem o poder, com urgência. Sem isso não podemos fazer nada, nem desenvolver as reformas para a maioria dos russos”.

Se perdesse a eleição – o que acabaria acontecendo – quem Gorbatchev gostaria de ver no poder ?

– “De todos os pretendentes, não vejo nenhum que nesta época difícil fosse capaz de solucionar a situação sem aprofundar as divisões na Rússia. Aqueles que estão hoje no Governo já passaram por tudo : pelo sangue e pelas reformas cínicas. Não posso confiar. Durante muito tempo, estudei a situação do Partido Comunista da Rússia. Observei o grupo de Ziuganov. Pergunto : o PCR, a exemplo dos partidos da Europa Oriental e Central que já passaram por renovação, pode assumir esta responsabilidade? Para mim, essa é uma questão importante. A resposta interessa não a apenas à Rússia,mas a mim, pessoalmente”.

“O poeta Tiutchev tem razão : a Rússia não pode ser medida com uma só medida”.

“Tive poucos recursos – menos do que todos os outros candidatos. Mas vejo que as pessoas querem mudanças”.

Adiante,Gorbatchev dá uma resposta bem humorada sobre que candidato ele apoiaria no segundo turno :

– “Depende do demônio que lá estiver”.

- “Boris Nikolaievitch Yeltsin não perdeu a cabeça. Enquanto o presidente defendia as eleições presidenciais, assessores aconselhavam : “Não, Boris Nikolaievitch ! Para que realizar eleições ? Vamos sentar e dividir a mala !” . Viu só que democratas ? Ainda assim, levou o país até as eleições. Trabalhou como um Presidente deve”.

Termina a entrevista improvisada. Os repórteres se dispersam. Cinegrafistas recolhem suas câmeras. Fotógrafos e repórteres voltam aos carros de reportagem . Insisto em seguir – a uma pequena distância – os passos de Gorbatchev. Quero testemunhar até o fim a aparição pública do homem que mudou a História do século XX.

Tenho, então, a chance de assistir a uma cena comovente. Livre do assédio dos repórteres, Gorbatchev começa a caminhar – cabisbaixo - por uma alameda em direção a um portão de ferro. Quando cruzar o portão de ferro, sumirá de vista. O homem que já comandou uma superpotência vive, ali, naquela pequena caminhada, um momento de intensa solidão. Parece entregue a pensamentos insondáveis.

Depois de percorrer uns trinta metros, ele apressa o passo, separa-se da comitiva. Permanece cabisbaixo. Um observador rigoroso flagraria ali,nas feições de Gorbatchev, aquela “dor atônita dirigida contra todo o ordenamento das coisas” que o dom Fabrizio de “O Leopardo “ notou no olhar de um coelho abatido. Aproximo-me o máximo que posso, com minha máquina fotográfica. É tudo o que posso fazer. Registro o momento. As feições de Gorbatchev exibem um ar grave.

O dia é de festa ,a Rússia vai se lembrar dessas eleições, mas, ali, naquela alameda, o homem que,em última instância, tornou possível a reviravolta vive um momento de melancolia. Em que ele estaria pensando, enquanto caminhava, silente, com o olhar voltado para o chão ? Àquela altura, que diferença faria saber ? A História já tinha mudado de rumo, independentemente do que Gorbatchev poderia pensar.

Quem sabe, num momento fugaz de abatimento, ele poderia ter a tentação repetir o que disse no dia em que a União Soviética deixou formalmente de existir, no final de dezembro de 1991. Exausto, Gorbatchev teve tempo responder, no fim de noite no Kremlin, a uma pergunta do repórter Ted Koppel, enviado especial da rede de tevê americana ABC : “o que é que se passa na alma do senhor agora ?”

-“Respondo com a parábola de um rei que encarregou os sábios de descobrirem qual é o segredo da sabedoria. Depois de passarem a vida viajando e de redigir quarenta volumes, os sábios finalmente trazem a resposta para o Rei. Mas o Rei estava morrendo. Para não perder tempo, eles resumiram tudo em apenas uma frase : “O homem nasce, sofre e morre”. (Andrei S. Gratchev,assessor e porta-voz de Gorbatchev,registrou a cena no livro “L’Histoire Vraie de La Fin De L’Urss” – “A História Real do Fim da União Soviética”) .

Ao votar na primeira eleição presidencial na Rússia pós-soviética, Gorbatchev pingou um ponto final numa saga que se iniciou quando ele pronunciou pela primeira vez a palavra “glasnost” (abertura política) à sombra das muralhas do Kremlin.

Um mundo desabava ali – não com um estrondo nem com um suspiro , como poderia imaginar o poeta, mas com um silêncio enigmático.

(*)Texto publicado no livro “DOSSIÊ MOSCOU”

Posted by geneton at 12:11 PM

janeiro 05, 2011

RELATÓRIO SECRETO DIZ QUE “ESTRELA POLÍTICA” DE JÂNIO QUADROS ESTAVA “AFUNDANDO NUMA POÇA DE UÍSQUE”

Da série “venenos da diplomacia” : o que dizem papéis que passaram décadas protegidos sob sigilo ? (ver post anterior)

Em pelo menos um dos relatórios produzidos sobre a renúncia de Jânio Quadros, a Embaixada britânica não resistiu à tentação de cometer uma ironia – sobre a predileção que o presidente Jânio Quadros devotava ao uísque.

O relatório confidencial (documento FO 371/162.132 do Public Record Office) produzido pela Embaixada no dia 19 de abril de 1962, oito meses depois da renúncia, avisa a Londres :

“A estrela política de Jânio Quadros parece estar afundando numa poça de uísque. Quando ele era presidente, circulava uma certa quantidade de discretos rumores sobre sua atração pela garrafa. Desde que ele retornou, estas histórias cresceram em intensidade. Agora, aparecem em colunas de fofocas e em caricaturas. Uma piada que se conta aqui – e não é exatamente uma piada – é que as “forças ocultas” que Jânio culpou pela renúncia saíram de uma garrafa. Frequentadores de bar agora pedem ao barman que lhes sirvam “forças ocultas com gelo”. Como quase tudo é possível na política brasileira, pode se rque ele recupere terreno tão rapidamente quanto perdeu”.

(Jânio Quadros, como se sabe, surpreendeu Deus e o mundo ao renunciar à presidência apenas sete meses depois de ter sido eleito com uma votação espetacular. 2011 marca os cinquenta anos da renúncia. Visto com desconfiança pelos militares, o vice-presidente João Goulart assumiu o poder. O Brasil mergulhou numa crise política que desembocou no golpe militar de março de 1964).

Depois de recorrer a números de uma pesquisa e a piadas de bar para informar o Foreign Office sobre a renúncia de Jânio Quadros, a Embaixada britânica produziu, no dia 12 de março de 1962, um dossiê confidencial em que faz uma aposta errada. Jânio Quadros voltaria à Presidência da República, segundo a bola de cristal dos ingleses – que, desta vez, falhou:

“Devido, em grande parte, à incompetência de seus sucessores, o retorno do ex-presidente Quadros à Presidência é amplamente tido como inevitável. O eleitorado vem se voltando contra a má administração do país por parte das máquinas partidárias tradicionais. O senhor Quadros se opõe a estas máquinas e pode tentar conduzir o movimento das reformas, mas a experiência anterior indica que o retorno de Quadros ao poder só pode ser vista com alarme. Ninguém sabe o que levou o senhor Quadros a jogar a toalha, como ele fez. Alguns atribuíram à instabilidade próxima da loucura. Numa declaração tipicamente lacônica, que fez há seis meses, ao deixar o Brasil em direção ao Reino Unido, o sr. Quadros disse que voltaria no tempo devido para atuar como advogado e professor. Ninguém acredita que ele tenha intenções tão modestas (…) Não há nenhuma razão para crer que o ex-presidente tenha adquirido bom senso – ou até boas maneiras – em suas viagens: parece que o Brasil pode-se ver brevemente sujeito à inacessível magalomania de Quadros; às suas ideias demagógicas de tendências nacionalistas; à sua gratuita e brutal rudeza para com aqueles que, brasileiros ou estrangeiros, querem ser seus amigos ou conselheiros e a gestos infantilmente provocativos e impertinentes, como a concessão de uma alta condecoração a Che Guevara. Com certeza, não é fácil ser otimista diante das perspectivas brasileiras se o senhor Quadros retornar ao poder, mas igualmente não seria racional abandonar todas as esperanças e esquecer suas realizações”.

(Trecho do livro “Dossiê Brasil”, esgotado).

Posted by geneton at 12:29 PM

dezembro 23, 2010

O DIA EM QUE DIPLOMATAS BRITÂNICOS CHEGARAM À CONCLUSÃO DE QUE É IMPOSSÍVEL TRADUZIR O QUE SIGNIFICA O “JEITO BRASILEIRO”. QUEM SE HABILITA ?

A diplomacia é feita – também – veneno ( ver post anterior). Em um dos mergulhos que dei na papelada armazenada no Public Record Office, em Londres, terminei encontrando uma pérola, misturada a relatórios secretos sobre momentos dramáticos da vida política brasileira : um relatório em que diplomatas de Sua Majestade informam a seus chefes que é tecnicamente impossível traduzir a brasileiríssima expressão “dar um jeito”.

Quem diria: o “jeito” ocuparia as atenções da diplomacia britânica.

Pode parecer uma banalidade. Mas não é: se quiser mergulhar no “universo mental” brasileiro, um diplomata terá de entender o que significa esta instituição que tanto pode ser louvável quanto detestável. O “jeito” é louvável quando – por exemplo – o brasileiro reinventa uma criação estrangeira – o futebol, por exemplo. Mas pode ser detestável quando significa frouxidão moral e falta de compromisso. Quem conseguiria traduzir com fidelidade o que significa o “jeito brasileiro” ?

Atenção, sociólogos, antropólogos e pitaqueiros em geral: eis um tema à espera de um estudo sério. Já que diplomatas estrangeiros acham que o jeito é uma instituição “intraduzível”, bem que um pesquisador nativo poderia tentar esmiuçar esta grande invenção brasileira. O que diabos é “dar um jeito” ? Onde é que termina a criatividade e começa a enganação ? Qual é o exemplo mais espetacular de um “jeito brasileiro” ? ( a história política traz uma coleção de exemplos: os militares estavam querendo evitar que o vice-presidente João Goulart tomasse posse no lugar do presidente que renunciou ? O “jeito” foi adotar um regime parlamentarista para diminuir os poderes do presidente. Não deu certo ? O “jeito” foi convocar um plebiscito para que o povo decidisse entre parlamentarismo e presidencialismo. E assim por diante).

A Embaixada britânica enviou a Londres, no dia 17 de agosto de 1962, um relatório em que informa que os brasileiros poderiam dar um “jeito” na crise crônica que marcava o governo Goulart :

“O único sinal de conforto que ouso oferecer é dizer que os brasileiros têm uma palavra para descrever a habilidade em encontrar uma saída para suas dificuldades : “jeito”, uma palavra intraduzível em qualquer outra língua, mas que significa, genericamente, um estratagema ou acordo de bastidores. Com frequência, “dar um jeito” não é nem sério nem inteiramente moral,mas é bastante eficiente. Tenho estado no Brasil por tempo suficiente para não afastar a possibilidade de que um “jeito” será encontrado para resolver a crise atual”.

(A quem interessar possa: o documento foi publicado no nosso livro “Dossiê Brasil”, já esgotado, mas encontrável nos sebos…O Dossiê Geral publicará, nas próximas semanas, trechos de despachos diplomáticos “venenosos” : são documentos que, depois de passarem décadas mantidos em sigilo, são finalmente abertos à consulta pública)

Posted by geneton at 12:34 PM

novembro 11, 2010

PAUSA PARA UM REFRESCO (OU: PEQUENA CARTA AOS QUE GASTAM SOLA DE SAPATO FAZENDO JORNALISMO)

Uma das máximas das redações diz que “jornalista não é notícia”.

Mas, uma vez por ano, quando são anunciados os vencedores de prêmios jornalísticos, jornalistas mudam de lado por breves instantes: viram “notícia”.

O locutor-que-vos-fala teve a honra de ser premiado, nesta quarta-feira, com o Prêmio Embratel de telejornalismo, pelas entrevistas com os generais Newton Cruz e Leônidas Pires Gonçalves sobre os bastidores do regime militar. As entrevistas foram ao ar na Globonews.

Sou dos que acreditam que jornalista pode ser, também, uma espécie de arqueólogo - que revira o passado em busca de novidades. A contradição é apenas aparente: o passado pode nos surpreender com novidades,sim. Por que não ?

Um detalhe me chamou atenção e me deixou feliz ao inspecionar a lista de finalistas do Prêmio Embratel : o júri selecionou para a grande final, em várias categorias, uma série de reportagens que mergulhavam no passado em busca de luzes.

Lá estavam reportagens sobre a guerrilha do Araguaia ( O Estado de S.Paulo), uma série sobre “como a censura calou a música brasileira”(Correio Braziliense), os arquivos do ex-governador Miguel Arraes ( Diário de Pernambuco) , “os espiões que viveram nas sombras dos anos de chumbo” ( Zero Hora).

Fiquei feliz ao ver,premiadas, reportagens que envolveram obviamente um grande esforço de investigação, como os “diários secretos” – uma equipe da Gazeta do Povo e da RPCTV denunciou um caminhão de irregularidades na Assembleia Legislativa do Paraná (os repórteres: James Alberti, Kátia Brembatti, Karlos Kohlbach, Gabriel Tabatcheik). Ou a denúncia do jornal O Estado de S.Paulo sobre os atos secretos baixados pelo Senado Federal – esta, a grande vencedora da noite. Os autores: Rosa Costa, Leandro Colon, Rodrigo Rangel. Ou a reportagem que provocou o cancelamento da prova do Enem (autores: Renata Cafardo e Sérgio Pompeu). Idem com as duas matérias de denúncia sobre o Festival de Corrupção que assolou o governo do Distrito Federal: uma reportagem de Matheus Leitão, Rodrigo Haidar, Érica Killingl, Lucas Ferras, Fred Raposo, Gustavo Gantois e Priscila Borges publicada pelo site IG e outra de Andrei Meireles,Marcelo Rocha e Murilo Ramos, na revista Época. Eu poderia citar todas as outras. Todas mereceram estar ali.Porque ninguém estava ali por acaso.

Quando vi autores de reportagens deste calibre vibrando como se fossem iniciantes, pensei, aqui, com meus velhos botões: minha tribo é esta.

Sou insuspeito para falar porque tenho, obviamente, meus momentos de desilusão com o jornalismo ( e de abatimento profissional).

Sempre me lembro de uma história que meu guru Joel Silveira, tido como o maior repórter brasileiro, gostava de contar. Uma vez, estava datilografando furiosamente um texto numa máquina de escrever,na redação.

De repente, Nélson Rodrigues estacionou diante de Joel e ficou contemplando a cena em silêncio durante um bom tempo: lá estava um jornalista escrevendo um mero texto de jornal como se fosse mudar o destino da humanidade. Nélson Rodrigues limitou-se a suspirar uma palavra, antes de seguir adiante: “Patético!”.

Joel – com quem tive o privilégio de conviver durante vinte anos que valeram por cinquenta de aprendizado – ria ao descrever esta cena. Poderia até concordar com o que Nélson Rodrigues dizia – em última instância,somos todos “patéticos” – ,mas continuava a teclar devotadamente um texto que estaria esquecido vinte e quatro horas depois. O que importava, ali, não era a transitoriedade do Jornalismo. Era a devoção – um traço que, aliás, diferencia um jornalista burocrático de um jornalista “de verdade”. Não se faz Jornalismo com tédio. Faz-se com devoção. Jornalista existe para levantar – não para derrubar – assuntos. Ponto.

Sou um dos piores oradores que já tiveram a ventura de transitar pelo Cone Sul da América. Ainda assim, arrisquei-me a dizer umas palavras ao receber o Prêmio Embratel de telejornalismo.

Como sempre acontece quando me vejo diante de qualquer plateia, terminei me esquecendo de metade do que gostaria de dizer.

Agora, mando às favas todos os escrúpulos da auto-referência: é hora de falar um pouco sobre o Jornalismo.

Sou um quase dinossauro. Tenho 54 anos. Comecei a trabalhar em redação aos dezesseis. Posso dizer que aprendi duas ou três coisas.

Em homenagem aos colegas que suam a camisa, gastam sola de sapato na rua, atazanam os poderosos, levantam escândalos e,por fim, vibram quando são reconhecidos, publico o que tentei dizer mas não disse totalmente na hora da premiação.

Era algo assim:

“Toda atividade – seja qual for – precisa de um lema, uma bandeira, um slogan. O meu poderia ser qualquer outro, mas é : “Fazer jornalismo é produzir memória”. O jornalismo pode ser útil, então. Pode jogar luzes sobre o passado. Por que não? .

É preciso ter convicção. Pois bem: posso estar errado, mas acredito que fazer jornalismo é olhar o mundo, os fatos, os personagens e as histórias com os olhos de uma criança que estivesse vendo tudo pela primeira vez; somente assim, o Jornalismo será vívido,interessante, inquieto – não este monstro burocrático,chato e cinzento que nos assusta tanto;

fazer Jornalismo é saber que existirá sempre uma maneira atraente de contar o que se viu e ouviu;

fazer Jornalismo é ter a certeza de que não existe assunto esgotado. Há fatos a explicar sobre 1964, por exemplo; tudo pode ser revirado: a crucificação de Jesus Cristo merece ser investigada. Por que não ? Jornalista não pode se deixar vencer pelo tédio destruidor – nunca;

Se um estreante perguntasse, eu diria: deixe o tédio em casa. Traga a vida das ruas para a redação. Porque, em noventa e oito por cento dos casos, o que a gente vê na vida real é mais colorido e mais arrebatador do que o que se publica nos jornais ou o que se vê na TV;

Diria também: não faça jornalismo para jornalista. Faça para o público!

Fazer jornalismo é não praticar nunca,jamais,sob hipótese alguma, a patrulhagem ideológica. Ponto. Um general – seja quem for – deve ser ouvido com tanta atenção quanto o mais renitente dos guerrilheiros. Lugar de votar é na urna. Não é na redação;

(eu disse ao general Newton Cruz: não quero parecer bom moço, jornalista vive procurando escândalo e declarações bombásticas, mas, como personagem jornalístico, o senhor me interessa tanto quanto Luís Carlos Prestes, a quem, aliás, entrevistei algumas vezes);

Por fim: fazer jornalismo é desconfiar,sempre,sempre e sempre. A lição de um editor inglês vale para todos: toda vez que estiver ouvindo um personagem – seja ele um delegado de polícia, um praticante de ioga ou um astro da música – pergunte sempre a si mesmo, intimamente : por que será que estes bastardos estão mentindo para mim?

Não existe pergunta melhor”.

Posted by geneton at 12:36 AM

outubro 29, 2010

LEMBRANÇAS DE UM PAÍS EM QUE ELEIÇÃO DIRETA PARA PRESIDENTE ERA APENAS UM BRILHO NOS OLHOS DO COMANDANTE DA OPOSIÇÃO

Do caderno de anotações imaginário:

Quando, no dia 17 de janeiro de 1976, o operário Manoel Fiel Filho foi morto sob tortura nas dependências do II Exército, em São Paulo, o deputado Ulysses Guimarães, presidente do MDB e, portanto, chefe da oposição, estava no Recife.

O “Doutor Ulysses” – era assim que todos o chamavam – tinha feito uma tumultuada viagem a Caruaru, no agreste do Estado, para participar de uma espécie comício fora de época. Não deu certo. Por ordem do Ministério da Justiça, o governo de Pernambuco mandou avisar que estavam proibidas reuniões políticas em praça pública. Assim, o tal comício foi transferido, às pressas, para um ambiente fechado – um auditório que ficou superlotado.

Eu me lembro de que Ulysses Guimarães, um orador que produzia frases de efeito em série, levou o auditório ao delírio ao lançar o nome do senador Marcos Freire como candidato das oposições ao governo de Pernambuco. Todos sonhavam com uma eleição direta em 1978. Não houve eleição direta em 1978 : os governadores só voltariam a ser escolhidos pelo voto do povo em 1982. ( Tempos depois, ao entregar ao país uma nova Constituição, ele diria: “Político, sou caçador de nuvens. Já fui caçado por tempestades”). As ruas do centro de Caruaru ficaram povoadas de guardas, equipados com armas e cães.

De volta ao Recife, depois da aventura em Caruaru, o “Doutor Ulysses” estava se preparando para embarcar para Sergipe quando estourou a notícia de que o presidente Ernesto Geisel tivera uma reação surpreendente diante da morte do operário : decidira punir,com demissão, o comandante do II Exército, general Ednardo D`Ávila. Havia, obviamente, uma crise militar no ar.

Repórter da sucursal Recife do jornal “O Estado de S.Paulo”, fui convocado, às pressas, para embarcar no avião que, dali a minutos, levaria o Doutor Ulysses para Aracaju, a próxima parada do périplo nordestino.

Fiz a primeira abordagem ainda no corredor do Aeroporto. O Doutor Ulysses leu,com ar grave, o telex que eu lhe entregara, com informações sobre a demissão do comandante do II Exército. Disse que falaria a bordo.

Depois do embarque, pegou um jornal para ler. Vi perfeitamente quando, ao tentar atravessar os parágrafos de um editorial, Doutor Ulysses tropeçou – e caiu gloriosamente nos braços de Morfeu. Pegou no sono, sem largar o jornal.

Desde então, uma dúvida incendiária passou a agitar minhas florestas interiores : para que servem, realmente, os editoriais dos jornais, além de provocar um desabamento incontrolável das pálpebras de quem os lê ? Sono,sono, sono.

Quanto à declaração : raposa, o Doutor Ulysses sentiu a gravidade do momento. Quando acordou, me pediu que o procurasse depois do pouso. Lá embaixo, iria falar. Uma multidão o aguardava no Aeroporto. O homem escapou. Durante a coletiva, ninguém tocou no assunto da demissão do general. Fiz a pergunta, porque já estava, literalmente, “correndo contra o relógio”. Doutor Ulysses respondeu com frases cuidadosas. Disse que o MDB não tinha prevenção contra militares. Fez questão de lembrar que o partido já tinha sido presidido por um general reformado, o senador Oscar Passos. Ou seja: o comandante da oposição pisava em ovos, porque sabia que, em época de crise militar, o terreno estava minado. O homem não queria, ali, atiçar a fúria do Olimpo verde-oliva.

Ao deixar a sala onde dera a entrevista coletiva, na Assembléia Legislastiva de Sergipe, Doutor Ulysses apertou minha mão e cochichou, no meu ouvido, uma frase que, até hoje, não sei se foi uma queixa ou um cumprimento: “Você soltou o seu petardo !”.

De madrugada, quando chegou ao hotel, Ulysses foi cercado de novo pelo matilha de repórteres que seguiam seus passos – o locutor-que-vos-fala, inclusive. Topou falar, à beira da piscina deserta. Disse que temia que, se houvesse uma crise, a oposição poderia ser levada a recorrer a “soluções de força”.

Horas depois, ao sair do hotel bem cedo, em direção ao aeroporto, Doutor Ulysses pediu à recepção que um dos repórteres – que também estavam hospedados ali – fosse chamado. Um colega, a serviço do Jornal do Brasil, foi acordado. Ouviu,então, um apelo do Doutor Ulysses: por favor, ele pedia, retirem do texto da entrevista a expressão “soluções de força”. O pedido foi retransmitido a todos os repórteres. Assim foi feito.

Nem faz tanto tempo: o Brasil era um país em que o comandante da oposição enfrentava, literalmente, cães no meio da rua. Não se podia promover aglomeração política em praça pública. Não se votava nem para governador. O que dirá para Presidente da República ? (tempos depois do entrevero em Caruaru, cães avançariam sobre o comandante do MDB em Salvador. Lá, ele pronunciaria a frase célebre: “Baioneta não é voto! Cachorro não é urna!”).

Independentemente de qualquer coisa, é sempre bom saber que, já há um quarto de século, o país vive numa democracia em que cenas como aquelas - o presidente do partido da oposição se refugiando num auditório para escapar dos cães da polícia – só teriam lugar num roteiro de ficção.

Então: às urnas, cidadãos !

E “atenção para o refrão” : numa democracia, independentemente de coloração ideológica, a única coisa que não se pode tolerar é a intolerância com adversários. Ponto.

Longa vida às urnas !

Posted by geneton at 12:45 AM

agosto 18, 2010

DUAS OU TRÊS LIÇÕES QUE APRENDI COM UM MESTRE DO JORNALISMO QUE JAMAIS SE DEIXOU CONTAMINAR PELO VÍRUS DA SFE (SÍNDROME DA FRIGIDEZ EDITORIAL)

Faz três anos que Joel Silveira, “o maior repórter brasileiro”, saiu de cena. Uma vez, tentei resumir, num texto de apresentação de um livro, as lições (fundamentais) que aprendi com ele sobre Jornalismo em vinte anos de convivência pessoal e profissional. Voilà:

Sou um projeto de ruína . Meu velocímetro profissional já registra quase quatro décadas de rodagem por redações. É um bocado. Quem mandou não estudar Medicina ? A hora de dizer “chega” vai se aproximando.

Todo jornalista deveria mudar radicalmente de atividade depois de dez anos de exercício profissional. Somente assim não correria o risco de se habituar ao papel de figurante do espetáculo patético encenado em redações por gente que se considera cem vezes mais importante do que realmente é.

Não existe cena tão risível quanto o desfile de vaidades desprovidas de qualquer fundamento. Em nenhuma outra profissão há um abismo tão gigantesco entre pretensão e realidade. Ninguém me contou ; eu vi, com estes olhos que um dia o crematório de Golders Green há de comer : gente incapaz de pronunciar corretamente a palavra “gratuito”, gente que escreve exceção com dois “s”, gente que constrói frases como “para mim ver”, gente que acha que “sobrancelha” é “sombrancelha”, gente que jura que o substantivo óculos exige o artigo no singular, gente que comete pérolas como “fazem dez anos” – chorai, leitor, é esta a gente que, além de se julgar superior e competente, acha-se perfeitamente qualificada para descrever o que é que aconteceu ontem, o que acontece hoje, o que acontecerá amanhã, esta semana, este mês, este ano , no mundo . Quá, quá, quá.

Pior : é gente que, a sério, exige remuneração superior à de médicos, engenheiros, nutricionistas, agrônomos, veterinários, biólogos e garis. Pausa para risos incontroláveis da platéia. Quá, quá, quá. De novo : quá, quá, quá.

É como se um cirurgião perfeitamente incapaz de manusear o instrumento de trabalho – um bisturi – saísse da sala de operações arrotando grandeza depois de cometer barbeiragens inomináveis no corpo do paciente. Falo com conhecimento de causa sobre imposturas ocorridas em redações . Conheço a raça. Orgulhosamente, faço parte do canil. Sou aquele terceiro vira-lata à esquerda, na penúltima fila. ( crianças : não se assustem com o vazamento de bílis. Feitas as contas, o Jornalismo pode valer a pena, sim. É a melhor profissão do mundo – para quem não consegue exercer tarefas realmente úteis à Humanidade. Os jornalistas podem ser, devem ser e, em geral , são benfeitores da sociedade, com as exceções de praxe. Ponto. Parágrafo ).
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Há séculos, ao comentar o resultado de uma pesquisa em que os jornalistas só conseguiam superar os ladrões de galinha num ranking de estima pública, Paulo Francis dizia que os ladrões de galinha deveriam protestar contra a injustiça. Bingo.
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Sinal dos tempos : três vezes por dia, sou visitado pela tentação de dar por encerrado meu paupérrimo espetáculo, apagar a luz da espelunca , pregar na porta um aviso de “saiu. não volta” e realizar, num subúrbio qualquer de uma cidade cinzenta, o sonho dourado de cultivar pelo resto da vida um silêncio irrevogável e benfazejo. “Ainda hei”. Só falta encontrar uma fonte financiadora. (tragédia : ela jamais aparecerá).
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Quando olho pelo retrovisor, faço um esforço para contabilizar um ganho palpável, concreto, indesmentível , em meio ao rosário de perdas, equívocos, tropeços e decepções com que fui brindado pelo exercício do Jornalismo.

Vou tentar. Agora. Um, dois, três minutos de busca. Nada. O “yahoo” instalado no meu lóbulo central falha na tarefa. “Nenhum resultado encontrado” . Meus dois neurônios pedem tempo para vasculhar de novo as gavetas da memória. Como se fosse um treinador de basquete, peço tempo ao juiz. Quatro, cinco, seis minutos de busca. Nada. Eis que surge uma luz no fundo do poço. Ah, achei um ganho profissional !

Que é o seguinte : tenho tido a chance de fazer um belo curso intensivo de Jornalismo que já se arrasta por anos e anos. Começou em 1988 – quando conheci pessoalmente o “velho lobo da imprensa” Joel Silveira.

Desde então, sou um privilegiado freqüentador da escola de Jornalismo que, sem placa na porta, sem autorização do ministério, sem quadro-negro na parede e sem lista de chamada, funciona num apartamento do sexto andar de um prédio da rua Francisco Sá, em Copacabana – o refúgio de Joel.

Lá, envolto numa concha invisível, ele se protege do mundo exterior escondido atrás de barricadas feitas de aço e papel : estantes superpovoadas de livros. O telefone – e a TV – são as únicas pontes com o horror externo. Joel diz que tem uma “diversão predileta” : falar mal de uma comentarista televisiva toda vez que ela surge no vídeo. “Assim que ela aparece, eu digo : ah, mulher chata ! Pronto. Ganhei o dia“.

Há anos Joel deixou de andar na rua. Não “circula”. Não visita. Não faz questão de ser visitado : “Só se for para receber algum pagamento. Se aparecer alguém aqui em casa com um cheque, eu boto gravata e bermuda para receber o presente”.

Fez a opção preferencial pelo isolamento. Não corre o menor risco de ser atingido pelos perdigotos ou pelo bafo de terceiros. Não sente falta da contaminação externa. Faz bem. É um felizardo. Deveria soltar fogos pela janela todo dia de manhã, para comemorar o sucesso do isolamento. Nem a Albânia, nos áureos tempos de solidão internacional, conseguiu se proteger melhor do mundo exterior.

Aos recém-chegados ao Planeta Gutenberg, devo informar que Joel Silveira (sergipano da safra de 1918) ficou famoso, ainda nos anos quarenta, como repórter dono de um texto reluzente – uma víbora capaz de verter veneno em forma de tinta quando escrevia sobre, por exemplo, as grã-finas de São Paulo.

Assis Chateaubriand, o todo-poderoso dono de uma rede de jornais, logo notou o talento do repórter recém-chegado de Aracaju. Terminou despachando Joel para cobrir a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, em terras da Itália. Assim, Joel entrou para a história da imprensa brasileira como correspondente de guerra, além de repórter que imprimia uma marca própria aos textos que produzia, aos borbotões, para jornais e revistas. Humberto Mauro se enganou . Jornalismo (e não o cinema ) é cachoeira.

Se um noviço perguntasse , a este aluno medíocre do Curso de Jornalismo da rua Francisco Sá , quais são as virtudes básicas do professor Joel , eu responderia na bucha. O mau jornalista – seja ele repórter, editor, dono de jornal ou seja lá o que for – é aquele que se deixa contaminar por uma doença estúpida, a Síndrome da Frigidez Editorial (SFE). Aos não iniciados no estudo das zoonoses das redações, diga-se que a SFE é uma praga que acomete jornalistas que, depois de anos e anos manuseando fatos extraordinários, passam a achar tudo “ordinário”, comum, banal, indigno de um mísero registro nas páginas dos jornais ou no quadrilátero brilhante dos aparelhos de TV. Transformam-se em derrubadores profissionais de matérias – especialistas em mandar para a lata de lixo as histórias apuradas por quem ainda não se contaminou com este vírus nocivíssimo . O horror, o horror, o horror. Sobre jornalistas que jogam notícia no lixo , tenho histórias que dariam para encher uma enciclopédia. Poderia exibir provas, se quisesse. Mas pouparei aqui a paciência do leitor.

Os jornalistas contaminados pelo vírus da SFE deveriam mudar de profissão com toda urgência. Mas não mudam. Passam o resto da vida destilando doses amazônicas de tédio sobre vítimas indefesas – em geral, repórteres que ainda não perderam o fogo. Aos oitenta e tantos anos, Joel Silveira é uma grande exceção a esta regra : nunca perdeu a chama interior que serve de combustível ao repórter.

Uma das grandes lições de Joel : um bom e inspirado repórter é perfeitamente capaz de escrever dez páginas sobre um encontro de minutos com uma figura histórica. É o que aconteceu com o repórter Joel Silveira ao descrever o “primeiro, único e desastrado” encontro que teve com o presidente Getúlio Vargas, no Palácio do Catete.

Joel conseguiu uma audiência com o homem , na ilusão de que sairia da sala com uma entrevista. A raposa Getúlio Vargas pensou que o repórter estava ali para pedir um emprego. Nem uma coisa nem outra : Joel saiu do Palácio sem o emprego – que não queria – e sem a entrevista – com que sonhara. Um repórter burocrático seria incapaz de escrever um parágrafo de cinco linhas sobre a entrevista frustrada. Afinal, Getúlio se limitou a trocar com ele um punhado de frases bobas. Mas Joel escreveu um longo e brilhante texto que, retocado para o livro “Tempo de Contar”, termina assim, com a narrativa da frustração que sentiu ao deixar o palácio do presidente :

- Voltei ao boteco, a vários deles, durante horas amargando o fel da derrota, alisando a cara onde o chicote presidencial havia acertado em cheio. Lá para a meia-noite, entrei no Danúbio Azul, um bar que não existe mais numa Lapa que também não existe mais; e lá fiquei até que a manhã me fosse encontrar – uma das mais radiosas manhãs de abril já neste mundo surgidas, desde que existem mundo e manhãs de abril.

Pergunta-se : que jornal, que revista de hoje publicaria um texto escancaradamente autoral como este de Joel Silveira ? A resposta é um silêncio de rachar os tímpanos. O corvo de Edgar Alan Poe repete a cantilena fatal : “Never more, never more”. Nunca mais, crianças. Pobres de nós – leitores castigados com hectares e hectares e hectares de prosa que confunde narrativa jornalística com aridez vocabular e estilística.
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Joel segue desde o início da carreira o ensinamento que Albert Camus deixou em O Estrangeiro : lá pelas tantas, o personagem enjaulado numa cela diz que um homem que tivesse vivido um único dia teria recordações suficientes para cem anos. Os fiscais da saúde jornalística, se existissem, poderiam dormir tranqüilos quando fossem fazer um check –up em Joel : um grande repórter, como ele, é imune ao vírus da Síndrome da Frigidez Editorial (SFE).

Uma vez, numa entrevista , pedi a Joel que imaginasse uma cena : se fosse chefe de reportagem, que pautas ele gostaria de ver apuradas ? Sem titubear , ele desfiou a lista :

- Que tal o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva durante o governo militar ? Já se cavou um cova. Vamos cavar outras, então ! E a morte da figurinista Zuzu Angel num acidente que não entra na cabeça de ninguém ? E a explosão da bomba no Riocentro ? Qual foi a intenção verdadeira ? Era causar um massacre ? Ou dar um susto ? A morte de Juscelino ficou mal contada. A mim, não me convenceu. Eu não sou um juscelinista. Sou um leitor de jornal. E o atentado à OAB ? Quem mandou ? E a morte de Lamarca ? E a de Marighela – um sujeito astuto e conspirador, como ele era, ia sair idiotamente daquele jeito ? E aquele operário que morreu no DOI-CODI em São Paulo ? E a morte de Herzog – que não tinha motivo nenhum para se suicidar ? Isso tudo daria uma série fantástica.

Além de repórter que tira leite de pedra, Joel cultua o “prazer do texto”. O que ele escreve é uma mistura feliz de Jornalismo e Literatura. Por que não ? O brilho do texto sobre o desencontro com Getúlio Vargas é apenas um exemplo, numa montanha.

Eis outro : uma reportagem sobre a rebelião popular ocorrida no fim dos anos quarenta na Colômbia termina com a descrição de uma visita ao Cemitério Central de Bogotá. Lá, o repórter Joel vê o corpo de um menino morto no tumulto :

- Os olhos vazios fixavam o céu de chumbo e as mãos de unhas sujas e compridas pendiam sobre a laje dura – como os remos inertes de um pequeno barco. O barco fora surpreendido pela tempestade, havia perdido o leme, mas ficara boiando sobre as águas, sem afundar. Foi a impressão que me deu aquele menino : a impressão de que não havia morrido de todo. Era o que diziam os olhos muito abertos ; era o que igualmente parecia dizer o sorriso leve que mal se denunciava nos lábios finos e sem cor (…). Depois, um funcionário qualquer aproximou-se, olhou por alguns segundos o menino morto, procurou sem achar alguma coisa que ele deveria trazer nos bolsos. Tentou em seguida fechar com os dedos os olhos abertos, mas não conseguiu. Abertos e limpos, os olhos do menino morto pareciam maravilhados com o que somente eles viam, com o que queriam ver para sempre.

Compare-se este texto com a mesmice reinante hoje nos jornais e revistas. A saída é chorar “lágrimas de esguicho” no meio-fio mais próximo.

Como se tantas lições não fossem suficientes, o professor Joel dá, aos raríssimos freqüentadores da faculdade informal da rua Francisco Sá, aulas e aulas e aulas de bom-humor.

Tenho a honra de dizer que, nestes últimos anos, fui o único discípulo a freqüentar assiduamente o refúgio do dinossauro. Confirmei o que já suspeitava : somente os idiotas se levam a sério. Em todos estes anos de convivência, perdi a conta das cenas cômicas que testemunhei na escola do professor Joel.

Quando pingou o ponto final num livro que fizemos juntos – “Hitler/Stalin: O Pacto Maldito” -, Joel me ligou, eufórico, com a voz pastosa. Deu para notar que ele tinha irrigado as cordas vocais com doses escocesas de uísque. Fez-me um apelo em tons dramáticos : “Pelo amor de Deus, você sabe onde é que existe uma boa sarjeta aqui por perto ? Consegui terminar o texto ! Hoje quero beber até cair na sarjeta !”. Tempos depois, rompeu para sempre relações diplomáticas com as destilarias de uísque. Motivo oficial : já não tinha com quem conversar. Os amigos tinham morrido. “Todos !”. Passou a se auto-intitular “a maior solidão do Brasil”.
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Quando se internou no Hospital dos Servidores do Estado para uma cirurgia, passava horas sentado na cama observando os aviões que cruzavam o céu em direção ao Aeroporto Santos Dumont. Assim que cheguei para uma visita, Joel reclamou : “Quero ir embora. Não agüento mais ficar contando avião. Já contei dezoito hoje !”.

Dias depois, convocou-me para que me apresentasse imediatamente na rua Francisco Sá. Quando cheguei lá, Joel ,diante de uma garrafa de uísque pela metade, pegou o telefone para falar com um amigo que não via há anos. Do outro lado da linha, em Salvador, o amigo não deve ter entendido absolutamente nada. Joel se limitou a dizer a ele “ouça aí ! ouça aí !”. Em seguida, me fez ficar segurando o telefone junto ao alto-falante do velho toca-discos que amplificava a voz de Dorival Caymmi cantando “Peguei um Ita Norte”. O amigo teve de ouvir a música inteira por telefone. Quando a música acabou, Joel se despediu do ouvinte sem maiores explicações. “Passe bem !”.
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Quantas e quantas cenas o professor Silveira não me descreveu com um sorriso escancarado ? Uma das melhores : o dia em que o amigo Rubem Braga resistiu a um convite feito por Joel para que os dois fossem a um concerto de música clássica na Roma do pós-guerra. Joel insistiu : por que não ir ? Rubem Braga deu a explicação inesperada: “Não posso ir. Violino me dá tosse”. Joel insistiu, insistiu. Rubem Braga foi. O desastre anunciado se consumou . Assim que a violinista começou a tocar, o parceiro de Joel na noitada sinfônica teve um acesso de tosse incontrolável.

Aos freqüentadores do refúgio da Francisco Sá, Joel falará da oferta de emprego que recebeu de um assessor do presidente Jânio Quadros : ia ser nomeado para o conselho consultivo da Companhia Brasileira de Álcalis. Resposta de Joel à oferta :

- Aceito o convite ! Só quero tirar duas dúvidas. Primeira : quanto vou ganhar ? Segunda : o que é álcalis, pelo amor de Deus ? ”.

Lá pelas tantas, ele se recordará da cena surrealista protagonizada por ele e pelo gênio Nelson Rodrigues. Colegas de trabalho numa redação, sem nunca terem sido amigos íntimos, os dois cultivavam uma convivência meramente profissional . Um dia, Nelson Rodrigues estaciona diante da máquina de escrever que Joel Silveira batucava ferozmente. Não diz nada. Fica em silêncio observando a cena. Lá pelas tantas, o gênio da crônica exclama uma palavra :

- Patético !

E vai embora, sem dar maiores explicações.

Quando mostrou a Graciliano Ramos o texto de um conto que tinha escrito, Joel foi brincado com a mais radical e silenciosa resenha literária já cometida no Rio de Janeiro : Graciliano Ramos simplesmente fez picadinho do conto. Em silêncio , diante de um Joel boquiaberto , Graciliano Ramos desfez a folha em mil pedaços. As frases que o Joel iniciante considerava geniais viraram confete. O conto do Joel iniciante se perdeu para sempre.

Provocado, Joel será capaz de dar conselhos. Adora repetir o que ouviu de um gigante do jornalismo – Herbert Mathews, globe trotter do New York Times : o repórter precisa ter humildade e sorte.
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O Joel que se considera, além de “a maior solidão do Brasil”, o “último dinossauro” de nossa imprensa, é também o rei das implicâncias gratuitas. Como se fosse um franco atirador postado numa janela do sexto andar da Francisco Sá com um arsenal de petardos verbais na ponta da língua, ele adora fustigar inimigos gratuitos.

Não tolera seres “ridículos” como alpinistas, turistas e tocadores de cavaquinho obesos. Recusa-se a ouvir uma nota sequer emitida pelo violão ou pela voz de João Gilberto. Diz que, se um dia fosse nomeado Imperador de Sergipe, baixaria um decreto proibindo que João Gilberto cantasse em terras sergipanas. ”Por chatice”.
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As investidas do repórter Joel Silveira podem ser saboreadas em volumes como “Tempo de Contar” ou na coletânea lançada em 2004 pela Companhia das Letras – “A Milésima Segunda Noite da Avenida Paulista”, leitura que deveria ser obrigatória tanto para os noviços tanto para as múmias das redações .

O Joel deste “Diário do Último Dinossauro” não é o Joel das grandes reportagens: é o autor de pequenas tiradas, impropérios, ataques e louvações. Os textos que aqui aparecem alimentaram o “Diário de uma Víbora” – a coluna que Joel mantém na revista pernambucana “Continente Multicultural” desde julho de 2001 ( há vida editorial fora dos dois extremos da Via Dutra ! ). Os verbetes venenosos despachados para a Continente – e,por fim, reunidos em livro – foram coletados em várias fontes : anotações inéditas que Joel acumulou em pastas de plástico, fragmentos de livros como “Vinte Horas de Abril”, “A Guerrilha Noturna”, “O Presidente no Jardim” e “Você Nunca Será um Deles”.
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Um dia – eu vos prometo – pretendo reunir num livro os diálogos que tive com o mestre : longas sessões de entrevistas gravadas na escola informal da Francisco de Sá. São pelo menos seis , publicadas aos pedaços em jornais e revistas ou apresentadas , resumidamente, na TV. Lições que devem ser passadas adiante. “Vida aos outros legada” , como diria o Vate.
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Agora, crianças, favor fazer silêncio na sala : a maior solidão do Brasil pede a palavra. Do alto do refúgio onde se protege de nós todos , atrás de barricadas de papel e aço no sexto andar de um prédio da Francisco Sá , o “último dinossauro” vai disparar seus petardos venenosos neste “Diário”.
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Que ninguém se assuste : não existe guerra tão divertida. Joel não se leva a sério. Não nos leva. Não leva nada. Melhor assim.
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(*)Texto de apresentação do livro “Diário do Último Dinossauro”, publicado pela Travessa dos Editores em 2004. Meses depois da morte de Joel, vivi uma cena que, para mim, teve um significado difícil de traduzir em palavras : a pedido da filha de Joel, Elizabete, fui ao apartamento já desfeito para recolher caixas de papéis: cartas, anotações, artigos, recortes reunidos por Joel. Era um domingo calorento. As caixas de papelão pesavam. Fechei a porta da “escola de jornalismo” da rua Francisco Sá. Fui – literalmente – o último a sair de lá. O apartamento estava vazio. Entreguei a chave a uma vizinha. A cena, sem testemunhas, tinha um tom melancólico, claro, mas deixava um ensinamento: pelo menos por um instante, a herança imaterial – a memória de tantos anos de convivência – deu a ilusória impressão de ser mais palpável e mais duradoura que papéis, recortes, anotações, cartas e bilhetes cobertos de poeira e de silêncio no chão do apartamento.

Posted by geneton at 10:42 AM

agosto 17, 2010

LIÇÕES DE JOEL SILVEIRA: REPÓRTER DE VERDADE É AQUELE QUE, NA CAMA DE UM HOSPITAL, NÃO SE ESQUECE DE CONTAR O NÚMERO DE AVIÕES AVISTADOS NO CÉU

Agosto. Faz três anos que morreu aquele que ficou conhecido como “o maior repórter brasileiro”- Joel Silveira. Convivi com ele durante exatos vinte anos, na condição de aprendiz. Fizemos dois livros em parceria: “Hitler / Stalin: O Pacto Maldito” ( sobre os efeitos que teve, sobre a esquerda brasileira, o pacto de não-agressão assinado entre a Alemanha e a União Soviética) e “Nitroglicerina Pura” ( um reportagem sobre documentos confidenciais produzidos por governos estrangeiros a respeito do Brasil).

Quando Joel morreu, escrevi dois textos ( em breve, o DOSSIÊ GERAL republicará um “tratado” que alinhavei sobre ele).

1
A VIDA IMITA O POEMA NA MORTE DE JOEL SILVEIRA: O AGENTE FUNERÁRIO CHEGOU NA HORA. E A PLACA DO CARRO ERA LFR 1236

Faz pouco tempo, descobri um belo poema de Lawrence Ferlinghetti. O poeta diz, com outras palavras, que o mundo é um belo lugar, mas um dia, cedo ou tarde, ele virá : o agente funerário sorridente.

E o agente veio. Acabo de sair da casa de Joel Silveira. Não quis ver a saída do corpo. A Santa Casa de Misericórdia avisou que o agente chegaria às duas horas. Pensei comigo: “Com a pontualidade brasileira, ele vai chegar lá para as quatro da tarde”. Engano. Nem uma hora e cinquenta e nove minutos nem duas horas e um : eram duas em ponto quando o agente apertou a campainha, no apartamento de Joel Silveira, no sexto andar de um prédio da rua Francisco Sá, em Copacabana. O agente encenava, sem suspeitar, o poema de Lawrence Ferlinghetti. Era como se dissesse: tudo pode atrasar no Brasil, mas a morte, quando vem, chega exatamente na hora, sem tolerância. Nem um segundo de atraso.

Desci do sexto andar. Lá embaixo, tive o gesto inútil de observar a placa da Kombi branca da Santa Casa de Misericórdia: LFR 1236. A Kombi trazia, nas laterais, o nome da Santa Casa e o telefone: 0800 257 007.

Joel tinha inveja de um personagem de Vitor Hugo que, minutos antes de ser guilhotinado, dizia, resignado, que estava pronto para a execução,mas “gostaria de ver o resto”. Ou seja: o personagem gostaria de descrever a própria morte. Que palavras Joel usaria ?

Quanto a nós, discípulos e aprendizes, já não há o que fazer, além de anotar a placa da Kombi : LFR 1236, três letras e quatro números amargamente inúteis.

2
O que dizer de um grande repórter ?

Diga-se que, numa tarde, sem ter o que fazer num quarto de hospital, ele foi capaz de contar o número de aviões que cruzavam os céus.

A cena, testemunhada pelo abaixo-assinado:

Enrolado num lençol verde para atenuar o frio do ar-condicionado ligado na potência máxima, o ex-correspondente de guerra Joel Silveira descobriu uma maneira originalíssima de combater o tédio que se abatia sobre ele nas tardes infindáveis do quarto 1122 do Hospital dos Servidores do Estado, no centro do Rio, numa das vezes em que esteve internado : resolveu contar quantos aviões passavam no céu.

O quarto 1122 oferece uma bela vista da Ponte Rio-Niterói. Da cama de Joel, era possível enxergar o intenso tráfego de aviões que se dirigiam ao Aeroporto Santos Dumont. “Já contei quarenta e três aviões. Agora, chega” – disse,ao dar por encerrada a apuração de dados aeronáuticos para uma reportagem que, ele sabia, jamais seria escrita.

A contagem de aviões nos céus do centro do Rio foi a última tarefa jornalística daquele que era chamado por Assis Chateaubriand de “a víbora”.

O apelido lhe foi dado pelo chefão dos Diários Associados depois que Joel escreveu uma reportagem recheada de ironias sobre as damas do soçaite paulistano. O título de “maior repórter brasileiro” também acompanhou inúmeras vezes o nome de Joel Silveira – que, aos trinta e dois anos, foi enviado por Chateaubriand para os campos de guerra na Itália,na Segunda Guerra Mundial.

”Fui para a guerra com 32 anos.Voltei com 80.O que a guerra nos tira – quando não tira a a vida – não devolve nunca mais” – diria, pelo resto da vida. Viu o sargento Wolf ser fuzilado por uma patrulha alemã. O texto que Joel mandou para os Diários Associados começava na primeira pessoa : “Vi perfeitamente quando…..”.

Joel Silveira era representante de uma categoria rara : a dos repórteres que dão um toque pessoal e inconfundível ao que escrevem. Passou a vida lamentando não ter abordado Ernest Hemingway que, solitário, bebia conhaque num café da Paris do pós-guerra.”Perdi a chance de pedir uma entrevista. O pior que poderia acontecer era levar um soco de Hemingway- o que garantiria uma bela matéria”. Rubem Braga foi companheiro de Joel na aventura européia durante a guerra.

Com Nélson Rodrigues – de quem foi companheiro de redação em publicações como a Manchete a e Última Hora – Joel tinha relações distantes.

Depois de ficar em silêncio observando Joel datilografar furiosamente um artigo na redação, Nélson Rodrigues soltou uma exclamação: “Patético !”. Dias depois, Joel devolveu o gesto. Diante da mesa de Nélson Rodrigues, bradou : “Dramático !”.

O humor afiado transformou-o em personagem de incontáveis histórias dos bastidores do jornalismo. Sempre que tinha chance, encaixava em seus artigos uma observação contra dois tipos que detestava gratuitamente : os tocadores de cavaquinho e os alpinistas.

“O cúmulo do ridículo – beirando o grotesco – é um marmanjo, gordo e barrigudo, tocando cavaquinho”- escreveu, num dos seus livros.

Em outro texto,perguntou : “Pode haver algo mais idiota do que um alpinista ? “.

Depois de consumir quantidades oceânicas de uísque, passou os últimos anos da vida abstêmio.”Já não tenho com quem beber. Meus amigos se foram. Nada é tão triste do que beber sozinho”. Passou os últimos anos declarando : “Sou a maior solidão do Brasil”.

Repórter a vida inteira, dizia que, se houvesse justiça na hierarquia das redações, os donos dos jornais seriam subordinados aos repórteres. Só teve uma experiência como dono de jornal. Publicou, no início dos anos cinqüenta, um jornal, Comício, que reunia um time de primeira : Clarice Lispector, Rubem Braga,Fernando Sabino,Carlos Castelo Branco.

Dizia que tinha perdido a conta de quantos livros publicara. Entre os títulos mais conhecidos, estão “A Guerra dos Pracinhas”, “Tempo de Contar” e o autobiográfico “Na Fogueira”.

Resumiu assim uma trajetória iniciada num jornalzinho de escola em Sergipe,em 1935 : “Passei a vida vendo a banda passar.É o que todo repórter deve fazer”. Conheceu pessoalmente dois cardeais que, depois, seriam indicados Papas : João XXIII e Paulo VI. Teve um encontro com Pio XII. Os encontros com os Papas não foram suficientes para transformá-lo em homem religioso . Cético, gostava de repetir o poeta Murilo Mendes : “Deus existe.Mas não funciona”.

Atento aos fatos até o último momento, disse-me, por telefone: “Estou morrendo. É o fim”.

Uma das lições que aprendi: jornalista de verdade é aquele capaz de contar aviões na cama de um hospital.

Posted by geneton at 10:44 AM

julho 23, 2010

QUATRO COISAS A DIZER SOBRE A PM DO RIO NO CASO DO ATROPELAMENTO DE RAFAEL MASCARENHAS

PMs pediram dez mil reais de propina para liberar carro do atropelador e “desfazer” local do atropelamento de Rafael Mascarenhas, filho de Cissa Guimarães. Afirmação do pai do atropelador, em depoimento à polícia.

Só há quatro coisas a dizer sobre a PM do Rio no caso do atropelamento de Rafael:

Vergonha. Vergonha. Vergonha. Vergonha.

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2010/07/pai-de-atropelador-de-rafael-diz-que-pms-pediram-r-10-mil-para-liberar-carro.html

PS: É triste, é lamentabilíssimo: a investigação sobre o atropelamento revelou um Grande Festival de Crápulas. Não há outra palavra. Quem inventou a história de que o atropelador estava apenas fazendo um retorno, em baixa velocidade, para ir fazer um singelo lanche, consegue se olhar no espelho de manhã ? Eu passaria o resto da vida coberto de vergonha de mim mesmo.

Posted by geneton at 10:49 AM

julho 22, 2010

RAFAEL MASCARENHAS, O FILHO DE CISSA GUIMARÃES : CHEGA DE TRAGÉDIA. O QUE FICA É A ALEGRIA DE UM MENINO COM UMA GUITARRA

É assim : seja qual for a situação, morrer jovem é um imenso,um grande,um intolerável absurdo.

A morte de Rafael Mascarenhas, o filho da atriz Cissa Guimarães e do músico Raul Macarenhas, provocou comoção ainda maior, diante das circunstâncias do acidente.

Não há o que dizer. O sentimento de perda é, sempre, devastador – mas há o que perguntar,sim.

Ninguém precisa ser policial para constatar que o atropelador cometeu não um, mas vários crimes.

Nada, absolutamente nada, nenhum argumento, nenhuma desculpa, nada justifica o que ele fez : deixou a vítima de um atropelamento agonizando no asfalto. Pisou no acelerador e abandonou a cena do acidente. Isso é moralmente indesculpável. Funciona, aliás,como um atestado de culpa. Ponto.

A lista de absurdos começou antes: o motorista estava dirigindo carro dentro de um túnel interditado. Como se não bastasse, fez um retorno proibido. Testemunhas dizem que ele estava disputando um pega. Resultado: atropelou um rapaz de dezoito anos. Pior : deixou o local sem prestar socorro à vítima.

A sucessão de crimes não pára aí : abordado por uma viatura da polícia em local próximo ao atropelamento que acabara de cometer, o atropelador recebeu “autorização” para seguir para casa, como se nada tivesse acontecido. Vale lembrar: neste exato momento, a vítima agonizava no asfalto, dentro do túnel. A autorização dada pela polícia é suspeitíssima. Não por acaso, os policiais já foram afastados de suas funções.

A nota divulgada pela PM do Rio é um insulto e um escárnio : dizia que os policiais não detiveram o carro porque não notaram nenhum sinal de acidente.

Horas depois, quando o carro apareceu, o Rio de Janeiro viu a dimensão do absurdo: a frente do carro do atropelador estava totalmente danificada. Um cego teria notado que aquele carro tinha se envolvido num acidente. Os policiais que o abordaram não “notaram”.

Em suma: um carro com evidentíssimos sinais de ter se envolvido num acidente sai de um túnel interditado. É abordado pela polícia, mas segue viagem.

A polícia continuou errando : qualquer criança sabe que o local do acidente deveria ter sido isolado e preservado. Não foi. Doze horas depois do acidente, um fotógrafo do jornal O Globo fotografou, no local, evidências que, eventualmente, poderiam ser úteis à investigação.

Em seguida, o atropelador despachou o carro para uma oficina num bairro distante – outro gesto suspeito.

É óbvio que somente um inquérito pode reconstituir,na medida do possível, o que aconteceu. Mas…a soma de absurdos é,desde já, escandalosa.

O pior já aconteceu. Fica pelo menos uma pergunta (e uma esperança) : não haverá, em toda a polícia do Rio de Janeiro, alguém que ponha fim a este escárnio ?

O jornalista Jorge Antônio Barros, titular do blog “Repórter de Crime” no site do jornal O Globo,lembrou bem : ao comando da PM cabe apurar que tipo de serviço, afinal, estes policiais estão aptos a prestar à população ( http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/reporterdecrime/)

Mas chega de tragédia.

Os que conviveram com Rafael Mascarenhas certamente não vão guardar lembranças tristes. Pelo contrário.

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Sala de aula: José, Priscila (professora de música),Rafael e Zeca

Nem faz tempo, fui a uma apresentação que meu filho Daniel,aluno da Escola Parque, faria em companhia de amigos. O grupo – todos eles com quinze, dezesseis,dezessete anos – era formado por garotos que, no Século XXI, amavam ídolos dos anos sessenta, como Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan, Jimi Hendrix. Lá estava Rafael, também aluno da Escola, na guitarra. Tocaram “Hey Joe” e ” Purple Haze” (“Névoa Púrpura”). A letra falava em “kiss the sky” ( beijar o céu).

Ah, sim: chega de tragédia, agora e sempre.

Quando alguém falar de Rafael Mascarenhas não haverá de lembrar de atropeladores, bandalhas, fugas ou policiais suspeitos. Não. Cenas assim haverão de ficar confinadas num filme de terror que ninguém jamais quererá ver de novo.

A imagem que fica, felizmente, é outra. Nem de longe sugere tristeza : garotos empunhando guitarras - como Rafael e seus amigos – sugerem música, juventude, alegria. É a imagem que ele deixa. E, feitas as contas, é o que há de ficar.

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Rafael: "Purple Haze" na guitarra

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Felipe, Lucas, Daniel, João Werneck, Rafael : dia de show

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Daniel, João Werneck, Rafael : fãs de Jimi Hendrix


Posted by geneton at 10:52 AM

junho 14, 2010

CARTA AOS MENINOS QUE CORREM ATRÁS DO ÔNIBUS DA SELEÇÃO BRASILEIRA

O técnico Dunga é teimoso, ranzinza, irritadiço ? Deve ser. Deu um apisada na bola histórica ao deixar o supercraque Paulo Henrique Ganso de fora da seleção. Mas… já não é hora de discutir convocações. A partir desta terça, o Brasil entra em campo. Por pelo menos noventa e minutos, todo o resto, todas as maquinações do planeta, tudo, tudo, tudo parecerá secundário e desinteressante. Nada superará um espetáculo que é dramático e fascinante justamente por ser improvisado e imprevisível : tudo pode acontecer ali.

Todo mundo vira profeta do futebol nestes dias de febre planetária. Deixei registrada, no reinado dos 140 caracteres do twitter, minha pequena provocação de torcedor : “Brasileiro que é macho torce para que a Argentina ganhe todas e chegue à final contra o Brasil. Vai ser o Jogo do Século. Adelante, Maradona !”.

E: “Não faz sentido torcer contra a Argentina. Os inimigos são : Itália (que pode ser penta) e Alemanha (tetra). A final dos sonhos : Brasil x Argentina”.

Reviro meus arquivos não tão implacáveis. Descubro uma viagem aos doze anos de idade, nesta Carta aos Meninos que Correm Atrás do Ônibus da Seleção Brasileira :

O autor da melhor definição já escrita sobre futebol é um ilustríssimo desconhecido. Seja lá quem for, merece ser entronizado quem resumiu em apenas doze palavras esta paixão tão avassaladoramente brasileira:

- Das coisas menos importantes da vida, o futebol é a mais importante…

Noventa e cinco por cento dos brasileiros devem ser adeptos desse mandamento.Os cinco por cento restantes não nasceram ainda.

Quero fazer uma confissão: eu estava banhado de suor no exato momento em que descobri que “das coisas menos importantes da vida, o futebol é a mais importante”. Não, eu não estava disputando uma final de campeonato. Como um celerado, eu corria desembestadamente atrás do ônibus da seleção brasileira, na avenida Rosa e Silva, no Recife, no já remotíssimo ano de 1969. Em minhas mãos, carregava uma folha de papel em branco. Não estava à procura de nenhuma declaração, não esperava por nenhuma entrevista. Nem sonhava em ser repórter. O que eu queria – como, provavelmente, todo menino brasileiro apaixonado por futebol – era um autógrafo de um dos meus ídolos.

Fui a pé de minha casa até o estádio do Náutico, na avenida Rosa e Silva. Uma multidão de torcedores esperava pela chegada da seleção, para o treino. Lá vem o ônibus. Tumulto. Gritaria. Empurrões. Eu me lembro de ter visto Tostão e Clodoaldo acenando na janela. Ou terá sido Gérson? Quem sabe, Jairzinho.Não importa: os craques dos meus times de botão estavam ali, materializados, a dois palmos de distância.

O treino ia ser fechado. Mas eram tantos os torcedores correndo atrás do ônibus que a Federação resolveu abrir os portões do estádio. Aquele punhado de fanáticos teve, então, o privilégio de assistir a um treino da seleção que, meses depois, entraria para a história do futebol mundial nos gramados do México como o melhor time de futebol de todos os tempos.

O que diabos eu estava fazendo na arquibancada do estádio dos Aflitos, na manhã de um dia de semana?

Aos doze anos de idade, eu estava descobrindo que o futebol é a mais importante das coisas menos importantes da vida. Dizem que a gente só guarda na memória rostos, datas e nomes que, por um ou outro motivo, nos são realmente importantes.O trator dos neurônios soterra o resto. Pois bem: meu professor de desenho no Colégio São Luís – que Deus o perdoe – passou o ano tentando me fazer entender que “o quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos”. Eu passei o ano preocupado com outro problema: o Sport Club do Recife, afinal de contas, ia ou não barrar a caminhada do Náutico rumo ao título de heptacampeão pernambucano? O meu time de botão ia ou não ganhar o dificílimo campeonato que a gente organizava na rua Dom Manoel da Costa, no bairro da Torre?

Enquanto o professor – com cara de zagueiro alemão – tentava me familiarizar com o fantástico mundo da geometria, eu ficava pensando com meus botões: quem é hipotenusa? O que significa cateto? Onde fica a saída, pelo amor de Deus? Cadê o meu timaço de botão?

Hoje, séculos depois, declaro-me formalmente incapaz de explicar o que significa a soma dos quadrados dos catetos. Mas sei de cor a escalação do time do Sport: Miltão; Baixa, Bibiu, Gílson e Altair; Válter e Vadinho; Dema, Zezinho, Acelino e Fernando Lima. Não preciso consultar nenhum jornal antigo para recitar de trás pra frente a escalação do meu time de botão – o Palmeiras de 1968: Perez; Scalera, Baldochi, Minuca e Ferrari; Dudu e Ademir da Guia, Gildo, Sevílio, Tupãzinho e Rinaldo. Eis uma prova matemática dessa verdade fundamental: das coisas menos importantes da vida, o futebol é a mais importante.Se não fosse, eu não teria guardado tantos nomes.

O meu exercício de memória, obviamente, não vale nada. Mas o que é a vida, se não uma coleção de gloriosas inutilidades ? Sou igualmente capaz de recitar o meu time de botão do Botafogo de 1969: Cao, Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Valtencir; Carlos Roberto e Gérson; Rogério, Roberto, Jairzinho e Paulo César. É pouco? Lá vai o time do Santos: Cláudio, Carlos Alberto, Ramos Delgado, Joel e Rildo; Clodoaldo e Negreiros; Manoel Maria, Toninho, Pelé e Edu. Minha memória sepultou no cemitério dos esquecimentos todo o palavrório que meu professor mobilizou na inglória missão de me apresentar aos mistérios dos catetos e hipotenusas. Não tive coragem de dizer a ele, mas, desde o primeiro dia de aula, eu tinha certeza absoluta de que o futebol era mais importante do que a soma dos quadrados dos catetos. Não me perguntem por quê. Eu era um menino brasileiro. Não se deve pedir explicação a nenhum menino brasileiro apaixonado por futebol.

Esquecido das hipotenusas, guardei na memória duas cenas do dia em que corri desembestado atrás do ônibus da seleção brasileira. Clodoaldo saiu de campo chorando, machucado. Termina o treino. Nós, os desocupados meninos do Brasil que saímos de casa numa manhã de dia de semana para correr atrás do ônibus da seleção, tentávamos agora vislumbrar por uma fresta numa das paredes do estádio nossos craques se preparando para ir embora. Parecia filme de Fellini. Nós nos revezávamos no posto de observação. Cada um podia olhar por cinco, dez segundos o que estava acontecendo no vestiário dos nossos deuses. Quando chegou minha vez, o que vi? Clara, nítida, diante de mim, a imagem do Rei Pelé ensaboado da cabeça aos pés.O Rei estava nu.

Quando os jogadores voltaram para o ônibus, pararam para saciar nossa fome de autógrafos. Devo ter guardado em algum lugar esta relíquia. Onde estará este meu pequeno tesouro, pessoal e intransferível ? Lá estão os autógrafos de Tostão, Rivelino, Brito, entre outros que terminaram ficando no caminho, na odisséia rumo ao México – como Paulo Borges, ponta-direita do Corinthians. A seleção que foi treinar no campo dos Aflitos trazia as estrelas que reluziriam na campanha do México: Félix, Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza, Clodoaldo, Gérson, Jairzinho,Tostão e Pelé. Quando o ônibus partiu, repetiu-se a gritaria, o tumulto, a vibração, os acenos. Nova correria atrás do ônibus.

O que terá acontecido naquele ano na vida do menino brasileiro apaixonado por futebol ? O meu professor de desenho me reprovou, é claro. Meu pai me deu uma bronca de dimensões bíblicas: disse que eu passaria os próximos meses proibido de ir ao estádio. O meu time do Palmeiras perdeu o campeonato da rua Dom Manoel da Costa na penúltima rodada. O juiz com certeza deve ter roubado. O Santa Cruz – tragédia – venceu o campeonato pernambucano. O Sport ficou a ver navios, na Ilha do Retiro.

O menino brasileiro – um entre milhões – aprendeu ali que a vida é feita também de derrotas, fracassos, reprovações. Mas é também feita de lembranças que só aparentemente são desimportantes. Minha paixão pelo escrete deve ter começado ali, na corrida atrás daquele ônibus.

Então, dou um conselho aos meninos brasileiros: corram atrás do ônibus da seleção, se tiverem a chance. Ou do carro de bombeiros no desfile da vitória. Quantas lembranças, quantas paixões pelo escrete não surgirão entre esses meninos que correrão, desembestados, com uma folha de papel em branco nas mãos?

Da matéria dessas lembranças se alimenta a mais bonita, a mais avassaladora, a mais incondicional paixão de um povo por uma instituição nacional: a do brasileiro pela seleção.

Posted by geneton at 11:20 AM

maio 06, 2010

DICIONÁRIO DAS PROFISSÕES : O QUE É UM REPÓRTER ? É AQUELE SER BÍPEDE QUE GANHA UM SALÁRIO PARA SE INTROMETER NA VIDA DOS OUTROS

Jornalista adora contar vantagem. Se ele se levar cem por cento a sério, deve ser internado. Se não se levar, deve ser lido (ou visto ou ouvido, se for o caso).

Feitas as apresentações, convido-vos ao próximo parágrafo.

Repórter é aquele ser bípede que ganha um salário para se intrometer na vida dos outros. Ou para perguntar o que o entrevistado preferiria não responder. Não há exceção a esta regra. Quando vira “amigo” da celebridade, o repórter se anula. Transforma-se em uma entidade não-jornalística.

Uma das primeiras vacinas que o jornalista deve tomar, já no início da carreira, é a AD : anti-deslumbramento. Assim, ele aprenderá que estar próximo não é ser íntimo. Nunca.

O fato de eventualmente conviver com quem é de fato importante e célebre, como presidentes, astros, estrelas, gênios e sumidades, não faz do repórter um integrante desta corte. Pelo contrário. Desde que adote este mandamento como mantra, o repórter estará tecnicamente liberado para contar vantagem à vontade. É o que farei agora.

Feitas as ressalvas, intimo-os ao próximo parágrafo.

Já passei uma hora trancado numa suíte de um hotel em Londres com Woody Allen – que me confessou: “Quero a imortalidade é no meu apartamento, não no meu trabalho!”.

Fui convidado pelo primeiro baterista dos Beatles, Pete Best, para tomar uma cerveja pós-entrevista num pub em frente ao Cavern Club, em Liverpool, em companhia do cinegrafista Paulo Pimentel. Pensei: “Beatlemaníacos dariam a mão direita para estar no nosso lugar”.

Ouvi a viúva mais famosa do mundo, Yoko Ono, soltar uma suspiro desolado, ao ver uma foto em que aparecia ao lado de John Lennon diante do Edifício Dakota.

Vi a Dama de Ferro, a ex-primeira-ministra britânica Margareth Thatcher, me fitar com olhos gelidamente azuis para dizer que não, não iria atender ao pedido que eu fizera a ela: que tal se, num exercício de autoavaliação instantânea, ela escolhesse entre todas as palavras apenas uma, capaz de definí-la?

Vi de perto a cabeleira de um velho ídolo, Paul McCartney, o meu Beatle favorito: a juba tinha levado uma tintura, com certeza. O tom da pele do rosto era ligeiramente esquisito: tinha levado uma camada de pó. Não consegui articular uma pergunta. Os seguranças o cercaram.

Vi um Chico Buarque jovem e nervoso virar um copo de uísque nos bastidores do Teatro Santa Isabel, no Recife, em busca de coragem para encarar a platéia.

Vi o Rei Roberto Carlos pedindo à nossa equipe que não, não gravasse imagens de uma santa que reinava em cima de uma pequena penteadeira no camarim.

Vi Pelé caminhar anônimo pela Quinta Avenida, em Nova Iorque, por apenas dezesseis segundos – tempo suficiente para ser reconhecido por um africano e, em seguida, por uma multidão que causou um tumulto na calçada.

Vi o ex-presidente Fernando Collor acompanhar nossa equipe até o automóvel, no pátio de uma estação de televisão em Maceió, num gesto que não lembrava em nada o político de ar empertigado dos tempos em que desfilava pela rampa do Palácio. Durante o caminho, foi falando com saudade da finada revista “Realidade”.

Vi um Glauber Rocha meio inchado, com cara de sono, desfilar pelo saguão de um cineminha num subúrbio de Paris com uma cópia do último filme que fez, “A Idade da Terra”. Queria mostrar a críticos franceses.

Vi Paulo Francis se divertir feito criança com a história de que um embaixador brasileiro teria feito uma nova “opção sexual” depois de velho.

Vi o rosto sereno do Carlos Drummond de Andrade morto : em vida, era o homem mais discreto do planeta. Inerte, no caixão, tinha o rosto bombardeado por flashes. Fiquei pensando no absurdo da situação.

Vi Ulysses Guimarães, à época comandante da oposição política ao regime militar, me soprar no ouvido uma frase que não sei se era uma queixa ou um cumprimento : “Você disparou um petardo!”. O velho combatente de olhos azuis reclamava de que eu o “forçara” a se pronunciar sobre a morte de um operário nos porões do Exército, em São Paulo, num momento em que ele, raposa, ainda não tinha recebido informações concretas sobre o caso.

Vi, num momento especialíssimo, o ar contrito do homem que, para o bem e para o mal, mudou a história do Século XX: depois de votar na primeira eleição para presidente realizada na história da Rússia, Mikail Gorbachev caminhou, cabisbaixo, por uma alameda, em direção a um portão de ferro, num subúrbio de Moscou. O homem que comandou uma superpotência vivia, ali, um momento de intensa solidão. Um observador rigoroso flagraria, nas feições de Gorbachev, aquela “dor atônita dirigida contra todo o ordenamento das coisas” que o Dom Fabrizio de “O Leopardo” notou no olhar de um coelho abatido.

O rosto de Gorbachev exibia um ar grave, enquanto ele caminhava, silente, com o olhar voltado para o chão. Em que estaria pensando? Um mundo desabava ali – não com um estrondo nem com um suspiro, como poderia imaginar o poeta, mas com um silêncio enigmático.

Boa noite.

Posted by geneton at 11:48 AM

abril 23, 2010

DUNGA, SEJA GRANDE : VOCÊ NÃO PODE DEIXAR NEYMAR EM CASA!

A cena aconteceu nos arredores de Londres, na porta do hotel em que a seleção brasileira estava hospedada, à espera da hora de disputar um amistoso com a seleção inglesa no estádio de Wembley,no verão europeu de 1995. Os jogadores descem para ir ao ônibus. Fãs – a maioria, crianças – abordam as estrelas para fotos e autógrafos. A maioria dos jogadores atende aos pedidos. Zinho passa batido. Faz de conta que não ouve. Um dos jogadores da seleção – o capitão Dunga – distribui com paciência autógrafos. Volta ao quarto, para buscar postais em que aparece trajado com a camisa da seleção. Dá de presente aos fãs o postal autografado.

Fiz uma entrevista com ele. Dunga fez uma confissão curiosa : disse que, quando caminhava do meio-de-campo para a marca do penâlti, na decisão do título contra a Itália, ficou “cego” e “surdo”. Não ouvia o rumor da torcida. Só enxergava a bola. Ao converter o penâlti, teve a nítida sensação de que se livrara do peso de uma tonelada que lhe esmagava os ombros.

Quinze anos depois, Dunga – que ganhou fama de carrancudo mas era perfeitamente capaz de gestos simpáticos como o que testemunhei em Londres – é o técnico da que tentará conquistar, para o Brasil, o inédito título de hexacampeão mundial.

O “clamor” da torcida provocou um dilema íntimo em Dunga : deve ou não convocar o menino Neymar, o talento luminoso revelado pelo Santos Futebol Clube ? A resposta : é claro que deve ! Neymar é, hoje, a encarnação das melhores virtudes do futebol brasileiro. Não pode ver a Copa pela televisão! Precisa entrar em campo. Guardadas as proporções, pode cumprir, na seleção brasileira de 2010, o papel que coube a Pelé na Copa de 1958 : o de ser uma gratíssima surpresa.

Faz parte da tradição brasileira a insistência de técnicos que não se rendem à pressão da torcida. Telê Santana não levou Reinaldo, o artilheiro do Atlético MIneiro, para a Copa de 1982. Quando entrevistei Reinaldo em 2008, ele disse que, toda vez que via lances do fatídico Brasil e Itália da Copa de 1982, imaginava o que poderia ter acontecido se ele tivesse sido convocado, já que se considera – e era! – um jogador melhor do que Serginho. O que aconteceu? Telê levou Serginho. Deixou Reinaldo em Minas. Reinaldo diz que estava em perfeita forma em 1982 ( ao contrário do que ocorrera na Copa de 1978, quando jogou sem estar “no ponto”). Só não foi porque o técnico não quis. Quem sabe, poderia ter feito a diferença naquele jogo em que o carrasco Paolo Rossi despachou a seleção brasileira de volta para casa.

Parreira levou o menino Ronaldinho para a Copa de 1994. Faltou a Parreira a ousadia que faz toda diferença : quando o Brasil foi para a prorrogação, na finalíssima contra a Itália, depois de um empate de zero a zero no tempo normal, Parreira lançou mão de Viola. Poderia ter lançado Ronaldinho, um jogador mais hábil, mais talentoso, mais surpreendente. Ronaldinho já brilhava. Se tivesse entrado naqueles instantes finais, poderia ter feito a diferença. Teria tido a maior chance que alguém poderia oferecer a um jogador recém-saído da adolescência : a de entrar em campo no fim da prorrogação de uma decisão de Copa do Mundo para tentar resolver a parada. Não entrou. Parreira deixou-o no banco.

Não é segredo para ninguém, porque sempre foi assim : o que incendeia as grandes conquistas é a aposta no incerto, no novo, no desconhecido. Se não fosse assim, as caravelas não teriam saído de Lisboa para conquistar o Novo Mundo. O personagem de um romance pedia “luz, altura, claridade !”. O que pode dar “luz, altura e claridade” à seleção brasileira nos campos da África do Sul é o talento juvenil de um craque como Neymar : uma aposta no novo, no incerto, no desconhecido.

Para que esperar quatro anos para levar Neymar para uma Copa do Mundo ? Se Dunga se render ao coro da torcida, terá dado não uma demonstração de fraqueza, mas de inteligência : convocar Neymar é reconhecer que existe hoje, em atividade no Brasil, às vésperas de uma Copa do Mundo, um talento raro, um desses que demoram anos para aparecer. Quando aparecem, não podem ser preteridos.

É só comparar Neymar com Adriano, o ex-imperador : pesadão, irregular, desmotivado, Adriano não comporta comparações com Neymar.

Eu vos confesso: sou um torcedor acidental. Só me envolvo para valer em Copa do Mundo. Temo intimamente o momento fatídico em que Galvão Bueno exclamará, lá pelos quarenta minutos do segundo tempo : “Fica dramática a situação do Brasil !”. É o que ele diz quando as coisas começam a desandar.

Se deixar Neymar em casa, Dunga estará dando a Galvão Bueno a chance de pronunciar a frase fatal: “Fica dramática a situação do Brasil”. Ah, não.

O “Dossiê Geral” não é blog de futebol. Mas, como noventa e oito por cento dos brasileiros têm algo a dizer sobre a seleção, nós empunhamos um pincel imaginário para pichar no muro da CBF : “Dunga, seja grande : você não pode deixar Neymar em casa !”.

Porque deixá-lo é um crime de lesa-futebol.

PS: Por que diabos fui falar de futebol hoje ? É que fui a São Paulo esta semana para gravar uma participação no programa Altas Horas. Assunto: as entrevistas com os generais. Lá pelas tantas, Serginho Groisman pergunta aos convidados (o locutor que vos fala, a banda os Raimundos – com Tico Santa Cruz, o cantor Toquinho, o humorista Marcelo Médici e a bela atriz Aparecida Petrowki) sobre a preferência futebolística de cada um.

Fora das Copas do Mundo, sou um torcedor tecnicamente ausente. Torço pelo Sport Clube do Recife. Quando criança, ia ao estádio da Ilha do Retiro para ver os clássicos contra o Náutico e Santa Cruz.

Em São Paulo, sou Corinthians desde que, aos onze anos de idade, em março de 1968, ouvi pelo rádio a vitória histórica sobre o Santos. Fazia anos e anos que o Santos não perdia para o Corinthians. Perdeu naquela noite : gols de Flávio e Paulo Borges. Eu tinha o time de botão: Diogo; Oswaldo Cunha, Ditão, Luiz Carlos e Maciel; Swing e Rivelino; Buião, Paulo Borges, Flávio e Eduardo.

Sempre fui um torcedor distante do Flamengo no Rio. Nunca deixei de ter simpatia pelo Botafogo ( meu time de botão não me deixava mentir: Cao; Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Valtencir; Carlos Roberto e Gérson; Rogério, Roberto, Jairzinho e Paulo César). Estou em vias de jogar esta dubiedade clubística para o alto: depois de um rigoroso exame de consciência, caminho para optar pelo Botafogo como meu time preferido em plagas cariocas.

Já disseram : das coisas menos importantes da vida, a mais importante é o futebol. Não conheço o autor da frase. Mas, seja quem for, acertou na mosca. Já se disse – igualmente – que a memória só guarda o que importa. O resto se apaga na avalanche de neurônios. Se o futebol não fosse importante, eu, um pré-dinossauro, não saberia recitar, hoje, as escalações dos times que ouvi jogar, pelo rádio, nos idos de 1968….É inútil saber ? É óbvio que é. Mas, feitas as contas, o que é a vida, senão uma gloriosa coleção de inutilidades ?

Se é assim, pelo licença para informar que decorei também a escalação do Santos Futebol Clube de 1968/69: Cláudio; Carlos Alberto, Ramos Delgado, Joel e Rildo; Clodoaldo e Negreiros; Manoel Maria,Toninho, Pelé e Edu. Jamais alguém me perguntou – ou perguntará – por estas escalações.Pior para quem não se interessa. Porque para mim basta saber que guardo até hoje, comigo, as escalações que eu recitava para mim mesmo, como se fosse um locutor de rádio, enquanto caminhava de volta para casa, pelas ruas do bairro de Nossa Senhora do Rosário da Torre, no Recife, depois de testemunhar aulas incompreensíveis de matemática. Tinha o cuidado de falar em voz baixa, para não chamar a atenção dos outros terráqueos que caminhavam pelas calçadas, alheios a minhas recitações solitárias. Dizer o nome dos jogadores pelas ruas de um bairro remoto da América do Sul. Que outra coisa poderia fazer um menino de doze anos ?

Posted by geneton at 11:49 AM

março 18, 2010

O DIA EM QUE CID MOREIRA CHOROU “DE SOLUÇAR”

Aviso ao internauta incauto : se quiser saber do choro de Cid Moreira, vá direto para o penúltimo parágrafo.

Porque o resto do espaço foi ocupado pelo maior preâmbulo já publicado pelo Dossiê Geral.

O primeiro contato entre as patas do blogueiro-que-vos-fala e o carpete da sede da Rede Globo, no Jardim Botânico, ocorreu em 1985. Logo depois, tive uma sensação que seria marcante: ter um texto lido por Cid Moreira.

A sensação seria marcante para qualquer jornalista, mas especialmente para quem, como eu, jamais teve qualquer vocação para TV : o blogueiro era – e é – um praticante da “imprensa escrita” que foi parar em TV por puro acidente. Terminou ficando. C´est la vie.

(É verdade: se eu fosse um filósofo de botequim, declararia solenemente que a vida não passa de uma enorme sucessão de acasos e equívocos que a gente nunca consegue corrigir a tempo. “O que diabos estou fazendo aqui? ” é uma pergunta que me ocorre quinze vezes por dia, em qualquer ambiente em que esteja. Costumo fazê-la na surdina, a mim mesmo. A resposta é um silêncio cúmplice. Meu demônio-da-guarda costuma me soprar: “Também não tenho a menor ideia. Toca o barco enquanto tento achar uma resposta!”).

Mas, como ia dizendo antes de ser estupidamente interrompido por este devaneio filosófico: eu estava na praia de Boa Viagem, no Recife, recém-chegado de uma temporada em Paris, onde, além de estudar cinema e ter tido a chance de um encontro com Glauber Rocha, prestei relevantes serviços à pátria francesa como camareiro de um hotel no Quartier Latin e motorista de uma família rica. Um ex-chefe de reportagem caminhava pela areia. Perguntou se eu não queria ir para a TV. Respondi que não, obrigado. Não tinha o menor interesse em trabalhar em televisão. Gostava de escrever reportagens que se estendiam por laudas e laudas (era assim que se chamavam as páginas onde nós, dinossauros, datilografávamos os textos). Jornal era minha praia. Além de tudo, uma jaguatirica da serra, minimamente maquiada, é vinte vezes mais fotogênica do que eu. Reconhecer-se pouco “fotogênico” é um eufemismo para “que bicho feio arretado!”. O que diabos eu iria fazer em TV? Ficar escrevendo frases telegráficas ? E a subliteratura que eu cometia com tanta dedicação em minhas reportagens especiais para o jornal? O que é que iria fazer com ela ? De qualquer maneira, por insistência do ex-chefe de reportagem, Ricardo Carvalho, subi o Morro do Peludo, em Olinda, onde ficam as instalações da TV Globo-Recife.

Corta para 1985. Jardim Botânico, Rio. O texto que Cid Moreira gravou se perdeu na poeira da estrada: tinha sido feito para o Jornal Nacional. Descrevia o primeiro dia de desfile das escolas de samba no carnaval de 1986. Entendo tanto de escola de samba quanto o atacante Dentinho – do Corinthians - entende de física quântica. Mas o texto, claro, era meramente descritivo. Não precisava ser escrito por um especialista. Eu me lembro de que o destaque do desfile daquele ano foi a homenagem,bonita, que a Mangueira fez a Dorival Caymmi.

( Quanto a ser ou não especialista: jornalista, como se sabe, é aquele ser bípede capaz de se transformar, em poucos minutos, num profundo especialista em todo e qualquer assunto. A cena é corriqueira nas redações. Cai um avião, por exemplo. É pule dez dez: logo, logo, na reunião de pauta, um jornalista começará a pontificar sobre segurança aérea, treinamento de pilotos, técnicas de resgate, profissão de aeromoça, capacitação de comissários de bordo, envio de equipes de salvamento, programação de robôs, engenharia de vôo, diâmetro das turbinas, painel de controle,velocidade do reverso etc.etc. Faz parte do ritual da profissão. A sorte é que, antes de ir ao ar, tais teses passarão por “n” filtros).

Pois bem: depois de rabiscar o texto sobre o desfile das escolas de samba numa máquina de escrever que, hoje, pareceria jurássica, entreguei a obra-prima a Cid Moreira, para que ele gravasse. Cid chegava à redação do Jornal Nacional em torno das quatro da tarde. A cena era característica: dobrava o braço, levava a mão até a altura do ombro e usava o dedo médio e o indicador, estendidos, para carregar o paletó nas costas. Era assim que desfilava pelo corredor onde ficavam as ilhas de edição.

Instalado na cabine de gravação, ele passava os olhos no texto. Fazia marcações com a caneta para sublinhar as pausas. Depois, eu teria a chance de gravar dezenas de textos com Cid Moreira, no Jornal Nacional ou no Fantástico. Vi que Cid precisava apenas de alguns segundos de dar à leitura o tom que a gente pedia. Os grandes narradores são assim. Quando a matéria tratava de algum assunto grave, bastava pedir : “É porrada!”. Quando o assunto não tinha tons dramáticos, bastava dizer: “Pega leve”.

A passagem pela TV deu a este blogueiro a (rara) chance de ter suas frases mambembes lidas por vozes grandiosas, como as de Cid Moreira, Sérgio Chapelin ( é dono de uma das locuções mais marcantes, mais elegantes e mais bonitas da história da TV brasileira), William Bonner (caso raríssimo de jornalista que, se quisesse, poderia fazer carreira apenas lendo textos com aquele vozeirão), Celso Freitas, Berto Filho. São feras diplomadas e reconhecidas. A gente dizia, em tom brincadeira: “Lida por Sérgio ou por Cid, uma frase como Gugu-Dadá imediatamente soa importante”.

De vez em quando, uma alma curiosa pergunta ao blogueiro: “Por que é que você não lê o texto de suas matérias na TV?”. Respondo, há anos: se algumas das vozes mais marcantes da TV estão ali, ao alcance da mão, para dar brilho, ritmo, clareza e força ao que a gente escreve, por que é que eu iria dispensá-las ? Sempre que possível, recorri e recorro a elas. Fiz os cálculos: daqui a 85 anos, seis meses e vinte e cinco dias aparecerá um jornalista que leia um texto com o brilho de um Sérgio Chapelin ou um Cid Moreira. Como diria o filósofo Riachão, “cada macaco no seu galho”. Voz é dom. Não se adquire.

Cena de redação: era preciso criar um nome para a versão brasileira do mascarado. Que tal Mister M ? E assim foi feito
Tive uma co-participação num episódio famoso da carreira de Cid Moreira. O Fantástico tinha comprado uma série produzida no exterior, em que um mágico desvendava os segredos das mágicas. O programa original o apresentava como “masked magician” – o mágico mascarado. Era preciso arranjar um nome “brasileiro” para ele. Reunião na sala da direção do Fantástico para tratar do momentoso assunto. Lá estavam Luizinho Nascimento, diretor do Fantástico; Luiz Petry, o editor que, brilhantemente, terminou dando alma à versão brasileira do mágico mascarado – e o locutor-que-vos-fala – que, na época, era editor-chefe do programa. Faltava um nome. Meu pequeno rebanho de neurônios se reuniu para fazer uma prece às musas da inspiração, em busca de uma saída para o impasse. Propus: e se a gente chamar o mágico de Mister M ? “Por quê?” – uma voz inquisidora queria saber. Não havia um motivo especial: “Mister M pode ser Mister Mágica. Ou Mister Montano ( o sobrenome do nome de batismo do mágico). Ou nada: apenas um nome”.

E assim foi feito. Cid Moreira leu com uma entonação inesquecível os textos inspirados que Luiz Petry preparava para o quadro. O mágico virou “senhor de todos os segredos”. O nome “Mister M” caiu na boca do povo. O próprio mágico – que não sabia que tinha sido batizado como Mister M no Brasil – chegou a adotar o nome, depois de informado. Uma vez, liguei para ele. A gravação na secretária eletrônica dizia que “Mister M” não podia atender. Ocorre-me agora: Mister M poderia ser “Mister Moreira”.

Um dia, quando estiver recolhido a uma caverna, ouvirei a pergunta fatal, provavelmente pronunciada por um neto curioso: “O que foi que Vossa Excelência fez de memorável na vida ?”. Depois de pedir três horas para pensar, responderei: “Que eu me lembre, nada, a não ser criar um nome: Mister M”.

Belo destino.

E o choro de Cid Moreira ?

O superlocutor lançou, esta semana, o livro “Boa Noite”, escrito em parceria com Fátima Sampaio Moreira. Como diziam aqueles anúncios antigos, já deve estar nas “boas casas do ramo”. Não deu tempo ler. Passei uma vista, curioso. Já deu para ver que é um belo registro sobre a trajetória do dono de uma voz que marcou época.

Uma das cenas narradas por Cid no livro:

“Sou uma pessoa que teve grande credibilidade em meu trabalho, que teve muitas coisas que muitos poderiam chamar de sucesso. Era reconhecido por um país inteiro, onde quer que eu fosse, tive relacionamentos amorosos com muitas mulheres bonitas e inteligentes, tive dinheiro, prestígio e cultura. Usufruí de conforto e pratiquei esportes. Vivo em uma das cidades mais bonitas do mundo, quase em frente ao mar. Viajei e visitei várias partes do planeta. Então, muitos vão insistir que isso é sucesso e tudo o que o homem precisa nessa vida. Eu vou dizer do fundo do meu coração : é tudo ilusão, como refletiu tão bem o sábio rei Salomão. É tudo ilusão ! Não que eu não seja agradecido, ou coisa assim, por ter vivido as minhas experiências (…) Nâo estou dizendo que, apesar de tudo, não foi boa a minha vida. Estou dizendo que, em algum momento, a gente para para pensar e se dá conta de que se sente imensamente sozinho. Certa noite, depois do jantar, sentei em uma poltrona em meu escritório e sentir uma dor incrível provocada pela solidão. Nesse dia, eu chorei. Chorei muito mesmo! De soluçar! De doer a alma! Quando não suportava mais essa dor, me ajoelhei e pedi a Deus um sinal do que eu deveria fazer para tornar minha vida realmente significativa (…) Nós, miseráveis, que andamos de um lado para o outro sem saber para onde estamos indo, nos destruímos mutuamente(…) Desejo parar de vagar que nem cego e usar os atributos que me foram dados de maneira inteligente”.

Depois dessa crise, Cid Moreira embarcou num projeto grandioso: usar aquela voz para gravar a Bíblia na íntegra.

Posted by geneton at 12:16 PM

março 01, 2010

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS JÁ SE DIVIDE, NOS BASTIDORES, ENTRE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E ZIRALDO

O Dossiê Geral não é exatamente uma coluna de notas, mas registra uma informação de bastidor: há um racha “extra-oficial” na Academia Brasileira de Letras sobre a escolha do sucessor do bibliófilo José Mindlin. Um grupo, tido como “simpático” a São Paulo, quer a candidatura do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas há outro que defende a candidatura do cartunista e multi-artista Ziraldo.

Em resumo: se as previsões se confirmarem, a Academia pode testemunhar um duelo entre FHC x Ziraldo.

Posted by geneton at 12:23 PM

fevereiro 13, 2010

UM PROFESSOR ENTREGA O DIPLOMA AO “DR. ALCIDES”

Nunca um post provocou tantas respostas quanto o que lamentava a execução de Alcides, o estudante morto a tiros por bandidos no Recife. Era filho de uma ex-catadora de lixo. Entrou para a universidade como primeiro colocado entre os alunos de escola pública que prestaram vestibular. A imagem da vibração da mãe de Alcides no momento da aprovação do filho no vestibular emocionou o Brasil, ao ser exibida na TV.

O comentário 175, postado por um professor que se comoveu com o caso, certamente resume o sentimento geral : todos estão entregando, simbolicamente, ao estudante Alcides o diploma que ele já não poderá receber.

O comentário enviado pelo internauta:

175Lauro Almeida de Oliveira:
13 fevereiro, 2010 as 11:00

“Ao Doutor ALCIDES DO NASCIMENTO LINS, com orgulho lhe entrego o seu DIPLOMA, sob o aplauso de milhões de brasileiros honestos como você.

Senhora MARIA LUIZA, Mãe do Doutor ALCIDES e o seu Pai : nos perdoeem. Infelizmente, monstros, assassinos, covardes, nojentos, não deixaram o Doutor ALCIDES DO NASCIMENTO LINS comparecer a essa solenidade. Não o deixaram ajudar os milhares de brasileiros que estariam nas filas para serem atendidos por ele. Seus familiares estão orgulhosos e tristes eternamente, assim como eu, Lauro, Pai, Avô e Professor há quase quarenta anos: sei o que é o sorriso de um negro-autêntico brasileiro-vencedor que lutou até o seu último minuto com a formação de seus pais: seja honesto, seja honrado, seja leal, seja puro, seja limpo, seja pobre-rico em seus atos, mesmo que isto lhe custe a própria vida. O Doutor ALCIDES assim cumpriu sua palavra silenciosa, ouvindo seus pais… foi, é e sempre será aquele que com dignidade maternal, com espírito de luta, com lealdade interna soube nos dar uma lição de vida. Vida essa que nós não soubemos proteger para você estar aqui conosco…

Doutor ALCIDES!… onde você estiver, será lembrado com uma singela homenagem prestada pelo Professor Lauro e seus estudantes, pelo Brasil e pelo Mundo: farei um minuto de contemplação ao seu sonho, ao seu sorriso, aos seus amigos, seus pais e aqueles que conheceram você e por você irão chorar eternamente sua falta.

Escrevo essas linhas hoje, sábado de carnaval, 13 de fevereiro de 2010, estou no Rio de Janeiro e até agora seus algozes não apareceram. Nesta madrugada, me deparei com seu sorriso acima : estavas feliz e realizado, porém ausente eternamente…
DOUTOR ALCIDES, um beijo e um abraço, de um Pai seu adotivo, avô e eternamente amigo: Lauro”

Posted by geneton at 12:35 PM

fevereiro 07, 2010

COMENTÁRIO SUCINTO SOBRE O PLANALTO CENTRAL DO BRASIL

Brasília : oito letras que mentem.

Posted by geneton at 12:39 PM

“CARNAVAL ! ADORARIA VER UM PUXADOR DE SAMBA BERRAR UMA MÚSICA POR DUAS HORAS SEGUIDAS, DESDE QUE EU ESTIVESSE, CLARO, SOB ANESTESIA GERAL”

O luso-dinossauro José Saramago declarou, não faz tempo, que o sucesso do twitter é um sinal de que logo chegará o dia em que a humanidade se comunicará por monossílabos.

( Aos que desembarcaram ontem no Planeta Terra : o twitter é aquele espaço da internet em que internautas podem se comunicar com mensagens que tenham, no máximo, 140 caracteres. É tudo curto, direto, telegráfico, instantâneo. Daí para o monossílabo seria um passo. Não faz tempo, o G1 informou que o twitter já arrebanhou 65 milhões de seguidores em todo o mundo ).

A bem da verdade: a comunicação por monossílabos não seria de todo ruim. O planeta seria um lugar melhor se ficasse livre do matraquear coletivo que infesta nossos ouvidos vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, trezentos e sessenta e cinco dias por ano.

Fiz os cálculos: a rigor, eu só precisaria de quatorze letras para me comunicar. Ficaria feliz se, em qualquer lugar e sob qualquer circunstância, pudesse dirigir ao terráqueo mais próximo a seguinte pergunta: “Onde fica a saída ?”. Quatorze letras: a receita da felicidade.

Assim, imaginei que não seria estapafúrdio tentar acomodar na jaula dos 140 caracteres os Princípios Básicos de Nossa Passagem pelo Planeta, aquelas cláusulas pétras que regem nossos passos – algo assim:

“Eu toparia vestir a camiseta de uma cervejaria para entrar no Sambódromo – desde que,claro, eu estivesse sob a mira de uma Kalashnikov AK-47″

Para não perder o bonde, o blogueiro – uma ruína cinquentenária em avançado estado de decomposição – fez uma experiência no Planeta Twitter. Que tal tentar comentários ( inúteis, é óbvio) sobre o estado geral das coisas, em cerca de 140 caracteres ?

Voilà :

1

Carnaval! Adoraria ver um puxador de samba berrar uma música por duas horas seguidas, desde que eu estivesse, claro, sob anestesia geral.

2

Intuição: nunca, never, jamais confie em gente capaz de usar a palavra “molecada”, urrar “uh ru!” e dizer “oi, galera”. São torturadores disfarçados.

3

Carnaval! Adoraria ver Ivete Sangalo e Cláudia Leite saltitando- desde que eu estivesse, claro, sedado e respirando com ajuda de aparelhos.

4

Curso de detetive: jamais confie em quem começa uma frase com “veja bem”. São assaltantes de creches.

5

É claro que eu iria ver peruas siliconadas se exibindo no Sambódromo, desde que eu estivesse inconsciente e preso a uma camisa-de-força.

6

Curso de detetive: nunca, never, jamais confie em quem fala em “beijo no coração”. São esquartejadores de coelhinhos recém-nascidos.

7

O que é melhor? A) ver um ônibus de turistas brasileiros cantando “ô-lê-lê-ô-lá-lá-pega-no ganzê-pega-no ganzá” em Paris; B) morrer. Resposta: B!

8

Eu leria do começo ao fim uma entrevista de Cláudia Leite falando de amamentação, desde que, claro, alguém me pagasse 1 milhão de euros cash.

9

Nunca, jamais, sob hipótese alguma, confie em casais em que um chama o outro de “momô” e coisas parecidas. São passadores de cheques sem fundo.

10

Sério: eu iria sem reclamar a um show de Ivete Sangalo num estádio, desde que eu estivesse, claro, sob a mira de 38 soldados da Divisão Panzer.

11

Confirmado: nunca, jamais, sob hipótese alguma, confie em quem usa,usou ou pensa em usar bandana ou rabo-de-cavalo. São assassinos de velhinhas.

12

Sério: é óbvio que eu iria ver uma peça em que atores interagem com a plateia- desde que eu recebesse, como recompensa, uma mansão quitada em NY.

13

Pesquisa: se você fosse obrigado a passar o resto da vida numa ilha ouvindo a Banda Calyso, você tomaria o veneno com ou sem açúcar ?

14

Curso de detetive: nunca, never, jamais confie em quem estira o dedo mindinho quando segura um copo. São falsificadores de vacina antipólio.

15

Eu iria ao teatro ver uma dessas cópias de musicais americanos,desde que, claro, recebesse em troca uma pensão vitalícia de 78 mil e 500 reais.

16

Carnaval! Adoraria ver as exibições de “samba no pé” na TV – desde que eu estivesse, claro, em estado de coma induzido.

17

Pequena dúvida noturna : por que é que a Interpol ainda não inaugurou um presídio exclusivo para atores que fazem “número de plateia” ?

18

Palpite: nunca, jamais, sob hipótese alguma, confie em quem palita os dentes em público com a mão espalmada para esconder a boca. São psicopatas.

19

Começo a acreditar em Deus quando chego ao aeroporto,viro crente fervoroso quando estou no avião,volto a ser ateu quando piso em terra firme

20

Puro feeling: nunca, never, jamais confie em quem cheira vinho, balança a taça e faz um bochecho. São serial killers em potencial.

21

Se todos os jornalistas que ser acham gênios relinchassem três vezes antes de dormir, a cidade inteira acordaria com o barulho.

22

Um belo teste de emprego: o candidato que conseguisse rir de uma dessas ceninhas idiotas dos anúncios de cerveja voltaria para o fim da fila.

23

Cálculos: quando tinha 17 anos, eu não confiava em ninguém com mais de 30. Hoje, não confio em ninguém com menos de 50. Nem com mais.

24

Dica: toda vez que um camelô se aproximar, pegue o celular e fique repetindo “klaatu barada nikto”. Já testei. Funciona. O camelô desiste.

25

Quem foi o idiota que achou que a Humanidade poderia se comunicar com um máximo de 140 caracteres ? O pior é que pode. Então, viva ele!

Posted by geneton at 12:39 PM

janeiro 14, 2010

A VIDA: “UM MISTERIOSO CRUZAMENTO DE FORTUNA E INFELICIDADE”, DIZ ERNESTO SABATO A JORGE LUIS BORGES. E É ABSOLUTAMENTE VERDADE

Em poucas palavras, dois grandes escritores chegam a uma conclusão definitiva sobre a essência da vida:

ERNESTO SABATO: “O Xul Solar fez os horóscopos dos meus dois filhos e durante muitíssimos anos eu resisti em conhecê-los. Sempre tive medo do futuro, porque no futuro, entre outras coisas, está a morte”

JORGE LUIS BORGES: “Eu penso que, assim como a gente não pode se entristecer por não ter visto a Guerra de Tróia, não ver mais este mundo tampouco pode entristecer”

ERNESTO SABATO: (…) “Eu nunca quis vê-los (os horóscopos). Sabe que foram se cumprindo?”

JORGE LUIS BORGES( com assombro) : “E como são ? O que pressagiavam?”

ERNESTO SABATO (com uma voz íntima, quase para dentro) : “Um misterioso cruzamento de fortuna e infelicidade.Isso, Borges, isso”.

——————–

(trecho de “BORGES/ SABATO:DIÁLOGOS” ( Editora Globo, 2005)

Posted by geneton at 01:14 PM

DONA ZILDA ARNS ( OU : NOTA RÁPIDA SOBRE UMA PERDA BRASILEIRA )

Zilda Arns trocou o conforto de casa pela dedicação a uma causa nobilíssima: salvar crianças, num país que é generoso com bandidos e cruel com inocentes.

A constatação é inevitável, diante da notícia de que ela morreu no terremoto do Haiti: quando alguém assim desaparece, o mundo piora um pouco.

O que ela passsou a vida fazendo confirma o que Paulo Francis escreveu um dia:

“A morte é uma piada. A vida é uma tragédia. Mas, dentro de nós, mesmo no maior desespero, há uma força que clama por coisas melhores”.

Posted by geneton at 01:11 PM

PEQUENA PAUSA NAS REPORTAGENS E ENTREVISTAS. É HORA DE FAZER FILOSOFIA BARATA E PRECES PARA NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO ESPANTO

1

Já disse, volto a confessar: jamais me recuperei do impacto causado pela descoberta de que cerca de oitenta por cento do corpo humano é água pura.

Água!

Quem seria capaz de levar a sério uma água falante ?

É o que somos: águas falantes.

Não há filósofo que dê jeito nesta precariedade líquida.

Desisto.

Vou passear. É melhor.

2

Dizei, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto : os mímicos continuam soltos ?

Os praticantes – e professores – de dança de salão continuam soltos ?

3

Juro por Nossa Senhora do Perpétuo Espanto: a pergunta mais inesquecível que ouvi na vida me foi feita numa sala de aula de um colégio que tinha péssima fama, o Carneiro Leão, na rua do Hospício, no Recife, nos idos de 1970. Durante uma prova, um colega que sentava ao lado me perguntou, em voz baixa e sussurrante, para não despertar a atenção do professor :

- Brasil é com “s” ou com “z” ?

Fazia sentido.

Eu tinha treze anos de idade. Nem suspeitava, mas, ah, o Brasil, pela vida afora, se tornaria o grande tema de todas as dúvidas.

Aquela – sussurrada pelo colega – seria apenas a primeira de uma série interminável.

4

Acendo uma vela inútil a Nossa Senhora do Perpétuo Espanto. Em silêncio contrito, peço que ela nos poupe das cenas que, inevitavelmente, acontecerão antes de cada jogo da Copa de 2014, no Brasil:

a) um idiota puxará a camisa à altura do peito e berrará para a câmera: “Vai ser quatro a zero! vai sr quatro a zero!”.

b) pior: um repórter terá perguntado a ele quanto será o placar…

c) mulatas requebrarão no saguão do aeroporto, para dar as boas vindas aos turistas estrangeiros, como se estivessem em busca de clientes numa boate de oitava categoria

d) batucadas de samba. Caboclinhos. Maracatu. Índios dançando. Todas estas manifestações de primarismo musical, estético, filosófico e cultural invadirão os vídeos para mostrar o quão exótica é esta grande nação do sul.

e) vai ser bom ver os jogos. Mas, com o avanço das novas tecnologias, não haveria um jeito de tirar o áudio e apagar o vídeo de tudo o que será dito e mostrado antes de cada partida ?

f) dizei-nos, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto: não haveria um jeito ?

5

Uma dúvida irremovível: dizei, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, o que é que leva um ser bípede e falante a posar para uma revista de “celebridades” diante de uma mesa de café-da-manhã fake ? Qual é a força que move aquele aglomerado de ossos e músculos a fazer este papel ?

Dou-lhe meio século para achar uma resposta razoável.

6

Dizei-nos, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, a nós, vossos servos, humildemente postados a vossos pés : o que é que leva um ser humano a exibir orgulhosamente na rua, em camisetas sem manga, músculos deformados nas academias ?

7

Tenho uma convicção firme: a humanidade progredirá drasticamente se, em enterros de gente famosa, ninguém, nunca, jamais, sob hipótese alguma, começar a cantar.

É inapropriado, é patético, é ridículo, é constrangedor.

Pergunta-se: em nome de todos os santos, o que é que custa ficar calado num enterro ? É tão difícil assim manter o lábio superior colado ao inferior? Por que não dar um repouso merecido às cordas vocais ? Não se deve cantar Hino Nacional em cemitério nem, muitíssimo menos, músicas feitas pelo morto. Ou hinos de clube de futebol. Ou toda e qualquer combinação de notas musicais.

Cemitério é lugar de silêncio. Mas há sempre um EFOC ( Equívoco Feito de Osso e Carne ) que começa a cantar.

Forma-se, então, o grande coro dos EFOCs – que, à noite, viverão seus dois segundos de fama no penúltimo bloco do telejornal local.

8

O planeta avançaria cinquenta anos se alguém dissesse a todas os entrevistados que, em nome de Deus, por favor, quando forem falar de alguém que morreu, jamais pronunciem idiotices indefensáveis do tipo: “Agora, ele deve estar feliz lá no céu, ao lado de fulano, fulano e fulano….”.

Por que não ficam calados ?

O defunto não deve estar feliz. O coração parou de bater; o sangue já não circula; os demais músculos estão irremediavelmente paralisados; os neurônios se dissolveram; a visão, o olfato, o tato, paladar, tudo deixou de funcionar: o corpo virou uma carcaça inútil que, em lugares civilizados, é imediatamente cremada para não poluir a terra. O azul do céu é uma bela ilusão de ótica. Ainda que o céu religioso existisse, não existiria espaço para tanta gente. O inferno é outra invenção: não existe nada debaixo da terra. Enfim: parem de dizer idiotices supostamente poéticas quando forem falar dos mortos. O melhor é desejar a eles, sinceramente, uma cremação rápida. That´s all.

9

Dizem que Madonna não gosta de dar entrevistas. Marisa Monte também não.

Ainda bem!

Alguém da platéia poderia lembrar da uma única e escassa frase original e interessante jamais dita por uma cantora à imprensa ?

Vocês têm dez anos para pensar.

10

O Cirque du Soleil, com seus “números de platéia” feitos sob medida para constranger o pobre-diabo que pagou uma fortuna para o ingresso, acaba de aportar na cidade.

Em uma palavra: socorro !

Posted by geneton at 01:07 PM

dezembro 31, 2009

OK, VELHO POETA BUKOWSKI, PODE SOLTAR “O PÁSSARO AZUL” QUE VOCÊ TRAZ NO PEITO, PORQUE O BARCO JÁ ATRACOU NO ANO NOVO

Charles Bukowski escreveu versos bonitos e desarranjados,como “os tigres me encontraram/e eu já não me importo”.

Em apenas duas linhas deste poema chamado “Para Jane”, o velho Bukowski descreve o que poderia ser, perfeitamente, o resumo biográfico de quem chegou à idade da razão : sim, um dia os tigres terminam descobrindo nossos mais preciosos esconderijos, as unhas das feras estão roçando permanentemente a porta para forçar a entrada, mas,tudo somado, não vale a pena temê-los.

Ah, o enorme poder de síntese dos escritores de verdade…

A última linha do poema “Consumação do Pesar” é, igualmente, uma bela declaração de princípios : “Nasci para arrastar rosas pelas avenidas da morte”.

Ou:”Circulo pelas ruas a um passo de chorar/envergonhado do meu sentimentalismo e possível amor/Um homem velho e confuso/dirigindo na chuva/perguntando-se onde a boa sorte foi parar”.

O “DOSSIÊ GERAL” dá as boas vindas a 2010 com um poema pouco conhecido de Bukowski, o escritor que passou a vida cantando a extravagância em textos “sujos” e dilacerados. Se não tivesse morrido de leucemia em 1994, Bukowski poderia, quem sabe, saudar o ano dez com os versos de “O Pássaro Azul”, o poema que fecha a recém-lançada coletânea “Textos Autobiográficos” (L&PM Editores, com tradução de Pedro Gonzaga).

A cena imaginada: solitário, o poeta estaria envolto numa névoa na mesa dos fundos de um bar decadente de beira de estrada. Nós, leitores silenciosos, lançaríamos um apelo : ok, velho lobo dos bares, renda-se uma vez na vida à alegria tantas vezes estúpida e obrigatória dos dias 31 de dezembro; use a meia-noite como desculpa para soltar o pássaro azul que você diz guardar há tanto tempo no fundo do peito.

Bukowski jogaria sobre a mesa os versos que escrevera num papel já gasto:

“Há um pássaro azul em meu peito

que quer sair

mas sou duro demais com ele,

eu digo, fique aí,não deixarei que ninguém o veja.

Há um pássaro azul em meu peito que

quer sair

mas eu despejo uísque sobre ele e inalo

fumaça de cigarro

e as putas e os atendentes dos bares

e das mercearias

nunca saberão que

ele está

lá dentro.

Há um pássaro azul em meu peito

que quer sair

mas sou duro demais com ele,

eu digo,

fique aí,

quer acabar comigo ?

(…) Há um pássaro azul em meu peito que

quer sair

mas sou bastante esperto, deixo que ele saia

somente em algumas noites

quando todos estão dormindo.

Eu digo: sei que você está aí,

então não fique triste.

Depois, o coloco de volta em seu lugar,

mas ele ainda canta um pouquinho

lá dentro, não deixo que morra

completamente

e nós dormimos juntos

assim

como nosso pacto secreto

e isto é bom o suficiente para

fazer um homem

chorar,

mas eu não choro,

e você ?”

Posted by geneton at 01:23 PM

dezembro 26, 2009

RETRATO BRASILEIRO

Carro de bebê versus carrão oficial estacionado em cima da calçada, na rua Sambaíba, no Leblon, em pleno dia de domingo: é preciso comentar?

Carro-CALÇADA.jpg

CARRO-OFICIAL-1.jpg


Posted by geneton at 01:23 PM

novembro 24, 2009

“O BARCO DO AMOR QUEBROU-SE CONTRA A VIDA COTIDIANA.É INÚTIL PASSAR EM REVISTA AS DORES, OS INFORTÚNIOS E OS ERROS RECÍPROCOS. SEJAM FELIZES”

Anotação de uma visita ao museu que homenageia um grande poeta em Moscou:

A poucos passos da antiga sede da KGB, a famigerada polícia secreta dos tempos do regime soviético, o forasteiro encontrará, preservado, um discreto monumento à poesia : o quarto onde vivia Vladimir Maiakóvski, autor de versos épicos e geniais. Não existe lugar melhor para celebrar a beleza trágica da vida do maior poeta russo do século vinte.

“Tudo

o que quero

é um palmo de terra

ao lado

dos mais pobres

camponeses e obreiros.

Porém

se vocês pensam

que se trata apenas

de copiar

palavras a esmo,

eis aqui,camaradas,

minha pena,

podem

escrever

vocês mesmos !”.

Uma pequena legião de fãs maiakovskinianos desembarca todos os dias neste endereço que vem se tornando cult,em pleno centro de Moscou. Uma placa aponta para um pátio, no início da rua Myatninskaya. O visitante que deixar a calçada rumo ao pátio interno de um prédio desbotado terá uma surpresa.O pátio dá acesso a um dos mais originais,irreverentes e anticonvencionais museus abertos nos últimos anos na Rússia.

“Perdidos em disputas monótonas,

buscamos o sentido secreto,

quando um clamor sacode os objetos :

Dai-nos novas formas !”

Não há mais tolos boquiabertos

esperando a palavra do “mestre”.

Dai-nos,camaradas,uma arte nova

-nova-

que arranque a República da escória “.

O Museu Maiakovski abriu suas portas em 1990 – quando o comunismo já agonizava sob os escombros do Museu de Berlim.Virou ponto de peregrinação de fãs de Maiakovski,principalmente porque foi lá que o poeta morou,entre l9l9 e l930,num quarto modesto onde viria a morrer.

Os quatro andares do prédio onde ficava o quarto de Maiakovski foram transformados em museu,administrado pelo Estado. Ao contrário do que acontece em museus instalados em casas onde viveram escritores – em geral,marcados pelo tom austero e solene – o Museu Maiakovski dá asas ao delírio.

“Bebe e celebra ! Desata

nas veias a primavera !

Coração,bate a combate !

O peito – bronze de guerra”.

O Museu quer reproduzir,numa espécie de ”instalação” que poderia ser perfeitamente montada numa dessas bienais de artes plásticas,o que se passava pela ”imaginação em chamas do poeta”. Assim,objetos que pertenceram a Maiakovski,como manuscritos e até boletins escolares, são expostos de uma maneira que pode confundir visitantes desatentos. É esta exatamente a intenção do Museu : provocar espanto no visitante.

Cadeiras estão suspensas no ar. Uma estante de vidros quebrados parece enterrada no chão. Surrealismo puro. A porta de uma cadeia é a maneira de informar que Maiakóvski ficou preso por nove meses por ter ajudado presos políticos a fugir.Um dossiê policial registra,ainda na primeira década do século,as atividades do subversivo Maiakóvski,na Rússia pré-revolucionária. Bolas azuis jogadas no trajeto dos visitantes são uma citação ao futurismo.

Depois de descobrir o futurismo na Escola de Pintura e Escultura de Moscou,Maiakóvski foi um dos autores de um manifesto que pedia ”um tapa na rosto do gosto do público”. Bustos clássicos espalhados pelo chão testemunham a necessidade de estilhaçar velhas formas da criação artística : ”Sem forma revolucionaria não há arte revolucionária”. Seis fuzis apontam para o céu.

O poeta chegou a fazer um apelo para ser recrutado pelo Exército. Depois de percorrer os quatro lances da instalação delirante,o visitante chegará ao pequeno quarto de pensão que exibe,na porta,o nome do poeta. O cenário é modesto : um sofá,um baú azul,uma estante de quatro prateleiras,uma foto de Lênin na parede. É tudo despojado e simples,como convém a um poeta que escreveu :

Os versos

para mim

não deram rublos,

nem mobílias

de madeiras caras.

Uma camisa

lavada e clara

e basta -

para mim é tudo.

Ao Comitê Central

do futuro ofuscante,

sobre a malta dos vates

velhacos e falsários,

apresento

em lugar

do registro partidário

todos

os cem tomos

dos meus livros militantes”.

Ao lado do quarto de Maiakóvski, o chão foi pintado de amarelo. Há portas vermelhas entreabertas. O visitante que desembarcar neste estranho mas fascinante museu terá como guia um personagem que parece saído de um dos versos do poeta : uma mulher de 74 anos,chamada Maria Leonietvna. Depois de ler um aviso de que o museu estava à procura de ”trabalhadores idosos”,esta ex-professora se apresentou. Contratada,virou especialista em Maiakovski.

Aos visitantes,ela explicará que durante anos a vizinha KGB,”por razões de segurança”,era contrária à instalação de um Museu no local onde Maiakóvski viveu e morreu.”Desde que Maiakóvski morreu, ninguém voltou a morar no quarto que ele ocupava.Era propriedade do Estado” – dirá a paciente guia. Entusiasmada com a narrativa da odisséia do poeta na Rússia conflagrada das primeiras décadas do século,Maria Leonietvna vai guiando os navegadores entre um e outro cenário do planeta maiakovskiniano instalado no centro de Moscou :

-”Maiakovski era uma figura contraditória sob todos os aspectos. Rejeitava o amor burguês,mas amou uma mulher de origem burguesa.Temos um ícone de Nossa Senhora no Museu : Maiakóvski era ateu, mas se voltou para a idéia de Deus. Rejeitava o Estado,mas serviu ao Estado.Fez versos e pinturas triunfalistas sobre a Rússia. Stalin vetou Maiakóvski, porque ele tinha escrito um poema dedicado a Lênin. Quando Stalin devolveu Maiakóvski à vida russa,pensou que Maiakóvski escreveria um poema de louvor a ele.Mas Maiakóvski não escreveu” – diz a guia.

Tanto tempo depois, visitantes anônimos percorrem este pequeno território no centro de Moscou.O capítulo final pode ter sido – e foi – trágico. Mas Maiakovski é lembrado como o poeta vital,épico,rebelde,que celebrava o Comitê Central do Futuro em versos gritados como estes,em que dialoga com o sol :

(…)”Vamos,poeta,

cantar,

luzir

no lixo cinza do universo.

Eu verterei o meu sol

e você o seu

com seus versos.

Se o sol se cansa

e a noite lenta

quer ir pra cama,

marmota sonolenta,

eu,de repente,

inflamo a minha flama

e o dia fulge novamente.

Brilhar para sempre,

brilhar como um farol,

brilhar com brilho eterno,

gente é pra brilhar,

que tudo mais vá pro inferno,

este é o meu slogan

e o do sol”.

Maiakovski – que enfiaria um balaço no peito no dia quatorze de abril de 1930, aos trinta e seis anos de idade - produziu em 1926 um poema belíssimo em homenagem a Serguei Iessienin, um poeta e amigo que se matara três dias depois do Natal de 1925 . Não se sabe o que é maior ali : se a tragédia de um suicídio consumado (e outro antevisto) ou se a beleza de versos encharcados de dor e esperança. Maiakovski passou três meses escrevendo os versos de ”A Serguei Iessienin”.

Haroldo de Campos traduziu assim o canto de Maiakovski ao amigo morto :

”Por enquanto

há escória de sobra.

O tempo é escasso-

mãos à obra.

Primeiro

é preciso

transformar a vida,

para cantá-la -

em seguida.

(…)Para o júbilo

o planeta

está imaturo.

É preciso

arrancar alegria ao futuro.

Nesta vida

morrer não é difícil.

O difícil

é a vida e seu ofício”.

Iessienin tinha deixado,como despedida,versos belos mas desesperançados – escritos, literalmente,com sangue, num quarto do Hotel Inglaterra, em Leningrado. Depois de cortar os pulsos e escrever os versos finais, Iessienin se enforcou.

A tradução de Augusto de Campos para os versos de Iessienin foi publicada no volume ”Maiakovski/Poemas”,um pequeno tesouro organizado a seis mãos por Boris Schnaiderman e pelos irmãos Campos para a Editora Perspectiva,em São Paulo, em 1983 :

”Até logo,até logo,companheiro

Guardo-te no meu peito e te asseguro :

O nosso afastamento passageiro

é sinal de um encontro no futuro.

Adeus,amigo, sem mãos nem palavras.

Não faças um sobrolho pensativo.

Se morrer,nesta vida,não é novo,

tampouco há novidade em estar vivo”.

Cinco anos depois,o próprio Maiakovski se matou. O bilhete de despedida dizia :

”O incidente está encerrado.O barco do amor quebrou-se contra a vida cotidiana. Estou quite com a vida. É inútil passar em revista as dores,os infortúnios e os erros recíprocos. Sejam felizes”.

Posted by geneton at 06:22 PM

novembro 11, 2009

UM JORNALISTA INVENTA NA REDAÇÃO UM “MILENAR” PROVÉRBIO EGÍPCIO: “SOMENTE AS MÚMIAS SÃO CAPAZES DE SOFRER ETERNAMENTE EM SILÊNCIO”. RESULTADO: O PROVÉRBIO GANHA VIDA PRÓPRIA E CORRE MUNDO…

O mundo lembra a derrubada do Muro de Berlim - um marco do fim do comunismo.

Tive a chance (rara) de ouvir, em Moscou, um personagem que testemunhou, nas redações, as décadas de vigência do regime comunista na União Soviética : um velho jornalista russo que cometeu pelo menos três indiscrições ao passar em revista uma vida de militância jornalística.

Primeira cena: inventou um provérbio egípcio para tornar menos chato um texto sobre relações entre a União Soviética e o Egito.

Segunda: viveu um drama na redação no dia em que um puxa-saco enviou, para publicação, um poema que comparava o todo-poderoso Stalin a uma “águia das montanhas”.

Terceira: numa concessão às artes da ficção, ele criou um personagem brilhante na seção de cartas dos leitores – um suposto tratorista chinês que dava lições de consciência política….

Aos fatos:

Próxima parada : segredos dos bastidores do Pravda,o mais famoso jornal da Rússia soviética. Quando Moscou era sede de um regime fechado, o mundo tentava decifrar,nas entrelinhas dos textos do Pravda, os humores do Kremlin. Que revelações guardará um velho jornalista que correu o mundo pelo Pravda, no auge do regime comunista ?

Quem me aponta o caminho das pedras – o telefone do velho jornalista do Pravda, já fora de combate – é um executivo da maior rede de TV da Rússia,um historiador chamado Anatoli Sosnovski. A investida à toca do dinossauro seria recompensada. Eu sairia de lá com um pequeno tesouro nas mãos : o globe-trotter do Pravda me confiaria a cópia de um relato inédito, já devidamente traduzido para o português,sobre os bastidores do jornal.

O carro segue para uma rua chamada Vorontsovskie Prudi. Ali,num apartamento modesto, vive Oleg Ignatiev, ex-secretário da embaixada soviética na Argentina,ex-dirigente do Bureau Soviético de Informação e correspondente estrangeiro dos jornais Komsomolskaia Pravda e Pravda durante exatos quarenta e cinco anos. A pensão que recebe como jornalista aposentado é modestíssima : o equivalente a 100 dólares por mês.

Uma foto de Che Guevara ornamenta a sala de estar. Uma das estantes exibe uma foto de Ignatiev em companhia de duas figuras ilustres da constelação comunista : o então secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética – Nikita Kruschev – e o homem-forte de Cuba, Fidel Castro. Ignatiev serviu de intérprete no encontro entre os dois em Nova Iorque.

Apaixonado pelo Brasil,Ignatiev guarda fotos em que aparece ao lado de Jorge Amado e Luiz Carlos Prestes. Chegou a escrever uma biografia de Tiradentes,publicada na Rússia. A alma de repórter levou-o a se embrenhar pela floresta amazônica. O resultado da expedição foi o livro “A Amazônia pelos Olhos de um Moscovita”.

Surpreso por ter sido procurado por um brasileiro,Ignatiev fora efusivo quando fiz o primeiro contato,por telefone. Logo marcou o encontro. Fala um português cambaleante mas perfeitamente compreensível.

Primeiro, faz uma profissão de fé no regime comunista. Depois,revela cenas inacreditáveis,ocorridas longe dos olhos dos leitores, nos bastidores da redação do Pravda.

Um patrulheiro ideológico poderia, agora, cobrar de Ignatiev as décadas em que ele serviu com dedicação absoluta ao regime soviético, mas danem-se os analistas políticos : a verdade é que a imagem deste velho e pobre jornalista do Pravda falando – emocionado – sobre Ernesto Che Guevara, sobre o Brasil ou sobre as noitadas sem fim na redação do jornal é comovente. Magro, dono de olhos miúdos escondidos atrás de grossas lentes, Ignatiev não quer ser visto como um ativista político : é um militante do jornalismo.

O que Ignatiev vai fazer agora é um exercício do que os franceses chamam de “petite Histoire” – a descrição de fatos que podem parecer banais e desimportantes mas ajudam a compreender uma época. A história de um homem sentado num velho birô de madeira num canto da redação de dois dos mais importantes jornais da Rússia comunista pode, sim, jogar um pequeno facho de luz sobre o que era ser jornalista num regime fechado à inspeção externa. A Rússia – na definição perfeita de Winston Churchill – era um mistério, envolto por um enigma,embrulhado num segredo.

Enquanto fazia a contagem regressiva para a eleição presidencial de 1996 – a primeira realizada na Rússia depois do fim da União Soviética -, Ignatiev descreveu três cenas exemplares. É hora de purgar pequenos pecados.

Depois de procurar,em vão,um provérbio egípcio que seria usado para abrilhantar o artigo que estava escrevendo sobre a situação política do Egito, Ignatiev cometeu um pecado contra um dos mandamentos básicos do jornalismo : Não inventarás !. Ignatiev inventou um provérbio.Depois,como se tivesse vida própria, o provérbio inventado por Ignatiev num momento de fraqueza saiu das páginas do jornal para os textos de discursos políticos. O pai do provérbio passou décadas sem confessar a ninguém a autoria daquela fraude inofensiva mas vexatória. Ignatiev narra assim, no texto inédito que me entrega nesse fim de tarde em Moscou, a incrível história do provérbio que nunca existiu :

“O parlamento egípcio tinha denunciado,no Cairo, o tratado anglo-egípcio que permitia ao governo da Inglaterra manter,em época de paz,até dez mil militares na zona do canal de Suez.Houve grandes manifestações de apoio a esta decisão. Um dos membros de uma delegação juvenil soviética – o jornalista Vladimir Parkhitko – recolheu imagens fotográficas de manifestações e cenas de júbilo nas ruas da capital egípcia. Quando a delegação regressou a Moscou,ele foi imediatamente à redação do Komsomolskaia Pravda para oferecer as suas fotos ao jornal. Tivemos,então,a possibilidade de ser o primeiro jornal soviético a publicar as fotos que acabavam de chegar do Egito”.

“Fui encarregado de escrever com urgência um texto especial sobre o assunto. Jamais havia estado no Egito. Não poderia utilizar expressões pessoais sobre o país. Mas,como se tratava de uma revolução (e na nossa seção internacional todos éramos jovens e,portanto,não tínhamos a menor dúvida de que,no Egito,se realizava uma revolução….),seria impossível dar cobertura a um acontecimento destes sem emoções. Tive,então,uma idéia genial : para atribuir um colorido específico à minha reportagem,deveria usar um ditado ou um provérbio egípcio”.

“Infelizmente, nas bibliotecas do jornal Pravda e do nosso jornal, não havia nenhuma coletânea de ditados e provérbios egípcios ou árabes. Mas eu não queria renunciar a este lance interessante.Restava uma única coisa : inventar um ditado. A criação do folclore é uma coisa bastante difícil.Tive de gastar um bom tempo para alcançar o resultado desejado. Afinal,escrevi : “Somente as múmias são capazes de sofrer eternamente em silêncio”. A seguir,vinham frases padronizadas. Depois de entregar o material,fui para casa”.

“Um ditado russo diz “o que se escreveu a pena não se apaga nem a machado”. Agora, já não era possível alterar nada. O “ditado” inventado por uma pessoa real passou a viver, depois de publicado no jornal, uma vida autônoma, independentemente do autor. A redação poderia – naturalmente – fazer uma correção num dos próximos números. Mas o autor não pretendia confessar o excesso de fantasia inventiva…..Em segundo lugar,o “ditado” foi publicado com destaque,em forma de epígrafe, por ordem do redator-chefe. Em terceiro lugar, os jornais não confessavam os seus erros nem publicavam correção de material publicado, a não ser em casos excepcionais”.

“Eu poderia pingar aqui o ponto final,mas a história teve uma continuação. Um alto dirigente soviético fez uma viagem ao Egito em meados da década de cinqüenta. A visita foi precedida de cuidadosos preparativos. Os textos dos brindes, discursos, declarações e intervenções foram preparados com antecedência. Um belo dia, um representante de um órgão superior telefonou para a redação do Komsomolskaia Pravda pedindo informações a respeito de um artigo sobre o Egito, publicado no dia primeiro de novembro de 1951. Para dar mais brilho a um dos discursos do dirigente, ele tinha resolvido incluir no texto justamente o “ditado” egípcio, publicado em nosso jornal…..O discurso deveria ser traduzido para árabe. Para não deturpar, no processo de tradução, o sentido do ditado, era preciso localizar o original árabe. É lógico que o original não foi encontrado – mas o ditado terminou ficando no texto do discurso. Os jornais do Cairo publicaram o discurso, juntamente com o “ditado” !”

“Passaram-se dez anos. Uma editora do Cairo resolveu publicar uma coletânea de ditados e provérbios árabes. O correspondente do nosso jornal no Egito, Anatoli Agarichev,trouxe-me o livro.Um dos ditados estava sublinhado com marcador vermelho….”.

Ao consultar a página dedicada aos provérbios egípcios, Ignatiev teve uma surpresa : lá estava a frase que ele inventara,há anos,na redação, para tornar agradável a leitura de um artigo sobre uma decisão do parlamento do Egito. Que se saiba, não há outro caso de provérbio egípcio que tenha sido fruto da imaginação de um jornalista russo. A tradição nasceu e morreu com Olef Ignatiev. Mas as duas concessões que nosso personagem fez à ficção – ao inventar o chinês missivista e o provérbio egípcio – são exceções numa longa carreira dedicada à cobertura internacional.

A SEGUIR: CHEGA À REDAÇÃO UM POEMA QUE COMPARA STALIN A UMA ÁGUIA DAS MIONTANHAS. O QUE FAZER? PUBLICAR OU NÃO ?

Posted by geneton at 07:17 PM

novembro 05, 2009

ANOTAÇÕES LIGEIRAS DE UM ANDARILHO PELOS SUBTERRÂNEOS DO VATICANO : A BELEZA ESMAGADORA DO TETO DA CAPELA SISTINA ABALA O PEITO DOS DESCRENTES

CIDADE DO VATICANO – Nem 11:59 nem 12:01. O relógio marca meio-dia em ponto quando uma das janelas do Vaticano se abre. Apequenada pela distância que a separa da multidão, uma figura se aproxima do parapeito para saudar os visitantes que, lá embaixo, na Praça de São Pedro, apontam para a janela um oceano de câmeras digitais.

De longe, é impossível discernir, a olho nu, as feições da figura que acena da janela. Mas quem usa o visor das câmeras como uma espécie de binóculo improvisado vai enxergar, com razoável clareza, o sorriso travado do personagem. Ei-lo: o papa Bento XVI acaba de fazer uma aparição no Vaticano.

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O Papa aparece : a multidão reage (Foto: GMN)

Justiça se faça: a taxa de carisma do Papa é algo perto de zero, comparada com a de João Paulo II. Mas uma aparição do sucessor de São Pedro é sempre capaz de espalhar pela multidão uma corrente de entusiasmo. É o que acontece. Os fiéis aplaudem. Bento XVI acena. Gritos. Novas palmas.

Uma dúvida incendeia minhas florestas interiores: quem disse que o Papa precisa necessariamente ser “midiático”?Sem que jamais tenha tido esta intenção, o Papa de riso travado termina funcionando como um saudável contraponto a este mundo dominado pela idiotia exibicionista e vulgar.

Depois que o Papa se recolhe, a multidão forma uma fila para entrar no Vaticano. Um ponto de passagem quase obrigatório : os túmulos dos Papas. Despojado, como os outros, o túmulo de João Paulo II desperta comoção. Quem não se lembra da imagem comovente de João Paulo II se contorcendo de dores naquela janela do Vaticano, incapaz de pronunciar até o fim a bênção aos fiéis ?

Visitantes mais devotos choram lágrimas discretas diante do túmulo. Poucos resistem à tentação de fotografar. Um funcionário pede que a fila apresse o passo, para evitar um congestionamento humano nos corredores do Vaticano. Numa concessão aos tempos modernos, o Vaticano instalou, diante do túmulo de João Paulo II, uma webcam. Internautas de qualquer parte do planeta poderão acessar, a qualquer hora, a paisagem imóvel deste subterrâneo.

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O túmulo de João Paulo II : despojado (Foto: GMN)

A dois passos dali, outro túmulo atrai atenções: o de João Paulo I, o Papa que reinou por um brevíssimo tempo, em 1978. Trinta e três dias depois de eleito, morreu do coração. Um visitante anônimo deixa uma rosa vermelha sobre o túmulo deste cardeal que arrebatou os fiéis ao aparecer sorridente e efusivo, na janela do Vaticano, instantes depois de ter sido eleito Papa. A homenagem, singela, emociona. É o único ornamento de um túmulo extremamente despojado. Silêncio, pedem os vigilantes do Vaticano. ”Um minuto, é só uma foto”, respondem os turistas.

A figura do Papa pode até parecer um anacronismo. Mas a aura de segredo que envolve aqueles corredores, a sincera comoção despertada – por exemplo – pela visão do túmulo de João Paulo II ou a corrente de eletricidade que percorre a multidão quando o Papa surge na janela deixam uma certeza : o fascínio produzido por estes rituais é que garante a permanência da Igreja.

Sem segredos, sem esta pompa, sem esta grandiosidade que se estende por corredores sem fim, o que restaria?

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O túmulo de João Paulo I : um buquè de rosas (Foto:GMN)

Ainda assim, o Vaticano de vez em quando concede ao populacho a chance de espiar de relance uma nesga do que acontece por trás daqueles muros. Faz algum tempo, o Museu do Vaticano abriu, no Palazzo Apostolico Lateranense, uma exposiçao chamada “Habemus Papa”. Lá estavam relíquias como o martelo usado para constatar a morte dos Papas. O martelo exposto à curiosidade pública foi usado para cumprir o ritual fúnebre de Leão XIII, em 1903. Um ajudante bate três vezes na fronte do Papa morto com o martelo, para constatar a morte. Chama o nome de batismo do Papa. O silêncio é a resposta.

É assim que tudo acaba. O que fica ? A grandeza esmagadora do Vaticano e a beleza de rituais capazes até de acender uma fagulha de fé no peito de descrentes. Ninguém sai impune da experiência de contemplar a beleza absurda do teto da Capela Sistina, pintado por Miguelângelo. Se Deus existe, ele se manifestou ali.

Remember o velho Paulo Francis: “A morte é uma piada. A vida é uma tragédia. Mas, dentro de nós, mesmo no maior desespero, há uma força que clama por coisas melhores. Os artistas estão sempre aí nos lembrando disso. Existe um paraíso, pois Beethoven ou Gauguin já nos deram mostras convincentes. É inatingível permanentemente, mas devemos ser gratos pelas sobras que nos couberem”.

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A mão de Deus cria o homem: beleza no teto da Capela Sistina

Faltou acrescentar : Miguelângelo nos deu também mostras exuberantes da beleza e do mistério da Criação.

A letra de uma música popular – uma manifestação de arte que soa obrigatoriamente banal diante de tanta grandeza – pode ter, quem diria, a capacidade de resumir o sentimento de quem sai da Capela Sistina “varado de luz” : “A violência, a injustiça e a traição/ ainda podem perturbar meu coração/ mas já não podem abalar a minha fé /Porque eu sou/ e Deus é/ E disso é que resulta toda a Criação” (Gilberto Gil)

Posted by geneton at 07:22 PM

outubro 24, 2009

PAUSA PARA UM REFRESCO. AS PRIMEIRAS IMPRESSÕES DE UM FORASTEIRO RECÉM-CHEGADO A COPACABANA : “A ÚNICA COISA QUE FUNCIONA COM REGULARIDADE NO RIO DE JANEIRO É O MAR”

Um forasteiro acaba de aportar no Rio de Janeiro. Vem de São Paulo. Chama-se Marconi Leal. É pernambucano na certidão de nascimento. As duas primeiras impressões de Marconi Leal sobre a cidade merecem registro.

Primeira impressão do recém-chegado : o Rio de Janeiro é, provavelmente, a única cidade do planeta em que toda e qualquer tarefa – especialmente, serviços prestados por encanadores, pedreiros, marceneiros e assemelhados – necessita sempre de duas pessoas para ser executada. O primeiro sujeito executa a tarefa propriamente dita. O segundo fica em pé, ao lado. Missão: passar o tempo todo conversando. Segunda impressão: o horário da maré é a única coisa que funciona no Rio.

Tradutor e redator, Marconi Leal já tratou de botar no papel suas primeiras impressões sobre o novo endereço.

Mas, antes, uma nota nostálgica. Marconi Leal trouxe para o Rio as lembranças imortais de um porteiro que animava seus dias em outras eras :

“Havia em meu prédio um porteiro chamado Ogberto, cujo QI era um pouco superior ao de uma apresentadora de televisão e um pouco inferior ao de uma ostra. Isso, desde que consideremos, para efeito de cálculo, uma ostra morta, claro. Dono de uma acuidade vocabular de surpreender o Houaiss, de um poder de concisão e sentido de economia inigualáveis, Ogberto conseguia responder a 90 por cento de todas as questões que lhe eram propostas com um expressivo: “E apois”, cuja entonação variava de acordo com o sentido que queria lhe emprestar.

— Boa essa música, né, Ogberto?
— E apois.
— Será que vai chover hoje, hein, Ogberto?
— E apois…
— Ô, Ogberto, mamãe quer falar contigo.
— E apois?
— Ogberto, tu acha que a contemporaneidade ainda pode se valer do conceito de eterno retorno como o entendiam os clássicos ou com a linearidade cronológica imposta pela revolução industrial e intensificada na pós-modernidade ele se tornou anacrônico?
— E apois! E apois!

Depois, não mais que oito meses para perceber que não adiantava gritar horas seguidas quando o interfone tocava: era preciso tirar o aparelho do gancho para falar. E, por fim, que morder o receptor quando com raiva não consistia numa forma eficaz de comunicação.

Dava, assim, mostras da sua superioridade sobre os ratos de laboratório, não se deixando levar por tolices como o reflexo condicionado — num eloqüente protesto contra Pavlov.

Era um homem, além disso, de hábitos simples. Passava tardes inteiras cuspindo pra cima e tentando apanhar o cuspe de volta na boca. Ou então jogando bola de gude com os garotos do prédio, usando para isso o seu olho de vidro — que depois, claro, era devidamente soprado e reposto no lugar, como mandam as normas da boa higiene”.

As primeiras anotações do forasteiro sobre o Rio, depois de cruzar a Via Dutra :

*”Não há nada mais parecido com o inseto de Kafka ou a hiena Hardy do desenho animado que um intelectual caminhando na praia.

*Aqui no Rio de Janeiro, as seis horas da manhã começam pontualmente ao meio-dia.

*Sabem todos que desgraça é que nem sogra: aparece quando a gente menos espera. Fui acometido por desgraça decomunal: tive de me mudar para longe da civilização e me estabelecer no Rio de Janeiro.

*Os assaltos no Rio ficam cada vez mais violentos. Onde isso vai parar? Começam usando granadas, daqui a pouco passam a usar sogras. Absurdo.

*Acabo de voltar da praia aqui em Copacabana e vocês não sabem da maior. Quem estava no lugar do mar ? Belchior, claro.

*A única coisa que funciona com regularidade no Rio de Janeiro é o mar.

*O pedinte carioca ultrapassa aquele sujeito proverbial que pede uma gota de colírio emprestada. Se não há colírio, ele pede o frasco vazio.

*O Globo: “Anvisa divulga novas regras para bulas de medicamentos.” A partir de agora elas serão escritas em português.

*Não tenho condições de saber se o Rio continua lindo porque sempre que tento observá-lo há um par de ancas na minha frente.

*Mensagem na garrafa: “Socorro. Estou em terra firme, cercado por 190 milhões de brasileiros. Me mandem uma ilha deserta! “.

*A sociedade do Rio é a mais coletivista que conheço. Toda atividade requer ao menos duas pessoas: a que realiza o trabalho e a que conversa com ela.

*Chove e faz frio no Rio de Janeiro. Sem praia, hordas de cariocas saem às ruas perguntando-se pelo sentido da vida em comunidade.

*Para o carioca, o Rio está a anos-luz das outras capitais. Entendo. O que vemos agora na cidade é o passado primitivo da humanidade.

*São Paulo não tem trânsito: tem engarrafamento móvel.

*A prova de que a psicanálise não funciona é que faço terapia há 10 anos e meu psicanalista ainda não se curou”.

PS: O olho clínico do histórico diretor de TV Maurício Shermann detectou o talento humorístico do neo-carioca Marconi Leal. Resultado: o biógrafo do porteiro Ogberto acaba de ser incorporado ao time de redatores de humor da Rede Globo. A bola cruzou a linha. É gol.

Posted by geneton at 08:23 PM

outubro 22, 2009

CENAS DA VIDA REAL NA ILHA DE FIDEL & RAUL CASTRO : LAN HOUSE CLANDESTINA, LISTA DE ESPERA, CONTATOS SUBTERRÂNEOS , OLHARES DESCONFIADOS . VAI COMEÇAR A SAGA DE UM BRASILEIRO EM BUSCA DE UM SIMPLES ACESSO À INTERNET!

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Fidel : ainda onipresente ( Fotos: Samarone Lima )

Samarone Lima é o nome de um jornalista que resolveu viver uma experiência radical : viajou para Cuba com bagagem mínima, pouco dinheiro – e o peito cem por cento aberto para descobrir o país sem qualquer idéia preconcebida.

“Por uma questão de limpeza ideológica, não fiz nenhuma leitura prévia sobre a realidade do povo cubano. Não busquei livros, informações na internet, revistas de esquerda, livros de turismo, coisas desse tipo” – informa o Aventureiro do Caribe.

Durante um mês de permanência em Cuba, hospedado em casas de cubanos, gastou menos de quinhentos dólares. Viajantes adeptos do conforto podem ficar boquiabertos com a quantia, aparentemente irrisória para um mês de permanência no exterior. Mas o brasileiro Samarone quis viver como se fosse um cubano.

De volta ao Brasil, acaba de publicar,por uma editora de Brasília, a Casa das Musas, o resultado da experiência: um livro de 232 páginas apropriadamente chamado “Viagem ao Crepúsculo”.

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O relato de viagem não faz teoria política : é a descrição do que aconteceu com um brasileiro que se aventurou por uma Cuba que não aparece nem nos livros laudatórios nem nos discursos anticastristas ( se é que a palavra ainda se aplica à ilha).

“Eu não queria ter nem a visão turística nem uma visão engajada sobre a ilha” – explica. “Não fui a Cuba propriamente para escrever um livro. O que fiz foi uma espécie de diário de viagem”.

O resultado ? Direto do Recife, onde vive, o autor resume suas descobertas em uma frase para o Dossiê Geral: “O país vive um momento devastador”.

Nem é preciso fazer discursos. A simples descrição da saga do brasileiro Samarone em busca de um lugar onde pudesse acessar a Internet é suficiente para ilustrar o anacronismo em que a única “pátria socialista” das Américas se transformou neste início de século.

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Dez anotações do caminhante brasileiro por terras cubanas :

1
“A demanda por notícias do Brasil tinha uma explicação simples: com o controle absoluto dos meios de comunicação, os cubanos – de forma geral- têm apenas uma vaga noção do que se passa no mundo. A leitura diária do Granma deixa a impressão de que a Venezuela está despontando como uma grande potência mundial, a nova vanguarda do socialismo – e os Estados Unidos podem a qualquer momento atacar a ilha”.
2
“Como a Internet é proibida, e nos poucos lugares em que é disponibilizada é muito cara, o pouco tempo disponível para usar a rede se destina à troca de e-mails com parentes e amigos”.
3
“Fui dar uma olhada no Informativo da Televisão Cubana. O apresentador lia um enorme texto de Fidel Castro, relatando a vitória da Revolução Cubana, as mudanças e avanços. Depois de meia hora de texto, perguntei a alguém se aquilo iria demorar. “Discurso de Fidel pode durar várias horas”, respondeu.
4
“Ter TV a cabo na ilha é proibido. A multa para quem for pego é de 10 a 20 mil pesos cubanos, uma pequena fortuna. O inspetor pode elevar este valor para 30 mil. Os equipamentos do proprietário são confiscados”.
5
“Lan House clandestina em Havana. Toquei a campainha. Um sujeito mudo, de identidade indecifrável, com uma barbicha à la Salsicha, do Scooby Doo, abriu a porta. Como não disse nada, entrei. À esquerda, um colchão de presídio e uma geladeira dos anos 50, desativada. O dono da Lan House mais esquisita em que já entrei na vida era um boliviano, filho de chineses, que morou no Brasil por um tempo. A sala para a Internet é a cozinha da casa, após um imenso corredor, que lembra cenário de filme de terror. Não há móveis na casa. As paredes não sabem o que é tinta há décadas. Para conseguir horário livre, era preciso agendar com três ou quatro dias de antecedência”.
6
“Fiquei sabendo que próximo à Universidade era possível acessar a Internet. O local era comandado por uma alemã. Como a demanda era muito grande, implicava numa espera de até uma semana para usar uma hora”
7
“Ninguém se atrevia a falar abertamente, sob um regime político que não permite a liberdade de imprensa, acesso à Internet ou expressão pública de descontentamento. Notei que em quase todo quarteirão tinha uma plaquinha com a sigla CDR. Em muitas, o complemento : “Comitê de Defensa de la Revolución”. Não entendi por que tantos comitês, se a revolução já é uma senhora de 50 anos. “Isso foi uma criação muito original do senhor Fidel Castro, logo após a invasão da Baía dos Porcos, em 1961. O regime conseguiu facilmente vencer os invasores, impediu um possível golpe, mas nascia uma verdadeira máquina de delação”, contou. “Isso se tornou um tormento na vida dos cubanos”.
8
“Durante todo o período em que fiquei em Havana, percebi que a presença da polícia era ostensiva, com seus pequenos carros de radiopatrulha. A abordagem aos jovens cubanos, especialmente negros, era constante. Nunca me pediram documentos”.
9
“Em uma de nossas últimas conversas, já perto de ir embora, quebrei um juramento. Perguntei o que ela achava da Revolução Cubana. “Vou ser sincera contigo.Se você perguntar a 50 cubanos se eles querem viver aqui, 48 vão dizer que querem ir embora imediatamente”, respondeu. “Para mim, não existe resposta mais forte que essa”.
10

“Ele deu um exemplo simples: “Se o governo revolucionário convoca para uma manifestação, você tem que se dirigir ao CDR de sua rua ou de seu bairro: no dia e hora agendados, você tem de estar lá. Caso contrário, sua ficha começará a ficar suja. Nem pense em ter uma ficha com problemas nesses famigerados comitês, porque sua vida se tornará um inferno bem maior do que já é”.

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Posted by geneton at 08:17 PM

outubro 21, 2009

DÚVIDA REAL: POR QUE SERÁ QUE OS CARRASCOS GOSTAM TANTO DE FLORES ? (OU: O DIA EM QUE O BLOGUEIRO FOI “ENFORCADO” PELO ÚLTIMO CARRASCO DA INGLATERRA)

O carrasco entra na sala com a corda usada para executar os condenados à morte. Dirige-se até o local onde estou. Sem pronunciar uma palavra sequer, passa a corda em volta do meu pescoço.

Era só o que faltava: eis-me aqui, a nove mil quilômetros de casa, com uma corda no pescoço, diante de um carrasco de olhar pétreo.

A cena, como diriam jornalistas tombados pelo patrimônio histórico, “é rigorosamente verdadeira”. Há evidências documentais: uma câmera, ligada diante de nós, documenta tudo. O cinegrafista Paulo Pimental comtempla o ritual, embevecido.

Socorro.

Em nome do respeito aos fatos, devo declarar que o carrasco enrosca a corda no pescoço da pretensa vítima com a delicadeza de um cirurgião empunhando um bisturi. As sobrancelhas da fera estão levemente arqueadas. As feições são sóbrias, como convém a um carrasco – mas vislumbro um esboço de sorriso na interseção esquerda entre o lábio superior e o inferior de Syd Dernley.

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Syd Dernley : o último carrasco inglês "enforca" o blogueiro (Imagem: Paulo Pimentel/TV Globo)

É assim que ele se chama: Syd Dernley, o último carrasco inglês. Quando trabalhava a serviço de Sua Majestade, a tarefa de Dernley era executar,na forca, os infelizes que tinham sido condenados à morte.

Por dever de ofício, Syd Dernley passou a corda no pescoço de vinte e oito condenados. Segundos depois, eles estavam dependurados no cadafalso, inertes. Um médico entrava em cena para confirmar o que já se sabia: o coração do condenado tinha parado de bater. Próximo da fila, por favor.

Enquanto Syd passa a corda em meu pescoço, para fazer o que chama candidamente de “demonstração”, fico imaginando que a última imagem que os condenados à morte guardaram em suas retinas fatigadas foi exatamente esta: o olhar pétreo do carrasco. Depois, a escuridão se abatia sobre eles – primeiro, em forma de um capuz que lhes encobria a cabeça. Depois, vinha o apagão irrevogável.

Desde que se aposentou, o carrasco tornou-se um velhinho pacato – e excêntrico. Vivia em Mansfield, no interior da Inglaterra, em companhia da mulher, Joyce.

O ceifador de pescoços passava horas e horas cuidando do jardim. Fez questão de demonstrar, diante das lentes do cinegrafista Paulo Pimentel, a destreza com que cuidava de crisântemos, dálias e orquídeas (anos depois, no Texas, eu descobriria que o carrasco americano encarregado de executar os presos com a injeção letal era também um apaixonado por jardinagem, a ponto de manter uma página na internet sobre o tema. Que estranho fascínio será este, o das flores sobre o coração dos carrascos ?).

Além de cuidar das flores, Syd adorava reviver detalhes das execuções: dizia que jamais se esqueceu do prisioneiro que caminhou para a forca entoando um cântico religioso. O carrasco começa a cantar diante de mim, com surpreendente afinação: “Jesus, dono de minha alma, acolhe-me em teu reino…”. Depois, produz um som para reproduzir o ruído provocado pelo pescoço das vítimas se quebrando na hora da execução : “Faz assim: click!”.

Como se fosse uma criança orgulhosa de seus brinquedos favoritos, Syd tinha preparado uma surpresa para mim e para o cinegrafista: depois de pedir licença, desapareceu da sala. Quando voltou – com as sobrancelhas arqueadas e um sorriso traquinas -, trazia a réplica em miniatura de uma forca! Um boneco de madeira representa o condenado. Syd aciona a pequena alavanca que abre o cadafalso. O boneco cai. O carrasco contempla, embevecido, a mini-execução.

A surpresa maior viria depois: Syd traz para a sala uma corda grossa, idêntica à usada nos enforcamentos. É esta a corda que ele enrosca em meu pescoço agora, para mostrar com exatidão em que posição o nó deve ficar no pescoço do infeliz. O baú de horrores do carrasco tinha, também, uma coleção de fotos dos carrascos nazistas enforcados no Tribunal de Nuremberg.

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Syd Dernley : exímio enforcador ( Imagem: Paulo Pimentel/TV Globo)

O que leva um homem a escolher a profissão de carrasco como ganha-pão ? Syd Dernley me diz que resolveu se candidatar ao posto simplesmente porque, quando jovem, adorava ler histórias policiais. Se um dia passasse a habitar aquele território – povoado por corredores lúgubres, acusações, imprecações, juras de inocência, celas, manchetes de jornais – teria a chance de “ver de perto” os grandes nomes da crônica policial. Conseguiu.

Como se quisesse dar um toque extra de excentricidade a uma biografia já abarrotada de fatos incomuns, ele informa que, desde os onze anos de idade, já tinha tomado a decisão de abraçar a profissão de carrasco dos pescoços alheios.

O ritual da execução, diz-me o carrasco, é rapidíssimo: pode durar apenas dez segundos. O prontuário de Dernley registra um recorde mundial: a execução de um preso durou apenas sete segundos. Bastaram sete segundos para que o condenado fosse tirado da cela, levado ao cadafalso, encoberto com um capuz e lançado no vazio, com uma corda amarrada ao pescoço.

Ah, um detalhe intrigante: as gravatas de Syd Dernley traziam o desenho de uma forca.

Há uma mancha no currículo do carrasco: em pelo menos um caso, um dos homens que ele executou era inocente. Chamava-se Timothy John Evans. Acusação: teria assassinado a mulher e a filha de um ano de idade, por estrangulamento. Cinco anos depois, o autor dos crimes apareceu: John Holliday Christie. O drama virou um belo filme: “O Estrangulador de Rillington Place”, com Richard Attenborough. Mas o carrasco não dá o braço (nem o pescoço) a torcer: jura que Evans tinha sido,no mínimo, cúmplice dos crime.

Desde que a pena de morte foi abolida na Inglaterra, em 1965, Syd Dernley tornou-se uma figura esquisita: O carrasco passou a vida defendendo a forca como o melhor método de execução. Dizia que ficava sinceramente horrorizado com “métodos terríveis como a cadeira elétrica ou a injeção letal” ( As fitas de nossa longa entrevista estão preservadas. Um dia, pretendo publicar em livro nossos edificantes diálogos : um repórter que veio de longe com um carrasco que adorava o ofício de enforcar. C´est la vie).

Finda a explanação sobre os enforcamentos, ele, britanicamente, nos oferece um chá. Faz questão que a gente prove o líquido esverdeado.

Syd Dernley, um dos mais fascinantes e esquisitos personagens que já tive a chance de conhecer, morreu de um ataque cardíaco fulminante, no dia primeiro de novembro de 1994, três anos depois de nossa entrevista. Era véspera do nosso Dia de Finados. Dernley não esperou : partiu um dia antes, aos 73 anos de idade. Não quis dar este gosto à Grande Ceifadora.

Ah, o chá que ele nos serviu tinha gosto de erva cidreira.

Posted by geneton at 08:34 PM

outubro 16, 2009

KURT VONNEGUT MANDA LEMBRANÇAS ( É O HOMEM QUE APRENDEU O SENTIDO DA VIDA COM O FILHO E LIÇÕES DE GUERRA COM UM CORONEL : “QUERO QUE VOCÊS SE TORNEM A MAIOR CORJA DE SAFADOS DA HISTÓRIA!”)

A boa notícia : o velho Kurt Vonnegut acaba de dar sinal de vida, nas livrarias brasileiras. Já, já, os detalhes.

Primeiro, uma rápida divagação:

Se houvesse um pingo de justiça no planeta, o Papa Bento XVI apareceria numa sacada da Praça de São Pedro às 11 e 15 da noite de hoje para anunciar que tinha acabado de assinar um decreto entronizando Nossa Senhora do Perpétuo Espanto como Padroeira Plenipotenciária dos Jornalistas.

Mas, não. Bento XVI deve estar dormindo a essa hora. Não existe justiça na terra. A vida neste planeta giratório é o que o poeta Carlos Drummond já chamou de “um vácuo atormentado”, “um sistema de erros”, “um teatro de injustiças e ferocidades extraordinárias”. Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, então, jamais será entronizada padroeira de coisa alguma. Assunto encerrado. Próximo tema, por favor.

….Mas, apenas para constar na ata dos trabalhos de hoje do Dossiê Geral : por que diabos Nossa Senhora do Perpétuo Espanto haveria de ser nomeada padroeira dos jornalistas ?

Por um motivo básico : jornalista de verdade é o que jamais perde a capacidade de se espantar diante da Grande Marcha dos Fatos, sejam eles banais ou marcantes, pequenos ou grandiosos. O que distingue um jornalista puro-sangue de um jornalista burocrata é exatamente a capacidade de olhar para os fatos da vida com uma saudável dose de espanto, como se estivesse vendo tudo pela primeira vez. Simples assim. Quando perde a capacidade de se espantar, o jornalista vira um burocrata encarregado de tornar chato o que é vívido, tornar cinza o que é cintilante, tornar morno o que é incandescente. Fica fácil entender por que o jornalismo tantas vezes se transforma em monumento à chatice. Como diria Jaqueline Kennedy, horrorizada, ao catar os miolos do marido baleado naquele carro em Dallas: “Oh, no!”.

Se pudessem, certamente leitores & telespectadores gritariam em coro : Acorda, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto ! Iluminai a fauna de burocratas que vive espezinhando o jornalismo & arredores ! (mas esta é uma discussão que só interessaria a um punhado de jornalistas : não aos navegantes que aportam num blog como este).

O escritor que inventou Nossa Senhora do Perpétuo Espanto era um humanista que testemunhou um bombardeio apocalíptico na Segunda Guerra Mundial

Agora, o principal : quem criou esta divindade – a Nossa Senhora do Perpétuo Espanto – foi um escritor americano chamado Kurt Vonnegut.

Quem não o conhece não sabe o que já perdeu. Mas ainda há tempo de corrigir a perda.

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Kurt Vonnegut : humanismo e insolência (Foto: Divulgação)

Ah, se eu tivesse tido a chance de entrevistar mister Vonnegut, teria registrado, num velho bloco de anotações, que seus cabelos levemente encaracolados soavam como um anacronismo num octogenário de voz fatigada. Pareciam uma impropriedade, uma inadequação. Mas tudo em Vonnegut tinha algo de vagamente impróprio ou inadequado. Se era assim, ele poderia, então, exibir seus caracóis sem se importunar com observações de repórteres forasteiros.

Eu teria notado que a voz do bicho exibia uma leve rouquidão, entrecortada por espasmos de respiração, típicas de fumantes diplomados. As frases eram de vez em quando pontuadas pela tosse.

Que importa ? Lá pelas tantas, mr. Vonnegut, um escritor que sabia misturar em seus textos simplicidade, graça, leveza e acidez, me diria, em tom casual :

- Eis aqui uma lição de texto criativo. Primeira regra: não usem ponto-e-vírgulas. São travestis hermafroditas que não representam absolutamente nada. Tudo o que fazem é mostrar que você esteve na universidade.

Vonnegut processou a indústria tabagista porque, toda vez que abria um maço de cigarros, recebia o aviso de que iria morrer se continuasse fumando. Não morreu.

Vonnegut mantinha, na “vida real”, a insolência que cultivava em suas frases. Durante décadas, fumou “feito uma chaminé”. Já velho, resolveu processar os fabricantes do cigarro, por assédio moral. Reclamou de que, durante anos e anos, foi advertido de que o cigarro iria matá-lo. Não matou. Resolveu pedir indenização à indústria, por se sentir perseguido pela ameaça. Não ganhou, mas fez barulho:

- Estou processando o fabricante de cigarros Pall Mall porque os produtos dele não me mataram - e estou hoje com 84 anos. Escutem: estudei antropologia na Universidade de Chicago depois da Segunda Guerra Mundial, a última que vencemos. E os antropólogos físicos, que estudavam crânios humanos de milhares de anos, diziam que só deveríamos viver mais ou menos 35 anos, porque era isso que os nossos dentes duravam antes da odontologia moderna. Não eram bons estes tempos ? Trinta e cinco anos e dávamos o fora.

Houve aventura e drama na juventude de Vonnegut. A mãe, depressiva, se matou:

- Minha teoria é que todas as mulheres possuem ácido fluorídrico engarrafado dentro delas, mas minha mãe possuía uma quantidade grande demais.

A frase que ouviu de um coronel no dia em que se alistou no Exército para ir à guerra combater os nazistas: “Nosso trabalho é torná-los a maior corja de safados da história. Matem, matem, matem, entenderam ?"

Alistado no exército americano, ouviu, logo no primeiro dia, a lição inesquecível que um coronel “baixo e magro” transmitiu aos jovens soldados que estavam prestes a viajar para a Europa, para combater os nazistas:

- Homens, até agora vocês foram americanos decentes e limpos, com um amor americano pelo espírito esportivo e o jogo limpo. Estamos aqui para mudar isso. Nosso trabalho é torná-los a maior corja de safados da história. De agora diante, vocês podem esquecer as regras do marquês de Queensbury e toda e qualquer regra. Vale tudo. Nunca batam num homem acima da cintura quando puderam atingi-lo por baixo. Façam o maldito gritar. Matem-no como conseguirem. Matem, matem, matem, matem, entenderam ?

Os recrutas entenderam, claro.

Mas guerra é guerra: Vonnegut terminou caindo nas mãos do exército alemão, como prisioneiro, justamente em Dresden, a cidade alemã que seria castigada pelos aliados com um bombardeio de proporções apocalípticas. O bombardeio de Dresden se transformaria, nas décadas seguintes, num assunto central da vida de Vonnegut:

- O bombardeio de Dresden foi o maior massacre na história européia. Eu, naturalmente, sei sobre Auschwitz, mas um massacre é algo súbito, que, num tempo muito curto, promove a matança de uma enorme quantidade de pessoas. Em Dresden, em 13 de fevereiro de 1945, cerca de 135.000 pessoas foram mortas por bombardeios britânicos em uma noite.

Décadas depois, Vonnegut chegaria a uma conclusão que pode parecer paradoxal: disse que daria a vida para salvar a cidade alemã da chuva de bombas. Sim, era um soldado americano combatendo os alemães. Sim, a Alemanha cometera crimes inomináveis. Precisava levar uma lição de fogo. Mas a aniquilação de milhares de civis durante o bombardeio de Dresden alimentou, em Vonnegut, uma certeza:

- A morte de Dresden foi uma tragédia amarga, executada sem necessidade e intencionalmente. A matança de crianças – alemães ou japonesas ou quaisquer inimigos que o futuro possa nos reservar – nunca pode ser justificada. Eu teria dado a vida para salvar Dresden para as próximas gerações do mundo. É como todos deveriam se sentir a respeito de todas as cidades da terra.

Aprendeu o sentido da vida com um filho: “Estamos aqui para ajudar uns aos outros a atravessar esta coisa, seja lá o que for”

A experiência de Vonnegut na guerra teve, também, fugazes momentos de humor bélico, se é que é possível tal aberração :

- Os alemães nos perguntavam: “Por que vocês, americanos, estão em guerra contra a gente ?”. “Não sei, mas estamos dando uma surra e tanto em vocês” – era uma resposta comum”.

Como se estivesse falando para uma platéia imaginária de jovens, o velho Vonnegut declamaria, depois de falar sobre os fantasmas de Dresden:

- Quando chegarem à minha idade, se chegarem à minha idade, e se tiverem se reproduzido, vão se encontrar perguntando a seus filhos, então já na meia-idade: “Qual é o sentido da vida ? “. Tenho sete filhos, três deles sobrinhos órfãos. Fiz minha grande pergunta sobre a vida ao meu filho pediatra. O dr. Vonnegut disse ao seu trêmulo e velho papai: -”Pai, estamos aqui para ajudar uns aos outros a atravessar esta coisa, seja lá o que for”.

O escritor que processou a indústria tabagista era um humanista horrorizado com as iniquidades e injustiças. Mas não se importava nem um pouco em ir contra o senso comum. Dizia, por exemplo, que não via nada demais no fato de Karl Marx dizer que a religião era o ópio do povo:

- Ainda há muita gente capaz de dizer que a coisa mais maligna a respeito de Karl Marx foi o que ele disse sobre religião. Disse que a religião era o ópio das classes mais baixas, como se acreditasse que a religião fosse ruim para as pessoas. Mas quando Marx disse isso, nos anos 1840, o uso da palavra “ópio” não foi simplesmente metafórico. O ópio era o único analgésico disponível para dores de dente, câncer na garganta ou o que fosse. Ele próprio o usara. Como um sincero amigo dos oprimidos, estava querendo dizer que achava bom que o povo tivesse algo com pudesse aliviar suas dores ao menos um pouco – e a religião servia para isso. Então, ele gostava de religião – e certamente não estava querendo aboli-la. Está certo ? Ele poderia dizer hoje o que digo esta noite: “A religião pode ser o Tylenol de muitos infelizes – e muito me agrada que funcione”.

Vonnegut guardava uma surpresa no colete para cada tema que lhe fosse proposto. Se um forasteiro perguntasse como é que ele resumiria a felicidade, ela responderia:

- Perguntaram certa vez à grande antropóloga Margaret Mead, e ela havia estudado homens, mulheres e crianças em todos os tipos de sociedade, quando os homens são mais felizes. Ela pensou um pouco e respondeu: “Quando estão partindo para uma caçada sem mulheres ou crianças”. Acho que ela estava certa.

A maior contribuição americana para a civilização: os Alcoólicos Anônimos

E qual teria sido a grande contribuição americana para o avanço da civilização ?

- Muitos responderiam qúe é o jazz. Eu, que amo o jazz, diria outra coisa: Alcoólicos Anônimos. Não sou alcóolatra. Se fosse, iria até a uma reunião doa AA mais próxima e diria: “Meu nome é Kurt Vonnegut. Sou alcóolatra”. Se Deus quisesse, esse poderia ser meu primeiro passo na longa e dura estrada que leva de volta à sobriedade. O esquema dos AA, que exige uma confissão desse tipo, é o primeiro a ter qualquer sucesso mensurável em lidar com a tendência de alguns seres humanos, talvez dez por cento de qualquer amostragem da população, a se tornarem viciados em substâncias que lhes dão breves espasmos de prazer, mas a longo prazo transmutam suas vidas e as das pessoas ao seu redor em algo definitivamente terrível.

Quando estava diante de um repórter ou de uma platéia de estudantes, Vonnegut jamais deixava de recorrer a uma arma infalível – o humor , um dos pouquíssimos antídotos de eficiência comprovada contra o circo de horrores geral. Quando tinha a chance, citava piadas inesquecíveis que ouvira em velhos programas de rádio :

- Uma antiga: dos anos dourados das comédias de rádio, durante as quais Ed Wynn foi nomeado chefe dos bombeiros. Cada programa começava com Wynn no telefone portando-se ridiculamente diante de algo relativo ao Corpo de Bombeiros. Certa vez, uma mulher ligou e disse que sua casa estava em chamas. Wynn perguntou a ela se ela já havia tentado jogar água no incêndio. Ela disse que sim - e ele retrucou: “Então, desculpe, mas a senhora já fez o nosso serviço”. E desligou.

O inventor de Nossa Senhora do Perpétuo Espanto vivia repetindo uma frase que ouvira de um companheiro soldado, nos campos de batalha na segunda guerra:

- Ao final de um dia terrível, estávamos fumando e observando o impressionante monte de mortos acumulado. Um de nós atirou a bagana do cigarro na pilha. “Caramba – disse ele. Estou pronto para a morte na hora em que ela quiser vir atrás de mim”.

Vonnegut viveu seis décadas depois de testemunhar os horrores da guerra. Não temia o blecaute final:

-Não tememos a morte nem vocês deveriam temer. Sabem o que Sócrates disse sobre a morte - em grego, é claro ? “A morte é apenas mais uma noite”.

A última noite do velho Kurt Vonnegut começou no dia 11 de abril de 2007, quando ele morreu, em Nova York, vítima de danos cerebrais “irreversíveis” provocados por uma queda que sofreu em casa. Idade: oitenta e quatro.

A morte foi a última piada de Vonnegut: não, incrivelmente, o cigarro não o matou.

Nossa Senhora do Perpétuo Espanto ergueria as sobrancelhas, surpreendida com o desfecho. O homem que bombardeou consistentemente os próprios pulmões com volumes de fumaça suficientes para paralisar uma horda de rinocerontes hiperativos terminou morrendo de uma queda.

C´est la vie, criançada.

———–

PS: Todas as declarações de Kurt Vonnegut usadas neste post foram retiradas de livros seus, publicados no Brasil: “Um Homem Sem Pátria”, “Destinos Piores que a Morte” e “Armagedom em Retrospecto” . Livro póstumo, organizado por um dos filhos de Kurt, Mark Vonnegut, “Armagedom em Retrospecto” é facilmente encontrável: acaba de ser publicado no Brasil, pela L&PM, com tradução de Cássia Zanon. “O que acontece com as pessoas quando elas lêem Kurt Vonnegut é que as coisas ficam muito mais disponíveis do que imaginavam que fossem. O mundo se torna um lugar um pouco diferente simplesmente porque elas leram um bendito livro. Imagine só”- escreve Mark Vonnegut ao apresentar a nova coletânea de textos do pai. As últimas palavras de Vonnegut, no último discurso que escreveu, foram : “Agradeço por sua atenção e caio fora”.

Posted by geneton at 02:07 PM

outubro 14, 2009

A CIGANA QUE UM DIA ASSUSTOU A APRESENTADORA DO JORNAL NACIONAL : UM ENCONTRO COM A MULHER QUE PREVIU A MORTE DE AYRTON SENNA

O blogueiro-que-vos-fala não é suficientemente ingênuo para acreditar em truques de ciganas.

Devo confessar que, um dia, por pura e ingênua curiosidade jornalística, resolvi fazer um teste.

O resultado ? Ei-lo:

cigana-ilustra-1.jpg

Ilustração : Flavio Rossi/Almanaque Fantástico

Céticos, tremei. Quem se recusa terminantemente a dar um mínimo crédito de confiança a ciganas ,videntes, adivinhos e outros habitantes da Terra da Premonição deve ficar longe da fita de vídeo que uma cigana chamada Esmeralda gravou, em dezembro de 1993, para o Fantástico. Porque esta fita pode ter o poder de abrir uma fresta no paredão de descrença que os céticos profissionais erguem em torno de si.


Revejo a fita. Depois de tirar uma carta de um baralho na tentativa de prever o que o ano de 1994 reservava para o campeão Ayrton Senna,a cigana diz, textualmente, à repórter Fátima Bernardes : “Ayrton Senna poderá sofrer um acidente fatal numa curva”. Menos de cinco meses depois, no dia primeiro de maio de 1994, as palavras “curva” e “acidente fatal” cruzaram o caminho de Ayrton Senna.

Durante a gravação da entrevista para o Fantástico, houve uma cena que não foi captada pela câmera . Com uma dramaticidade realçada por olhos esverdeados que fitam o fundo da retina do interlocutor, a cigana Esmeralda diz a Fátima Bernardes que ela não deve se preocupar com o problema de saúde que tinha sido descoberto na véspera. “Fiquei imóvel”, diz, a apresentadora do Jornal Nacional. “Porque eu realmente tinha ido ao médico”.

A que poderes a cigana recorrer para dar a impressão de que enxerga o futuro ?

A cigana cravou pelo menos dois outros acertos. Disse, em dezembro de 1993, que a economia sofreria uma reviravolta em julho de 1994.”A moeda terá um novo nome”. Assim foi feito. Os bruxos da economia deram à luz o Plano Real. Por fim,os cartas disseram à cigana que o próximo ocupante do Palácio do Planalto seria um nativo do signo de gêmeos. Em outubro de 1994,as urnas deram a Presidência das República a um nativo de gêmeos – o professor Fernando Henrique Cardoso, nascido em dezoito de junho de 1931. Quando a cigana fez a previsão, ele ainda não era candidato. Acredite quem quiser.

A que estranhos poderes esta cigana recorre afinal para dar a impressão de que é capaz de enxergar, num amontoado de cartas de baralho, os desígnios do futuro ?

Desembarco no endereço da cigana numa manhã chuvosa de sábado. A consulta tinha sido marcada com a devida antecdência, por telefone. Nuvens cinzentas pairam, assustadoras, sobre Copacabana. O céu ameaça desabar a qualquer momento. O cenário parece perfeito para que uma cigana entre em cena. Que ela venha, com seus santos protetores, cartas de baralho, metais misteriosos e olhares esverdeados. Eu estarei pronto a espargir, sobre este exército de entidades sem rosto, todas as poções do meu ceticismo militante.

O porteiro avisa à moradora do apartamento 101 deste prédio de esquina na rua Raul Pompéia que o visitante, esperado para a consulta das 13 horas, chegou. Um homem de cabelos grisalhos, presos num extemporâneo rabo-de-cavalo, abre a porta dos fundos do apartamento. A cigana aguarda pelo visitante instalada, como uma soberana, num inacreditável quarto de empregada, decorado por imagens de entidades ciganas, medalhas, moedas espalhadas pelo chão, imagens de bruxas, gnomos, baralhos, véus,espelhos, dados, pedras, metais. A anárquica congregação de signos impressiona os olhos recém-chegados do cliente. As moedas, diz ela, são símbolo da fertilidade. As estatuetas representam os Ciganos da Lua Cheia. Um inventário do que significa cada uma daquelas bugingangas místicas seria suficiente para encher um tomo.

Apelo ao mutismo para tentar descobrir que estranho jogo é este que a cigana joga para impressionar o freguês. Se eu começar a falar pelos cotovelos, estarei dando à cigana as informações de que ela necessita para, espertamente, formular suas previsões. Baixa em mim o espírito daquele ministro do governo militar que respondia as inquisições dos curiosos com uma frase-padrão :”Nada a declarar”. Declaro o mínimo possível à cigana. Faço mistério. Quero ver se ela é capaz de decifrar esta esfinge precária , com a ajuda daquele exército de entidades.

A cigana é personagem do conto que Jorge Luis Borges poderia ter escrito

O jogo começa em desvantagem para o consulente. A paisagem do quarto de empregada – transformado em altar de supostas divindades ciganas – dá a Esmeralda uma posição de indiscutível superioridade sobre quem a visita. Ali, literalmente, quem dá as cartas é ela. Ao visitante, cabe o papel de ouvinte. Quem bate às portas deste oráculo cigano na esperança de enxergar as feições do futuro sente-se como um paciente que espera ouvir do médico um prognóstico qualquer – de preferência,otimista. O médico é o senhor da situação. A cigana também.

A cena lembra um conto que Jorge Luis Borges nunca escreveu. Uma porta maciça, no fundo do Salão do Tempo Presente, protege um mistério inalcançável : o futuro. É impossível enxergá-lo . Quando finalmente o viajante consegue abrir a porta maciça , o feitiço se quebra : o futuro deixa de ser futuro. Desvendado aos olhos do curioso, o futuro transforma-se em tempo presente. Mas o mistério se renova com a aparição de outra porta maciça, ao fundo do salão recém-conquistado : lá estará,novamente invisível, o futuro que a todos fascina – arredio , inalcançável , fora do campo de nossa visão. Ciganas como Esmeralda se dizem capazes de enxergar através da porta indevassável, esta barreira que mantém o futuro protegido contra as investidas de nossa pobre curiosidade . Deve ser esta a principal razão que leva ciganas a atrair a curiosidade de crentes ou céticos envergonhados que, como eu, pagam setenta reais pelo direito de entrar neste quarto de empregada de um prédio em Copacabana.

Eis agora a Cigana Esmeralda tentando exercer diante de mim seus pretensos poderes divinatórios. Ciganos, videntes e outros supostos donos de bolas de cristal têm também o dom de provocar medo em almas impressionáveis. Porque há, na vida ou nos palcos, qualquer coisa de trágico e intrigante em previsões. É assustadora a voz da vidente que, misturada à multidão, grita para César “cuidado com os idos de março !” na cena shakesperiana. César manda chamar o autor do aviso : “O que me dizes agora ? Repete !”. O vidente : “Cuidado com os Idos de março”. Mas César não dá ouvidos ao vidente :”É um sonhador.Pode esquecer. Passemos”. Quando os idos de março chegam, César é apunhalado no senado romano.

As sobrancelhas da cigana que agora olha nos meus olhos foram desenhadas a lápis. Os cabelos com certeza passaram por um tintura. A cigana começa a manusear as cartas, avisa que meus dias de sorte são terça e sexta à tarde (depois, numa busca na Internet, vejo que outro horóscopo cigano indica o dia segunda-feira como dia de sorte. Em qual das duas entidades acredito : Internet ou cigana ? ).

Começo a avaliar a possível tática que a cigana usa para impressionar o visitante

De vez em quando, em meio a caudalosos informes sobre saúde (“boa”),vida (“longa”),pedra de nascença ( “turmalina verde”), elementos da natureza (“ouro branco” e prata velha”), número de sorte (“trinta e três”), cristal de sorte (“branco transparente”), cor (“verde”),recomendações (“atenção a modificações na pele”), a cigana faz perguntas repentinas : “Quem é Sérgio ?”,”quem é José ? “,”quem é Paulo ou Paulinho ? “. Respondo que não me lembro de alguém com estes nomes. A cigana informa : um “Sérgio” vai me ajudar; um “José”,”já morto”, intercede por mim; um “Paulo” pode trazer problemas se eu assinar documentos com ele.

Começo a avaliar a possível tática da cigana. Faz perguntas genéricas envolvendo nomes ou situações razoavelmente comuns. Quem não conhece um “Sérgio”,um “José” ou um “Paulinho” ? A certa altura, ela pergunta, depois de bater no meu joelho direito : “O que é que você sente aí ? “. Respondo que nada. Mas poderia perfeitamente ter um problema qualquer no joelho, o que com certeza alargaria a lista dos possíveis acertos da cigana. Se houver pelo menos uma coincidência entre as suposições da cigana e a vida do visitante , o caminho estará aberto para que o ouvinte saia dali impressionado.

Adiante, a cigana lê nas cartas que tive “preocupação com aquisição de residência”, mas os problemas ligados à documentação “estão se desembaraçando” – o que é verdade. “Você pode fazer uma viagem ao exterior de repente de uma hora para outra”.

Depois de descobrir que tenho três filhos , insiste : “você teve preocupação com um dos filhos este ano” . Rebato : “Qual é o pai que não tem preocupação com filhos ? “. A cigana não entrega os pontos : “Mas você teve uma preocupação especial com um dos três, sim.Vejo o sol clareando a situação”.

Uma constatação feita sob medida para assustar almas ingênuas : cuidado com um carro prateado!

O segundo conselho é precedido por uma pergunta : “De quem é esse carro prateado ? “. A cigana simula ver alguma coisa nas cartas. Respondo que nunca tive carro dessa cor. Mas ela insiste :”Cuidado quando entrar num carro prateado, porque ele pode estar com problema nos freios. O carro pode ser de um amigo .Você pode se dar mal. Você tem de ficar atento . Cuidado com velocidade, cuidado com acidente”.

Que fique registrado : se um dia o autor dessas mal traçadas linhas se meter em trapalhadas num carro prateado, a cigana Esmeralda merecerá ser entronizada no altar as pitonisas.

Quando a consulta se aproxima do fim, Esmeralda me informa que uma entidade cigana,um certo Vladimir, me dá proteção. A cigana sugere que eu um dia faça uma oferenda a Vladimir : podem ser frutas, ofertadas ao “povo cigano” ao pé de uma árvore. Esmeralda me oferece dois conselhos. Primeiro : “Não use perfume de Alfazema ! Dá azar. É das múmias !”. Uriel,”anjo da Noite”, igualmente me protege – é o que dizem as cartas de Esmeralda.

O Grande Jogo das Coincidências vai se armando neste quarto de empregada travestido de oráculo. Um pai que tivesse tido uma “preocupação especial” com um dos filhos ficaria, com certeza, impressionado com a insistência da cigana sobre esta particularidade. Quem acredita em “avisos” pensaria dez vezes antes de embarcar num carro prateado depois de ouvir a recomendação. Embalada pelas cartas, Esmeralda ainda me daria dois conselhos que são um primor de incorreção política : “Afaste-se de quem é homossexual. Cuidado ao lidar com judeus”.

A cigana dá um palpite nada absurdo sobre a intenção do cliente

Não revelo minha condição de repórter. Deixo sem resposta a pergunta que a cigana me faz com insistência : “Por que você tem dúvida quanto à profissão”? Entre uma e outra informação, tento perguntar à cigana por que ela se acredita capaz de enxergar o que ninguém enxerga :

- É espiritual. Não sei explicar. É uma mediunidade espontânea dada por Ele (refere-se a Deus, aponta para uma imagem na parede). Faço este trabalho desde os oito anos de idade. Já estou com sessenta e nove.

Esmeralda sabe capitalizar o dom de impressionar os outros.Trabalha “de segunda a segunda”,como diz,orgulhosa. Em dias de movimento intenso, pode dar “de doze a treze” consultas. Façam-se as contas. Treze vezes setenta igual a 910 reais – um faturamento diário nada desprezível. Se apenas três almas penadas batessem por dia à porta da cigana em busca de um facho de luz sobre os mistérios do futuro, ela teria um faturamento mensal de 6.300 reais. Caixinha, obrigado.

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A cigana : jogo de coincidências (Imagem: TV Globo)

Peço para tirar fotos da cigana,com a desculpa de que uma de minhas filhas gostaria de ver em que ambiente ela trabalha. Em nenhum momento digo que aquela consulta eventualmente poderia servir de matéria-prima para um reportagem que penso em publicar numa revista. Quando me preparo para me despedir,a cigana me diz, textualmente :

- Se sair em alguma revista, mande para mim…

Fico pensando : quem sabe,ela notou em minha curiosidade um ou outro traço típico de jornalista. Observadora atentíssima – porque precisa pescar nas palavras do visitante informações que lhe permitam arquitetar previsões – ela pode perfeitamente ter imaginado minha intenção. Arriscou, então, um palpite nada absurdo.

De qualquer forma, quer tenha sido mero palpite ou não, devo dizer, em nome da veracidade factual, que a cigana se referiu a uma revista que era segredo. As palavras de Esmeralda ficaram registradas no meu gravador.

É assim: quem entra neste quarto embarca num jogo de espelhos sem fim

Piso novamente no terreno movediço das suposições, divagações, coincidências. Quem entra neste quarto de empregada em Copacabana ingressa num jogo de espelhos sem fim. Uma suposição leva a outra, numa teia que não se acaba nunca.

Deixo o oráculo depois de uma consulta que durou exatos cinqüenta minutos. Chove lá fora. Um carro prateado (são tantos,na cidade) sai do túnel que dá para a rua Raul Pompéia. Tenho a sensação de que paguei setenta reais para adquirir uma dúvida (“cuidado com um carro prateado”) e um alívio (“a carta forte do sol saiu várias vezes. Sol não pode ser ruim,porque clareia”).

O Santo Protetor da Racionalidade me sopra, enquanto tento driblar as poças d’água na calçada neste começo de tarde de sábado : é ridículo acreditar que generalidades pronunciadas por uma mulher que se diz dona de poderes premonitórios. Somente quem já chega ao Oráculo de Esmeralda preparado para acreditar em platitudes sobre o futuro é capaz de dar credibilidade às palavras da cigana.

Penso que a chave do enigma é este : só acredita em previsões assim quem chega ali preparado para acreditar. Caso contrário, é possível derrubar uma por uma todas as sentenças da cigana . Prever que um piloto de Fórmula-Um vai sofrer um “acidente fatal” numa curva não chega a ser uma demonstração genial de clarividência. Igualmente, dizer a um pai que ele teve “preocupação especial” com um dos filhos é apostar no mais do que possível . Por fim, quem nunca se preocupou com documentos de imóveis ?

O segredo : jogar na loteria das coincidências. A chance de acertar pelo menos uma vez é grande

Noventa e nove por cento das evidências dizem que tudo não passa de um esperto jogo de adivinhações. A própria cigana é mestra em jogar na loteria das coincidências : quer saber – por exemplo – se o visitante tem um problema no joelho. Se ele tiver, vai acreditar que ela é dotada de poderes no mínimo estranhos. É tudo ilusão. O iludido é o visitante. A ilusionista é a cigana.

Mas devo confessar : é impossível não se deixar fascinar por este Grande Jogo das Coincidências, tão habilmente manipulado por uma observadora arguta, cercada de ícones por todos os lados, num minúsculo quarto de empregada. O ambiente, algo lúgubre, é propício a divagações de todo tipo. Um encontro como este deixa sempre uma fagulha de dúvida no peito de quem descrê.

Caio por cinco minutos na tentação de perguntar a mim mesmo, enquanto espero pela condução (felizmente, não há táxis prateados no Rio de Janeiro) : e se o José de que ela fala for o meu avô, já morto ? Como é que ela adivinhou que fiz a consulta pensando em escrever para a revista ? O que é que levou a cigana a dizer que eu tinha tido um problema com documentação de uma “residência” ? Rendo-me por quinze minutos à certeza de que não custa nada dar uma chance ao imponderável, ao invisível, ao insondável, nem que seja por mera curiosidade jornalística. É um gesto inofensivo.

A tempestade que estava se armando no céu de Copacabana finalmente se dissipa. Pego um táxi – amarelo,é claro. Nada de carro prateado. A rua Raul Pompéia fica para trás. A cigana permenece no quarto- quem sabe,à espera do próximo visitante.

Vou adiante : intimamente, decreto a suspensão temporária de meu ceticismo. Resolvo dar um crédito de confiança às entidades que – jura a cigana – me oferecem proteção : então, bem-vindo,Cigano Vladimir. Bem-vindo, Uriel, Anjo da Noite. Obrigado, pedra de Turmalina, ouro branco, prata velha. A partir desta tarde de sábado, conto com vocês.

Mas, lá no deserto de minha descrença, onde não há espaço para pedras de turmalina nem anjos da noite nem carros prateados, eu sei : é tudo um mero jogo de espelhos, um labirinto de adivinhações.

Copacabana me engana.

Quatro meses depois da consulta,bato de novo à porta da cigana. Quero saber se é verdadeira a informação de que ela teria morrido dias antes do Natal. O porteiro confirma : “É verdade. Dona Esmeralda morreu de repente. Fecharam o apartamento. Desligaram o telefone. Acabou o movimento”.

Posted by geneton at 02:15 PM

outubro 13, 2009

WOODY ALLEN É UM “CINEASTA PEQUENO”, “UM CARETA” DE “VISÃO ESTREITA” E “FRASES BRILHANTES”. ASSINADO: CAETANO VELOSO

Woody Allen vem aí. Deve fazer um filme no Brasil. O Dossiê Geral publicou dois posts sobre o homem nos últimos dias.

O Festival Woody Allen ganha, hoje, um último acréscimo, graças a um acaso : um exemplar de um suplemento literário me foi entregue quando eu flanava pelos corredores da Bienal do Livro de Pernambuco.

Por coincidência, justamente ele, Woody Allen, é um dos temas de uma entrevista que Caetano Veloso concedeu ao Correio das Artes, suplemento literário do jornal paraibano A União. Bem editado, o suplemento circula há sessenta anos. É gol da pequenina Paraíba!

“É um careta, um cineasta pequeno”, declara Caetano Veloso sobre Woody Allen, em depoimento que se estende por onze páginas. Assunto exclusivo da entrevista : cinema.

Eis a íntegra do que Caetano Veloso diz sobre Woody Allen no depoimento a Sílvio Osias :

“Fizeram uma espécie de festival Woody Allen no Telecine Cult. Vi por acaso: passavam os filmes nas horas em que vou me deitar. Gostei de todos: dos que revi e dos que nunca tinha visto. Mas sei que ter saído de casa para ir ao cinema era um pouco demais para filmes tão estreitos. A TV é o perfeito veículo para Allen.O primeiro filme dele que vi foi Boris Gruschenko e achei que parecia um programa de TV meio malfeito”.

“Depois, ele melhorou a estrutura dos roteiros e o uso da câmera. Passou a fazer filmes melhores. Mas sempre muito anti-sixties,um tanto reacionário. Muito hétero, muito reverente com os amantes de ópera que vivem no Upper East Side, muito chegado a uma decoração creme por trás de roupa bege. Careta até não poder”

“Gay, maconha, rock, Bob Dylan, tudo isso é desprezado por ele. Eu entendo: vemos peças da Broadway pós-rock (o pós-rock que se usa na Broadway) e pensamos em quão genial eram Porter, Gershwin e Rogers: essas baladas que se ouvem nos espetáculos novos ( dos 70 para cá) são chatérrimas- o mesmo se dando com os desenhos animados em longa metragem: em Branca de Neve, quando os personagens param para cantar é um alumbramento; em Aladim ou Moisés, Príncipe do Egito, é um bocejo: são uma mistura de campo com igreja, um negócio que sempre parece que a Mariah Carey vai cantar, com dramaticidade negra de igreja mas abastardada, sem a malícia e a urbanidade, a inteligência de uma canção de Berlin ou de Kern. Então, é gostoso que um cara velho seja sincero a esse respeito. E muitas das piadas ( “one liners”) são excelentes. Mas sempre se revela uma visão estreita”.

“O público que o adorava quando ele era uma novidade com filmes ruins não gosta nem dos bons que às vezes ele faz. Meu filme favorito dele é Bullets Over Broadway: é uma comédia de verdade. Diane Wiest está genial (nada da chatice que ela apresenta quando faz personagens “sensatos” em filmes de outros diretores: ela é falsa, parece uma maluca fingindo que é sã),tem situações ótimas. E Allen tem a grande elegância de dar a seus filmes a duração que os filmes tinham quando ele era menino. Talvez isso contribua para para o seu relativo frascasso comercial nos EUA: o público exige supersized movies”.

“Os produtores descobriram que o povo pensa que se um filme não dura mais de duas horas e quinze ele não está sendo “bem servido”. É como um restaurante vulgar – e como o ar-condicionado dos cinemas: os idiotas pensam que, quanto mais frio, melhor”.

“Allen faz filmes do tamanho de filmes. Adoro Nova Iorque – e ele a conhece e sabe filmar a arquitetura da cidade. Além disso, ele é o grande herdeiro do cinema novaiorquino, independente de Los Angeles. Ele não é nenhum Cassavetes, mas merece estar ligado à tradição que este iniciou. É um careta, um cineasta pequeno, mas é um cara legal, com frases brilhantes, com algunas cenas espetaculares como ator- e canta muito, muito bem na cena curta em que o faz, em Everybody Says I Love You. Considero uma conquista imensa ele ter o “final cut” dos seus filmes”

Posted by geneton at 12:29 AM

outubro 09, 2009

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE FLORES (OU: O QUE TERÁ ACONTECIDO COM O CABELEIREIRO DE HERTA MULLER, PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA ?)

Um internauta sugere que o blogueiro-que-vos-fala responda aos comentários. Falta tempo, esta mercadoria escassa. Como se diz lá no Xingu, I am so sorry.

De qualquer maneira, quero declarar aqui e agora que os visitantes do Dossiê Geral serão, sempre, incondicionalmente bem-vindos – inclusive os que jogam pedras no nosso telhado de vidro. Acontece. O que posso dizer, além de recomendar que caprichem na pontaria ? O pior: tenho a sincera tentação de concordar com a maioria das “ofensas”.

Quanto aos que jogaram flores de toda espécie : como dizem os vereadores de cidadezinhas do interior, “faltam-me palavras para agradecer”. Voltem sempre.

Aos que se dão ao trabalho de escrever : informo que cada um dos comentários é lido com toda atenção. Faz de conta que a voz do povo é a voz de Deus. Uma ou outra agressão fica de fora, porque é preciso cumprir o regulamento do campeonato: nada de violência.

O Dossiê Geral pretende ser, essencialmente, jornalístico: minha especialidade, já deu para notar, é entrevista e reportagem. Não é opinião.

Mas….de vez em quando, posso me dar ao luxo de dar um pitaco sobre o estado geral das coisas.

Ninguém deve, no entanto, levar cem por cento a sério pitacos assumidamente amadorísticos como os que dei sobre o requebrado da supermodelo Gisele Bundchen na passarela. Aquilo é apenas uma daquelas perguntas que todo bípede faz intimamente a si mesmo, sem esperar resposta.

Pichadores, calma. Não há motivo para irritação.

Assustado com a avalanche de comentários provocada pela minha rapidíssima incursão no universo das passarelas, prometo que, nos próximos dias, manterei um silêncio respeitoso sobre o mundo da moda e dos penteados.

Uma observação que, prometo, será a última (por enquanto) : todos viram, nas TVs e nos jornais, a ganhadora do prêmio Nobel de Literatura, Herta Müller. É uma escritora respeitável, viveu na pele os horrores de uma ditadura sufocante. Palmas para ela.

Só não resisto à tentação de perguntar : o cabeleireiro de Herta Muller continua solto ?

Posted by geneton at 12:38 AM

outubro 08, 2009

DÚVIDAS INÚTEIS DE UM LEIGO ABSOLUTO EM MATÉRIA DE MODA: POR QUE É QUE UMA SUPERMODELO COMO GISELE BUNDCHEN SE MOVE NA PASSARELA COMO SE FOSSE UM BONECO DO CARNAVAL DE OLINDA ?

Senhores jurados : perdoai.

O Dossiê Geral pede licença para lançar ao vento uma daquelas perguntas estúpidas que de vez em quando afloram, irresistíveis, em nossas florestas interiores.

São aquelas interrogações que, em respeito às normas da civilização, a gente pronuncia em voz baixa, para ninguém, num monólogo que dispensa espectadores.

Feita a ressalva, transmito aos senhores jurados esta dúvida de um leigo absoluto em matéria de desfiles de moda: em nome de todos os santos, alguém poderia esclarecer o que quer dizer aquele andar de Gisele Bundchen na passarela ? O que é aquilo ? Defeito físico ? Falta de coordenação motora ? Trauma de infância ?

Não se discute aqui a beleza da chamada “supermodelo”. Deve haver um fundo de razão no boato de que ela é a mulher mais bela do mundo. Pode ser. Deve ser. Parece simpática, além de tudo. O problema das celebridades é a obrigação de dar entrevistas.

Sou insuspeito para falar, porque desde que me entendo por gente vivo importunando a paciência alheia em busca de declarações que mereçam ir para o papel ( ou para o vídeo ou para uma tela de computador).

Em verdade, vos digo: noventa por cento das celebridades – especialmente, as que não precisam cultuar os prazeres da leitura – passam a vida pronunciando obviedades. Podem-se incluir nesta lista modelos, jogadores de futebol, atrizes, atores, cantores etc.etc.

As modelos vivem a um milímetro do vexame quando abrem a boca. Faça-se uma pesquisa na imprensa nacional dos últimos dez anos. O nível das declarações de modelos como Gisele Bundchen é digno de um estudante secundarista relapso. Uma alma caridosa poderia dizer: mas quem disse que elas deveriam saber falar ? Basta que desfilem. Que assim seja.

Mas aí uma dúvida devastadora invade a alma dos leigos: em nome das vítimas do tsunami, alguém poderia explicar o que é que faz uma supermodelo multimilionária se mover numa passarela como se fosse um boneco do carnaval de Olinda? É verdade que ganha cachês de milhares de dólares para balançar o esqueleto como se fosse uma marionete descontrolada ?

Jamais vi desfiles de moda. Faço, desde já, um juramento: pretendo morrer sem ver. Não me fazem a menor falta.

Ainda assim, cultivo esta dúvida primal: alguém pode dizer em português claro o que é que faz uma supermodelo tão bonita quanto Gisele Bundchen andar com um pé na frente do outro, como se estivesse querendo provar ao guarda de trânsito que não bebeu ?

O que é aquilo ? O que quer dizer ? Deixo no ar minha dúvida. Não é só minha. É de milhões de telespectadores que, como eu, jamais se incomodaram com o fato de nunca terem pousado as patas num desfile de moda. É só ver o elenco de interesses e a compulsão exibicionista dos que, com as exceções de praxe, fazem e frequentam estes festivais de humor involuntário. Repito: com as exceções de praxe.

Nós, aqui do extremo oposto da escala animal, agradecemos penhoradamente pelas boas risadas que estes convescotes nos proporcionam sempre que aparecem na TV. Alguém, em algum lugar do planeta, já viu um ser bípede minimamente dotado de senso de ridículo andar pelas ruas com aquelas roupas inviáveis e aqueles penteados patéticos ? Certamente, não. Quá-quá-quá. Nunca,nunca se fez tanto humorismo involuntário na face da Terra.

Posted by geneton at 12:39 AM

outubro 07, 2009

O BRASIL NÃO PODE SE DAR AO LUXO DE ESQUECER O “MAIOR MEMORIALISTA BRASILEIRO”. O NOME: ANTÔNIO CARLOS VILAÇA. A PROFISSÃO DE FÉ: “EU QUERIA AS GRANDEZAS, EU SONHAVA COM ALTURAS LÍMPIDAS”

RECIFE – Entre um aeroporto e outro, o Dossiê Geral dá sinal de vida, para não perder o hábito.

Aviso aos caríssimos transeuntes : o Dossiê Geral não é exatamente um blog de opinião. O blogueiro é, sempre foi e será um mero coletor de declarações alheias. Em outras palavras: um perguntador. É o suficiente. Já há, espalhados pelo planeta, milhões de blogs pontificando sobre tudo e sobre todos. O Dossiê Geral fez, então, a opção preferencial pela reportagem e pela entrevista.

Feita esta ressalva, abro uma exceção para bradar aos quatro cantos do universo blogueiro uma opinião descarada : “O Nariz do Morto” é um dos mais belos livros já publicados no Brasil.

O autor: Antônio Carlos Vilaça.

A lembrança de Antônio Carlos Vilaça, morto faz quatro anos, surgiu durante a gravação de uma entrevista, hoje, em Olinda, com um escritor : sem titubear, ele deu a Antônio Carlos Vilaça o título de maior memorialista do Brasil ( em breve, detalhes da entrevista. A gravação foi marcada por uma coincidência comovente: justamente quanto o entrevistado recitava, emocionado, os versos do poema “Consolo na Praia”, obra-prima de Carlos Drummond de Andrade, os sinos do Mosteiro de São Bento começaram a tocar, ao fundo. Eram seis da tarde, em ponto. O entrevistado, um homem intensamente apaixonado pela poesia, recordava uma cena que vivera décadas antes. Publicara, num jornalzinho recifense, os versos imortais de Drummond ( aqueles: “Vamos,não chores/A infância está perdida/A mocidade está perdida/Mas a vida não se perdeu/O primeiro amor passou/O segundo amor passou/O terceiro amor passou/Mas o coração continua/(…)A injustiça não se resolve/À sombra do mundo errado/murmuraste um protesto tímido/Mas virão outros/Tudo somado, devias precipitar-te de vez nas águas/Estás nu, na areia, no vento/Dorme, meu filho”).

Um homem - que estava disposto a se matar – disse ao nosso entrevistado que desistira de cometer a loucura depois de ler os versos de Drummond no jornaleco.

O que fica de um escritor ? A beleza das palavras escritas. Ponto. Parágrafo.

Todo o resto é desperdício, desencontro, extravio. Tive pouco contato com Antônio Carlos Vilaça. Depois que li “O Nariz do Morto”, livro que garimpei num sebo, passei a admirá-lo. É um escritor que produziu pouco, mas fez um voto irrevogável de devoção à literatura.

Vivia asceticamente. Era despojadíssimo, gordo, suado, efusivo. Que eu saiba, morava de favor na sede do Pen Club, um caso único no mundo. Jovem, renunciou a tudo para se internar num mosteiro, em busca daquele silêncio que purifica, consola e enleva. Terminou voltando às turbulências da vida “civil”.

Pensei em um dia gravar um longo depoimento com Antonio Carlos Vilaça, uma entrevista em que ele poderia, quem sabe, descrever seus descaminhos de escritor e crente. A entrevista, aceita, nunca foi gravada: os desperdícios, os desencontros, os extravios de sempre.

Mas, feitas as contas , o que fica é que o foi escrito. As entrevistas não gravadas com Antônio Carlos Vilaça guardarei no mausoléu dos projetos irrealizados.

Um conselho: procurem, nas livrarias, sebos, nas calçadas, nas estantes empoeiradas, um exemplar de “O Nariz do Morto”. Que belo texto !

O livro de Antônio Carlos Vilaça não é tão conhecido quanto deveria. Pior para quem não o conhece. Não vale a pena gastar tempo lamentando : é apenas um capítulo do imenso, interminável e robustíssimo catálogo de injustiças brasileiras.

Em uma passagem de “O Nariz do Morto”, Vilaça – um homem tocado pela fé religiosa, a ponto de ter passado temporadas num mosteiro – queixa-se de que, diante do impenetrável silêncio de Deus, a devoção dos crentes se assemelhava, às vezes, a um monólogo. Era a esta a sensação que ele viveu entre as paredes do claustro:

“Ó paredes, dizei-me. “Eu quero a estrela da manhã !”. Dizei-me o endereço dela. Ó sala capitular, ó claustros, ó antifonários com iluminuras, ó sinos brônzeos, estatuazinhas , capitéis, afrescos, casulas, pesadas estalas, pedras, faces, madeiras e ouro, tapetes, cálices, relicários , retábulos e móveis, crucifixos e virgens, falai ! Um sussuro que nos chegue. Que monólogo é este, dia e noite entretido ? Sombras, sombras, sussurai-me, segredai-me. Todo esse passado, esse peso, essa pátina, pureza, pecado”.

“Ó dias, ó noites, ó vermes, que perfurais em nós a essência nossa. Que essência ? Que vermes ? Ó países em nós soterrados, ó escombros, ó múmias, ó gigantes mutilados, terras absurdas e quietas, colinas, mausoléus ,incógnitas e nós, bichos da terra, pitorescos, à procura”.

“A vida é numerosa. E então os sinos súbito anunciam em nós a morte,que virá. A morte vem. Cada dia, a morte vem”.

“A fé religiosa como que me assaltou. Vi-me subjugado pelo entusiasmo. A vida de rapaz que amava as letras e sabia de cor os seus poetas preferidos, a vida simples, descuidada, solitária, tantas vezes, de um rapaz estudioso (e reto) ganhou esse frêmito novo e desconhecido, essa audácia, essa loucura, essa vibração absurda”.

“Eu gostava das sublimidades. Eu queria as grandezas. Eu sonhava com alturas límpidas. Eu queria as nuvens. Muito menos, o duro chão dos homens”.

“O homem morre para sempre. O abismo da morte não devolve ninguém. E então, lentamente, fui percebendo que só nos resta uma atitude, menos que atitude, uma postura – a tranquila dignidade de quem sabe e não se desespera”.

“Ó interminável estrada, ó ruas do mundo, ó caminhos da vida, ó rio dos homens por onde incessantemente rolamos como gloriosos destroços !”.

“Ó caminhante sombrio e só ! Sempre sentiste o efêmero de tudo. Nunca pousaste, nem repousaste em nada. Nunca tiveste sossego. Foste sempre um peregrino em perigo”.

“Isto é apetecível, uma casa, com mulher e meninos, para a noite do homem. Nunca terás isto, ó incauto viajante, ó ser noturno, abandonado e trágico, nunca terás o limpo sossego dos homens. Não o terás, porque o recusas, ó louco, ó orgulhoso, ó só. Não conhecerás nunca a meiga tranquilidade dos serões sem agitação : viverás como um condenado, sem casa, entregue à nostalgia do paraíso absurdo, sem chave, sem nada. Caminharás sem fim. Nunca chegarás”.

Posted by geneton at 12:41 AM

outubro 01, 2009

DUAS PERGUNTAS DEFINITIVAS. A PRIMEIRA É: “POR QUE SERÁ QUE ESTES BASTARDOS ESTÃO MENTINDO PARA MIM ?”

Entre um aeroporto e outro, em trânsito, o blogueiro amador lamenta informar que se encontra temporariamente vitimado pela SFT, a temível Síndrome da Falta de Tempo.

Mas, para não dizer que não assinei o ponto, repasso aos caríssimos frequentadores duas rápidas “pílulas de vida”.

A primeira é uma lição imortal, deixada por um jornalista inglês ( by the way : comparado, sob qualquer ângulo e qualquer parâmetro, com o que se faz no Brasil, o jornalismo que se pratica na Inglaterra, especialmente nos chamados “jornais de qualidade”, é uma humilhação impressa imposta diariamente a nós, brasilíndios. Não falo em qualidade industrial. Falo em qualidade editorial : as pautas, as sacadas, os títulos, os textos. Faça-se um teste. Pegue-se uma edição do Sunday Telegraph (disponível na Internet). Por contraste, pegue-se um jornal brasileiro qualquer. Agora, compare-se quanto tempo é necessário para ler um e outro. O resultado diz tudo. Assinado: um selvagem que, em matéria de imprensa, confessa-se um anglófilo de carteirinha).

Como eu ia dizendo antes de ser bruscamente interrompido por esta divagação anglófila:

um jornalista inglês chamado Louis Heren ouviu, no início da carreira, um conselho que fez questão de deixar registrada numa autobiografia.

O conselho deveria ser seguido ao pé-da-letra por todos os jornalistas, sem exceção, especialmente aqui no Brasil, a terra do tapinha-nas-costas e do compadrismo:

“Toda vez que estiver ouvindo presidentes e ministros, líderes sindicais ou empresários, iogues ou delegados de polícia, o repórter deve sempre perguntar a si mesmo: por que será que estes bastardos estão mentindo para mim ?”.

A outra pergunta aprendi com Paulo Francis. Se fosse capaz de articular uma frase cinco minutos depois de nascer, ele gostaria de ter perguntado aos presentes, ainda na maternidade:

“Quem disse que eu queria vir pra essa joça ?”.

É o que qualquer ser bípede também dotado de um par de neurônios deve se perguntar de quinze em quinze minutos, ao contemplar o Grande Circo Diário.

São duas perguntas definidoras. Uma vale para o jornalismo : por que será que estes bastardos estão mentindo pra mim ?

A outra vale para tudo: quem disse que eu queria vir pra essa joça ?

A boa notícia é que a procura por respostas para uma e para outra pode ser – e é – divertida.

Então, pé na estrada e velas ao mar ! Como diria o velejador que passeava inocente entre as ondas, sem enxergar o tsunami que se aproximava : tudo azul até agora.

Que assim seja.

Posted by geneton at 12:45 AM

setembro 29, 2009

DA SÉRIE CONFISSÕES INCONFESSÁVEIS – 1

1: Um OVNI na boca do astronauta

Pode ter sido uma ilusão de ótica, mas tive a clara, nítida e inarredável impressão de que testemunhei uma cena estranha, em Brasília, durante a gravação de uma entrevista com um astronauta que pisou na lua: a arcada dentária superior do herói do espaço se moveu ligeiramente para frente, em meio a uma resposta.

Palpite :não eram dentes naturais. Dente não sai do lugar. Se os dentes se mexeram em bloco, o herói do espaço usava dentadura.

Há quem veja OVNIs no céu. Vi um OVNI – objeto voador não-identificado – logo ali, na boca do astronauta que pisou na lua.

O nome do herói do espaço era Edgard Mitchell, um dos astronautas da Apolo 14.

Ah, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, perdoai a indiscrição.

2: O bafo do Prêmio Nobel

Que as musas da literatura me perdoem, mas vou cometer uma indiscrição inútil, banal, desnecessária e dispensável : o Prêmio Nobel de Literatura José Saramago exalava mau hálito quando me deu uma entrevista no Copacabana Palace.

Pronto. Contei.

Agora, disfarço, olho para o chão, saio da sala de fininho.

3. O chiclete invisível da Dama de Ferro

Tive uma vez a chance (fugaz) de dirigir a palavra à primeira-ministra britânica Margareth Thatcher (em breve, um post sobre o assunto). Vista a dois palmos de distância, a pele do rosto da chamada Dama de Ferro impressionava pela palidez. Os olhos eram de um azul fulminante. Mas um detalhe idiota me chamou a atenção: por alguma disfunção odontológica, compreensível numa senhora de idade, a Dama de Ferro de vez em quando movimentava estranhamente as mandíbulas, como se estivesse mastigando um chiclete invisível. Não era chiclete, óbvio. Era um tique da velhice. O tempo passa.

4.Um mico num quarto de hotel, em nome da fé e dos olhos de Darlene Glória

A atriz Darlene Glória era um símbolo sexual indiscutível nos anos setenta. Brilhou em “Toda Nudez Será Castigada”, a versão cinematográfica que Arnaldo Jabor concebeu para a peça de Nelson Rodrigues. Um belo dia, jogou a carreira para o alto para se converter de corpo e alma à fé religiosa. Virou pregadora fervorosa. Apareceu no Recife para fazer sermões. Fui entrevistá-la, com três parceiros jornalistas.

A musa nos recebeu no quarto num quarto do Hotel São Domingos. Estava linda. Terminada a entrevista, ela me olhou nos olhos e disse: “Eu estou notando, nos seus olhos, que você precisa de Deus!”. Convocou, então, a pequena troupe de entrevistadores a fazer uma oração, em círculo, no centro do quarto. Eu não tinha ido ali para rezar, mas para fazer uma entrevista. Mas não tive como negar o convite. Olhei para o chão e, por ordem da pregadora, comecei a rezar - de mãos dadas logo com quem : com ela, Darlene Glória, minha musa das telas do cinema. Jamais imaginei que um dia estaria de mãos dadas com a musa de Toda Nudez Será Castigada num quarto de hotel. Mas estive, na circunstância mais solene possível.

C´est la vie.

5. Meu ídolo de infância responde : não

Uma das lembranças imbatíveis de minha infância : ver as comédias estreladas por Jerry Lewis nas matinês. Décadas depois, o meu ídolo passa por Londres, para uma curtíssima temporada num teatro. Vi a peça. O Jerry Lewis que subiu ao palco do teatro não fazia concessões ao Jerry Lewis que fazia palhaçadas impagáveis nas telas: nada de contorcionismos impagáveis nos músculos do rosto, nada do ar abobalhado, nada de olhares enviezados. Por um breve momento, fez um trejeito que lembrava o Jerry Lewis do cinema. A platéia veio abaixo. Tento uma entrevista com o homem pelos meios civilizados: um fax para a assessoria. Resposta seca: não, Jerry Lewis não vai dar entrevista ao senhor. Ponto. Sucintamente, o motivo: ele só falaria com jornalistas que escrevessem para o público que pudesse ir ver a peça. Não era o caso de um repórter de um país distante. Brasil ? Não, neca, não interessa. Pode tirar o time de campo.

Tirei.

Acrescentei o verbete “Lewis, Jerry” à minha Enclopédia de Entrevistas Perdidas.

Novas confissões inconfessáveis em breve – ou a qualquer momento, em edição extraordinária.

Posted by geneton at 12:45 AM

setembro 24, 2009

INGLESES PEDEM O INÍCIO DE UMA NOVA GUERRA DAS MALVINAS (MOTIVO:”JÁ QUE VAMOS PERDER MESMO A PRÓXIMA COPA DO MUNDO, É MELHOR ARRANJAR LOGO ALGUMA COISA PARA COMEMORAR”)

Desde que a praga politicamente correta tomou de assalto as mentes simplistas, pega mal dizer que o feio é feio, a gorda é gorda, o negão é negão, o gay é gay, o branquelo é branquelo, o burro é burro, o bêbado é bêbado, o idiota é idiota.

Qual é o problema? “Pega mal” dizer que um cego não pode ser fotógrafo. Mas peço licença à patrulha para dizer: não pode! Vi outro dia um fotógrafo cego pontificando na TV sobre enquadramento. Falava francês, claro ( não há língua que se preste tanto a imposturas intelectuais). Cego falando de fotografia é algo tão grave e despropositado quanto este locutor participando de desfile de moda. Não há qualquer desrespeito na constatação do absurdo.

Fiz ao meu demônio-da-guarda a pergunta que todos fazem na surdina : por que é que o fotógrafo ceguinho não arranja outra profissão ? Por que não aprende música ? Por quê ? Por que precisa aparecer na televisão falando de enquadramento fotográfico ? Por quê ? Por quê ? O demônio-da-guarda se quedou silente.

Diante da mudez do bicho, desisto de lançar perguntas ao vento sobre o fotógrafo ceguinho e a miríade de personagens absurdos que compõem, com ele, o elenco desta nossa grande comédia de erros. Quem sabe, o melhor é deixar que o circo planetário siga adiante, sem ser importunado.

Dupla de escritores declara guerra contra os idiotas politicamente corretos

Mas…vasculho meu Museu de Miudezas Efêmeras ( era assim que Jorge Luís Borges definia os jornais) em busca de um relato sobre dois ingleses que, faz algum tempo, lançaram um livro para provocar a estupidez politicamente correta reinante. Voilà:

Defensores dos bons costumes e das boas maneiras, fiquem alertas. Militantes da mentalidade ”politicamente correta”, saiam da frente. Mal-humorados que levam tudo a sério, preparem o estômago.

Porque desembarcou nas livrarias da Inglaterra um dos mais ”politicamente incorretos” textos já produzidos. Não por acaso, a obra se chama ”O Manual Oficial do Politicamente Incorreto”(”The Official Politically Incorrect Handbook”).

Os autores : dois escritores “free-lancers” ingleses, chamados Mark Leigh e Mike Lepine. A editora : Virgin Books.

A missão : demonstrar aos incrédulos que,ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, a Inglaterra não parece disposta a tolerar os excessos da mentalidade politicamente correta.

Os defensores da mentalidade ”politicamente correta”, como se sabe, condenam todo e qualquer gesto que possa ser visto como remotamente ofensivo contra quem quer que seja. A intenção pode até ser louvável. O problema é que o temor de ferir susceptibilidades alheias terminou criando exageros. Piadas sobre minorias ? Nem pensar ! Resta uma pergunta : onde é que fica o senso de humor – uma instituição secularmente cultuada na Grã-Bretanha ?

Com o lançamento do livro da dupla Leigh & Lepine,os ”politicamente incorretos” lançam um novo – e bem-humorado- golpe contra os militantes radicais da pretensa correção política. Sem medo das patrulhas politicamente corretas,os dois ingleses reúnem, em 271 páginas, opiniões,tiradas e comentários que farão corar de raiva os apóstolos do ”politicamente correto”.

A África -por exemplo- serve para quê ? ”Para preencher o espaco vazio entre a América do Sul e a Índia e como cenário de filmes de Tarzan” – escreve a dupla.

Por que a arte moderna é uma porcaria ? “Qualquer coisa que nos parece melhor quando estamos bêbados é suspeita”

O manual traz uma variadíssima lista de afirmações politicamente incorretas, seguidas de uma justificativa. A dupla pede, por exemplo, uma nova Guerra das Malvinas, entre Inglaterra e Argentina. Como se sabe, os ingleses venceram a Guerra das Malvinas, em 1982. Houve festa em Londres, na volta das tropas que tinham sido enviadas à América do Sul para retomar o domínio britânico sobre as ilhas, invadidas por militares argentinos).

Eis uma amostra das estocadas politicamente incorretas da dupla inglesa:

1.”Por que é hora de comecar logo uma nova Guerra das Malvinas? Como a gente vai perder mesmo a próxima Copa do Mundo,então é melhor arranjar logo alguma coisa para comemorar”.

2.”Por que estudar matemática na escola é uma completa perda de tempo? Ninguém jamais ficou rico por saber calcular o mínimo denominador comum”.

3.”Por que é tão bom ser estúpido? Porque um estúpido sempre encontrará o que ver na televisão”.

4. ”Por que a guerra é melhor que a paz? Dê um pulo no vídeo-clube.Quantos filmes de paz existem lá ?”.

5. ”Por que o sexo feminino é inferior? Tente se lembrar do nome de uma batalha importante vencida por uma mulher….”

6.”Por que a França pode continuar a fazer testes nucleares no Pacífico? Porque seria uma completa irresponsabilidade fazer os testes no centro de Paris”.

7.”Por que é bom frequentar prostitutas? Porque,na hora H,elas dizem coisas como ”oh,baby !”,”oh,sim,sim !”,em vez de ”você levou o gato pro quintal ?”.

8.”Por que é indispensável ver o discurso de Rainha na televisão no Dia de Natal? É uma excelente oportunidade para toda a família ir ao banheiro,antes de começar a ver,pela quinta vez,os ”Caçadores da Arca Perdida”.

9.”Por que ninguém deve se preocupar com a poluição das águas? Porque não vivemos nos rios”.
10.”Por que é perfeitamente aceitável usar casaco de pele? Todos os animais usam.Ninguém nunca reclamou”.

11.”Por que é bom ser um branco anglo-saxão? A polícia nunca dá em cima de você”.

12.”Por que precisamos dos políticos? Porque,quando nos comparamos com eles,nos sentimos honestos e virtuosos”.

13.”Por que que é bom ensinar religioes alternativas nas escolas? Porque assim saberemos que não estamos perdendo nada.Além de tudo,cânticos e rezas de outros povos sao em geral hilariantes…”.

14.”Por que a Inglaterra deve gastar mais dinheiro recrutando soldados para o exército do que contratando médicos para os hospitais publicos? A Rainha ia achar um tédio passar em revista uma tropa de especialistas em ouvido,nariz e garganta…”.

15.”Por que a arte moderna é uma porcaria? Qualquer coisa que parece melhor quando estamos bêbados do que quando estamos sóbrios é suspeita. Além de tudo,um tijolo é um tijolo : qualquer criança de cinco anos sabe. E um carneiro morto é um prato : nao é um objeto de arte”.

16.”Por que a Previdência Social deve financiar as operações para aumentar os seios,em vez de gastar dinheiro com transplantes? Porque, ao contrário do que acontece com os seios, os homens jamais poderão enfiar o rosto entre rins transplantados e dizer ”glub,glub,glub”.

17.”Por que o Império Britânico era bom? Se o império não tivesse existido,o Cinema Império,no centro de Londres,provavelmente se chamaria hoje Odeon,o que criaria confusão no público,porque já existe um outro Cinema Odeon na cidade”.

18.”Por que o Budismo jamais pegará na Inglaterra? Porque os ingleses acham que é melhor ir para o inferno do que viver aqui por não sei quantas encarnações”.

19.”Por que os castigos corporais devem ser adotados novamente na Grã-Bretanha? Poderemos gravar os castigos e vender as fitas todas para a Alemanha”.

20.”Por que as companhias não devem dar emprego a ninguém com mais de sessenta anos? Porque os aparelhos de surdez podem causar interferências nos sistemas de alarme contra incêndio”.

Antes de comecar a entrevista, Mike Lepine pediu licença para cometer o que chama de ”um ato politicamente incorreto” : acender um cigarro. O ”Manual Oficial do Politicamente Incorreto” pretende fazer o público rir,mas há um traço sério na obra:

-”A propagação da mentalidade politicamente correta me faz lembrar o livro ”l984”, em que George Orwell fala da manipulação das palavras através da criação de um novo idioma – a ”novilíngua”. É o que os politicamente corretos estao fazendo, na prática : querem mudar nossa maneira de pensar mudando as palavras. Mas não queremos ser manipulados por eles !”.

Uma constatação: a mentalidade politicamente correta é nociva porque não permite que se façam julgamentos sobre o que é bom e o que é ruim. Mas os “padrões de julgamento” são necessários

O politicamente incorreto Lepine admite que a mentalidade politicamente correta ”pode até ter bons aspectos. Ninguém obviamente quer viver num mundo em que uns odeiem os outros. Ninguém – diz Lepine – quer racismo ou sexismo. O problema é como os politicamente corretos atuam : terminam se tornando, eles proprios, ofensivos ! . A correção política é uma camisa de força . Os adeptos desta mentalidade ficam brigando com as palavras, em vez de se ocuparem dos reais problemas. A mentalidade politicamente correta não permite que você faça julgamentos sobre o que é bom e o que é ruim. Não há padrões, portanto. Isto é nocivo ! Quem luta contra a mentalidade politicamente corrreta tenta, na verdade, estabelecer padrões de julgamento – que são necessários!”.

Lepine se defende de eventuais críticos:
-”Tudo o que fizemos,no Manual, foi escrever coisas que as pessoas normalmente dizem nos pubs, numa roda de amigos. Ali,a verdadeira opinião de cada um aparece. As pessoas são todas, por natureza, politicamente incorretas. Mas eu simplesmente não consigo ver que danos ou prejuízos o senso de humor pode causar”.

Ninguém escapa da pena afiada dos dois autores politicamente incorretos – nem Tarzan e muito menos a classe operária. Aqui,eles explicam por que Tarzan é o “modelo ideal para um operário” – um exemplo tipico do humor politicamente incorretíssimo:

”1.Só se comunica através de grunhidos;2.Gosta de andar sem camisa; 3.Não tem a menor idéia sobre a identidade do pai;4.Aprendeu suas maneiras com um chimpanzé;5.Carrega uma faca;6.E vive aterrorizando a população negra da vizinhança”.

Posted by geneton at 01:11 AM

setembro 23, 2009

PAUSA PARA REFRESCO: ANOTAÇÕES SOLTAS, PERGUNTAS INÚTEIS , PALAVRAS AO VENTO

O que é mais divertido e causa menos danos à saúde física e mental ?

a) morrer ;
b) estar na platéia do Cirque du Soleil e ser chamado ao palco ;
c) ver a cinquentenária Madonna requebrando ao som de uma música inclassificavelmente chata ;
d) testemunhar um senador de cabelo pintado falando na TV ;
c) passar trinta segundos na frente de um mímico

Tenho certeza absoluta de que a opção A é a correta.

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Você olha para o céu cinzento, mira o Grande Nada e pergunta a si mesmo:
você seria capaz de sair de casa para ir ver um show de um grupo chamado Sorriso Maroto ? De novo: Sorriso Maroto. Outra vez : Sorriso Maroto.

A última de suas vísceras repete instintivamente o que Jaqueline Kennedy disse, horrorizada, quando viu os miolos do marido explodirem dentro daquele carro em Dallas : “Oh,no!”

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Nunca, jamais, sob hipótese alguma, receba um cheque de quem:

A) chama TV de “telinha”
b) desenha um sinal de aspas no ar com dois dedos de cada mão
c) acrescentou uma letra ao nome por sugestão de um numerólogo
d) chama o marido de “maridão”, o filho de “filhão” ou, se for o caso, a mulher de “amorzão”
e) usa rabo-de-cavalo
f) alguma vez na vida já usou ou pensou em usar bandana
g) desfila de camiseta na rua para mostrar aos outros os músculos marombados
i) toma cafezinho com o dedo mindinho estirado

É pule de dez: o cheque é sem fundos.

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Uma dúvida irremovível : dizei, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, o que é que leva um ser bípede e falante a posar para uma revista de “celebridades” diante de uma mesa de café-da-manhã fake ? Qual é a força que move aquele aglomerado de ossos e músculos a fazer este papel ?

Dou-lhe meio século para achar uma resposta razoável.

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Posted by geneton at 01:15 AM

DESCOBERTO O SORRISO QUE OS ROBÔS JAMAIS CONSEGUIRÃO REPRODUZIR!

A TV mostrou, não faz tempo, o comovente esforço de cientistas japoneses que tentam reproduzir, na face de um robô, expressões humanas.

Digo “comovente” porque a causa é nobre: os cientistas estão, na prática, preparando robôs que, com toda certeza, serão uma companhia mais agradável, menos barulhenta e menos inconveniente do que noventa e oito vírgula nove por cento dos seres humanos.

Um mecanismo instalado dentro do robô distende ou retrai o rosto do bicho, feito de matéria plástica. Assim, o rosto passa a demonstrar “sentimentos” como espanto, alegria e tristeza.

Os cientistas podem suar seus jalecos durante décadas nos laboratórios de robótica, mas jamais conseguirão sucesso total na empreitada. Pelo seguinte: há uma expressão humana que é absolutamente irreproduzível por robôs.

Preste toda atenção. Há uma fila de espectadores esperando a hora de entrar na sala do cinema. De repente, um celular começa a emitir musiquinhas engraçadinhas. O dono do celular bota a mão no bolso e atende. Aquele ar de completa idiotia que o dono do celular exibe enquanto tateia o aparelho no bolso jamais será reproduzido por um robô: é um meio-sorriso estúpido que desmente todas as teorias sobre a evolução da espécie.O dono do celular que emite ruidinhos e musiquinhas supostamente engraçadinhos tenta mostrar, aos passantes, que é um sujeito espirituoso. Quá-quá-quá.

Podem juntar todos os PHDs do Japão, todos os gênios do MIT, todos os nerds de todas as escolas suíças: nunca, jamais, em tempo algum a ciência poderá reproduzir o meio-sorriso estúpido-dos-idiotas-donos-de-celulares-com-musiquinha-engraçadinha-na-fila-do-cinema.Leonardo Da Vinci não ousaria reproduzir numa tela movimento tão perfeito. O sorriso da Monalisa é obra de amador.O meio-sorriso-estúpido-dos-idiotas-donos-de-celulares-com-musiquinha-engraçadinha-na-fila-do-cinema é uma criação essencialmente humana; uma obra-de-arte perfeita porque retrata, sem retoques, a essência do espírito de quem o ostenta.Nenhum artista, nenhum cientista jamais ousaria recriá-lo.
Cientistas, recolhei seus robôs. Pintores, aposentem seus pincéis. Não adianta: a originalidade da idiotia humana é irreproduzível.

E assim será, por séculos e séculos. Não há avanço possível: a civilização estancou ali, no meio-sorriso-do-idiota-do-celular-de-musiquinha-engraçadinha.

Dali não avançará.

Posted by geneton at 01:15 AM

setembro 16, 2009

O MELHOR CONSELHO DO MUNDO: “QUANDO TIVER UM PROBLEMA SEM SOLUÇÃO, VÁ À MATINÊ”

O cansaço deixou marcas no rosto de Gabriel García Márquez: os olhos estão vermelhos, os cabelos desgrenhados são uma moldura perfeita para o tédio que se desenha em cada sulco da face, a camisa branca exibe marcas de suor nas axilas. São 11 e 45 da noite.

A fama cansa. Deixe-me em paz. Quero dormir – é o que diria, se quisesse ser brutalmente franco com o repórter que o importuna neste fim de noite.

Se pudesse escolher, García Márquez estaria dormindo o quarto sono agora. Mas o Prêmio Nobel é homem de palavra. Cumpre a promessa feita horas antes : depois de passar a tarde inteira falando a estudantes de cinema sobre os segredos da criação literária, como se os talentos da imaginação pudessem ser transmitidos numa sala de aula, ele chega sozinho à recepção deste hotel de terceira categoria em Havana.

Desaba o peso do corpo sobre uma poltrona vagabunda. Acende um charuto. Aceita com um meneio de cabeça a oferta do garçom : um copo de água mineral.

GGM acha que qualquer tempo concedido a repórteres é puro desperdício. Mas aceitara dar uma entrevista desde que o assunto não fosse literatura. Por imposição do entrevistado, o único tema permitido em nossa conversa seria o mais improvável e aparentemente mais desimportante de todos os assuntos por ventura merecedores de menção num diálogo com um prêmio Nobel de Literatura : o fascínio que as matinês de cinema exercem sobre ele até hoje.

Como todo grande escritor conquista o direito de exercitar pequenas excentricidades sem precisar dar explicações aos intrusos, GGM também determinou com antecedência o número de perguntas: somente seis. Nada além. Número cabalístico ? Jamais se saberá. Não pude perguntar. Não era este o assunto da entrevista.

Eis as descobertas de Gabriel García Márquez sobre as matinês:

1
Por que o senhor considera as matinês tão fascinantes ?

“À hora da matinê – uma palavra francesa metida a empurrões no castelhano – ,no interior dos cinemas, respira-se uma atmosfera lúgubre. Parece que os passos ressoam menos no piso atapetado, mas a verdade é que os que assistem à sessão das três procuram, inconscientemente, passar despercebidos. “É o sentimento de culpa da matinê”, já disse alguém, definindo dessa maneira a atmosfera de mistério e clandestinidade que têm os cinemas às três da tarde”

2
O que é que diferencia, então, o frequentador de matinês dos das outras sessões ?

“Um cinema à hora da matinê se parece a um museu. Ambos têm um ar gelado, uma quietude funerária. E, entretanto, é a hora preferida dos verdadeiros cinéfilos. O verdadeiro cinéfilo vai ao cinema sempre sozinho. Senta-se invariavelmente nas laterais da sala. Não mastiga chiclete nem come qualquer tipo de guloseima. Não lê jornais nem revistas, pois permanece nas nuvens, concentrando a tela com ar de concentrada estupidez até começar a projeção”

3
Pelo que o senhor conseguiu observar no escuro, como é que este cinéfilo se comporta depois de iniciado o filme ?

“Desaperta o cinto, desamarra os cordões dos sapatos e o nó da gravata e trata de apoiar os joelhos ou pôr os pés no espaldar da poltrona dianteira. Cinco minutos depois de começada a a projeção, pode estourar uma bomba no cinema que o verdadeiro cinéfilo não se dará conta”

4
Mas não é possível que as matinês sejam povoadas somente por cinéfilos fanáticos. Quem é, então, que faz companhia a eles ?

“Vai também à matinê aquele a quem o cinema não tem a menor importância. É muito provável que a clientela das matinês diminuiria sensivelmente se os colégios secundários fossem fechados. Os estudantes que comumente vão ao cinema em grupos não têm outro interesse além de se refugiar em lugar seguro enquanto as aulas passam”.

5
O fato de estudantes se refugiarem nas matinês para escapar das aulas explica o ar de estranha clandestinidade dessas sessões de cinema ?

“Como todos nós o fizemos alguma vez, é também muito provável que essa seja a origem do “sentimento de culpa” e da sensação de clandestinidade de que nós, adultos, padecemos na matinê. Devido a esse pequeno público, um cinema às três da tarde é o lugar mais seguro para um encontro escondido, para os amores secretos – por qualquer motivo – e para fugir a uma obrigação inadiável”.

6
Qual foi a melhor definição que o senhor já ouviu sobre as matinês ?

” “Quando tiver um problema sem solução, vá à matinê´´, dizia, há algum tempo, o gerente de uma importante empresa ao chefe de relações públicas : na quarta-feira da semana seguinte, eles se encontraram à saída de uma matinê”.

Meia-noite e meia. Gabriel García Márquez disfarça o bocejo, mas, dois minutos depois, emite um suspiro de cansaço e impaciência, como a dizer que chega, basta, já tinha dito o que queria sobre o mistério das matinês, um assunto mais importante do que todas as inúteis teorias literárias.

Despede-se com um aperto de mão pouco convincente. Em vinte segundos, desaparece de vista, na penumbra de um corredor de hotel mal iluminado nesta noite de julho em Havana.

***************************
(*) PS: Tanto os encontros com Gabriel García Márquez em Havana quanto as perguntas da entrevista são imaginários : um exercício de realismo mágico amador. Mas as divagações de García Márquez sobre as matinês são verdadeiras : foram extraídas do texto “Por que você vai à matinê ?”, publicado no livro “Textos Andinos” (Editora Record)

Posted by geneton at 01:36 AM

setembro 13, 2009

UMA ENTREVISTA SOBRE "DOSSIÊ GABEIRA" : FAZER JORNALISMO É JOGAR PEDRA NA VIDRAÇA

O Jornal do Brasil de 13/09/09 publicou, em página inteira do Caderno B, uma entrevista sobre o livro "Dossiê Gabeira : o Filme que Nunca Foi Feito". Eis a íntegra da entrevista ao repórter Bolívar Torres:

Como foi o contato com Gabeira durante as entrevistas? Alguma questão específica provocou mal-estar ou má vontade da parte dele? Qual foi a duração total das entrevistas?

"O projeto era o de gravar uma longa entrevista em regime de esforço concentrado: de preferência, de uma só vez. Assim foi feito. Durante seis horas - somente interrompidas por um breve intervalo para refeição - , bombardeei Fernando Gabeira com as perguntas sobre temas que me pareceram relevantes. A editora alugou por um dia uma suíte de um hotel em Ipanema. Um fotógrafo - Gilvan Barreto - documentou a cena.Dois amigos jornalistas - Ricardo Pereira e Jorge Mansur - gravaram em vídeo. Depois, fiz outras duas entrevistas com Fernando Gabeira, para complementar a apuração. Sou suspeitíssimo para falar, mas garanto que quem mergulhar nas páginas do "Dossiê Gabeira" fará uma viagem pelas últimas décadas da aventura brasileira"


O episódio do sequestro já foi abordada pelo próprio Gabeira em O que é isso, companheiro?, além da adapação para o cinema do livro e do documentário Hércules 56. Por que revisitar esse fato? Havia questões ainda mal-resolvidas? Na sua opinião, qual o peso do sequestro na trajetória de Gabeira? O que representa?

"Respondo sem a menor dúvida: todos,todos os fatos merecem ser revisitados - especialmente pelos jornalistas. Eu diria que é uma obrigação profissional. O jornalista que dá um fato por "encerrado" ou "esgotado" pode estar fazendo qualquer coisa - menos jornalismo. Porque uma das funções básicas do jornalismo é justamente o de remover as camadas que encobrem os acontecimentos. Nem sempre a missão é bem sucedida. Mas o simples fato de tentar já é essência do jornalismo. Há dezenas, centenas de questões a serem discutidas sobre um acontecimento tão importante quanto foi o inédito sequestro de um embaixador estrangeiro no Brasil. Jamais se tinha feito algo parecido. O sequestro foi o mais "espetacular" golpe contra o regime militar, naquele momento. Ou seja: é um fato interessantíssimo. Qualquer jornalista que julga que um fato interessantíssimo pode ficar "velho" ou "superado" ou "esgotado" deveria mudar de profissão, para felicidade geral de leitores, ouvintes e telespectadores".

Por que a opção de dar um recorte cinematográfico à série de entrevistas, com introduções que evocam o roteiro de um filme ainda não realizado? Seria uma espécie de resposta ao fato de Hércules 56 ter ignorado Gabeira?

"Não. Não tive qualquer intenção de responder ao documentário Hércules 56, um filme, aliás, bem realizado. Não sou nem nunca fui assessor de imprensa de ninguém - menos ainda de políticos, por mais respeitáveis que eles sejam. O meu partido é outro. Pertenço ao PPB, o Partido dos Perguntadores do Brasil. As referências "cinematográficas" apenas realçam o tom aventuresco de certas passagens, como, por exemplo, o tiro que Gabeira levou ao tentar, em vão, fugir dos chamados "agentes da repressão" em São Paulo. O livro começa com um tiro. É como se dissesse: o pau vai comer. A história que se vai retratar aqui não é brincadeira"

Você acredita que ainda hoje há uma mitificação em torno de algumas figuras dos anos de chumbo, algum tipo de aura que prejudique sua real compreensão? Ao fazer o livro, ficou com medo de alimentar o "mito Gabeira"?

"Não. Mas é possível distinguir dois momentos diferentes em relação aos guerrilheiros que combateram a ditadura. Num primeiro momento, especialmente depois da volta dos exilados, houve uma (compreensível) glorificação da resistência. Com o passar do tempo, figuras como o próprio Gabeira passaram a desenvolver uma visão crítica sobre a prática da luta armada. Um exemplo bem específico: hoje, Gabeira diz que vê o sequestro com os olhos do refém - não dos sequestradores"

Ainda nessa questão, fica claro no livro que o episódio do sequestro persegue Gabeira, e até hoje - mesmo depois de demonstrar arrependimento - está associado à sua figura. A incursão na ilegalidade, que se estende às aventuras guerrilheiras no exílio, alimentam essa romantização da sua figura?

"Há uma certa aura romântica em torno de guerrilheiros. Aventuras vividas nos anos de chumbo de combate ao regime militar terminam envolvidas por uma névoa de romantismo. Mas, com o tempo, é possível ver que o filme não é nem poderia ter sido tão romântico assim. Houve violência, derramamento de sangue, vidas perdidas, guerras sujas. O Brasil de hoje deve respirar aliviado, porque dificilmente um quadro daquele se repetirá"

Paulo Cesar Pereio disse: "Uma das virtudes medulares do Gabeira é a inteligência. Mas ele é paradoxal". Mas talvez seja justamente este o ponto mais interessante de Gabeira. Pelas entrevistas, fica claro que, desde os tempos da polarização cultural que se estabeleceu no Brasil nos anos 60 e 70, já era um personagem complexo, capaz de questionar as ideias feitas dos dois lados - mesmo estando comprometido com um lado específico. A principal característica de Gabeira, dentro da história da política do Brasil nos últimos 40 anos, seria a de apresentar um alternativa pluralista às radicalizações e certezas que o cercavam?

"Minha tendência é a de concordar com esta avaliação. Bem ou mal, com erros e acertos, avanços e recuos, a trajetória de Fernando Gabeira parecve apontar para a defesa de uma pluralidade que é sempre saudável e necessária"

Quando perguntado se se considera um "rebelde fracassado", Gabeira diz que não é mais rebelde, apenas fracassado. Para muitos, Gabeira é a esperança de uma renovação e modernização de uma esquerda mais pragmática no país. Será que esta modernização passa justamente por um reconhecimento do "fracasso", ou seja, de que não há caminhos épicos ou românticos na política moderna? Como este "arrependimento" movimenta, de modo geral, a geração de Gabeira nos dias atuais?

"Não saberia falar em nome da geração de Gabeira. Mas eu diria que,independentemente de qualquer coisa, a atualização das visões do mundo é uma tarefa indispensável. Não é fácil. Pode ser um processo doloroso. Por exemplo: não é fácil admitir que as utopias - que provocaram paixões políticas em tantos jovens militantes por tanto tempo - foram, nas palavras de Gabeira, "sanguinárias", porque terminaram justificando um enorme rol de violências. É esta a leitura que ele faz do Século XX, na entrevista que me concedeu: as utopias foram sanguinárias. Isso é dito por um ex-guerrilheiro que se empenhou em implantar uma "utopia" socialista. Posições assim despertam rancores, polêmicas, discussões. Tomara que o "Dossiê Gabeira" possa cumprir este papel: o de provocar um debate sobre a trajetória de uma geração que tentou mudar o Brasil"

Por outro lado, para além do pragmatismo, Gabeira também defende a ideia de que política sem esperança é "insuportável". Até que ponto Gabeira se equilibra entre o realismo e o sonho, entre o político e o artista?

"Não é só a política sem esperança que é insuportável. A vida sem esperança pode ser uma sucessão cinzenta de dias. É preciso sonhar com o possível - e o impossível. O fogo que alimenta esses sonhos é que move o mundo para frente. É preciso, apenas, estar atento para não repetir erros do passado. Neste sentido, o depoimento de Gabeira no livro pode ser super-didático. Em resumo, ele diz que, hoje, já não há grandes roteiros de transformação a serem seguidos. Ninguém precisa pedir a bênção a Karl Marx todo dia de manhã. Mas há espaço para sonhos que podem ajudar a melhorar a vida de cada um e de todos. A diferença é que ninguém precisa acreditar, por exemplo, que o Estado deve mandar na vida de todos, como uma parte da esquerda achava nos anos sessenta, setenta e oitenta. Igualmente, não se deve acreditar que o "mercado" é que deve reger nossas vidas. O segredo da sabedoria, hoje, segundo Gabeira diz na entrevista, é saber qual a melhor combinação que pode ser feita entre estado e mercado, em momentos históricos específicos"

Quando você chega à questão recente do uso indevido de passagens aéreas na Câmara, Gabeira diz que se sente mais leve, que perdeu o "figurino de reserva moral". Até que ponto o episódio pode mudar a imagem - e a carreira política - do político e intelectual?

"Fiz perguntas duras sobre o assunto. Perguntei o que qualquer cidadão comum perguntaria, se tivesse a chance de confrontar Gabeira sobre a questão do uso indevido de passagens áeras cedidas aos parlamentares pela Câmara dos Deputados. Gabeira reconheceu o erro, plenamente"

O que Gabeira tem ainda a acrescentar ao desacreditado cenário político brasileiro, com sua ainda - jovem - democracia?

"Só ele poderá responder. Prefiro pensar na contribuição, mínima que seja, que os jornalistas podem dar ao cenário brasileiro. Que contribuição pode ser esta ? Criar memória, por exemplo. Creio que toda profissão, todo profissional precisa de um lema para ir em frente. Escolhi um: "Fazer jornalismo é produzir memória". Há outros. Fazer jornalismo é desconfiar. Fazer jornalismo é ser impertinente. Fazer jornalismo é incomodar. Fazer jornalismo é não dar tapinha nas costas dos outros. Fazer jornalismo é não tratar o entrevistado como amiguinho (é o que a gente vê, lastimavelmente, na esmagadora maioria das entrevistas com celebridades de todos os tipos, em jornais, rádios, TVs, blogs, seja onde for). I´am sorry, mas meu time é outro. Fazer jornalismo é jogar pedra na vidraça. Fazer jornalismo é ter a ilusão de que vale a pena"

Posted by geneton at 11:45 PM

setembro 11, 2009

ACORDA, GLAUBER. ELES ENLOUQUECERAM (RELATO DE UM ENCONTRO COM O CINEASTA QUE DELIRAVA COM O BRASIL)

A imagem ressurge clara e límpida na memória: Glauber Rocha desembarca numa sala de cinema acanhada, no bairro de République, Paris.

Era uma manhã de sábado. O mês: fevereiro. O ano: 1981. Os cabelos estavam ligeiramente desgrenhados. Os olhos, inchados, pelo sono recente.

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Glauber Rocha : fagulhas no ar ( Fotos: TV Globo)

A nove mil quilômetros dali, o Brasil fervia à espera do carnaval. Mas, em République, fazia um frio desgraçado. Um inverno cinzento engolia a cidade. O homem chega envolto num sobretudo escuro.

Glauber Rocha reclama de críticos “burros”, espalha fagulhas de vitalidade e polêmica por onde passa. Mas não estava bem fisicamente

O Glauber das minhas lembranças era o cineasta falante que incendiava o vídeo nos fins de noite de domingo no programa “Abertura”, transmitido pela falecida TV Tupi. Mas o Glauber Rocha real que chega a esta sala, com uma cópia do recém-concluído filme “A Idade da Terra” debaixo do braço, não exibe o vigor incendiário que marcava aquelas aparições na TV.

Ainda assim, espalha fagulhas de vitalidade por onde passa: fala como se estivesse discursando, usa um tom apaixonado para tratar do cinema e do Brasil. Dispara um petardo verbal contra um crítico “burro” do Jornal do Brasil, quer saber o nome, a ocupação, a procedência dos forasteiros que lhe são apresentados ali, no hall do cinema, pouco antes do início da projeção.

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Anima-se quando sabe que nós – eu e o também brasileiro Marcos de Souza Mendes – somos estudantes de cinema em Paris. Aumenta o tom de voz, faz gestos largos com as mãos, chama a atenção dos críticos franceses que desfilavam no saguão do cinema com seus cachecóis entediados: “Olhem aí: são os jovens cineastas, é a juventude brasileira estudando cinema! Isso me interessa! Quero saber o que é que vocês vão achar do filme!”. Os franceses olham para nós, o objeto do entusiasmo glauberiano. Procuro um lugar no chão para me esconder.

O dedo indicador da mão esquerda de Glauber Rocha toca no dedo indicador da mão direita: “Como é? Fizeram as ligações ?”

Depois, Glauber Rocha reclama de que a cor da cópia não é ideal, começa a falar francês com sotaque nordestino inconfundível. “Je vais rester ici; j´attende un ami” – declama, diante da porta de entrada da sala, enquanto avisa que os espectadores já podem ocupar seus lugares.

Em seguida, vai até a cabine, falar com o operador. O filme começa. Glauber sairá da sala umas duas vezes durante a projeção. Terminada a sessão, ele, que estava sentado três fileiras adiante, se vira para trás, olha para nós, a dupla de estudantes: “Como é? Fizeram as ligações? Fizeram as ligações?”.

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O dedo indicador da mão esquerda de Glauber toca no indicador da mão direita. Ao perguntar a dois jovens estudantes de cinema se eles tinham absorvido o impacto de “A Idade da Terra”, Glauber cumpria ali, informalmente, o grande papel que sempre lhe coube: o de provocar reações.

Lá fora, pergunta pela mulher, a colombiana Paula, procura por ela no café ao lado, fala mal desses “filmes reacionários, com história”, dá o toque de que “o cinema materializou o desejo de ser imagem e som da palavra”.

“A Idade da Terra” seria o último filme de quem fizera obras-primas como “Terra em Transe” e “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”.

As notícias não eram boas: Glauber Rocha tinha passado uma noite vomitando. Dormira durante uma sessão de documentários

Cinco meses depois daquele sábado em Paris, Glauber estava morto. Coincidência: o coração do guerreiro parou de bater num sábado.

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A saúde de Glauber já era assunto de conversas ao pé do ouvido. O guerreiro não andava bem. Tinha passado uma noite vomitando, dormira durante a projeção de documentários brasileiros no cinema “Le Denfert”.

Um diálogo sobre cinema brasileiro com um estudante brasileiro que fora visitá-lo na casa em que ele passava a temporada parisiense teve de ser interrompido. O estudante terminou tendo de ir a uma farmácia, para comprar remédios.

Pouco tempo depois, Glauber levantara vôo para Portugal, onde trabalharia num projeto. As más notícias não demoravam a chegar a Paris: falava-se de complicações cardíacas, coisas assim.

Ao noticiar a morte de Glauber Rocha, O Le Monde chamou Glauber Rocha de “grande autor lírico e barroco”

A última palavra surgiu, enfim, na primeira página do “Le Monde”: “o cineasta brasileiro Glauber Rocha, um grande autor lírico e barroco”, tinha morrido no Rio de Janeiro.

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Um articulista do “Le Monde” escreveu que ele ficará para as “gerações futuras” como um testemunho da “necessidade de mudar mundo”. Guardo comigo os jornais.

Por que diabos as imagens daquela manhã de inverno em Republique estão passando agora, nítidas e claras, na minha cabeça, como se saídas de um filme doméstico que a gente deixa guardado durante anos no fundo da gaveta ?

Uma imagem que vi por puro acaso numa TV a cabo funcionou como um gatilho detonador dessa torrente de lembranças : a voz de Glauber Rocha fazia um discurso grandiloquente sobre imagens de Brasília. Falava de Terceiro Mundo, capitalismo, socialismo, revolução soviética confrontando a riqueza americana, a roda da História, invasões, Europa conquistando o Novo Mundo, catequeses, cristianismo, utopias, barbáries, caudilhos, a América Latina pagando o preço da progresso alheio, o sonho de que aquela paisagem do Planalto Central produzisse iluminações planetárias.

O delírio de Glauber : o Brasil poderia ser uma voz que pronunciasse novidades para o resto do planeta. Por que não?

O discurso de Glauber Rocha acendeu um devaneio tropical numa madrugada sul-americana: quem sabe, o que falta ao Brasil, hoje, é um toque épico, uma fagulha daquele delírio que Glauber Rocha articulava sobre imagens de Brasília.

Glauber Rocha apostava tudo no sonho de que o Brasil poderia ser, sim, um país original, uma voz que pronunciasse novidades para o resto do planeta, um laboratório bárbaro que emitiria luzes belas e grandiosas. Por que não ?

Hoje, quando a mediocracia e ausência de ambição desfilam de mãos dadas diante do Cemitério das Causas Perdidas, a figura de Glauber Rocha faz uma falta terrível.

O Brasil precisa de delírios glauberianos de grandeza. Ambição de originalidade. Explosões de gestos, imagens e palavras. Torrentes e vulcões contra a pequenez. “Ondas de civilização”.

Meninos, eu vi, num sábado cinzento, a fagulha de um visionário brilhar no saguão de uma sala de cinema em Paris. Glauber Rocha sonhava grandezas para o Brasil, quebrava os catecismos políticos, imaginava um destino épico para esta república ancorada na porção sul da América.

”Acorda,Glauber.Eles enlouqueceram!”.

Posted by geneton at 11:22 AM

setembro 09, 2009

PAUSA PARA REFRESCO : O DIA EM QUE JOEL SILVEIRA ENTROU PARA O SERVIÇO PÚBLICO

Joel Silveira, meu saudosíssimo mestre e guru, repórter puro-sangue, contava essa:

uma vez, recebeu uma sondagem de um assessor direto do presidente Jânio Quadros. O assessor informou que ele, Joel, iria ser nomeado para o conselho consultivo da Companhia Brasileira de Álcalis.

Resposta imediata de Joel à oferta :

- Aceito o convite ! Só quero tirar duas dúvidas. Primeira : quanto vou ganhar ? Segunda : o que é álcalis, pelo amor de Deus ? ”.

Terminou nomeado.

Posted by geneton at 11:35 AM

setembro 04, 2009

“RECÉM-NASCIDOS ENFORCADOS EM FRALDAS” POVOAM A PEÇA QUE NÉLSON RODRIGUES PROMETEU MAS NÃO ESCREVEU NA SEMANA DO SEQUESTRO DO EMBAIXADOR AMERICANO!

Ah, as pequenas – mas inesquecíveis – compensações da vida de repórter: tive a chance de fazer uma longa entrevista com o gênio Nélson Rodrigues numa tarde em que, diante de nós, na TV sem som, a seleção brasileira derrotava a seleção do Peru por três a zero, no Maracanã.

(pausa para uma promessa: farei em breve uma reconstituição completa do fato. Que outra coisa de útil um jornalista pode fazer, além de tentar obsessivamente reconstituir o passado com palavras e imagens ? Não importa que o fato tenha acontecido faz cinco minutos, não importa que seja grandioso ou banal, como o encontro de um repórter com um cronista : já é passado, já virou destroço submerso. O jornalista é o escafandrista que entrará em cena para revirar os destroços em busca de indícios do que aconteceu).

Nunca me esqueci de uma queixa que Nélson Rodrigues repetiu na entrevista: dominada pelos chamados “idiotas da objetividade”, a imprensa brasileira tinha deixado de publicar pontos de exclamação nos títulos! O motivo da queixa rodriguena: os jornais tentavam ostentar uma frieza e um distanciamento que não correspondiam à fabulosa marcha dos acontecimentos. Os fatos da vida merecem, sim, um ponto de exclamação !

Nélson Rodrigues não se conformava: os “idiotas da objetividade” tinham banido os pontos de exclamação das manchetes dos jornais

Há uma crônica em que Nélson lamenta, desolado: o sangue do presidente John Kennedy ainda estava quente, mas os jornais brasileiros não se dignavam a conceder um ponto de exclamação à tragédia de Dallas. Majoritários nas redações, os “idiotas da objetividade” tratavam a notícia chocante como se estivessem falando de uma partida de biriba.

O pior de tudo: a situação só piorou dos tempos em que Nélson Rodrigues fez a queixa para cá. Em homenagem a Nélson Rodrigues, este post ganhou um ponto de exclamação no título!

2009. O repórter-que-vos-fala desembarca na sala de periódicos da Biblioteca Nacional, o santuário das “miudezas efemêras” estampadas ao longo do tempo nas páginas de jornais e revistas. Eu teria, ali, um encontro inesperado com a lembrança de Nélson Rodrigues.

O passado manda lembranças : num jornal amarelado, o maior cronista brasileiro analisa o manifesto dos guerrilheiros que sequestraram o embaixador

Percorro páginas de quarenta anos atrás. O ano: 1969. O mês: setembro. Descubro, por acaso, uma preciosidade amarelada : o maior cronista brasileiro, Nélson Rodrigues, escreveu uma espécie de resenha sobre o manifesto divulgado pelos guerrilheiros que sequestraram o embaixador americano no Brasil, Charles Elbrick, no dia quatro de setembro de 1969.

O principal autor do manifesto foi Franklin Martins, à época, militante de política estudantil convertido em guerrilheiro; hoje, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

Os guerrilheiros obrigaram o regime militar a divulgar o manifesto nos meios de comunicação. Era uma das exigências feitas para que o embaixador fosse libertado são e salvo. A outra exigência era a libertação de quinze presos políticos. As duas exigências foram cumpridas pelos militares. O embaixador foi solto no dia sete de setembro, um domingo, com a marca de uma coronhada na testa – e, certamente, um sentimento de alívio que carregou pelo resto da vida. Jamais imaginou que viveria tão aventura no Brasil. Nunca, jamais, em tempo algum, diplomatas tinham sido usados como moeda de troca contra regimes militares.

O manifesto lançava um alerta ao regime militar : “Quem prosseguir espancando, torturando e matando ponha as barbas de molho”

“O sequestro do embaixador dos Estados Unidos foi a primeira operação do gênero no mundo, na história da guerrilha urbana”, escreveria o historiador Jacob Gorender em “Combate nas Trevas”.

Um trecho do manifesto:

“Com o rapto do embaixador, queremos mostrar que é possível vencer a ditadura e a exploração, se nos armarmos e nos organizarmos. Apareceremos onde o inimigo menos nos espera e desaparecemos em seguida(…)A vida e a morte do senhor embaixador estão nas mãos da ditadura. Se ela atender a duas exigências,o senhor Burke Elbrick será libertado. Caso contrário, seremos obrigados a cumprir a justiça revolucionária. Nossas duas exigências: a) a libertação de quinze prisioneiros políticos. São quinze revolucionários entre os milhares que sofrem as torturas nas prisões-quartéis de todo o país(…) b) A publicação e leitura desta mensagem, na íntegra, nos principais jornais, rádios e televisões de todo o país (…) Finalmente, queremos advertir aqueles que torturam, espancam e matam nossos companheiros: não vamos aceitar a continuação dessa prática odiosa. Estamos dando o último aviso. Quem prosseguir torturando, espancando e matando ponha as barbas de molho. Agora, é olho por olho, dente por dente”).

O que Franklin Martins não esperava era que o texto do manifesto fosse merecer uma “crítica” assinada por Nélson Rodrigues.

A promessa de Nélson Rodrigues: iria escrever uma peça em que guerrilheiros tomariam o berçário de uma maternidade…

Apenas três dias depois do desfecho do sequestro, Nélson Rodrigues escreveu, no jornal O Globo, uma crônica em que, além de criticar o manifesto, faz uma promessa que não viria a cumprir.

Melodramático, disse que, se encontrasse tempo, iria escrever uma peça de teatro em que seqüestradores simplesmente atacavam um berçário com cinqüenta recém-nascidos:

“Notem como há, no manifesto dos extremistas, um narcisismo indisfarçável. Redigiram um documento para o Brasil e para o mundo.Fazem questão de reivindicar a autoria de não sei quantas atrocidades (…) Não sei se será justo chamar os nossos terroristas de “brasileiros”. Eis a verdade: o brasileiro é muito mais suicida do que homicida. Sempre nos faltou a vocação do crime político (…)Os terroristas são brasileiros. Mas é fácil perceber no episódio do sequestro (tão anti-brasileiro, tão anti-Brasil) vários sotaques. Os rapazes que o executaram são brasileiros, sim,mas amestrados lá fora. Comandados por sotaques diversos, eles estão dispostos – e o dizem – a matar sempre e cada vez mais. Logo que encontrar uma brecha de tempo, farei uma peça política. É justamente uma história de terrorismo,passada no Brasil. Imaginem que um grupo de rapazes, socialistas radicais, ocupam um berçário. Entram lá de metralhadora, expulsam as freiras e lançam um “ultimatum” à nação. Das duas, uma:ou a nação lhes daria o poder ou eles fazem,ali, uma carnificina com os recém-nascidos. O governo tem um prazo de 24 horas. Durante dez, quinze, vinte horas,as autoridades não sabem o que pensar, o que dizer. São cinqüenta criancinhas. O país para. Mas ninguém acredita que homens, nascidos de mãe, cumpram a ameaça. A resposta aos extremistas é “não”. Cada recém-nascido foi enforcado na própria fraldinha”.

O que são os jornais ? “Museus de miudezas efêmeras”

Dou por encerrada minha expedição. Visto hoje, tudo o que um dia pulsou, dramático, nas páginas de um jornal antigo parece ter se transformado irremediavelmente em peça de museu, tudo se reduz a miudezas, tudo ganha um ar de efêmero. Mas o passado, quando manda lembranças, pode brindar os garimpeiros com pequenas surpresas, como a promessa que Nélson Rodrigues fez numa página de jornal.

Bem que Jorge Luis Borges chamava os jornais de “museus de miudezas efêmeras”. Acertou na mosca. Ponto.Parágrafo.

Tudo vira miudeza, tudo é efêmero – mas, no fim das contas, pelo menos uma lembrança remota dos fatos se salva, na superfície plana, frágil e retangular destes museus de papel – os velhos jornais armazenados em bibliotecas.

O apresentador daquele programa jurássico de televisão berraria “absolutamente certo!” se tivesse a chance de ouvir dos lábios de Jorge Luis Borges uma resposta tão precisa sobre a natureza dos jornais.

Posted by geneton at 09:48 PM

setembro 02, 2009

“DISPARAMOS PALAVRAS CONTRA A MORTE. MAS O TEMPO É UM DRAGÃO DE PELE IMPENETRÁVEL”

O nome : Rosa. É assim que se chama a mulher que telefona para a redação tarde da noite à procura de um repórter. Quer dar uma notícia sobre “a aparição de uma baleia”. O repórter suspira, desalentado: a mulher – que fala com sotaque espanhol – deve ser uma dessas loucas que escrevem cartas para as redações ou ligam de madrugada para dar notícias absurdas sobre profecias, iluminações, códigos, conspirações, segredos.

O sotaque só serve para agravar a suspeita: o espanhol é a língua preferida por cartomantes que inventam nomes e carregam no sotaque para impressionar os desesperados que as procuram.Rosa insiste : a notícia sobre a aparição da baleia merece ser ouvida porque é algo “sumamente importante”. A entrevista fica marcada para o dia seguinte, num lugar improvável : um banco de praça.

Por que diabos a aparição de um animal terá sido tão aterradora,tão reveladora e tão importante ?
Rosa chega na hora marcada: meio-dia ( Noto que os cabelos pretos estão penteados como se, numa subversão absurda do calendário, ela estivesse posando, em 2007, para uma foto que já nascia amarelada, num álbum dos anos setenta. Aquele corte de cabelo um dia foi chamado de Pigmalião. Virou febre, nos anos setenta, não em homenagem ao escultor da mitologia,mas porque era usado por uma atriz numa novelinha medíocre das sete da noite. Ah, o implacável poder simplificador da televisão…)

Informa a idade: 56 anos. Traz, nas mãos, um livro em que, na capa, a imagem de uma menina de vestido rosa se sobrepõe a uma velha foto de família. Os outros nove personagens retratados na capa estão em preto-e-branco. Só a menina ganhou a graça da cor.

Noto um detalhe banal: o título do livro que ela traz para a entrevista tem doze letras. Por um segundo, cedo às tentações da superstição: são doze os apóstolos, são doze os signos, são doze os meses do ano, são doze as horas que dividem as duas metades do dia. As doze letras do título terão algum significado ?

Não! – repreendo-me, em silêncio. Toda superstição é idiota.

“A escrita : o esforço de transcender a individualidade e a miséria humana, o desejo de sobrepor-nos à escuridão, à dor, ao caos e à morte”
A visitante se move com gestos rápidos

Não há tempo a perder. Pergunto como foi, afinal,a aparição da baleia. Por que diabos a aparição de um animal terá sido tão aterradora, tão reveladora e tão importante? Rosa move a cabeça em direção ao gravador que seguro nas mãos. Não quer que o alvoroço do barulho de carros na rua e de crianças na praça encubra o que ela vai falar:

- “De repente,sem nenhum aviso, aconteceu. Um estampido aterrador agitou o mar ao nosso lado : era um jato d´água, o jato de uma baleia, poderoso, enorme, espumante, uma voragem que nos encharcou e fez o Pacífico ferver em torno de nós. E o ruído, aquele som incrível, aquele bramido primordial, uma respiração oceânica, o alento do mundo. Essa sensação foi a primeira : ensurdecedora, ofuscante; e imediatamente depois emergiu a baleia. Primeiro, emergiu o focinho, que logo depois tornou a se meter debaixo d´água; e depois veio deslizando todo o resto, numa onda imensa, num colossal arco de carne sobre a superfície, carne e mais carne, brilhante e escura, emborrachada e ao mesmo tempo pétrea, e num determinado momento passou o olho, um olho redondo e inteligente que se fixou em nós, um olhar intenso vindo do abismo. Quando já estávamos sem fôlego diante da enormidade do animal, ergueu a toda altura aquela cauda gigantesca e afundou-a com elegante lentidão na vertical; e, em todo esse deslocamento do seu corpo tremendo, não fez qualquer marola, não provocou a menor salpicadura nem emitiu nenhum ruído além do suave cicio de sua carne monumental acariciando a água. Quando desapareceu, imediatamente depois de ter mergulhado, foi como se nunca houvesse estado ali”.


“A prodigiosa besta submerge e o mundo fica quieto e surdo e tão vazio”
Rosa fala sem tomar fôlego. Diz que a aparição da baleia pode significar para todos o que significou para ela : a descoberta do Cálice Sagrado, a visão inesquecível que lhe abriu as portas para desvendar o Grande Segredo das Palavras, esta obsessão que há séculos mobiliza tanta gente:

- “Com a escrita é a mesma coisa: muitas vezes, você intui que o segredo do universo está do outro lado da ponta dos seus dedos, uma catarata de palavras perfeitas, a obra essencial que dá sentido a tudo. Você está no próprio limiar da criação, e em sua cabeça eclodem tramas admiráveis, romances imensos, baleias grandiosas que só revelam o relâmpago do seu dorso molhado, ou melhor, fragmentos desse dorso, pedaços dessa baleia, migalhas de beleza que permitem intuir a beleza insuportável do animal inteiro; mas em seguida, antes de você ter tempo de fazer alguma coisa, antes de poder calcular seu volume e sua forma, antes de entender o sentido do seu olhar perfurante, a prodigiosa besta submerge e o mundo fica quieto e surdo e tão vazio”

Pergunto: o que fazer com as palavras, depois da revelação de que elas, no fim, não conseguirão desvendar a “beleza insuportável” do grande animal ? Que utilidade elas terão ?

-”Disparamos palavras contra a morte, como arqueiros de cima das ameias de um castelo em ruínas. Mas o tempo é um dragão de pele impenetrável que devora tudo. Ninguém vai se lembrar da maioria de nós dentro de alguns séculos: para todos os efeitos, será como se não houvéssemos existido. O esquecimento absoluto daqueles que nos precederam é um manto pesado, é a derrota com a qual nascemos e para a qual nos dirigimos. É o nosso pecado original”.

Se a batalha contra esse “dragão de pele impenetável” um dia estará perdida, por que, então, insistir na tarefa de erguer barricadas com as palavras ?

- “Isto é a escrita : o esforço de transcender a individualidade e a miséria humana, a ânsia de nos unir aos outros num todo, o desejo de sobrepor-nos à escuridão, à dor, ao caos, à morte”

Você diz que escolheu escrever romances para participar dessa batalha. Por que essa escolha ?

- “Escrever romances implica atrever-se a completar o monumental percurso que tira você de si mesmo e permite se ver no convento, no mundo, no todo. E, depois de fazer esse esforço supremo de entendimento, depois de quase tocar por um instante na visão que completa e fulmina, regressamos mancando para nossa cela, para o encerro de nossa estreita individualidade, e tantamos nos resignar a morrer”.

A fita termina. Rosa soletra o sobrenome : Montero, sem “i”. Rosa Montero. Deixa de presente o livro com o título de doze letras (“A Louca da Casa”).

Despede-se com um leve meneio de cabeça. Começa a caminhar em direção ao portão de ferro que, à noite, protegerá a praça da invasão dos mendigos. Dá meia volta, pede para o repórter checar se o gravador funcionou. Fica aliviada quando vê que as pilhas funcionaram, sim. “Gravou tudo”, digo. “Por supuesto”, ela responde.

E vai embora.

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Rosa Montero

**********

PS: Tanto os encontros com a escritora espanhola Rosa Montero quanto as perguntas da entrevista são imaginários. O repórter pede licença aos internautas para, uma vez na vida, inventar um cenário. Mas as respostas da escritora sobre as baleias e as palavras são verdadeiras : foram extraídas do livro “A Louca da Casa”, publicado no Brasil pela Ediouro. Recomendadíssimo.

Posted by geneton at 09:53 PM

agosto 31, 2009

PAUSA PARA MEDITAÇÃO : POR QUE CADA UM DE NÓS DEVE SE OLHAR NO ESPELHO TODO DIA DE MANHÃ E DIZER “PATÉTICO!”

“O que é que você vai cantar ? ” – grita o apresentador imaginário do meu programa mambembe de TV. “Nada, nada, nada. Mas prometo fazer perguntas”.

É a única promessa que o DOSSIÊ GERAL/O BLOG DAS CONFISSÕES pode fazer de público: perguntar.

E, claro, agradecer: o recém-inaugurado DOSSIÊ GERAL não pode deixar de dizer obrigado a todos os que se deram ao trabalho de ler e comentar o primeiro post. É o que chamo de “multidão incalculável”. Thank you very much indeed! Prometo sangue, suor e lágrimas daqui pra frente : indiscrições, confissões, revelações que vi e ouvi por esse tempo todo.

A cena: Nélson Rodrigues observa, em silêncio, o repórter Joel Silveira dedilhando o teclado da máquina de escrever. De repente, pronuncia a palavra que Joel guardaria para o resto da vida
A quem interessar possa, o autor do blog declara, desde já, que se considera patético.

“….Mas patético ?” – há de perguntar o comentarista sentado na quarta cadeira da primeira fileira. “Para que tanta autoflagelação ? Isso é ridículo! “.

Não é autoflagelação nem falsa modéstia. É apenas uma lição que aprendi de um dos meus mestres: o Dr. Joel Silveira, o maior repórter brasileiro. Ponto. Parágrafo.

joeleditado.jpg

Joel Silveira ( foto: GMN )

A cena: Joel Silveira estava numa redação de jornal, cem por cento compenetrado diante do teclado da máquina de escrever. Os neurônios ferviam em busca da frase perfeita.

Quem visse o ar circunspecto de Joel imaginaria que ele estava cometendo uma obra-prima universal, um esplendor que faria “A Montanha Mágica” parecer um amontoado lastimável de sujeitos,verbos e predicados.

De repente, Nelson Rodrigues faz uma aparição. Sem pronunciar uma palavra, fica admirando, à distância, o embate de Joel com o teclado. Os dois trabalhavam no mesmo jornal. Depois de contemplar a cena em silêncio, Nélson Rodrigues pronuncia a palavra que ficaria guardada para sempre nos tímpanos de Joel:

- “Patético !”

Em seguida, bate em retirada. Deixou atrás de si o eco produzido por oito letras : “Patético !”. Joel – um grande jornalista que tinha a imensa virtude de não se levar cem por cento a sério – aprendeu a lição: eu sou, tu és, ele é, nós somos, vós sois, eles são… patéticos!

Um ritual diário diante do espelho: o antídoto perfeito contra o pecado da pretensão e da vaidade

A consciência de que, em última instância, somos todos patéticos serve de antídoto contra um veneno mortal : o da pretensão. Que se diga: a pretensão descabida e a vaidade delirante são duas doenças que acometem, com incrível frequência, esta raça esquisita – a dos jornalistas.

Só há um remédio: repetir a palavra “patético!” até que as mandíbulas se cansem. Não é, portanto, um exercício estúpido de autoflagelação : é um belo ritual purificador.

A humanidade daria um salto de qualidade se todos os bípedes humanóides pronunciassem todo dia, logo cedo, diante do espelho, a palavra mágica : “Patético!”, “patético!”, “patético!”.

O DOSSIÊ GERAL faz questão – portanto – de iniciar os trabalhos cumprindo o grande ritual de purificação : olha-se no espelho, diz “patético !” e vai para a luta.

Velas ao mar!

Posted by geneton at 10:06 PM

PAUSA PARA MEDITAÇÃO : POR QUE CADA UM DE NÓS DEVE SE OLHAR NO ESPELHO TODO DIA DE MANHÃ E DIZER “PATÉTICO!”

“O que é que você vai cantar ? ” – grita o apresentador imaginário do meu programa mambembe de TV. “Nada, nada, nada. Mas prometo fazer perguntas”.

É a única promessa que o DOSSIÊ GERAL/O BLOG DAS CONFISSÕES pode fazer de público: perguntar.

E, claro, agradecer: o recém-inaugurado DOSSIÊ GERAL não pode deixar de dizer obrigado a todos os que se deram ao trabalho de ler e comentar o primeiro post. É o que chamo de “multidão incalculável”. Thank you very much indeed! Prometo sangue, suor e lágrimas daqui pra frente : indiscrições, confissões, revelações que vi e ouvi por esse tempo todo.

A cena: Nélson Rodrigues observa, em silêncio, o repórter Joel Silveira dedilhando o teclado da máquina de escrever. De repente, pronuncia a palavra que Joel guardaria para o resto da vida
A quem interessar possa, o autor do blog declara, desde já, que se considera patético.

“….Mas patético ?” – há de perguntar o comentarista sentado na quarta cadeira da primeira fileira. “Para que tanta autoflagelação ? Isso é ridículo! “.

Não é autoflagelação nem falsa modéstia. É apenas uma lição que aprendi de um dos meus mestres: o Dr. Joel Silveira, o maior repórter brasileiro. Ponto. Parágrafo.

joeleditado.jpg

Joel Silveira ( foto: GMN )

A cena: Joel Silveira estava numa redação de jornal, cem por cento compenetrado diante do teclado da máquina de escrever. Os neurônios ferviam em busca da frase perfeita.

Quem visse o ar circunspecto de Joel imaginaria que ele estava cometendo uma obra-prima universal, um esplendor que faria “A Montanha Mágica” parecer um amontoado lastimável de sujeitos,verbos e predicados.

De repente, Nelson Rodrigues faz uma aparição. Sem pronunciar uma palavra, fica admirando, à distância, o embate de Joel com o teclado. Os dois trabalhavam no mesmo jornal. Depois de contemplar a cena em silêncio, Nélson Rodrigues pronuncia a palavra que ficaria guardada para sempre nos tímpanos de Joel:

- “Patético !”

Em seguida, bate em retirada. Deixou atrás de si o eco produzido por oito letras : “Patético !”. Joel – um grande jornalista que tinha a imensa virtude de não se levar cem por cento a sério – aprendeu a lição: eu sou, tu és, ele é, nós somos, vós sois, eles são… patéticos!

Um ritual diário diante do espelho: o antídoto perfeito contra o pecado da pretensão e da vaidade

A consciência de que, em última instância, somos todos patéticos serve de antídoto contra um veneno mortal : o da pretensão. Que se diga: a pretensão descabida e a vaidade delirante são duas doenças que acometem, com incrível frequência, esta raça esquisita – a dos jornalistas.

Só há um remédio: repetir a palavra “patético!” até que as mandíbulas se cansem. Não é, portanto, um exercício estúpido de autoflagelação : é um belo ritual purificador.

A humanidade daria um salto de qualidade se todos os bípedes humanóides pronunciassem todo dia, logo cedo, diante do espelho, a palavra mágica : “Patético!”, “patético!”, “patético!”.

O DOSSIÊ GERAL faz questão – portanto – de iniciar os trabalhos cumprindo o grande ritual de purificação : olha-se no espelho, diz “patético !” e vai para a luta.

Velas ao mar!

Posted by geneton at 10:06 PM

agosto 28, 2009

REVELADO! ATOR DA TV GLOBO PARTICIPOU DA OPERAÇÃO PARA DISFARÇAR SEQUESTRADORES DO EMBAIXADOR AMERICANO NO BRASIL

Aos fatos:

o ator Carlos Vereza foi convocado por um colega chamado Antero de Oliveira para participar de uma operação sigilosa : disfarçar um grupo de militantes que precisava sumir do mapa com toda urgência.

Quando chegou ao esconderijo, Vereza encontrou, entre outros, um jornalista que tinha aderido à guerrilha. Chamava-se Fernando Gabeira. Militante do Partido Comunista, Vereza pintou os cabelos dos guerrilheiros. Quem tinha cabelos pretos – como Gabeira – virou louro. Quem era louro ganhou uma tintura preta.

Vereza não sabia, mas aqueles militantes estavam diretamente envolvidos na mais espetacular ação de guerrilha perpetrada contra o regime militar brasileiro : o sequestro do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Elbrick.

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Carlos Vereza : revelação sobre bastidores da guerrilha

O regime militar tinha aceitado a principal exigência dos sequestradores : libertar quinze presos políticos. O embaixador já fora libertado. Agora, os sequestradores precisavam se esconder. O ano: 1969. O mês: setembro. Faz exatamente quarenta anos. Durante todo este tempo, a participação do ator na operação ficou guardada em segredo.

Quem fez a revelação sobre o surpreendente papel desempenhado por Vereza na “operação disfarce” foi o próprio Gabeira – numa longa entrevista concedida ao locutor-que-vos-fala. As horas e horas de gravação renderam um livro : “DOSSIÊ GABEIRA : O FILME QUE NUNCA FOI FEITO” (Editora Globo).

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Fernando Gabeira, na gravação da entrevista (foto: Gilvan Barreto/Divulgação Editora Globo)

Sou suspeitíssimo para falar, mas é um balanço sincero e provocativo sobre a luta armada, a guerrilha, o sequestro, o exílio, a militância. O que me moveu a fazer a entrevista foi o interesse – puramente jornalístico – por um personagem que viveu uma grande aventura. Como personagem jornalístico, Gabeira me interessa tanto quanto um militar que tenha combatido guerrilheiros.

Pausa para uma rapidíssima meditação: em meus momentos de abatimento profissional, sou levado a crer que uma das poucas coisas úteis que o jornalismo pode fazer é produzir memória. Voilà. É o que me leva a incomodar os outros com meu velho gravador. Ponto. Parágrafo.

A participação do ator Carlos Vereza na “operação disfarce” foi um segredo que durou quarenta anos

Procuro Carlos Vereza, em cartaz na tela da TV Globo na novela “Paraíso” . O homem confirma a história. O depoimento do ator que virou maquiador de guerrilheiros por um dia ocupa um capítulo do “DOSSIÊ GABEIRA”. Entre outras coisas, o ator declara, a quem interessar possa:

1. “É a primeira vez que conto o que aconteceu. Um colega chamado Antero de Oliveira me disse : “Vereza, conheço um pessoal que precisa fugir. Estão atrás de alguém que possa disfarçá-los”.

2.”Era introspectivo. Só me relatou que estava precisando arranjar um maquiador. Não falou que ligações ele tinha. O que sei é que ele estava aflito quando fez o pedido”.

3. “Quando cheguei ao endereço, fui levado para dentro – com a vista encoberta. Comecei a cortar e a pintar o cabelo de todo mundo (…) Ajudei a disfarçar uns dez”.

4. “Eu não era ligado aos grupos que fizeram o sequestro. Acredito que tenha sido útil. É um episódio que daria um filme mais contundente do que “O Que é Isso, Companheiro ?”.

5.”Não me arrependo do que fiz. O gesto pode ter sido quixotesco, mas procurava o bem. Nunca me gabei. Fiz o meu dever”.

6.”Hoje, quem analisar politicamente o que aconteceu ali vai ver que não tinha sentido. Mas é fácil falar quarenta anos depois! Naquele momento, as opções que um regime totalitário deixava para os jovens eram aquelas”.

7.”Tenho pudor de contar o que a gente faz. Mas,como é uma informação histórica, estou contando”.

8.”Fui, durante quinze anos, membro do Partido Comunista Brasileiro (…) Terminei me afastando quando a União Soviética invadiu a Tchecoslováquia, em 1968, uma atitude totalitária e feia. Aquilo foi me desanimando”.

Boa noite. “DOSSIÊ GERAL : O BLOG DAS CONFISSÕES” acaba de entrar no ar. Fazer jornalismo, em resumo, é dizer a alguém o que ele não sabe. Tentaremos.

Aos fatos, pois !

Posted by geneton at 10:06 PM

março 16, 2009

UM INFORME SOBRE O LIVRO "ELZA, A GAROTA". OU : O DIA EM QUE O LOCUTOR-QUE-VOS-FALA FEZ UM FAVOR À LITERATURA BRASILEIRA

Aos fatos: o editor Alberto Schprejer me procurou no ano passado porque queria fazer um convite. Que tal escrever um livro-reportagem sobre um caso que sempre foi tabu na história do Partido Comunista Brasileiro - o "justiçamento" de uma menina de dezesseis anos de idade chamada Elza, no já remotíssimo ano de 1936 ? Suspeita de traição, ela foi executada num rito sumário, por ordens da direção do Partido. Método: estrangulamento.

Não é um tema fácil, porque pode se prestar a todo tipo de manipulação ideológica. Elza é, literalmente, um esqueleto no armário da esquerda brasileira.

Diante do convite, o meu detector de matérias emitiu, na hora, um ruído característico que, discretamente, invade os meus tímpanos em situações semelhantes : um clique inconfundível, exatamente igual ao disparado por aqueles equipamentos que os técnicos usam para detectar sinais de radiação. Habemus matéria!


A pauta renderia, claro, uma bela reportagem, estritamente factual, sem qualquer contaminação ideológica.

(Sou repórter, não sou militante. Como personagem jornalístico, George Walker Bush me interessa tanto quanto - por exemplo - Vladimir Ílitch Uliánov, o popular Lênin. Eu daria tudo pela chance de entrevistar um ou outro, desde que Lênin fosse capaz de se levantar do velório que já dura oitenta e tantos anos no mausoléu da Praça Vermelha - e George Bush tivesse a idéia luminosa de me convidar para uma rodada de gravações exclusivas no rancho onde se enclausurou, no Texas. Os dois dariam excelente matéria-prima jornalística. Quem quiser fazer militância política que se inscreva num partido. Ponto. Parágrafo).

Ocupado com outros projetos, agradeci ao editor a lembrança do meu nome como possível autor do livro-reportagem. Entre uma e outra garfada num prato modernoso que, a bem da verdade, não deixou sinais de saudade no meu paladar, indiquei, informalmente, os nomes de dois jornalistas que poderiam dar conta da tarefa: Sérgio Rodrigues e Fernando Molica.

Não estou cometendo qualquer indiscrição ao citar esta cena (banal) dos bastidores da nossa paisagem editorial.

Sérgio Rodrigues levou adiante a empreitada.

É aí que a porca torce o rabo. Porque quero fazer uma confissão: ao recusar, por absoluta falta de tempo, o convite para fazer o livro-reportagem, terminei prestando, sem saber, um grande favor à literatura brasileira.

Neste momento, uma mão se ergue lá no fundo da sala: "Desembucha! O que foi que houve? Quer contar logo o que foi que aconteceu ?".

Quero: se eu tivesse feito o livro sobre Elza, teria produzido, apenas e tão somente, uma reportagem - ou uma série de entrevistas. É a única coisa que sei fazer. Um livro estritamente jornalístico sobre a garota Elza poderia, por sinal, ficar bom. Por que não ?

Mas Sérgio Rodrigues deu um passo adiante.

Diante da escassez de material jornalístico sobre o assunto, partiu para uma empreitada ousada: resolveu escrever um livro em que intercala o estritamente factual com páginas de ficção descarada.

Fez um golaço, porque a mistura entre fato e ficção foi felicíssima. Declaro, portanto, diante deste tribunal, que prestei um grande favor à literatura brasileira : ao recusar o convite para tocar o projeto, deixei, casualmente, o caminho "livre" para que um autor inspirado entrasse em cena e produzisse, a partir da história da garota Elza, uma mistura empolgante de ficção com verdade histórica, algo que eu jamais faria, por incapacidade técnica.

Dizei-nos, Paulo Coelho: a vida pode ou não pode ser uma miríade de acasos ?

O que interessa é que o livro "ELZA, A GAROTA", recém-lançado pela Editora Nova Fronteira, é arrebatador. Sérgio Rodrigues criou dois belos e apaixonantes personagens: Molina - um jornalista de quarenta e seis anos que já se deixara envenenar por uma mistura de "tédio e cansaço" - bate na porta de um apartamento de dois quartos, no bairro do Flamengo, à procura de um tal de Xerxes, um nonagenário que publicara um anúncio esquisito nas páginas de classificados de um jornal. Queria alguém que pudesse ajudá-lo a escrever suas memórias.

Um trecho:

"A primeira coisa que lhe chamou a atenção foi que o velho falava como se escrevesse, vírgulas e tudo. Tamanho poder de articulação era coisa de um outro tempo, e foi só então que a idade quase impossível do homem - noventa e quatro, estava no jornal - desabou na sala diante dele como um rochedo, um totem, uma pirâmide".

A partir daí, as 236 páginas passam voando.

Em uma frase: "ELZA, A GAROTA" é um dos melhores livros brasileiros lançados nos últimos tempos.

Feita esta declaração, o autor-que-foi-sem-nunca-ter-sido desliga o terminal de computador, apaga a luz, fecha a porta e, como na letra daquela música antiga de Paulinho da Viola, desaparece na "poeira das ruas", não sem antes recomendar aos navegantes : correi para as livrarias.

Posted by geneton at 01:25 AM

novembro 29, 2008

ATENÇÃO, SENHORES PASSAGEIROS. PANE NUMA TURBINA. O AVIÃO PODE CAIR NO OCEANO. O QUE O POETA FAZ NUMA HORA DESSAS ? UM POEMA !

É tiro e queda: navegações pelo Planeta Blog ( já, já, chegará o dia em que o número de blogueiros superará o de leitores) podem trazer recompensas inesperadas. O internauta se transforma num Pedro Álvares Cabral: sem esperar, pode dar com os costados num porto seguro.

Uma ressalva: por uma questão de justiça, deve ficar consignada na ata a constatação de que o lixo internético é imenso, enorme, paquidérmico. Fiz os cálculos: se pudessem ser armazenadas em sacos de lixo, as idiotices escritas por antas desocupadas - entre as quais, listam-se celebridades e subcelebridades de todos os calibres possíveis e imagináveis - seriam suficientes para encher quatro mil e oitocentos e cinquenta caminhões-caçamba por hora.

Mas há, como sempre, o reverso da moeda: com uma frequência maior do que se imagina, pepitas reluzem no Planeta Blog.

Um exemplo, entre centenas: o blog de Homero Fonseca, jornalista pernambucano, publica belos versos, escritos por um poeta dominicano sob circunstâncias dramáticas: o avião em que o poeta fazia uma viagem do Recife para Miami sofre uma pane sobre o Oceano. O que fazer numa situação dessas ?

Com a palavra, Homero Fonseca & o poeta que escapou mas que, ainda que morresse, teria sido salvo pela poesia (http://www3.interblogs.com.br/homerofonseca/) :


"Rei Berroa, 59 anos, poeta dominicano, professor na George Mason University no estado da Virginia, EUA, regressava do Recife para Miami, após participar da Fliporto, domingo 9 de novembro, quando o avião em que viajava sofreu uma pane numa turbina e teve de retornar uma hora depois de estar sobrevoando o Atlântico. Foi uma hora de pânico, choro e reza entre os passageiros. O poeta, entretanto, resolveu escrever um poema sobre aquele momento extremo que estava vivendo. Foi uma atitude verdadeiramente poética. O poema me comoveu, como raramente me ocorre com a poesia contemporânea. Transcrevo-o a seguir, assim como a tradução que intentei, para a qual tive a colaboração em forma de mirada crítica de Eduardo César Maia, cabendo-me, entretanto, toda a responsabilidade pelo eventual resultado pífio.

----------------------- QUE FAZER
SE CANCELAM TEU VÔO
NO MEINHO DO ATLÂNTICO E ESTÁS
NO AR A NOVE MIL METROS DA CRISTA DAS ONDAS


O primeiro deve ser que de nada serve
preocupar-te nessas circunstâncias.
De nada serve rezar
a deuses que estão sempre tão distantes
quando se trata de nossa frágil
humanidade cheia de incertezas e esperanças.


Que nunca te surpreenda o desalento
quando sintas que tua existência se encontra ameaçada.

Ao contrário, tens que mirar fixamente a branca
morte no umbigo, arrancar-lhe
seus sons pavorosos e ousadia osteoporósica.
Depois, sopra com força em suas narinas, até
que, resfolegante de raiva, ela se estilhace em mil pedaços
e te deixe tranqüilo nesse transe
quase último de tua enteléquia.

Agora tens apenas uma hora
para apagar o quanto antes a carranca da morte
e afirmar tua militância pela vida.

Logo tens que olhar ao redor e sorrir
aos que contigo abraçam esta hora
em que deslizas nesse vôo do destino
nas mãos do piloto que não notaste antes
e recordas todos esses anos
em que a vida foi tão generosa com teus anseios
e sabes que tens vivido como sempre quiseste
pois deste asas feitas de palavras aos teus desejos
e alimentaste os sonhos de outros em tua casa,
onde Ana e Olívia amanhã se queixarão
da desordem em que deixaste tua mesa
e de todos esses livros em projeto
que ninguém jamais escreverá,
nem mesmo teus irmãos, teus amigos, os alunos e colegas

inclusive os que em ti talvez
algo alguma vez puderam invejar
e por isso é normal que te acusassem
pois talvez tivessem medo da verdade
e viravam o rosto cada vez que algum entre vocês
denunciava falsidades
e celebrava os mais vulneráveis
ante a mesquinhez do prepotente que brande
sua insegurança sobre o futuro dos homens.


Lembra-te de que só se atiram pedras
na árvore que dá frutos.

Por isso, agora,
nesses preciosos três mil e seiscentos segundos
em que, apesar de ti, regressas ao porto de partida
e todas as lembranças te golpeiam
de repente na memória e o que vês
no outro lado da janela do avião não são
nada mais que brancos cúmulos, nuvens
feitas de consciência e alegrias prateadas,

agora mesmo, te dizias, só importa
que amanhã será outro dia e estarás
ou em pequenos pedaços na barriga
de alguns tubarões não fictícios do Atlântico
ou na internet
descrevendo a teus amigos tua odisséia
um nove de novembro a nove mil
metros da crista das ondas
no vôo nove oitenta do Recife a Miami.


Se é verdade que esta é tua hora,
deves seguir escrevendo com lápis e papel
e que a morte te flagre entregue
à dona de todas tuas idades e atenções,
à tua amiga, amante e companheira,
tua senhora, a Poesia.

Posted by geneton at 11:49 AM

novembro 28, 2008

NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO ESPANTO, ROGAI POR NÓS

1
Ah, o indizível tédio. Quando um desses Profetas do Apocalipse previam o fim da imprensa escrita, eu vos confesso que reagia com o meu melhor sorriso de desdém.

2
Que é assim: uma ligeira contração na interseção esquerda do lábio superior com o inferior. Mas minha descrença nas profecias sobre o fim do jornal impresso foi atropelada pelos fatos. Passei a conviver com uma dúvida inconfessável: quem sabe se os Profetas do Apocalipse não teriam razão?


3
Com o tempo , a dúvida se propagou, como um incêndio fora de controle, por minhas florestas interiores. Hoje, procuro com uma lanterna na mão um Guardião do Cálice Sagrado que possa, enfim, responder: se noventa e cinco por cento das notícias da primeira página já foram divulgadas na véspera pela TV e pela Internet, que papel caberá aos jornais, no futuro?

4
A geração habituada a trafegar na Infovia de Papel, como o locutor que vos fala, uma pré-múmia cinquentenária, consome jornais por hábito, mas os novos infornautas já não concedem tanta importância a esta superfície lisa e retangular que reinou, soberana, por décadas : a página de jornal. As telas dos computadores são a fonte que lhes mata a sede de informação.

5
Se tivesse a chance, eu perguntaria ao Guardião do Santo Graal : os jornais não estariam cavando a própria sepultura, ao repetir, acomodados, o que a gente já sabe desde a véspera ?

6
Por que será que há anos e anos todos dizem que os jornais devem investir pesadamente em grandes reportagens, em opinião qualificada, em "contextualização" dos fatos, mas ninguém põe em prática estas recomendações? É como se todos concordassem com o diagnóstico de um paciente, mas ninguém fizesse nada, nada, nada para lhe dar o remédio salvador.

7
Quanto a noviços autores dos livros: se o número de frequentadores de um blog bem visitado é invariavelmente superior ao de possíveis leitores de um livro, um autor novo certamente perguntará a seus botões : quem disse que vale a pena enfrentar a peneira das editoras, as edições mirradas, a distribuição difícil, a venda pingada, tudo em nome da fugaz glória de ver o nome impresso na capa de um livro exposto na quarta prateleira à esquerda de quem entra na livraria?
A tiragem média de um livro no Brasil é de três mil exemplares. Direitos autorais :dez por cento sobre o preço de capa. Distribuição: irregular. Repercussão : baixa. Ou nula.

8
Já se disse que o papel fica, a Internet se esvai. Mas quem disse que os arquivos digitais também não terão vida longa? Quem disse que os grandes arquivos da Internet não serão acessados daqui a cem anos?

9
Kurt Vonnegut dizia que era devoto de Nossa Senhora do Perpétuo Espanto. A revolução da Internet espalha espantos. Destrói certezas. Deixa no ar todas estas interrogações.
Um dia, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto nos responderá.
A ela, haveremos de acender velas imaginárias a cada vez que a lista de perguntas-sem-respostas e dúvidas-sem-saída incomodar nossas frágeis certezas.

10
Palpiteiro amador, arrisco dizer que o livro-objeto não desaparecerá. É a maior invenção da humanidade.

( Em segundo lugar na lista das invenções, distante, vem a Coca-Cola. Em terceiro, os melhores parágrafos de "O Leopardo","A Montanha Mágica", "Quarup" e "A Pedra do Reino". Em quarto,o chocolate Diamante Negro. Em quinto, o disco Abbey Road. Em sexto, a visão de Veneza à noite, no inverno. Em sétimo, os olhos de Charlotte Rampling, nos anos setenta. Em oitavo, o poema "A Máquina do Mundo" (Carlos Drummond de Andrade). Em nono, o riso discreto de Scarlet Johansenn. Em décimo, a Internet, com chances reais de subir para o primeiro).

11
Como eu ia dizendo antes de ser interrompido por esta lista urgente, o livro há de resistir aos cataclismos internéticos, mas os jornais, tal como existem hoje, vão nadar, nadar, nadar, mas não chegarão à praia.

12
Ou mudam de rumo ou naufragam, quem sabe, ao som de uma orquestra, como o Titanic. Um dia, os arqueólogos do futuro mergulharão nos baús para mostrar ao mundo que aquele punhado de folhas amareladas já foi chamado de jornal.

Posted by geneton at 11:13 AM

novembro 27, 2008

A RECEITA DA FELICIDADE TERRENA


Se, por escassas vinte e quatro horas, todas as TVs do mundo parassem de ladrar; se todos os jornais e revistas de todas as cidades do planeta sumissem provisoriamente; se todos os blogs de todos os continentes saíssem do ar; se as editoras parassem de despejar a cota diária de lançamentos na livrarias; se todos os sites estancassem de repente; se todo mundo em todos os lugares fizesse um voto de silêncio planetário nem que fosse por um dia; se, enfim, todas estas maravilhas acontecessem diante de nossas retinas descrentes, o Paraíso estaria instalado nesta esfera esvoaçante também conhecida pela alcunha de Terra.

A receita da felicidade terrena é simples assim. Mas inalcançável.

Que prossiga a barulheira, então.

Posted by geneton at 12:31 PM

DONA IMPRENSA, AQUELA VELHA SENHORA, FOI AO MÉDICO. DIAGNÓSTICO: "A SENHORA SOFRE DE CM, CHATICE METASTÁTICA. MAS AINDA PODE SE SALVAR"

Jornalista: o grande, o irremovível, o intransigente, o impermeável, o indiscutível, o plenipotenciário inimigo da notícia.

Parece uma frase para impressionar leigos,mas é a mais cristalina verdade: o maior inimigo da notícia é o jornalista, sim!

É este o motivo que leva Dona Imprensa a padecer de uma doença grave: a CM (chatice metastática: já se espalhou por todos os órgãos).

Há exceções, claro. Mas quem já passou quinze minutos numa redação sabe que "jornalista" tido como eficiente não é aquele que reúne o melhor de suas forças para levar ao público histórias, cenas e personagens interessantes. Não ! Claro que não ! "Jornalista" de verdade é aquele que passa vinte e três horas por dia procurando um motivo para NÃO publicar uma história. Vive com uma espingarda imaginária nas mãos, pronto para disparar um petardo que ferirá de morte a primeira história interessante que passar pela frente.

As crianças não acreditarão, mas é exatamente assim que as redações funcionam.

.
"Jornalista" cria uma escala de valores absurda - que só existe na cabeça de jornalistas - para exterminar reportagens : "não vale", "não é nova", "já saiu em outro jornal", "qual é o gancho ?".

O "jornalista" acha que o leitor ou telespectador é um maníaco que lê todos os jornais, todas as revistas e vê todos os programas, para, depois, comparar um com o outro. Basta que uma história qualquer - por melhor que seja - saia na página dezoito de um jornal "concorrente". Pronto. Acabou. Deve ser solenemente ignorada. O resultado? A história é abatida a tiros ali, antes de nascer. O leitor ( ou telespectador) fica a ver navios.

Em resumo: o maior pecado do jornalista é fazer jornal (ou revista ou TV) para jornalista. Não para o leitor ou telespectador. O resultado ? A epidemia de chatice jornalística se espalha, indomada.

Uma reportagem só chega às mãos do leitor - ou aos olhos e ouvidos do telespectador - depois de enfrentar uma terrível, desgastante e patética corrida de obstáculos dentro das redações. Quando, finalmente, chega a público, exibe a aparência de um bicho ferido, maltratado, destroçado pelas garras dos exterminadores de matérias.

Com um atraso de três décadas e meia, faço uma oração para Nossa Senhora do Espanto e constato : não, esta não é minha tribo.

Procuro uma atividade mais útil : que tal - por exemplo - fiscal de animais de grande porte ? ( diz a lenda que existia este cargo na folha de pagamentos de uma prefeitura pernambucana). Ou observador de aviões em trânsito ? Ou, quem sabe, fabricante de bolhas de sabão.

Fiquei de pensar.

Posted by geneton at 12:03 PM

JOGANDO GASOLINA NA FOGUEIRA DO DEBATE SOBRE OS BUROCRATAS DO JORNALISMO

Um texto inicialmente publicado aqui, neste site mambembe, ganhou vida própria e se espalhou pelo Planeta Blog.

Ricardo Kotscho, grande repórter que nunca deixou de acreditar no Jornalismo, ofereceu apoio, num texto generoso que publicou no blog Balaio do Kotscho http://colunistas.ig.com.br/ricardokotscho/:
26/11/2008 - 17:45

Mídia em debate e um anúncio fúnebre
A mídia, que tudo sabe, julga e contesta, não gosta de discutir a mídia, costuma dizer mestre Alberto Dines. Nossa imprensa quase nunca é notícia _ e não gosta que se fala dela. Jornais e jornalistas não aceitam esse negócio de ter o seu trabalho discutido, muito menos criticado ou regulamentado.

Mas há exceções. Amanhã, quinta-feira, dia 27, teremos um importante e raríssimo ( pelo peso dos participantes) evento para discutir o tema “Mitos e verdades sobre o Brasil de hoje _ A visão da mídia”. Local e horário: auditório do Jockey Club, no centro de São Paulo (rua Boa Vista, 280), a partir das 9h30.

Organizado pela Mega Brasil, do meu amigo Eduardo Ribeiro, participam do debate os diretores editoriais dos jornais Folha de S. Paulo (Otavio Frias Filho), O Estado de S. Paulo (Ricardo Gandour) e Josemar Gimenez (Correio Braziliense). Dos diretores dos principais jornais brasileiros, só ficou de fora Rodolfo Fernandes, de O Globo. Os ingressos já estão esgotados.

Bem na véspera, por mais uma feliz coincidência, dou de cara com um antológico texto de Geneton Moraes Neto, repórter e editor do “Fantástico”, da TV Globo, um dos melhores e mais respeitados jornalistas brasileiros da sua geração.

A começar pelo título_ “Anúncio fúnebre: os jornalistas estão enterrando o jornalismo” _ , o artigo de Geneton, que reproduzo abaixo, é um libelo em defesa do jornalismo e de ataque aos jornalistas que estão matando, nas redações, aquela que considero a mais bela profissão do mundo.

Na mensagem que enviou junto com o texto, ele me escreveu que seu objetivo era mesmo “jogar gasolina na fogueira dos debates sobre a nossa profissão. Você sabe melhor do que eu, que aquilo tudo é verdade. Diria que fui até condescendente…”.

Geneton não poderia ter encontrado momento melhor do que este que antecede o inédito debate entre os diretores das nossas grandes redações. pode até servir de pauta para os participantes.

De fato, como ele diz, é tudo muito triste o que está acontecendo nas redações dos nossos jornalões, mas, infelizmente, é tudo verdade o que o Geneton escreveu.

Sua corajosa profissão de fé na profissão de jornalista ganha ainda mais valor por se tratar, não de um acadêmico frustrado ou um amargurado jornalista em final de carreira, mas de uma das estrelas do jornalismo, trabalhando da maior empresa de comunicação do país, no auge da sua carreira.

Já escrevi demais. É melhor ler logo o Geneton:

(aqui: http://colunistas.ig.com.br/ricardokotscho/2008/11/26/midia-em-debate-e-um-anuncio-funebre/#comments)

Internautas aderiam ao debate no espaço reservado aos comentários.

Idem com o portal Comunique-se, na seção "Em Pauta":

http://www.comunique-se.com.br/

Fiz uma busca rápida. Vários outros blogs repassaram adiante o texto.

É uma das maravilhas da internet: a incrível capacidade de reprodução de textos, idéias, provocações.

Obrigado, Vale do Silício!


Posted by geneton at 11:19 AM

novembro 26, 2008

O DIA EM QUE JOEL SILVEIRA ENTROU PARA O SERVIÇO PÚBLICO

Joel Silveira, meu saudosíssimo mestre e guru, repórter puro-sangue, contava essa:
uma vez, recebeu uma sondagem de um assessor direto do presidente Jânio Quadros. O assessor informou que ele, Joel, iria ser nomeado para o conselho consultivo da Companhia Brasileira de Álcalis.

Resposta de Joel à oferta :

- Aceito o convite ! Só quero tirar duas dúvidas. Primeira : quanto vou ganhar ? Segunda : o que é álcalis, pelo amor de Deus ? ”.

Terminou nomeado.

Posted by geneton at 01:44 PM

NÃO! NÃO! NÃO! "O ÓCULOS" NÃO !

Lá vinha eu, entretido com o noticiário da rádio, quando, sem aviso prévio, a locutora começa a falar sobre o roubo dos óculos da estátua de Carlos Drummond de Andrade.

Aos forasteiros, diga-se, aliás, que o Rio de Janeiro é a única cidade do mundo em que se roubam óculos de estátuas....

Quando começa a comentar o ocorrido, direto de São Paulo, a locutora da emissora de rádio fala de "o óculos". Depois, repete a barbaridade duas, três, quatro vezes: "O óculos....".

Deus do céu: fico pensando que profissão é esta, o Jornalismo, em que um ser humano passa quatro anos na faculdade e sai pelo planeta dizendo "o óculos" e "meu óculos".....

Lástima: gente que não sabe diferenciar um plural de um singular acha-se perfeitamente preparada para transmitir a nós, ouvintes otários, as notícias do mundo.

Comigo não, violão.

Desligo o rádio.

Passo a relinchar alegremente. O ruído do relincho faz menos mal aos ouvidos do que alguém dizendo "um óculos".

Gente que não deve nada à língua, como cantores de pagode, zagueiros centrais, celebridades que posam para a Caras, pode até dizer "um óculos" impunemente. E certamente diz, satisfeita com a própria ignorância.

Mas jornalista que fala - e escreve - para o público não pode cometer tais barbaridades.

É simples assim: não pode. Porque a língua é o instrumento de trabalho de quem escreve. Não pode nem deve ser pisoteada publicamente por quem, em tese, teria a obrigação de zelar por ela.

O rádio continuará desligado.

Posted by geneton at 01:37 PM

novembro 24, 2008

PERGUNTA FEITA AOS CÉUS - 1

O que será mais divertido ? Ser executado numa cadeira elétrica ou participar de festinhas de fim de ano no trabalho?
É uma escolha dificílima. Preciso de quatro dias para avaliar. Por ora, somados os prós e os contras, dá empate.

Posted by geneton at 09:40 PM

ANÚNCIO FÚNEBRE : OS JORNALISTAS ESTÃO ENTERRANDO O JORNALISMO!


Começa a chover. Não me ocorre outra idéia para me proteger do aguaceiro: paro na banca para comprar um jornal. Em época de "crise econômica", eis um belo investimento, com retorno imediato: além de me brindar com notícias interessantes, o jornal, quando dobrado e erguido sobre a cabeça, cumpre garbosamente a função de guarda-chuva.

O jornal é de São Paulo.Poderia - perfeitamente - ser do Rio de Janeiro ou de qualquer outro estado brasileiro.Eu disse "notícias interessantes" ? Em nome da verdade,retiro o que disse.

Pelo seguinte: não sou nenhum fanático por informação, não passo quatorze horas por dia conectado, não sou desses jornalistas que, à falta do que fazer na vida, acham que não existe nada sob o sol além do jornalismo. Em suma: considero-me apenas um consumidor mediano de notícias. Ainda assim, eu já sabia de noventa e cinco por cento do que aquele jornal tentava me dizer na primeira página.

O que o jornal me dizia, nos títulos ? Que o São Paulo "abre cinco pontos sobre o Grêmio". Que novidade! Qualquer criança de dois anos que tivesse passado diante de um aparelho de TV na véspera já sabia. Nem preciso falar da Internet. "Chuvas em Santa Catarina matam 20". Que novidade! "Obama divulga nomes de cargos-chave". Que novidade! "EUA podem injetar até US$ 100 bi no Citigroup". Que novidade!

Não é exagero: eu já tinha recebido todas essas informações na véspera.

Tive a tentação de voltar à banca, para pedir meus dois reais e cinquenta de volta. Mas, não: resolvi dar um crédito de confiança ao jornal. Quem sabe, como guarda-chuva ele teria uma atuação melhor. Teve.


De tudo o que estava nos títulos da primeira página do jornal, só uma informação era "novidade" para mim: "Brasil será o único país do mundo que não eliminou hanseníase". Conclusão: o jornal estava me oferecendo pouco, muito pouco, pouquíssimo.

Tenho certeza absoluta de que milhares de leitores, quando abrem os jornais de manhã, são invadidos pela mesmíssimo sentimento: em nome de São Gutemberg, para quem estes jornalistas acham que estão escrevendo ? Em que planeta os editores de primeira página vivem ? Por acaso eles pensam que os leitores são marcianos recém-desembarcados no planeta ? Ninguém avisou a esses jornalistas que a TV e os milhões de sites de notícias já divulgaram, desde a véspera, as mesmíssimas informações que eles agora repetem feito papagaios no nobilíssimo espaço da primeira página ?

Os autores dessas obras-primas ( primeiras páginas que não trazem uma única novidade para o leitor médio!) são, com certeza, jornalistas que temem pelo futuro do jornal impresso.
É triste dizer, mas eles estão cobertos de razão: feitos desse jeito, os jornais impressos estão, sim, caminhando celeremente para o mausoléu. Não resistirão.

Os coveiros da imprensa estão trabalhando freneticamente: são aqueles profissionais que aplicam cem por cento de suas energias para conceber produtos burocráticos, óbvios, chatos, soporíferos e repetitivos.

Em suma: os jornalistas estão matando o jornalismo.

Quem já passou quinze segundos numa redação é perfeitamente capaz de identificar os coveiros do jornalismo: são burocratas entediados e pretensiosos que vivem erguendo barreiras para impedir que histórias interessantes cheguem ao conhecimento do público. Ou então queimam neurônios tentando descobrir qual é a maneira menos atraente, mais fria e mais burocrática de transmitir ao público algo que, na essência, pode ser espetacular e surpreendente: a Grande Marcha dos Fatos.


Qualquer criança desdentada sabe que não existe nada tão fácil na profissão quanto "derrubar" uma matéria. Há sempre um idiota de plantão para dizer : "ah, não, o jornal X já deu uma nota sobre esse assunto"; "ah, não, o jornal Y publicou há trinta anos algo parecido" e assim por diante. O resultado desse exercício de trucidamento jornalístico é o que se vê: uma imprensa chata, chata, chata, chata. É raríssimo aparecer um salvador de pátria que pergunte: por que jogar notícias no lixo, oh paspalhos ? Por que é que vocês não procuram uma maneira interessante e original de contar - e oferecer ao publico - uma história ? Haverá sempre uma saída!

A regra vale para jornal impresso, revista, rádio, TV, internet, o escambau.

Mas, não. Contam-se nos dedos da mão de um mutilado de guerra os jornalistas que devotam o melhor de suas energias para fazer um jornalismo vívido e interessante. Já os burocratas e assassinos, numerosíssimos, continuam golpeando o Jornalismo aos poucos. Vão matá-lo, cedo ou tarde, é claro.

Não há organismo que resista à repetição dos botes dos abutres ( um dia, quando estiver prostrado à beira de um pedaço de mar verde da porção nordeste do Brasil, farei - de memória - uma lista dos crimes que já vi serem cometidos, impunemente, nas redações. Se tiver paciência para juntar sujeito e predicado, prometo que farei um post. Almas ingênuas podem acreditar que absurdos não acontecem com frequência nos zoológicos jornalísticos. Mas, em verdade, vos digo: acontecem, diariamente. O pior, o trágico, o cômico, o indefensável é que os assassinos do Jornalismo são gratificados com férias, décimo-terceiro, plano de saúde, aposentadoria, seguro de vida e vale-alimentação. Detalhe: lá no fundo, devem achar que ganham pouco....Quá-quá-quá).


Um detalhe inacreditável: em qualquer roda de conversa numa redação, em qualquer congresso ( zzzzzzzzzzz) de Jornalismo, é possível ouvir que há saídas simplíssimas. Bastaria tomar - por exemplo - providências estritamente "técnicas": em vez de repetir papagaiamente(*) nos títulos aquilo que a TV e a internet já cansaram de divulgar, por que é que os jornais não destacam na primeira página a informação inédita, o ângulo pouco explorado, o detalhe capaz de prender a atenção do coitado do leitor na banca ? Pode parecer o óbvio dos óbvios, mas nenhum jornal faz. Qualquer lesma semi-alfabetizada sabe, mas nenhum jornal faz. Se fizessem este esforço, os jornais poderiam, quem sabe, atiçar a curiosidade do leitor indefeso que entra numa banca em busca de uma leitura atraente. Coitado. Não encontrará. É mais fácil encontrar um neurônio em atividade no cérebro de Gretchen.

Fiz um teste que poderia ser aplicado a qualquer estagiário de jornalismo: tentar achar, no exemplar que tenho em mãos, informações que rendam títulos menos burocráticos e mais atraentes do que os que o jornal trouxe na primeira página. Em quinze segundos, pude constatar que havia,sim, no texto das matérias, informações mais interessantes do que as que foram destacadas nos títulos óbvios. Um exemplo, entre tantos: a chamada do futebol na primeira página dizia "São Paulo abre 5 pontos sobre o Grêmio". Por que não algo como "TREINADOR PROÍBE COMEMORAÇÃO ANTECIPADA NO SÃO PAULO" ou "JOGADORES DO SÃO PAULO PROBIDOS DE IR A PROGRAMAS DE TV" ? A matéria sobre as enchentes dizia que, depois do maior temporal dos últimos dez anos, Santa Catarina enfrentava racionamento de água potável - um duplo castigo. E assim por diante. Daria para fazer dez chamadas diferentes. Mas.....o jornal repete na manchete o que a TV já tinha dito.

Quanto ao futebol: com toda certeza, as informações que ficaram escondidas no texto eram mais atraentes do que a mera contagem de pontos que o jornal estampou no título da primeira página! Afinal, cem por cento dos torcedores do São Paulo já sabiam, desde a véspera, que o time disparara na liderança. Não é exagero dizer: cem por cento sabiam. Mas, a não ser os fanáticos por resenhas esportivas, poucos sabiam que o treinador tinha proibido os jogadores de participarem de programas de TV, para evitar comemorações antecipadas. Por que, então, esconder o detalhe mais interessante ? É o que os editores fazem: tratam de sepultar a informação mais atraente em algum parágrafo remoto, lá dentro do jornal. Depois, querem que o leitor saia da banca satisfeito por ter pago para ler o que já sabia....

Estão loucos.

Resumo da ópera: os assassinos do Jornalismo, comprovadamente, são os jornalistas. É uma gentalha pretensiosa porque acha que pode decidir, impunemente, o que é que o leitor deve saber. Coitados. O que os abutres fazem, na maior parte do tempo, em todas as redações, sem exceção, é simplesmente tornar chata e burocrática uma profissão que, em tese, tinha tudo para ser vibrante e atraente.

Mas nem tudo há de se perder. Os jornais podem, perfeitamente, ser usados como guarda-chuva. Fiz o teste. O resultado foi bom: cheguei tecnicamente enxuto ao destino.

(*)Papagaiamente: neologismo que acabo de criar, iluminado por uma inspiração animalesca.

Posted by geneton at 07:59 PM

setembro 24, 2008

A GRANDE BRIGA DOS JORNALISTAS CONTRA OS TEXTOS. PODE EXISTIR RAÇA MAIS ESQUISITA ?

Jornalista é bicho esquisito. Quem duvidar deve fazer um teste. Sem chamar atenção, aproxime-se de um grupo de jornalistas o mais sorrateiramente possível, para observar um fenômeno curiosíssimo. É fácil identificá-los, pelos ruídos que emitem: latidos, trinados, uivos, rugidos e outros sons menos votados. Apure os ouvidos. Com toda certeza, um jornalista ( provavelmente, um editor) estará dizendo a outro ( provavelmente, um repórter) : "Pode fazer, mas curta ! Trinta linhas, no máximo!". Ou: "Nada além de um minuto e meio!".

Ou seja: cinquenta por cento dos jornalistas que exercem de verdade a profissão nas redações passam noventa por cento do tempo útil proibindo os outros de escrever. Parece que escrever é uma praga. Nenhum assunto seria digno de merecer mais do que um punhado de parágrafos mambembes. Devem achar que todos os leitores sofrem de alfabetofobia ( se a palavra não existe, acaba de ser parida). "Não se estenda !". "O espaço não vai dar!". "Ficou grande!" "Vou ter de cortar!" etc.etc.etc. Os outros cinquenta por cento dos jornalistas passam noventa por cento do tempo implorando por espaço e por tempo.

Parte-se da suposição de que a) ninguém pode escrever; b) ninguém quer ler.

Ah, racinha desgraçada....

Brigar contra o tamanho dos textos - ou o tempo de uma reportagem - passou a ser a ocupação principal desses bípedes esquisitos.

É como se os médicos passassem o dia dizendo uns aos outros: "Vou fazer uma cirurgia, mas tem de ser rápida! Nada de passar dez minutos operando ! "

Ou os engenheiros jogassem fora energia e neurônios discutindo coisas como "vamos fazer a ponte, mas, pelo amor de Deus, nada além de dois metros ! ".

Conclusão: não existe maior inimigo da escrita do que o jornalista.
Se o Brasil fosse uma democracia, qualquer cidadão com idade superior a cinco anos deveria ter o direito de dar voz de prisão ao primeiro jornalista que aparecesse pela frente.

Eu estaria a esta hora na terceira cela à esquerda da ala norte da Penitenciária Agrícola de Itamaracá.

Posted by geneton at 02:36 AM

setembro 17, 2008

A FALTA QUE ELE FAZ: JOEL SILVEIRA ( OU: O QUE UM REPÓRTER PODE FAZER DE ÚTIL NA VIDA, ALÉM DE TENTAR JOGAR ÁGUA NA GRANDE FOGUEIRA DO ESQUECIMENTO ?)

Que falta faz o mestre Joel Silveira.

Faz um ano e um mês que ele morreu. Durante vinte anos, tivemos uma convivência que guardo como se fosse um tesouro: eu era o discípulo tentando aprender com o mestre.

Uma das falhas da personalidade de um repórter é agir como repórter até diante de amigos. Que coisa! Confesso: é o que fiz com Joel Silveira. Éramos amigos. Mas, ali, eu era, também, um repórter diante de um personagem. Não poderia voltar para casa de mãos vazias. Não voltei. Ao longo desses anos todos, gravei conversas que tive com ele, na sala do apartamento de um sexto andar da rua Francisco Sá, em Copacabana.


Modéstia à parte, a causa era nobre: eu não queria que as coisas que ouvia de Joel ficassem somente comigo. Era preciso repartir, espalhar,compartilhar aqueles ensinamentos, críticas, boutades, lembranças e confissões de um grande repórter que, com todo merecimento, ocupa uma vaga no esfarrapado Panteão do Jornalismo Brasileiro. Joel foi um dos grandes pioneiros no uso de técnicas literárias em textos jornalísticos.

Guardo comigo, com todo cuidado, a pequena coleção de fitas. Pergunto: que outra coisa de útil pode fazer um repórter, além de sair coletando da maneira mais cuidadosa possível as lembranças alheias, para dividí-las com os leitores ? Nada. A essência do jornalismo é esta.

Sem pretensões descabidas, sem megalomanias risíveis, sem exibicionismo vulgar: o repórter pode, sim, ser útil ao funcionar como o pequeno guardião de histórias e memórias que - de outra maneira - estariam inevitavelmente condenadas a desaparecer na poeira da estrada, destino inescapável de tudo e de todos. Em seus melhores momentos, o repórter atua como se fosse um bombeiro ingênuo: tenta fazer com que a Grande Fogueira do Esquecimento não devore tudo. É uma batalha inglória, mas, como nas piores e mais piegas histórias edificantes, ele descobrirá que, feitas as contas, o esforço "vale a pena", sim. A alternativa é terrível: cruzar os braços e não fazer nada. Chamuscado, ele sairá do prédio em chamas com alguma coisa nas mãos: quem sabe, uma velha fita cassete, um bloco de anotações. O resultado do trabalho do repórter é, no fim das contas, uma coleção de "salvados do incêndio".

(Assim, não me arrependo nem um pouco de ter importunado Carlos Drummond de Andrade em agosto de 1987 sem imaginar que ele vivia uma dor indizível: a filha, Maria Julieta, estava à beira da morte, na cama de um hospital. Drummond cedeu à minha insistência. Deu-me uma longa entrevista. Dias depois, a filha morreu. Em duas semanas, o próprio Drummond estava morto. A entrevista terminou virando uma espécie de testamento do maior poeta brasileiro. Importunei o poeta, sim, mas cometi uma "boa ação": produzi um documento sobre ele. Ah, o belo desafio de transformar lembranças em matéria "palpável": as palavras impressas....As declarações que arranquei do poeta arredio ocupam setenta páginas do livro "Dossiê Drummond", republicado há pouco tempo pela Editora Globo, em edição "revista e atualizada". Bem ou mal, as declarações que o poeta quis fazer apenas duas semanas antes de morrer não se perderam no ar: ganharam vida, ficaram guardadas em bibliotecas, vão ajudar um ou outro leitor a compreender o personagem Drummond. Missão cumprida, portanto. Um dia, o "Dossiê Drummond" haverá de cumprir o destino final de tantos e tantos livros: escondido lá no fundo de uma prateleira de um sebo empoeirado, cairá nas mãos de um leitor anônimo. Como se fosse um escanfandrista em busca de ostras perdidas no fundo do oceano, o leitor curioso desembolsará um punhado de reais por aquele feixe de lembranças impressas. O destino do livro terá se cumprido, na íntegra).

Paro por aqui. Ouço o ruído inconfundível das patas de uma fera roçando na porta dos fundos: é o Cão da Subliteratura querendo entrar. Já o conheço de outros carnavais, é claro. Bato em retirada antes que ele se instale na sala.

Mas deixo uma promessa por escrito.

Prometidíssimo: cedo ou tarde, vou reunir em livro as gravações que fiz com Joel. Podem ser úteis à troupe minoritária dos que se interessam de verdade por jornalismo. Joel foi pioneiro no uso de técnicas literárias no texto jornalístico.

Já tínhamos até escolhido um título: "Diálogos com o Último Dinossauro".

Há um ano, a gente falava da visita indesejada que bateu à porta do apartamento de Joel Silveira:


A VIDA IMITA O POEMA NA MORTE DE JOEL SILVEIRA: O AGENTE FUNERÁRIO CHEGOU NA HORA. E A PLACA DO CARRO ERA LFR 1236

Faz pouco tempo, descobri um belo poema de Lawrence Ferlinghetti. O poeta diz, com outras palavras, que o mundo é um belo lugar, mas um dia, cedo ou tarde, ele virá : o agente funerário sorridente.
E o agente veio. Acabo de sair da casa de Joel Silveira. Não quis ver a saída do corpo. A Santa Casa de Misericórdia avisou que o agente chegaria às duas horas. Pensei comigo: "Com a pontualidade brasileira, ele vai chegar lá para as quatro da tarde". Engano. Nem uma hora e cinquenta e nove minutos nem duas horas e um : eram duas em ponto quando o agente apertou a campainha, no apartamento de Joel Silveira, no sexto andar de um prédio da rua Francisco Sá, em Copacabana. O agente encenava, sem suspeitar, o poema de Lawrence Ferlinghetti. Era como se dissesse: tudo pode atrasar no Brasil, mas a morte, quando vem, chega exatamente na hora, sem tolerância. Nem um segundo de atraso.

Desci do sexto andar. Lá embaixo, tive o gesto inútil de observar a placa da Kombi branca da Santa Casa de Misericórdia: LFR 1236. A Kombi trazia, nas laterais, o nome da Santa Casa e o telefone: 0800 257 007.

Joel tinha inveja de um personagem de Vitor Hugo que, minutos antes de ser guilhotinado, dizia, resignado, que estava pronto para a execução,mas "gostaria de ver o resto". Ou seja: o personagem gostaria de descrever a própria morte. Que palavras Joel usaria ?

Quanto a nós, discípulos e aprendizes, já não há o que fazer, além de anotar a placa da Kombi : LFR 1236, três letras e quatro números amargamente inúteis.

Posted by geneton at 03:38 PM

A FALTA QUE ELE FAZ: JOEL SILVEIRA ( OU: O QUE UM REPÓRTER PODE FAZER DE ÚTIL NA VIDA, ALÉM DE TENTAR JOGAR ÁGUA NA GRANDE FOGUEIRA DO ESQUECIMENTO ?)

Que falta faz o mestre Joel Silveira.

Faz um ano e um mês que ele morreu. Durante vinte anos, tivemos uma convivência que guardo como se fosse um tesouro: eu era o discípulo tentando aprender com o mestre.

Uma das falhas da personalidade de um repórter é agir como repórter até diante de amigos. Que coisa! Confesso: é o que fiz com Joel Silveira. Éramos amigos. Mas, ali, eu era, também, um repórter diante de um personagem. Não poderia voltar para casa de mãos vazias. Não voltei. Ao longo desses anos todos, gravei conversas que tive com ele, na sala do apartamento de um sexto andar da rua Francisco Sá, em Copacabana.


Modéstia à parte, a causa era nobre: eu não queria que as coisas que ouvia de Joel ficassem somente comigo. Era preciso repartir, espalhar,compartilhar aqueles ensinamentos, críticas, boutades, lembranças e confissões de um grande repórter que, com todo merecimento, ocupa uma vaga no esfarrapado Panteão do Jornalismo Brasileiro. Joel foi um dos grandes pioneiros no uso de técnicas literárias em textos jornalísticos.

Guardo comigo, com todo cuidado, a pequena coleção de fitas. Pergunto: que outra coisa de útil pode fazer um repórter, além de sair coletando da maneira mais cuidadosa possível as lembranças alheias, para dividí-las com os leitores ? Nada. A essência do jornalismo é esta.

Sem pretensões descabidas, sem megalomanias risíveis, sem exibicionismo vulgar: o repórter pode, sim, ser útil ao funcionar como o pequeno guardião de histórias e memórias que - de outra maneira - estariam inevitavelmente condenadas a desaparecer na poeira da estrada, destino inescapável de tudo e de todos. Em seus melhores momentos, o repórter atua como se fosse um bombeiro ingênuo: tenta fazer com que a Grande Fogueira do Esquecimento não devore tudo. É uma batalha inglória, mas, como nas piores e mais piegas histórias edificantes, ele descobrirá que, feitas as contas, o esforço "vale a pena", sim. A alternativa é terrível: cruzar os braços e não fazer nada. Chamuscado, ele sairá do prédio em chamas com alguma coisa nas mãos: quem sabe, uma velha fita cassete, um bloco de anotações. O resultado do trabalho do repórter é, no fim das contas, uma coleção de "salvados do incêndio".

(Assim, não me arrependo nem um pouco de ter importunado Carlos Drummond de Andrade em agosto de 1987 sem imaginar que ele vivia uma dor indizível: a filha, Maria Julieta, estava à beira da morte, na cama de um hospital. Drummond cedeu à minha insistência. Deu-me uma longa entrevista. Dias depois, a filha morreu. Em duas semanas, o próprio Drummond estava morto. A entrevista terminou virando uma espécie de testamento do maior poeta brasileiro. Importunei o poeta, sim, mas cometi uma "boa ação": produzi um documento sobre ele. Ah, o belo desafio de transformar lembranças em matéria "palpável": as palavras impressas....As declarações que arranquei do poeta arredio ocupam setenta páginas do livro "Dossiê Drummond", republicado há pouco tempo pela Editora Globo, em edição "revista e atualizada". Bem ou mal, as declarações que o poeta quis fazer apenas duas semanas antes de morrer não se perderam no ar: ganharam vida, ficaram guardadas em bibliotecas, vão ajudar um ou outro leitor a compreender o personagem Drummond. Missão cumprida, portanto. Um dia, o "Dossiê Drummond" haverá de cumprir o destino final de tantos e tantos livros: escondido lá no fundo de uma prateleira de um sebo empoeirado, cairá nas mãos de um leitor anônimo. Como se fosse um escanfandrista em busca de ostras perdidas no fundo do oceano, o leitor curioso desembolsará um punhado de reais por aquele feixe de lembranças impressas. O destino do livro terá se cumprido, na íntegra).

Paro por aqui. Ouço o ruído inconfundível das patas de uma fera roçando na porta dos fundos: é o Cão da Subliteratura querendo entrar. Já o conheço de outros carnavais, é claro. Bato em retirada antes que ele se instale na sala.

Mas deixo uma promessa por escrito.

Prometidíssimo: cedo ou tarde, vou reunir em livro as gravações que fiz com Joel. Podem ser úteis à troupe minoritária dos que se interessam de verdade por jornalismo. Joel foi pioneiro no uso de técnicas literárias no texto jornalístico.

Já tínhamos até escolhido um título: "Diálogos com o Último Dinossauro".

Há um ano, a gente falava da visita indesejada que bateu à porta do apartamento de Joel Silveira:


A VIDA IMITA O POEMA NA MORTE DE JOEL SILVEIRA: O AGENTE FUNERÁRIO CHEGOU NA HORA. E A PLACA DO CARRO ERA LFR 1236

Faz pouco tempo, descobri um belo poema de Lawrence Ferlinghetti. O poeta diz, com outras palavras, que o mundo é um belo lugar, mas um dia, cedo ou tarde, ele virá : o agente funerário sorridente.
E o agente veio. Acabo de sair da casa de Joel Silveira. Não quis ver a saída do corpo. A Santa Casa de Misericórdia avisou que o agente chegaria às duas horas. Pensei comigo: "Com a pontualidade brasileira, ele vai chegar lá para as quatro da tarde". Engano. Nem uma hora e cinquenta e nove minutos nem duas horas e um : eram duas em ponto quando o agente apertou a campainha, no apartamento de Joel Silveira, no sexto andar de um prédio da rua Francisco Sá, em Copacabana. O agente encenava, sem suspeitar, o poema de Lawrence Ferlinghetti. Era como se dissesse: tudo pode atrasar no Brasil, mas a morte, quando vem, chega exatamente na hora, sem tolerância. Nem um segundo de atraso.

Desci do sexto andar. Lá embaixo, tive o gesto inútil de observar a placa da Kombi branca da Santa Casa de Misericórdia: LFR 1236. A Kombi trazia, nas laterais, o nome da Santa Casa e o telefone: 0800 257 007.

Joel tinha inveja de um personagem de Vitor Hugo que, minutos antes de ser guilhotinado, dizia, resignado, que estava pronto para a execução,mas "gostaria de ver o resto". Ou seja: o personagem gostaria de descrever a própria morte. Que palavras Joel usaria ?

Quanto a nós, discípulos e aprendizes, já não há o que fazer, além de anotar a placa da Kombi : LFR 1236, três letras e quatro números amargamente inúteis.

Posted by geneton at 03:38 PM

janeiro 14, 2008

UMA ENTREVISTA SOBRE JORNALISMO, LIVROS-REPORTAGEM, INTERNET, CELEBRIDADES E TUDO O QUE VAI PELO AR

Do site de Paulo Polzonoff Jr (http://www.polzonoff.com.br/entrevista-com-geneton-moraes-neto.htm#more-1016):


"Conheci Geneton Moraes Neto num destes bons acasos que a internet é (ou era) capaz de propiciar. Estava em casa, na Urca, fazendo provavelmente nada, quando recebi um e-mail dele me convidando para jantar. Os desdobramentos desta história tiveram seus momentos de angústia e alguma tragédia. Mas a amizade permaneceu.

Desde então, sempre que nos encontramos, discutimos longamente sobre as coisas – este assunto delicioso que parte do cheiro de um queijo e, meia hora depois, está no centro de uma revolução capaz de derrubar um presidente. Por algum motivo curioso, nossas conversas são sempre regadas a café. Muito café.


Há muito tempo penso em colocar nossas conversas no papel. Mas há sempre algo impedindo. Geralmente, a preguiça e a má memória. Por causa do lançamento da mais recente coletânea de entrevistas de Geneton Moraes Neto, o Dossiê História, achei a motivação que me faltava.

A longa entrevista que se segue foi feita, infelizmente, à distância. Sem o café e sem as risadas. Pior: sem o grande nada que orienta nossas boas conversas. Nela, o leitor descobrirá um jornalista que todos os dias reza para Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, pedindo a ela que jamais – jamais – lhe tire a capacidade de encarar a vida como se estivesse vendo tudo pela primeira vez".


Antes de mais nada, sacie uma curiosidade: por que todos os seus livros são “dossiês”? De onde surgiu isto?

Gosto da palavra “dossiê” por duas razões básicas. Primeiro: ela soa bem. Segunda: a palavra tem uma óbvia ressonância jornalística. Quando eu estava preparando um livro que reunia documentos secretos de governos estrangeiros sobre o Brasil, fiquei em dúvida quanto ao título. Eu me lembro de que estava em Londres. De início, pensei em Arquivo Secreto. Mas resolvi batizá-lo de Dossiê Brasil. Três anos antes,em 1994, eu já tinha publicado o Dossiê Drummond. Tanto em um caso quanto em outro, achei que os títulos soavam bem. Eram diretos. E já davam uma idéia sobre o que os livros eram. De resto,o que faço nos livros-reportagem é produzir dossiês. Ou seja: “uma coleção de documentos referentes a certo processo, a determinado assunto ou a certo indivíduo”, como informa o Nosso Pai, o Dicionário Aurélio. A partir daí, adotei a palavra “dossiê” como uma espécie de bandeira (algo esfarrapada) que vou empunhando pela vida afora.

Por que você faz questão de deixar registrado em papel as entrevistas que faz para a TV?

Porque, se eu for fazer um teste de DNA, vou encontrar vestígios de jornalismo impresso no sangue. Comecei a trabalhar em jornal aos dezesseis anos, em 1972, no Diário de Pernambuco (é só fazer as contas: prazer, já sou uma ruína cinquentenária). O livro me parece a plataforma ideal para publicar entrevistas mais longas, reportagens “de fôlego”, descrições detalhadas. Eu diria que o livro se transformou em espaço nobre para a reportagem no Brasil. Estou nessa. Além de tudo, a palavra impressa não perdeu a nobreza. E dá a ilusão de permanência ao que foi escrito. Bem ou mal, os meus pobres dossiês estão armazenados, por exemplo, na Biblioteca do Congresso, em Washington (recentemente, dei uma rechecada na Internet, o acervo foi liberado para consulta on-line). É provável que jamais sejam consultados, mas, pelo menos, estarão devidamente guardados lá. Só posso esperar que uma bibliotecária caridosa deixe-os fora do alcance das traças. O que se fazia em televisão estava e sempre esteve condenado à transitoriedade absoluta. Mas há uma novidade importante no ar: hoje, graças a esta Oitava Maravilha do Mundo, a Internet, já é possível acessar e ressuscitar imagens que estavam fora do alcance de todos nós. É só dar uma passada no You Tube. Um dia, os arquivos das emissoras de TV estarão disponíveis on-line. Assim,o que se faz em TV terá uma sobrevida extraordinária. O motivo por que publico em papel as entrevistas, no entanto, não é apenas para ter a ilusão de permanência. Em última instância, o que me move é, pura e simplesmente, a paixão pelo texto impresso, o prazer de escrever e o gosto pela reportagem. Não sei fazer outra coisa. Lastimavelmente. “That´s all”.

Há uma grande discussão sobre o fim ou não dos livros em papel. Qual sua opinião sobre isso?

Se fosse dar um palpite, diria que o livro não vai acabar. Já dura séculos. Eu diria que é a maior invenção humana: portátil, relativamente barato ( pelo preço de um vatapá posso comprar um Thomas Mann), acessível, manuseável, perfeito. O surgimento de uma mídia não quer dizer necessariamente que as outras vão desaparecer. A TV não matou o rádio. O cinema não matou a TV. Nada matou o livro. Pode ser que um dia surja um livro eletrônico imbatível, mas, por enquanto, o monitor não é o lugar ideal para trezentas páginas de texto. Quanto aos jornais impressos, eu tinha certeza de que eles também não desapareceriam. Mas hoje uma dúvida incandescente consome minhas florestas interiores. Tenho a impressão de que os jornais, ao repetir mecanicamente o que nós já soubemos na véspera pela internet e pela tv, estão cavando a própria sepultura. O incrível é que caminham para o buraco “por livre e espontânea vontade”.

Você é novo no mundo dos blogs, com o seu site pessoal e com o blog coletivo Sopa de Tamanco. O que você tem achado deste universo? Como é esta experiência para você?

Não sou exatamente um blogueiro. Resolvi abrir meu boteco, o site www.geneton.com.br apenas para reunir, num lugar, entrevistas, textos e reportagens que estavam dispersos. Fiquei em dúvida sobre se valeria a pena. Hoje, acho que vale. Porque, se alguém fizer uma busca no Google por um dos entrevistados, gente como Paulo Francis, Joel Silveira ou Ivan Lessa, vai terminar parando no meu site, por algum desses mistérios internéticos. O site, então, serve apenas como eventual fonte de consulta para internautas que estejam à procura das celebridades que entrevistei. De vez em quando, faço textos. Não tenho tempo. Não tenho vocação. Não tenho disciplina para alimentar o site diariamente. O número de visitantes deve se irrisório. Mas não vou fechar o botequim. Minha idéia é deixar lá o maior número possível de entrevistas (minha especialidade). Já estou providenciando a digitação de entrevistas que, originalmente, foram escritas em máquina de escrever, há coisa de vinte anos, com gente como Darcy Ribeiro, Fernando Sabino, Millôr Fernandes, Mário Quintana, Gilberto Freyre & cia ilimitada. Em breve, estarão lá. Um dia, quem sabe, um ou outro internauta terminam aportando no site. Já o www.sopadetamanco.blogspot.com - que anda magro, porque os colaboradores deserdaram – é o botequim que a gente abriu para falar mal dos outros. Mas tenho dificuldade de produzir textos diários.

Sou, na verdade, vítima de uma grande deformação profissional – que acomete repórteres: só consigo escrever se, antes, tiver visto alguma coisa ou ouvido alguém. Fora daí, o mundo é uma imensa folha de papel em branco – que não me arrisco a preencher com meus rabiscos. Assim, creio que eu jamais teria uma “coluna diária” num blog ou num site.

Entrando no mérito do livro Dossiê História: todo o seu trabalho parece ter uma ligação muito forte com o passado. Isto vai um pouco na contramão do que as pessoas pensam do jornalismo: algo rápido e imediato, centrado no agora. Como surgiu este seu interesse pelo “jornalismo histórico”?

Talvez tudo tenha nascido da curiosidade que sempre tive sobre – por exemplo – personagens que viveram ou testemunharam grandes acontecimentos. É sempre fascinante ouvi-los. Tomara que eu não perca esta curiosidade. Porque, aí, eu terei sucumbido a uma doença terrível que grassa nas redações: a Síndrome da Frigidez Editorial. É uma doença que contamina as células de jornalistas entediados que acham que nada é interessante, nada deve ser relatado, nada é notícia. Coitados.

Quem você acha que é o seu público? As pessoas estão de fato interessadas na queda do Muro de Berlim, na renúncia de Collor e na II Guerra Mundial?

Não tenho idéia. Quando a gente escreve, sempre imagina quem será o leitor. É um exercício tentar adivinhar quem é este ser fugidio que, no fim das contas,consome quase todas as nossas energias. Quem será o leitor típico? Quantos anos terá? O que pensa? O Dossiê Brasília, livro que reunia as entrevistas com quatro ex-presidentes, vendeu algo em torno de 28 mil exemplares, se não me falha a memória. Para mim, é uma multidão inimaginável. Imagino a arquibancada de um estádio de futebol lotada por vinte e oito mil pagantes. Tremo nas bases. É um delírio bobo. Aliás, mil leitores, para mim, já formam uma legião respeitabilíssima. Imagino um teatro lotado. Lá estão mil leitores. Jamais, sob hipótese alguma, teria coragem de subir ao palco para encará-los. Mas, se tivesse a chance, gostaria de observá-los de longe, instalado na décima-oitava poltrona da qüinquagésima oitava fila.

Por falar em Collor, no livro Dossiê Brasília Collor disse que jamais se canditaria a um cargo novamente. E, no entanto, ele não só se candidatou como também foi eleito para o Senado. Como você vê isto?

A palavra de políticos pode ser volátil. Eis um exemplo. Naquele momento, ele parecia decidido a não voltar à política, porque deu esta declaração num tom incisivo. Independentemente de qualquer coisa, eu diria que Fernando Collor é um personagem jornalisticamente interessante, por tudo o que ele reúne de trágico. Um jovem de quarenta anos ganha nas urnas o direito de governar um país que não chega a ser uma republiqueta (se bem que nosso complexo de inferioridade insista em nos rebaixar). Mas joga pela janela a chance de entrar para a história. Há um componente trágico nesta saga.

Você acha que, do mesmo jeito que fez uma entrevista às claras com Sarney, Collor, Itamar e Fernando Henrique, poderá um dia fazer uma entrevista às claras com Lula?

Eu espero ter a chance de fazer. Já fiz uma entrevista com Lula, em 1978, quando ele era uma estrela sindical, logo depois de ter comandado as famosas greves dos metalúrgicos. Cobri a primeira visita que o pernambucano Lula fez a Pernambuco depois de ficar famoso. Eu me lembro de que ele parecia meio “desbocado”, informal, um brasileiro comum. Dizia palavrões. Ao visitar Dom Hélder Câmara, o arcebispo que fazia oposição ao regime militar, Lula apresentou o filho, uma criança : “Dom Hélder, este é Sandro, meu filho. O nome é de costureiro, mas ele é macho!”. Ou seja: Lula não era nada protocolar. De certa maneira, ele mantém este traço. É óbvio que é um personagem jornalisticamente interessante, pelo trajeto que cumpriu. Espero ter a oportunidade de incomodá-lo, com meu gravador, quando ele estiver aposentado, em São Bernardo.

No Dossiê Brasília, Itamar revela que um grupo de deputados sugeriu que o Congresso Nacional fosse fechado. É uma declaração séria. Você acha que ela teve a repercussão que merecia?

Não. As entrevistas publicadas no livro Dossiê Brasília,como eu disse, nasceram de gravações feitas originalmente para o Fantástico. O livro chegou ao primeiro lugar em todas as listas de mais vendidos. Mas a imprensa praticamente o desconheceu. Há uma evidente má vontade dos jornais e revistas na hora de registrar a existência de livros ligados à TV. Devem achar que são coisas menores, sem mérito. Tudo bem. Noventa por cento dos jornalistas passam a maior parte do tempo jogando notícia no lixo. Faz parte da natureza da profissão. Mas o chamado “público leitor” respondeu super-bem. Só tenho a agradecer. Independentemente de qualquer coisa, eu precisava fazer o livro: creio que seria um crime de lesa-memória deixar que a íntegra das entrevistas mofasse no arquivo da TV. Só usamos na TV uma fração do que foi gravado, porque seria impossível levar tudo ao ar, por absoluta falta de tempo. O livro Dossiê Brasília me deu a chance de publicar tudo na íntegra, palavra por palavra, além de descrever cenas de bastidores e registrar impressões do repórter. Idem com o recém-lançado Dossiê História.

Voltando à idéia do “jornalismo histórico”. Você acha que o tempo ajuda a preencher lacunas que o jornalismo mais imediato ignora? Neste sentido, o Dossiê História traz alguma revelação que você julga importante?

Claro. A história nunca deixa de ser escrita. Há sempre detalhes novos que podem iluminar a compreensão dos fatos. O ponto forte do Dossiê História, acho, é a visão pessoal de personagens de grandes acontecimentos. Os grandes fatos históricos não são abstrações frias narradas em livros embolorados. Pelo contrário. Gestos épicos e trágicos – como, por exemplo,a invasão da Rússia pelas tropas de Hitler – foram executados por gente com nome e sobrenome, como, por exemplo, Henry Metelmann, o ex-soldado nazista que entrevistei numa cidadezinha do interior da Inglaterra. Como é que estes personagens descrevem fatos que mudaram o mundo ? Creio que esta é a “revelação” que o Dossiê História traz: o relato estritamente pessoal de quem tem autoridade para falar, porque viveu ou testemunhou estes grandes acontecimentos.

No Dossiê História“>Dossiê História, o 11/9 tem papel de destaque. Você acha que o episódio marcou o início do século XXI ou o fim do século XX? Será que não superdimensionamos o atentado por causa da proximidade do tempo e da abundância de imagens dele?

O Onze de Setembro marcou o início do Século XXI. O Século XX tinha acabado, simbolicamente, com a queda do Muro de Berlim. Houve quem, apressadamente, achasse que a história tinha terminado. Não terminou. A aparição espetacular do radicalismo islâmico mudou a geopolítica. O atentado não foi superdimensionado por um motivo simples: jamais houve um ataque de tal envergadura.

Há dezenas de teorias conspiratórias envolvendo o atentado ao World Trade Center. Você acha que alguma delas merece crédito do ponto de vista jornalístico? Há alguma que você gostaria de investigar?

Não. Assim como aconteceu com o assassinato de John Kennedy, o 11 de Setembro já gera uma vasta subcultura de teorias delirantes. Já vi gente dizendo coisas absolutamente estúpidas e insustentáveis, como, por exemplo, que os próprios Estados Unidos tinham armado o atentado para poder atacar militarmente países hostis. A coleção é enorme. O atentado foi exaustivamente investigado. Eu li a maior parte do relatório oficial ( uma boa leitura, aliás: o 9/11 Comission Report, disponível nas boas livrarias do exterior, foi escrito como se fosse uma reportagem). Não há qualquer duvida de que o atentado foi tramado – competentemente, aliás – pela Al-Qaeda.

Você entrevistou várias pessoas que conheceram o articulador do atentado, Mohammed Ata. Que imagem do terrorista você, Geneton, acabou construindo, depois destas entrevistas?
Depois de entrevistar, em Hamburgo, gente que conviveu intimamente com um dos principais executores do atentado, o ex-estudante de arquitetura Mohammed Atta, um egípcio que queria proteger a cultura árabe de qualquer influência ocidental, devo dizer que notei uma certa complacência – ou pelo menos, simpatia – de professores e colegas em relação a ele. Atta não era a figura clássica do terrorista. Aparentava até uma certa fragilidade. O professor me disse que ele dava a impressão de ser um jovem imigrante que, por seguir o islamismo com fervor, sentia-se certamente deslocado numa cidade liberal e rica como Hamburgo. Procurava respostas. Terminou caindo no que o professor chama de “armadilha” de pregadores radicais numa mesquita. Daí para o recrutamento pela Al Qaeda foi um passo. A Al Qaeda tinha um recrutador em Hamburgo! Em pouco tempo, Atta estava fazendo viagens secretas ao Afeganistão. Caiu nas graças de Bin Laden porque era o executor ideal para o atentado: falava inglês e alemão com fluência, estava estudando numa universidade insuspeita na Alemanha, certamente entraria sem dificuldades nos Estados Unidos. Atta atendia ao requisitivo principal: estava disposto a se “martirizar” numa operação terrorista de proporções inéditas. E assim foi feito.

O nazismo é o outro grande assunto do seu livro. Tenho a impressão de que, no Brasil, é um assunto tido como menor. Você concorda?

Eu não diria que é visto como um “assunto menor”. Quem se interessa minimamente por história sabe que, em última instância, a ascensão do nazismo – e tudo o que decorreu daí – foi o acontecimento mais importante do Século XX.

Por que, para você, o nazismo é interessante jornalisticamente? Não há quem diga que é algo remoto, sem conexão com o século XXI?

O nazismo é jornalisticamente interessante porque, ao revirar a história da guerra, por exemplo, a gente encontra personagens jornalisticamente interessantíssimos . Talvez a entrevista mais marcante do Dossiê História seja com o filho de um dos maiores carrascos nazistas, Hans Frank, o chamado “Açougueiro da Polônia”, um monstro que foi responsabilizado pela morte de milhões de seres humanos nos campos de extermínio. Gravei uma longa entrevista com Niklas Frank, o filho de Hans Frank, num povoado perdido no interior da Alemanha. É um belo personagem: não se conforma com o que o pai fez, não aceita até hoje o que Alemanha nazista fez. Diz que, se pudesse, condenava o pai a morrer pela segunda vez. Hans Frank foi condenado à forca no Tribunal de Nuremberg. Niklas Frank é um exemplo extremo de que o nazismo não é um fato tão remoto, sem conexão com o Século XXI. Pelo contrário.

Você acha que o nazismo, ou melhor, a II Guerra como um todo, ainda esconde segredos?

Diria que sim. Eu morava em Londres em 1995, quando a Europa comemorava os cinqüenta anos do fim da guerra. Sem exagero: a cada semana, apareciam novas histórias, novos personagens. A guerra é um assunto fortíssimo na Europa.

Percebi, nas histórias que envolvem o nazismo, certa fascinação pela contradição, ainda presente, entre o cidadão pacato e o assassino que, cumprindo ordens ou não, cometeu diversas atrocidades. Este é um ponto de especial interesse para você? Por quê?

Personagens contraditórios são um prato cheio para repórteres em busca de boas histórias. Porque fogem do óbvio. Um velhinho pacato que, na época em que servia ao exército de Adolf Hitler, cometeu atrocidades contra gente inocente será sempre objeto de fascinação jornalística. A reportagem vive de personagens assim.

Em sua viagem pela Europa em busca de personagens, houve alguém que você quis entrevistar e não conseguiu ou se negou a dar entrevistas?

Já levei “nãos”, claro, mas não desta vez. Terminamos entrevistando todos os personagens que queríamos encontrar. Dos “nãos” que levei, eu me lembro de um que veio de um ídolo da infância: Jerry Lewis, o comediante que vi em tantas matinês no Cinema da Torre, no Recife, quando era criança. Tentei entrevistá-lo quando ele passou por Londres para uma mini-temporada num teatro. A assessora me mandou um bilhete dizendo, secamente, que Mr. Lewis não iria me dar entrevista porque iria concentrar suas atenções na imprensa inglesa – que atingiria o público-alvo do espetáculo. A viúva do assassino do presidente Kennedy me pediu quinze mil dólares para falar. Não deu. Tom Wolfe, o jornalista-escritor, não se deu ao trabalho de atender ao telefone. A secretária de Saul Below me mandou uma carta dizendo que ele estava sem tempo. O assessor de imprensa de Paul McCartney prometeu vagamente mas não deu retorno. E assim por diante.

Aliás, como é conseguir entrevistas para uma desconhecida TV no Brasil. Como é a recepção por parte dos entrevistados? Você enfrentou alguma dificuldade neste sentido?

Ser um repórter de um país remoto pode funcionar a favor. Não é nada incomum entrevistados reagirem com surpresa aos serem procurados. Não tenho queixas sobre a recepção.

O último texto do livro, uma entrevista com Carl Bernstein, que ajudou a derrubar o presidente Richard Nixon, foi incluído de última hora. A entrevista também parece ter caído no seu colo meio que por acaso. Como foi isto?

A entrevista não caiu no meu colo por acaso. Quando eu soube que ele viria ao Brasil, tratei de ir a São Paulo. Vi a conferência. Gravei uma entrevista longa. Sem querer parecer cabotino, devo dizer que, ao final da gravação, ele disse que aquela tinha sido “uma das melhores entrevistas” que ele já tinha gravado para uma tv. Depois, para minha surpresa, ele telefonou para a minha casa e me mandou um e-mail. Queria me convidar para um jantar. Eu me senti como um zagueiro do Sport Club do Recife que tivesse sido convidado por Pelé para uma conversa. Tudo o que ouvi de Carl Bernstein foi parar no Dossiê História. As coisas que ele disse servem de lição, especialmente para jovens jornalistas. “Recomendo fortemente”.

Durante muito tempo, Berstein foi a personificação do Quarto Poder. Você acredita que tal coisa exista ainda hoje? Um jornalista nos Estados Unidos poderia derrubar novamente um presidente nos EUA? E no Brasil?

Poderia, sim. Não se deve menosprezar o poder de fogo da imprensa. Uma revelação sensacional sobre um político, um executivo ou um candidato pode,sim, acabar com uma carreira. O sonho secreto de todo jornalista é derrubar um presidente – nem que seja de um clube de futebol de segunda divisão.

Ao final do livro, você diz que é preciso, ao jornalista, encarar a vida como se estivesse vendo tudo pela primeira vez. Você acha que a nova geração de jornalistas ainda se espanta com as coisas? Trazendo a pergunta para dentro do livro: você não acha que a própria cobertura do atentado contra o World Trade Center acabou por banalizar a notícia? Parece que ninguém se espanta com mais nada. Tudo é tão natural…

Jornalistas que se deixam contaminar pelo tédio estão mortos para a profissão. Deveriam procurar outra atividade, com urgência. Assim, deixariam de maltratar a notícia, deixariam de jogar no lixo histórias interessantes, deixariam de sonegar informações aos leitores. O bom jornalista é o que olha a vida como se estivesse vendo tudo pela primeira vez. Não há exceção a essa regra.

Sempre que perguntam ao Millôr Fernandes que conselho ele daria a um jovem jornalista, ele diz: “Tenha sorte”. Você acha que é um bom conselho ou você tem um próprio?

É um bom conselho. Mas há outro, específico para jornalistas. Quem deu foi um jornalista inglês. Chamava-se Louis Heren. Já bateu as botas. É assim: “Toda vez que estiver ouvindo presidentes e ministros, líderes sindicais ou empresários, iogues ou delegados de polícia, o repórter deve sempre perguntar a si mesmo: por que será que estes bastardos estão mentindo para mim?”.

A outra pergunta aprendi com Paulo Francis. Se fosse capaz de articular uma frase cinco minutos depois de nascer, ele gostaria de ter perguntado aos presentes, ainda na maternidade: “Quem disse que eu queria vir pra essa joça ?”.

Eu diria que esta é a grande pergunta - que me faço todo dia, diante do espelho. Como nunca encontrei a resposta, pego o gravador, vou pra rua à procura de bons personagens, faço as perguntas que julgo necessárias, ouço tudo com toda atenção, mas, lá no fundo, fico repetindo para mim mesmo,como se fosse um mantra: “Por que será que estes bastardos estão mentindo para mim?”.

Posted by geneton at 01:22 PM

dezembro 13, 2007

CHATA, CHATA, CHATA

A música brasileira anda chata, chata, chata de marré deci.

Desaprenderam.

Posted by geneton at 12:01 PM

novembro 28, 2007

UM ANTI-PRÊMIO PARA NORMAN MAILER....

O site da BBC Brasil informa:

"Mailer ganha prêmio por pior descrição de sexo

O escritor americano Norman Mailer, morto no início deste mês, foi o vencedor do prêmio 'Bad Sex in Fiction Award', pela pior descrição de um ato sexual na literatura de ficção em inglês.
Mailer foi agraciado com o prêmio, distribuído pela revista de literatura britânica The Literary Review, por um trecho de sua última obra, The Castle in the Forest, ainda sem tradução no Brasil".

(aqui: http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/11/071128_mailersexo_ba.shtml)


Uma dúvida: o que aconteceria se o prêmio fosse estendido para autores de língua portuguesa ?

Posted by geneton at 12:19 PM

novembro 27, 2007

DOSSIÊ HISTÓRIA, O LIVRO-REPORTAGEM: A PALAVRA DE TESTEMUNHAS E PERSONAGENS DE FATOS QUE ABALARAM O MUNDO!


O locutor-que-vos-fala interrompe a programação normal para dar uma notícia que parece movida por interesse próprio, mas não é. O leitor caridoso pode se interessar também!

Chega às livrarias esta semana o DOSSIÊ HISTÓRIA , um livro-reportagem que traz o que a TV, por absoluta falta de tempo, não mostra: depoimentos completos, na íntegra, sem qualquer corte. Cenas de bastidores. O que se esconde por trás das reportagens. Os personagens do livro-reportagem são testemunhas e personagens de acontecimentos que, literalmente, abalaram o mundo.

O DOSSIÊ HISTÓRIA - um lançamento da Editora Globo - traz depoimentos do professor de Mohammed Atta, o estudante de aparência pacata que viria a se transformar no chefe dos terroristas que perpetraram o maior ataque terrorista da história, o 11 de Setembro. Atta, um egípcio, chegou à Alemanha para estudar arquitetura. Terminou recrutado por um olheiro da Al-Qaeda. Virou um terrorista suicida. Além do professor, o livro publica entrevistas completas com gente que conviveu intimamente com Mohammed Atta: um retrato falado do super-terrorista.

Você vai encontrar também, no DOSSIÊ HISTÓRIA, um depoimento do palestino que ouviu os segredos de Bin Laden numa caverna no Afeganistão. O que Bin Laden terá dito a ele ? E mais: uma entrevista com o agente alemão que tentou mas não conseguiu salvar os atletas israelenses atacados por terroristas palestinos nas Olimpíadas de Munique; as confissões do ex-soldado nazista que, aos oitenta e cinco anos, fala sem meias palavras sobre as atrocidades que cometeu;
o desabafo do filho de um carrasco nazista que até hoje faz companha contra o pai; o drama da mulher que descobriu que tinha um criminoso de guerra na família. Também: a palavra do militante que causou escândalo na Europa ao declarar que estaria disposto a se sacrificar como homem-bomba. Por fim, o DOSSIÊ HISTÓRIA traz um capítulo extra com um personagem que dá um aula de jornalismo: o "jornalista que derrubou um presidente".

Sou suspeitíssimo para falar, mas, dou um palpite: vale a pena embarcar nesta expedição rumo aos bastidores da história.

DOSSIÊ HISTÓRIA não é tese nem análise. É cem por cento reportagem. O jornalismo vive de quê ? De memória. O papel do repórter, como se sabe, é tentar reconstituir da melhor maneira possível o que aconteceu de importante. Não existe fonte melhor do que a palavra de quem viu e ouviu.

E a palavra de quem viu e ouviu é justamente o que você encontrará em DOSSIÊ HISTÓRIA - que começa a chegar agora às melhores casas do ramo.

Fim do intervalo.

Posted by geneton at 07:40 PM

novembro 26, 2007

A CENA MAIS PATÉTICA DO MUNDO

A ex-"namorada" do ex-presidente do Senado publica um livro em que diz que um ficava olhando nos fundos dos olhos do outro, enquanto ouviam música:

"Nossa música marcante foi a do filme "Lisbela e o Prisioneiro". Misturávamos as nossas vozes com a do Caetano e cantávamos, baixinho, olhando no fundo dos olhos do outro: "Agora, que faço eu da vida sem você? Você não me ensinou a te esquecer. Você só me ensinou a te querer, e te querendo eu vou tentando me encontrar...".

Como diriam os ingleses num momento de espanto, "gosh!!!".

Independentemente de qualquer outro tipo de julgamento, a leitura deste parágrafo, reproduzido hoje em blogs e colunas, me trouxe à lembrança a cena mais patética que já presenciei desde que pus as patas neste planeta. Uma vez, num restaurante a quilo cheio de gente, um marmanjo e a acompanhante ficaram exatamente assim: um olhando nos olhos do outro, por intermináveis minutos, sem dizer palavra, com ar de pombinhos. ...

Se aquela menininha que fazia ponta antigamente nos Trapalhões reaparecesse ali, no restaurante, com toda certeza diria : "Bíiito....".

Se Nélson Rodrigues ressuscitasse, diria o que disse uma vez numa redação: "Patético!!!".

Garçons se movimentavam levemente constrangidos, ao redor da mesa, à espera de que o casal de pombinhos resolvesse parar a encenação para pedir um refrigerante, por exemplo.

Vizinhos de mesa bem que tiveram vontade mas guardaram para si, educadamente, a vontade de dizer : "Já começou a ficar ridículo. Se não for incômodo, vocês poderiam, por favor, ligar para o Departamento de Senso de Ridículo para pedir que eles mandem socorro imediatamente ? ".

Mas não. Ficaram todos calados. Todo mundo olhando de lado e fazendo de conta que a cena não era patética.

A espécie humana - já disseram - é inviável.

Sempre foi.

E será.

Posted by geneton at 12:19 PM

novembro 23, 2007

O GRANDE SHOW DO POLICE

Há uma grande promoção em andamento: "Quer assistir ao show do Police de graça ?".

Resposta: não!

Nem de graça nem pagando.

Posted by geneton at 12:22 PM

FILOSOFIA BARATA: A VIDA, NO FIM DAS CONTAS, NÃO PASSA DE UMA GLORIOSA COLEÇÃO DE INUTILIDADES. QUER VER ?

Sou capaz de citar de memória a escalação completa do time do Sport Clube do Recife de 1968: Miltão; Baixa, Bibiu, Gílson e Altair: Válter e Vadinho; Dema, Zezinho, Acelino e Fernando Lima.

Faz quase quarenta anos que tento encontrar algum uso para esta lista de nomes.

Não encontrei até agora.

Nunca apareceu a chance de ir a um programa de televisão para responder à pergunta fatal que me daria um milhão de reais em prêmio: quem era o ponta-esquerda do time do Sport que ganhou o Nordestão de 1968 ?

Eu diria, depois de uma pausa dramática de quinze segundos: "Fernando Lima!".

O apresentador exclamaria: "Absolutamente certo!!!".

Com o dinheiro do prêmio, eu iria morar numa casa de quarto e sala na zona rural de Santa Maria da Boa Vista, sem celular e, principalmente, sem televisão. Lá, passaria o resto dos anos à espera de uma visita da Charlotte Rampling dos anos setenta, miraculosamente rediviva.

Charlotte não apareceria, é claro. O dinheiro um dia iria se acabar.

E eu teria de me inscrever de novo num programa de perguntas-e-respostas,em que um apresentador faria a pergunta fatal:

quem era o médio-volante do time do Náutico que foi vice-campeão da Taça Brasil de 1968 ?

Depois de dezoito segundos de pausa, eu diria : "Rafael!".

O apresentador diria: "Absolutamente certo!".

E começaria tudo de novo.

Posted by geneton at 12:11 PM

novembro 22, 2007

PROCURA-SE : O MAIOR INIMIGO DO JORNALISMO

Uma verdade cientificamente comprovada e facilmente demonstrável: o maior inimigo do Jornalismo é o jornalista.

Pelo seguinte: o jornalista é o único ser bípede capaz de jogar sistematicamente histórias interessantes no lixo.

Quem achar que é exagero que pergunte a qualquer terráqueo que tenha passado quinze minutos numa redação.

Em breve, detalhes.

Posted by geneton at 12:26 PM

ENQUETE MUNDIAL DA BBC

O site da BBC faz uma enquete:

"Você deixaria de comer carne para beneficiar o meio ambiente ?"

É óbvio que não. Que pergunta !

Uma picanha bem passada, por favor.

Posted by geneton at 12:26 PM

A PRAGA INTERATIVA : CHEGA DE PESQUISAS INÚTEIS!

Meus neurônios, provavelmente combalidos por falta de uso, não retiveram a informação. "Falha nossa". Não me lembro onde, mas, com certeza, li há algum tempo o desabafo de um leitor/ telespectador que dizia o seguinte: não existe coisa mais chata do que este festival interminável
de pesquisas inúteis em todos os sites,todos os portais,em dezenas de programas de TV.

Ninguém consegue navegar tranquilo sem ser importunado por um chato invisível que quer saber: você passaria as férias na Nicarágua ? Você usa açúcar ou adoçante ? Quantos copos de água você bebe por dia ? Pais devem deixar os filhos saírem sozinhos de madrugada ? O presidente deve ter outro mandato ? A China deve mandar um astronauta para a lua ? Quantas horas por dia você dorme ? A ONU deve se mudar de Nova York ? E blá-blá-blá.

Qual é o valor dessas pesquisas ? Nenhum. O que significam ? Nada. Quem aprenderá alguma coisa com elas ? Ninguém.

Mas pode fazer o teste: dê uma passada num site qualquer de notícias. Lá estarão as tais enquetes, à espera de que algum desocupado as responda.

Perda de tempo.

Por falar em enquete: você acha que a Venezuela deve ou não entrar no Mercosul ? E Luana Piovani ? Deve ou não processar a turma do Pânico na TV ?

Posted by geneton at 12:25 PM

novembro 20, 2007

FATO CIENTÍFICO

Cientificamente comprovado: o mundo é dos idiotas !

Posted by geneton at 12:27 PM

novembro 19, 2007

O SOPA DE TAMANCO SAI NA FRENTE: COMEÇA AQUI A GRANDE CAMPANHA "LEI SECA, JÁ!", EM PROTESTO CONTRA ANÚNCIOS IDIOTAS DE CERVEJA! ALISTE-SE AGORA!

Fiz um juramento inútil :nunca, jamais, sob hipótese alguma, comprarei uma garrafa de cerveja. É um protesto pessoal, inútil e intransferível contra a maciça campanha de idiotização coletiva movida pelos fabricantes de cerveja em conluio com publicitários metidos a engraçadinhos.

Não estou exagerando: os anúncios de cerveja são um insulto a tudo que possa parecer bom gosto, inteligência e humor.

Conselho às crianças: os melhores gestos são aqueles aparentemente inúteis. Em geral, são os únicos que valem a pena. Então, Lei Seca já ! Aliste-se agora!

O Sopa de Tamanco já fez a lista da estupidez. O Bar da Boa ( Deus do céu, o que é aquilo ?). "Zeca-Feira" ( ahg........). Quem foi o idiota que achou que alguém chamaria de "Zeca-Feira" o dia de beber cerveja ? Eis um exemplo clássico de publicitário tentando ( e não conseguindo) criar um bordão. Para dizer a verdade, criou: o bordão dos imbecis. Só um débil mental diplomado usaria a expressão "Zeca-Feira".

Agora, para acrescentar mau gosto à estupidez, uma nova peça da campanha da cerveja usa o ator de "Tropa de Elite" num trocadilho infame com o verbo "matar".

Justiça se faça: as agências que produzem estes anúncios de cerveja não são as únicas a chamar os leitores e telespectadores de idiotas.

Dou uma navegada em blogs. Há outros blogs chamando a atenção para um anúncio que já foi tema de um comentário aqui no Sopa de Tamanco: o da Toyota, em página dupla na "Veja" dessa semana.

O gênio que escreveu o texto disse lá que o importante é "encarar de frente".

Quantos mil dólares a Toyota terá pago por esta frase ?

Nós estamos todos enganados ou nunca, na história deste país, houve tantos anúncios estúpidos em série ?

O pior de tudo não são os anúncios em si. É ver publicitários falando como se fossem gênios.

( a luz amarela acendeu desde que, há algum tempo, vi um publicitário de blusinha justa passar uma hora e meia - verdade! - tentando demonstrar a um auditório de estudantes a genialidade de um anúncio em que uma tartaruga faz embaixadinha com uma lata de cerveja......Pensei com meus botões : eis o fim da civilização ocidental, tal como era conhecida até hoje). Tudo bem que, num momento de escassez de inspiração, um publicitário invente um anúncio em que uma tartaruga faz embaixada com a lata. Mas, em nome de Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, por favor, não venham nos dizer que aquilo é uma obra de arte.

O tempo só veio confirmar que, desde então, as coisas pioraram sensivelmente.

Posted by geneton at 12:29 PM

DIZEI, NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO ESPANTO!

Uma dúvida irremovível: dizei, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, o que é que leva um ser bípede e falante a posar para uma revista de "celebridades" diante de uma mesa de café-da-manhã fake ? Qual é a força que move aquele aglomerado de ossos e músculos a fazer este papel ?

Dou-lhe meio século para achar uma resposta razoável.

Posted by geneton at 12:28 PM

novembro 14, 2007

UM LIVRO QUE É UMA VIAGEM: "AFINAL, O QUE VIEMOS FAZER EM PARIS?".

Acaba de sair do forno uma delícia de livro. Título: "Afinal, o que Viemos Fazer em Paris ?". Autor: Alberto Villas. Editora: Globo. Para quem não ligou o autor à obra: Alberto Villas, jornalista, revelou-se um memorialista "de mão-cheia" em "O Mundo Acabou". Ali, ele mistura memória pessoal com memória social com talento, leveza, humor - e competência.

Agora, em "Afinal, o Que Viemos Fazer em Paris", ele parte para uma nova empreitada memorialística sobre um período riquíssimo que viveu: um exílio voluntário em Paris, a partir do início dos anos setenta, época em que os militares diziam para o Brasil o que o Rei da Espanha disse para o presidente da Venezuela outro dia: "Por que não te calas ?".

O projeto gráfico do livro é um show. Os textos, divididos em blocos, fluem sem atropelo. Bom livro, afinal de contas, é o que dá prazer de ler. "Afinal, o que Viemos Fazer em Paris? " dá. É o que basta. Comecei a ler. Não dá vontade de parar.

O livro funciona como uma "madeleine", aquele gatilho que desperta imediatamente uma fileira de lembranças. Em um minuto, volto no tempo para 1980, ano em que o locutor que vos fala embarcou, também em "exílio" voluntário, rumo a Paris.

Eu me lembro do primeiro choque térmico e cultural: um amigo - que morava com a namorada australiana no terceiro andar de um prédio em ruínas desprovido de chuveiro num ruela sem movimento - organizava, uma vez por semana, uma "expedição" rumo aos chuveiros públicos. Íamos a pé. Cada um levava uma toalha, o sabonete, o desodorante e uma muda de roupa embrulhados num saco plástico. Lá, em troca de um punhado de francos, o forasteiro podia tomar banho cronometrado: dez minutos depois de ligado o chuveiro, o fiscal batia na porta para avisar que chega, a fila estava grande, era preciso dar lugar ao africano que esperava a hora de mergulhar na ducha.

Eu me lembro de Manoel, um brasileiro que passava doze horas por dia trancado num quarto insalubre de hotel tocando num fagote as Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos. Uma vez, ele bateu na porta do meu quarto de madrugada para avisar que conseguira o grande feito: tinha finalmente descoberto como fazer os telefones públicos da Place D´Italie ligarem de graça para o Brasil. Corremos para as cabines telefônicas na madrugada gelada. Passamos seis horas usando o orelhão. Só saímos quando o dia amanhecia. Merci bien, France Telecom! Deus te pague! Um brasileiro descarado ainda tentava teorizar sobre o absurdo que cometíamos nas cabines telefônicas : "Os países ricos vivem explorando o Terceiro Mundo. É hora de a gente receber alguma coisa de volta!".

Eu me lembro de ter visto Bob Dylan cantando "Like a Rolling Stone" num estádio enquanto um grupo de holandeses incendiava os pulmões de haxixe a um passo de onde eu estava, no meio do gramado, assustado com a desfaçatez. A polícia não notou a fumaça dos holandeses. Gravei imagens mudas e tremidasd de Bob Dylan com uma câmera Super-8. Nunca as usei para nada.

Eu me lembro de ter visto Pelé dando a volta olímpica no estádio para agradecer o título de Atleta do Século, antes de um jogo da seleção brasileira contra a da França. O Brasil ganhou.

Eu me lembro de ter testemunhado a aparição de um Glauber Rocha com rosto inchado e cara de sono, numa sala de cinema perto da Gare de Lyon, para uma sessão privê de A Idade da Terra, numa manhãde sábado de inverno.

Eu me lembro de ter olhado com algum deslumbramento para o festival de pichações políticas nas paredes da Universidade de Nanterre, no meu primeiro dia de aula de um curso de Cinema que jamais concluí. Uma das pichações mais visíveis convocava: "Aliste-se no Partido Comunista!". Naquela época, o Partido Comunista ainda era clandestino no Brasil. Eu nunca tinha visto algo assim numa universidade brasileira. Pensei: "Democracia!".

Eu me lembro de um brasileiro que não sabia quase nada de francês comentando, espantado, que nunca tinha visto tanta escola de garçom como em Paris. "Não é à toa que os restaurantes franceses são tão badalados. Com tanta escola de garçom desse jeito...". O brasileiro só não sabia que aquilo era Escola para Meninos ( "garçons", em francês). Nada a ver com garçom de restaurante.

Eu me lembro de ter arranjado dois empregos, ambos, claro, clandestinos: o primeiro como camareiro de um hotel numa rua chamada Champollion, ao lado da Sorbonne, no coração do Quartier Latin. Era duro fazer vinte e seis camas nos dias azuis de verão, em que o hotel ficava lotado de americanos e japoneses que comiam pão nos quartos e, para meu desespero, espalhavam farelo pelo carpete, o que exigia um trabalho extra com o aspirador de pé. Uma semana depois de me aceitar como camareiro, o dono de hotel, um homem chamado Ortega, fez uma confissão inconfessável: disse-me que, se o hóspede só passasse uma noite no hotel, eu não deveria trocar o lençol da cama. Bastava inverter o lado do lençol, esticá-lo ao máximo para dar ao próximo hóspede a impressão de limpeza e pronto. O dono queria economizar energia da máquina de lavar. O segundo emprego foi como motorista de uma família rica que tinha um filho "excepcional", Douglas. Já era um rapaz. Não falava nem andava. Meu trabalho era embrulhar Douglas num saco de dormir para protegê-lo do frio, carregá-lo nos braços dentro de um elevador minúsculo e levá-lo de carro até a um hospital que ficava a uns quarenta minutos de Paris. A rua em que a família morava se chamava Yvette. O metrô: Jasmin. Nem carteira de motorista internacional eu tinha. Só a brasileira - que não valia na França. Um dia, a polícia se aproximou do carro. Gelei até a alma. Mas, quando viam o menino, guardas se retiravam, sem nos importunas. Intimamente, eu vibrava: "Deus é brasileiro!". Se um guarda cismasse de me pedir a carteira de motorista, era problema na certa.

Eu me lembro de ter visto um bêbado anunciando, sozinho, para os frequentadores de um café, perto do Boulevard Saint Michel : "O grande ator americano Steve McQueen morreu!". O bêbado tinha acabado de ler a notícia num jornal. Eram sete da manhã. Eu estava lá para tomar um café apressado, porque pouco depois teria de me apresentar à "Prefeitura de Polícia" para tentar renovar meu visto. Fiquei lembrando das velhas sessões no Cinema da Torre,no Recife: a platéia batia palmas a cada vez que Steve McQueen escapava de soldados nazistas.O filme se chamava "Fugindo do Inferno". Agora, um bêbado me dava a notícia de que o meu ídolo das matinês estava morto.

O café estava mergulhado em fumaça. Lá fora, fazia um frio de rachar. Era novembro, se não engano.

Eu sabia o que estava fazendo em Paris: sem imaginar, tinha viajado doze horas de avião para, meses depois, ouvir um bêbado me dizer que Steven McQueen tinha morrido. C´est la vie.


O que é que o livro "Afinal,o que Viemos Fazer em Paris? " tem a ver com essas cenas todas ?

Tudo e nada. Livro bom é o que acende um rastilho de lembranças. É o que a nova investida memorialística de Villas acaba de fazer.

Bola na rede.

Posted by geneton at 06:32 PM

novembro 10, 2007

O MAL QUE O ALCOOLISMO CAUSA AO JORNALISMO AMERICANO

O alcoolismo continua fazendo mal ao jornalismo.
Exemplo: o crítico da revista Time que elogiou um disco do cantor Max de Castro com toda certeza estava sob influência de doses maciças de álcool.

Só pode ter sido.

Posted by geneton at 12:35 PM

CRISE SEM PRECEDENTES NA PUBLICIDADE BRASILEIRA

O Sopa de Tamanco já escreveu que a publicidade brasileira enfrenta uma crise sem precedentes - que se arrasta por anos e anos. Parece exagero. Não é não.
É só ligar a TV, abrir os jornais ou passar os olhos nos anúncios das revistas.

Um anúncio do jornal o Estado de S.Paulo, publicado faz anos, trazia uma vírgula entre sujeito e verbo, erro inadmissível em redatores que, com certeza, se julgam gênios. O texto dizia algo como "e o Estadão, continua....".


Tempos depois, a agência que atende ao mesmíssimo Estado de S.Paulo lança um dos slogans mais idiotas de todos os tempos - aquele que elogia quem "pensa Ão". É o tipo da tentativa fracassadíssima e pouco inspirada de criar um bordão. Mas somente idiotas seriam capazes de dizer coisas como :"Vou ler um livro de fulano. Deve ser bom, porque ele pensa Ão".

Ah, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, rogai por nós todos.

O que dizer dos anúncios dessas campanhas de cervejas ? O que é o "Bar da Boa"? Que coisa estúpida, falsa e artificialíssima! E o "Zeca-Feira" ? Eis outra tentativa de criar um bordão que nem o mais rematado dos idiotas seria capaz de repetir.

Agora, as revistas semanais expõem um anúncio de página dupla da fábrica de automóveis Toyota.
O texto do anúncio, publicado em espaço nobilíssimo da revista Veja dessa semana :"Determinação é encarar os obstáculos de frente"

Encarar de frente!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Há alguma outra maneira de encarar qualquer coisa - que não seja de frente ?

O Dicionário Aurélio informa : "encarar: olhar de frente".

Custava tanto o redator dar uma checada no Nosso Pai, o dicionário?

Qualquer aluno de primeiro grau que escrevesse algo como "encarar de frente" seria repreendido pela professorinha.

Quantos mil dólares a agência terá cobrado para conceber frase tão brilhante ?

O princípio se aplica aos anúncios de cerveja, à campanha do jornal etc.etc.

O pior é que há quem pague por estes anúncios.

Quem disse que nasce um otário a cada minuto no planeta nunca teve tanta razão.

Posted by geneton at 12:35 PM

novembro 09, 2007

A TAÇA DO MUNDO É NOSSA. COM EMPREITEIRA, NÃO HÁ QUEM POSSA

Faz três semanas que faço e refaço as contas: dá para calcular qual vai ser o tamanho da roubalheira das empreiteiras na construção dos estádios para a Copa do Mundo brasileira ? Dá para imaginar o que será pago de propinas a administradores, políticos e apaniguados corruptos ? Quantas amantes receberão dinheiro vivo em envelopes pardos ?

Não é implicância nem delírio: um levantamento superficial revelará que as empreiteiras estão envolvidas em dez em cada dez escândalos de roubalheira cabeluda acontecida nas últimas décadas.

Corrupto é ladrão. Corruptor também.

Não há máquina de calcular que dê conta do trabalho.

Posted by geneton at 12:39 PM

FOFOCA POLÍTICA, A SER CHECADA DAQUI A DOIS ANOS

O Sopa de Tamanco não é blog de fofoca política. Mas vale o mero registro, a ser conferido daqui a dois anos, em 2009,quando a campanha para a sucessão presidencial de 2010 estiver pegando fogo.

Uma figura que sempre teve acesso do sr.Luiz Inácio Lula da Silva desde os tempos em que o dito era sindicalista em São Bernardo do Campo nos disse, num jantar, em São Paulo, no ano passado, o seguinte:

"Pelo amor de Deus, o que vou dizer eu não ouvi da boca de Lula. Mas, pelo que observei nos últimos tempos, se ele for escolher dentro do PT um candidato a presidente, ele apostará em Dilma Roussef".

Eu me lembrei desse comentário quando vi nos jornais que Lula escalou a ministra para anunciar a descoberta de uma reserva gigante de petróleo no Brasil. O objetivo da escalação: dar "visibilidade" à Dona Dilma.

A fofoca faz sentido.

Posted by geneton at 12:37 PM

NOTÍCIAS DA ILHA DE EDIÇÃO: PAULO FRANCIS RECLAMA DA SÍNDROME DA BANDA DE MÚSICA, UM DOS MALES DO BRASIL

Vejo uma fita antiga na ilha de edição.Data da gravação: 1980. Em visita ao Rio, Paulo Francis grava uma entrevista:

"Sempre houve no Brasil uma tendência ao conformismo e à "banda de música" em torno de celebridades. Mas toda cultura precisa é de um grande conflito. É preciso haver grandes críticos - pessoas que realmente ataquem os autores, ataquem os atores, por exemplo. Eu era "comprador de brigas" pelo seguinte: ia ver uma peça de teatro, não gostava, dizia que era uma porcaria. E o autor brigava comigo...."

Posted by geneton at 12:35 PM

novembro 08, 2007

BAIXA FILOSOFIA

Já disse, volto a confessar: jamais me recuperei do impacto causado pela descoberta de que cerca de oitenta por cento do corpo humano é água pura.

Água!

Quem seria capaz de levar a sério uma água falante ?

É o que somos: águas falantes.

Não há filósofo que dê jeito nesta precariedade líquida.

Desisto.

Vou passear. É melhor.

Quando passar em frente a uma delegacia, aproveitarei para fazer as perguntas que realmente importam : o senhor sabe dizer se Fábio Júnior continua solto ? E aquela locutora que anuncia os horários de vôo no aeroporto com voz suspirante de paciente na UTI pensando que é sensual? Continua solta ?

Dizei, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto !

Posted by geneton at 12:41 PM

CARY GRANT E RANDOLPH SCOTT

Calma, patrulha politicamente pink. Não estou fazendo julgamento de valor, mas apenas dizendo: depois que foi publicado que Cary Grant, o galã conquistador, tinha um romance com Randolph Scott, aquele caubói dos faroestes (!), passei a achar que tudo era possível sob o sol.

Nem o filho de Wilson Simonal cantando é capaz de me assustar.

Posted by geneton at 12:40 PM

EM BRASÍLIA, COM A VIÚVA ONO

Carecem de qualquer fundamento os boatos de que este tamanqueiro vai entrevistar a septuagenária viúva Ono durante a passagem da dita cuja por terras paulistanas.

Já entrevistei, uma vez, em Brasília. Eu me lembro de que ela disse platitudes sobre a paz e a harmonia universais. Não quis falar do ex-beatle. Quando toquei no assunto John Lennon, ele pousou delicadamente a mão sobre minha coxa e disse: "Quem sabe, em outra oportunidade falamos deste assunto- que é muito vasto". Declarou-se preocupada com a Amazônia.

A viúva Ono ocupava a suíte meio decadente do Hotel Nacional. Lá pelas tantas, foi à janela, para contemplar Brasília.

O que mais ?

Quando desci, vi a mãe de Glauber Rocha tomando suco numa mesa à beira da piscina.

Corri para o aeroporto para pegar o avião. Como sempre acontece quando me dirijo a qualquer aeroporto, tinha certeza absoluta de que iria morrer num desastre aéreo.

Não morri, pelo visto.

Posted by geneton at 12:39 PM

novembro 07, 2007

A PRAGA AVANÇA

A inominável praga do gerundismo ( "vou estar falando"; "vou estar providenciando") acaba de invadir outro terreno: o grupo Tortura Nunca Mais.

Ao dar entrevista ao rádio, na manhã desta terça-feira, o porta-voz do Tortura Nunca Mais usou e abusou do "vamos estar fazendo" e coisas parecidas. Doeu nos ouvidos. Tortura pura.

Nem os bem-intencionados escaparam da praga.

A casa caiu.

Posted by geneton at 12:47 PM

CADÊ O ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL ?

Uma dúvida singela: antes de lançar discos de Carlinhos Brown no mercado as gravadoras fazem, antes, um Estudo de Impacto Ambiental?

Posted by geneton at 12:46 PM

UM "DIVISOR DE ÁGUAS": JÁ É POSSÍVEL CONSULTAR JORNAIS DO SÉCULO DEZOITO NA INTERNET!

Não, não é Moisés abrindo caminho pelo mar Vermelho. É a imprensa inglesa "marcando época". Pela primeira vez, todas as edições de jornais que já existem há séculos estarão disponíveis para consulta para internautas de qualquer parte do planeta, em troca de módicos preços.

As edições do Guardian publicadas desde 1821 e a do Observer desde 1791 já estão liberadas para consulta. "Cada página, cada artigo, cada anúncio", anuncia o site dos jornais.

Em breve, todas as edições de todos os grandes jornais estarão ao alcance da ponta dos dedos, no teclado de um computador.

Aqui, Ivan Lessa bate palmas para a novidade:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/11/071107_ivanlessa.shtml

Em breve, ninguém precisará sair de casa para fazer nada.

Vai estar tudo no monitor.

Posted by geneton at 12:42 PM

UM "DIVISOR DE ÁGUAS": JÁ É POSSÍVEL CONSULTAR JORNAIS DO SÉCULO DEZOITO NA INTERNET!

Não, não é Moisés abrindo caminho pelo mar Vermelho. É a imprensa inglesa "marcando época". Pela primeira vez, todas as edições de jornais que já existem há séculos estarão disponíveis para consulta para internautas de qualquer parte do planeta, em troca de módicos preços.

As edições do Guardian publicadas desde 1821 e a do Observer desde 1791 já estão liberadas para consulta. "Cada página, cada artigo, cada anúncio", anuncia o site dos jornais.

Em breve, todas as edições de todos os grandes jornais estarão ao alcance da ponta dos dedos, no teclado de um computador.

Aqui, Ivan Lessa bate palmas para a novidade:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/11/071107_ivanlessa.shtml

Em breve, ninguém precisará sair de casa para fazer nada.

Vai estar tudo no monitor.

Posted by geneton at 12:42 PM

A TRILHA SONORA DO INFERNO

Rock francês.

A trilha sonora do inferno deve ser esta, com certeza.

Quando eu chegar lá, mando notícias dizendo se as suspeitas se cofirmaram.

Posted by geneton at 12:42 PM

novembro 06, 2007

MÚLTIPLA ESCOLHA

O que será mais divertido e faz menos mal à saúde física e mental?

a) morrer
b) estar na platéia do Cirque du Soleil e ser chamado ao palco
c) assistir a um desses anúncios estupidamente idiotas de cerveja
d) ver um senador de cabelo pintado falando na TV
c) passar trinta segundos na frente de um mímico

Tenho certeza absoluta de que a opção A é a correta.

Posted by geneton at 12:51 PM

DEPOIS NÃO DIGAM QUE NÃO AVISEI

Não vai demorar: já, já, aparece um samba-enredo falando sobre o Brasil na Copa. E dois repentistas fazendo rimas sobre a Copa no fim de um telejornal.

É questão de tempo.

Posted by geneton at 12:50 PM

A MELHOR TV DO MUNDO

Quando todo mundo pensava que a TV estava com os dias contados diante do surgimento de outras mídias, eis que a salvação surge na Alemanha: acaba de ser anunciada a criação de um canal que só tratará de um tema- a morte. Os anúncios, óbvio, serão,todos, fúnebres. Diversão garantida!

aqui:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/11/071106_canalalemao.shtml

Posted by geneton at 12:47 PM

OS ESPANHÓIS IORUBÁS

Declaração de mister Carlinhos Brown no Segundo Caderno do Globo de hoje:

-Quando canto em iorubá, os espanhóis sabem do que se trata. Aqui, pensam que é onomatopéia.

De fato, qualquer criança em Madrid sabe que, por exemplo, a palavra dezessete em iorubá é éjìdinlógún ( acabei de ver na Wikipedia).

Nunca foi tão fácil ser entendido em Madrid.

Posted by geneton at 12:47 PM

novembro 01, 2007

PERGUNTA FEITA AOS CÉUS

Os mímicos continuam soltos ?

Posted by geneton at 12:52 PM

outubro 31, 2007

NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO ESPANTO NOS PROTEGERÁ DOS HORRORES DA COPA ANTES E DEPOIS DE CADA JOGO

Poucos segundos depois do anúncio do Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014, eis que aparece a cena indescritível ( e, pelo jeito, inevitável) : uma mulata brasileira requebrando ao lado de uma bandeira rodopiante.

Acendo uma vela inútil a Nossa Senhora do Perpétuo Espanto. Em silêncio contrito, peço que ela nos poupe das cenas que, inevitavelmente, acontecerão antes de cada jogo da Copa:

a) um idiota puxará a camisa à altura do peito e berrará para a câmera: "vai ser quatro a zero! vai sr quatro a zero!".

b) pior: um repórter terá perguntado a ele quanto será o placar...

c) mulatas requebrarão no saguão do aeroporto, para dar as boas vindas aos turistas estrangeiros, como se estivessem em busca de clientes numa boate de oitava categoria

d) batucadas de samba. Caboclinhos. Maracatu. Índios dançando. Todas estas manifestações de primarismo musical, estético, filosófico e cultural invadirão os vídeos para mostrar o quão exótica é esta grande nação do sul.

e) vai ser bom ver os jogos. Mas, com o avanço das novas tecnologias, não haveria um jeito de tirar o áudio e apagar o vídeo de tudo o que será dito e mostrado antes e depois de cada partida ?

f) dizei-nos, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto: não haveria um jeito ?

Posted by geneton at 12:59 PM

LIBERDADE, LIBERDADE, ABRE AS ASAS SOBRE NÓS

O Brasil só será uma democracia plena no dia em que qualquer cidadão maior de oito anos de idade possa dar voz de prisão a quem cheirar o vinho no copo e, em seguida, bebê-lo com o dedo mindinho estirado.

É inafiançável.

Posted by geneton at 12:58 PM

A PRIMEIRA ESTATÍSTICA: BRASIL TEM 95 % DE CHANCES DE GANHAR A COPA DE 2014

Vinte minutos depois da escolha do Brasil como sede da Copa, ouço no rádio a primeira estatística: um comentarista esportivo diz que a seleção brasileira tem, desde já, 95 por cento de chances de levantar a taça no Maracanã, em 2014.

Tomara que aconteça.

Em 1950, as chances eram de 99 por cento.

Posted by geneton at 12:58 PM

A COPA DO MUNDO É NOSSA

Qualquer criança sabe que as empreiteiras estão por trás de noventa vírgula quatro por cento dos casos de mega-corrupção ocorridos no Brasil.

Com uma ou outra variação, o esquema sempre funcionou assim: quando ocupa um cargo exectuvo, o político corrupto super-fatura uma obra pública. A empreiteira enche as burras de dinheiro. Em seguida, paga uma comissão ao corrupto - de preferência, em dólar, no exterior.

Há variações em torno deste enredo: em troca de "agrados", o político corrupto pode também defender com unhas e dentes,no Congresso, emendas de interesse das empreiteiras. É um jogo de corruptores e corruptos que se arrasta há décadas.

Dá para imaginar a festa que as empreiteiras não devem ter feito ontem com a confirmação da Copa no Brasil.

Bilhões serão gastos em obras.

O Sopa de Tamanco fez todos os cálculos: as chances de super-faturamento são de nove vírgula oito em dez.

Tomara que, num gesto de fervor patriótico, as empreiteiras separem uma parte do dinheiro para recompensar cada juiz que marcar um pênalti contra a Argentina.

Terminada a festa, deveriam ir todos para a cadeia.

Posted by geneton at 12:56 PM

O MURO DAS TAMANCAÇÕES

A Tamanco Corporation lança um novo produto: o Muro das Tamancações. Aqui, aos pés deste muro virtual, nós, devotos, podemos acender velas diárias para Nossa Senhora do Perpétuo Espanto.

A primeira oração: Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, fazei com que nunca, jamais, sob hipótese alguma, a gente inadvertidamente veja, ouça ou leia reportagens sobre "celebridades" barrigudas.

Como diria Jaqueline Kennedy em Dallas, "oh, no!".

Posted by geneton at 12:54 PM

ONDE ESTÃO OS JUÍZES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, QUE NÃO ADOTAM LOGO O CONCEITO DA PENA PREVENTIVA ?

O Sopa de Tamanco insiste: o Brasil bem poderia surpreender o mundo ao lançar um novo conceito jurídico: o da pena preventiva.

Exemplo: assim que saísse da faculdade, todo publicitário recém-formado passaria dez anos num presídio de segurança máxima, como castigo antecipado por todos os anúncios estúpidos de cerveja que um dia ele irá criar.

Idem para os jornalistas. Pegariam dez anos de pena preventiva em Guantánamo pelo crime inafiançável de provar uma comida estranha, olhar para a câmera com cara de falso espanto e dizer : "hum....delícia". Ou "hum....estranho....".

Idem para políticos. Poderiam cumprir vinte e cinco anos de pena preventiva porque um dia, no futuro, com toda certeza, dirão em entrevistas com a maior desfaçatez do mundo que não, não são candidatos ao cargo "x", quando todo mundo sabe que são,sim. Por que insistem nesta empulhação ? Por que fazem os outros de idiotas ? Para que esta palhaçada ? Por que não dizem logo que querem, sim, ser candidatos a governador,a senador, a presidente, a seja o que for ?
Vinte e cinco, não. Trinta anos seriam suficientes.

O Sopa lançará, em breve, uma grande campanha publicitária: pena preventiva, já !

Posted by geneton at 12:54 PM

PERGUNTA FEITA AOS CÉUS

O patriota que escolheu aquela música de Gonzaguinha como tema da novela das oito continua solto ?

Posted by geneton at 12:53 PM

DUZENTOS ANOS. PARECE QUE FOI ONTEM

Duzentos anos da vinda da família real.

Zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz.

Quando o festival acabar, por favor, me acordem.

Posted by geneton at 12:53 PM

outubro 30, 2007

AU AU AU

Sites informam que um carro atropelou o cachorrinho de uma atriz - tida, aliás, como casca grossa. O cachorro tinha, antes da tragédia, tomado a sábia providência de moder o namorado da atriz. Informações relevantes. Relevantíssimas.

Dá vontade de morder os sites.

Posted by geneton at 12:59 PM

outubro 29, 2007

ELEITOR, CORREI! COMEÇOU A ELEIÇÃO DO FILME MAIS CHATO DA TERRA

Começou a eleição do filme mais chato já produzido sob o sol. Desde que alguém descobriu que uma parede branca podia ser usada, também, para projeção de imagens em movimento, a lista de chatices concebidas em nome da chamada Sétima Arte é interminável.

Votei em "Striptease", com Demi Moore, uma porcaria que, além de chata, era inominavelmente ruim.

Nem sempre o que é chato é ruim. Ou o que é ruim é chato. "2001,uma Odisséia no Espaço" não é ruim. Mas é chato.

Vi um pedaço de "O Padre e a Moça" outro dia no Canal Brasil. Chato. Chato. Chato. "Macunaíma" é chato.

(a votação começou,aqui: http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/nelson/ )

Às urnas, cidadãos!

Posted by geneton at 01:01 PM

outubro 26, 2007

FESTIVAL MENCKEN - 5

"Duvido que a arte de pensar possa ser ensinada - pelo menos,por professores do segundo grau.Não é adquirida,mas congênita. Algumas pessoas nascem com ela. Suas idéias fluem com clareza e elas são capazes de raciocínio lúcido; quando dizem alguma coisa, esta é instantaneamente compreensível; quando a escrevem, são luminosas e convincentes. Eu diria que essas pessoas constituem cerca de 1/8 de 1% da espécie humana. Os demais filhos de Deus são tão incapazes de pensamento lógico quanto de esquiar na lua.Tentar ensiná-los será uma empreitada tao presunçosa quanto tentar ensinar a uma pulga os Dez Mandamentos. A única coisa a fazer com eles será transformá-los em PhDs e mandá-los escrever livros sobre estilo"


("O Livro dos Insultos de H.L. Mencken)

Posted by geneton at 02:30 PM

FESTIVAL MENCKEN - 4

"Todo governo é composto de vagabundos que,por um acidente jurídico, adquiriram o duvidoso direito de embolsar uma parte dos ganhos de seus semelhantes"

("O Livro dos Insultos de H.L.Mencken")

Posted by geneton at 01:25 PM

FESTIVAL MENCKEN - 1

"O homem é o caipira par excellence, um ingênuo incomparável, o bobo da corte cósmica. Ele é crônica e inevitavelmente tapeado, não apenas pelos outros animais e pelas artimanhas da natureza, mas também (e mais particularmente) por si mesmo, por seu incomparável talento para pesquisar e adotar o que pe falso, e por negar ou desmentir o que é verdadeiro"

(H.L.Mencken em "O Livro dos Insultos de H.L.Mencken")

Posted by geneton at 01:01 PM

FESTIVAL MENCKEN - 3

"Se você despreza a sabedoria popular, dê uma espiada no seu Shakespeare: suas peças escorrem pessimismo de ponta a ponta. Se há uma idéia geral nelas, é a de que a existência humana é uma penosa futilidade, apagável como uma vela.No entanto, nos atrelamos a ele de uma maneira atabalhoadamente fisiológica - ou, para ser mais preciso, patológica - e até tentamos recheá-la com pomposas cantilenas. Todos os homens verdadeiramente sensíveis lutam poderosamente pela distinção e pelo poder, isto é, pelo respeito e inveja dos seus semelhantes,pela admiração de uma interminável série de carcaças portando aminoácidos em rápida desintegração. E para quê ? Se eu soubesse, certamente não estaria escrevendo livros neste infernal verão americano; estaria exposto numa sala de cristal e ouro e as pessoas pagariam 10 dólares para me contemplar através de buraquinhos"

Posted by geneton at 12:25 PM

FESTIVAL MENCKEN - 2

"Vejamos o caso do escritor medíocre que defende o seu trabalho de escrever seriados para revistas de cinema, afirmando que tem uma mulher para sustentar.Tendo conhecido algumas dessas mulheres, não vejo por que se submeteriam a tais sacrifícios...Quanto aos subprodutos biológicos desta fidelidade - os filhos - , minha avaliação deles seria ainda mais baixa. Montre-me cem cabeças de crianças comuns que valham um único O CORAÇÃO DAS TREVAS e eu mudarei de idéia. Quanto a LORD JIM,eu não o trocaria por todos aqueles pirralhos nascidos em Trenton, New Jersey, desde a guerra contra a Espanha em 1898"

( "O Livro dos Insultos de H.L.Mencken")

Posted by geneton at 11:25 AM

outubro 25, 2007

O BRASIL PODERIA LANÇAR UMA GRANDE NOVIDADE JURÍDICA: A PENA PREVENTIVA. QUE TAL FAZER O TESTE COM OS PUBLICITÁRIOS ?

Uma medida extremamente simples poderia ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal:
assim que saísse da escola, todo publicitário cumpriria uma pena preventiva de dez anos numa ilha remota do rio São Francisco.

Assim, ele já pagaria, por antecipação, por todos os trocadilhos e anúncios engraçadinhos que viesse a cometer ao longo da carreira.

Todos ficariam felizes.

Nossos olhos e ouvidos ganhariam dez anos de trégua.

O Brasil surpreenderia o mundo ao lançar um novo conceito jurídico: o de pena preventiva.

E os publicitários pensariam duas vezes antes de infestarem as TVs, rádios, outdoors e adjacências com coisas insuportáveis como aqueles anúncios do Bar da Boa, Zeca-Feira, o coronel da Net e outras inumeráveis pérolas.

É tudo tão simples. Um grande problema estaria resolvido com uma simples canetada do Supremo.

Por que é que os humanóides teimam em tornar tudo complicado ?

Posted by geneton at 10:32 AM

PRIMEIRA CONSTATAÇÃO FILOSÓFICA DO DIA

Relincho, logo, existo.

Mas não custava nada alguém providenciar um farelo de melhor qualidade para as refeições no self-service.

Posted by geneton at 10:31 AM

PESQUISA INSTANTÂNEA NO UNIVERSO DOS BLOGS

Dou uma navegada por portais que hospedam blogs. Depois de tropeçar pela tricentésima vez com expressões como "caraca" e "irado" ou relatos sobre festinha de aniversário, constato que noventa e cinco por cento dos blogs são baboseiras da primeira maiúscula do primeiro parágrafo ao ponto final. Três por cento são leseiras. Dois por cento são legíveis.

Faço nova inspeção. "C´est dommage": o Sopa de Tamanco não se enquadra na última categoria.

Posted by geneton at 10:31 AM

outubro 24, 2007

DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS (OU: CONFISSÕES INUTÉIS E INCONFESSÁVEIS)

Defender o quartel-general da Coca-Cola em Atlanta contra ataques de alienígenas é a única causa que me faria aderir à luta armada hoje.

A vida sem Coca-Cola (num copo sem gelo e com limão) deve ser intolerável.

Não troco uma lata de Coca-Cola estupidamente gelada por toda a produção de vinho do sul da França dos próximos cinquenta anos. Vinho é chato por natureza. Coca-Cola não.

Quem inventou esta mistura escura de gás, açúcar e aditivos misteriosos é um benfeitor da humanidade.

Só perde para quem inventou o futebol de botão.

Guardo meus times até hoje.

Posted by geneton at 10:34 AM

QUANDO A OUTRA ENCARNAÇÃO CHEGAR, IREI AO MARACANÃ PARA VER STING

Pagar quinhentos reais para ver Sting cantar no Maracanã.

Óbvio que sim.

Mas só na outra encarnação.

Compositor de música popular existe, basicamente, para inventar melodias que os outros possam assoviar.

Sting só inventou uma. Aquela: Every Breath You Take.
É bonitinha mas não vale cinquenta mil centavos, o preço que estão cobrando por um ingresso em lugar decente no estádio.

No way.

Posted by geneton at 10:33 AM

CRIME INAFIANÇÁVEL: CRIANÇA EM NOVELA FAZENDO CARINHA DE TRISTE (OU DE ALEGRE)

Criança trabalhando em novela, em qualquer horário, qualquer emissora.

Se houvesse justiça no planeta, eis aí um exemplo acabado de crime inafiançável.

Posted by geneton at 10:32 AM

outubro 23, 2007

"SORRISO MAROTO" : "OH,NO!"

Você olha para o céu cinzento, mira o Grande Nada e pergunta a si mesmo:
você seria capaz de sair de casa para ir ver um show de um grupo chamado Sorriso Maroto ? De novo: Sorriso Maroto. Outra vez : Sorriso Maroto.

A última de suas vísceras repete instintivamente o que Jaqueline Kennedy disse, horrorizada, quando viu os miolos do marido explodirem dentro daquele carro em Dallas : "Oh,no!"

Posted by geneton at 10:34 AM

outubro 22, 2007

O TRAUMA DE INFÂNCIA DE KIMI RAIKKONEN, O IDIOTA CAMPEÃO DE FÓRMULA-UM

É pule de dez: Kimi Raikkonen, aquele finlandês que ganhou o campeonato de Fórmula-1, com toda certeza deve ter sofrido um trauma de infância irrecuperável.

Só um doente pode reagir daquele jeito à adulação que o cerca: com uma frieza e uma antipatia jamais vistas.

Os jornais ficam repetindo o apelido carinhoso de "homem de gelo".

Para que tanto eufemismo ?

Por que não chamá-lo do que ele realmente é : um idiota antipaticíssimo ?

Pergunta-se : por que traumatizados de infância como Raikkonen não procuram um bom psiquiatra, em vez de ficarem se exibindo pelo mundo com os seus focinhos intragáveis ?

Coincidência: anteontem,a TV passou uma entrevista com Sean Penn, um bom ator e diretor.

É outro que, independentemente de talento, deve ter sofrido na infância algum trauma inapagável.

Somente assim, pela psiquiatria, é possível justificar a cara de limão azedo que mister Penn exibe até quando é elogiado por algum entrevistador condescendente.

De qualquer maneira, por uma questão de justiça, não se pode nem se deve comparar Sean Penn com o idiota-mor da Fórmula-Um.

O finlandês é um débil mental que não evoluiu da primeira infância: resolveu passar o resto da vida brincando de carro, só que com um rosto de adolescentezinho revoltadinho.

O outro pelo menos fez alguma coisa mais útil do que ficar produzindo aquele barulho ridículo em carrinhos coloridos.

A espécie humana é sem solução.

Posted by geneton at 10:34 AM

O TRAUMA DE INFÂNCIA DE KIMI RAIKKONEN, O IDIOTA CAMPEÃO DE FÓRMULA-UM

É pule de dez: Kimi Raikkonen, aquele finlandês que ganhou o campeonato de Fórmula-1, com toda certeza deve ter sofrido um trauma de infância irrecuperável.

Só um doente pode reagir daquele jeito à adulação que o cerca: com uma frieza e uma antipatia jamais vistas.

Os jornais ficam repetindo o apelido carinhoso de "homem de gelo".

Para que tanto eufemismo ?

Por que não chamá-lo do que ele realmente é : um idiota antipaticíssimo ?

Pergunta-se : por que traumatizados de infância como Raikkonen não procuram um bom psiquiatra, em vez de ficarem se exibindo pelo mundo com os seus focinhos intragáveis ?

Coincidência: anteontem,a TV passou uma entrevista com Sean Penn, um bom ator e diretor.

É outro que, independentemente de talento, deve ter sofrido na infância algum trauma inapagável.

Somente assim, pela psiquiatria, é possível justificar a cara de limão azedo que mister Penn exibe até quando é elogiado por algum entrevistador condescendente.

De qualquer maneira, por uma questão de justiça, não se pode nem se deve comparar Sean Penn com o idiota-mor da Fórmula-Um.

O finlandês é um débil mental que não evoluiu da primeira infância: resolveu passar o resto da vida brincando de carro, só que com um rosto de adolescentezinho revoltadinho.

O outro pelo menos fez alguma coisa mais útil do que ficar produzindo aquele barulho ridículo em carrinhos coloridos.

A espécie humana é sem solução.

Posted by geneton at 10:34 AM

outubro 21, 2007

A LIÇÃO DO SUPER-REPÓRTER EM ENTREVISTA QUE SERÁ REPRISADA NA GLOBONEWS : JORNALISTAS PRECISAM APRENDER DE NOVO A OUVIR!

Carl Bernstein, como se sabe, é o super-repórter que ficou famoso no mundo inteiro ao publicar no jornal Washington Post, em parceria com Bob Woodward, as reportagens investigativas que, em última instância, provocaram a renúncia do presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon.

Não é exagero dizer que ele entrou para a História.

Quem acredita que o papel do Jornalismo é ficar a serviço de idéias preconcebidas deve ver a entrevista que o locutor-que-vos-fala fez com o super-repórter: lá, com todas as letras, Bernstein diz que os jornalistas devem reaprender a ouvir. Porque se tornaram maus ouvintes. Se tivesse da dar um conselho a um jovem jornalista, ele diria :"Seja um bom, ouvinte!".

Em outras palavras: jornalistas "engajados" querem que os entrevistados apenas confirmem o que eles, jornalistas, pensam. Lástima. Bernstein diz que, frequentemente, as coisas que ele descobre ao longo de uma apuração são diferentes do que ele esperava.

O repórter do Escândalo de Watergate dá um exemplo pessoal: é óbvio que ele não concordava com um milímetro do que o governo Nixon fazia. Mas os melhores informantes que ele obteve durante o Escândalo de Watergate eram republicanos diretamente ligados ao presidente. Era gente que, no fim das contas, ele poderia até ver com certo desprezo, mas a quem ele ouvia com todo interesse. É assim que se faz Jornalismo de verdade.

O papel do Jornalismo não é, jamais, o de querer dizer como o leitor deve se comportar. A única função do Jornalismo, diz o super-repórter, é o de apresentar a melhor versão que se possa obter da verdade. Ponto final.

A entrevista com Carl Bernstein vai ser reprisada na Globonews, dentro da série Dossiê História, nesta segunda-feira, às onze e meia da manhã e às cinco e meia da tarde. Passa de novo no próximo sábado, às quatro e meia da tarde - e no domingo,às nove e cinco da manhã.

O que ele diz sobre Jornalismo merecer ser ouvido.

Posted by geneton at 10:36 AM

outubro 19, 2007

A POLÍCIA INGLESA PASSA BALA NO BRASILEIRO E DEPOIS VAI SOLUÇAR NO TRIBUNAL...

De Londres, Ivan Lessa faz perguntas sobre a conduta dos policiais ingleses que executaram o brasileiro Jean Charles com seis tiros na cabeça dentro de um vagão do metrô. Pensaram que ele era terrorista. Primeiro, atiraram. Depois, descobriram o erro. Era tarde. Protegidos por biombos e pseudônimos, os policiais compareceram a um tribunal. Um dos assassinos soluçou, compadecido,diante do juiz...

(Aqui, o texto completo:

http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/10/071019_ivanlessa_tp.shtml)

Posted by geneton at 10:37 AM

outubro 18, 2007

O DEPUTADO DIZ "SEJE". A DEPUTADA DIZ QUE QUEM LÊ DISCURSO NÃO PRESTA. NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO ESPANTO, ROGAI POR NÓS!

Um deputado, arquiteto, dá entrevista à rádio CBN e pronuncia - de maneira clara e límpida - a palavra "seje".

Um arquiteto dizendo "seje" !!! Nome: Luiz Paulo.

Um profissional diplomado não pode pronunciar uma palavra que não existe na língua portuguesa. Não pode.

Zapeio. Uma deputada (nome: Renata do Posto) fala para um grupo de estudantes, numa TV a cabo, em programa gravado no plenário da Assembléia. Um estudante pergunta como é possível saber se um deputado é bom ou não. A deputada diz que basta observar um deputado discursando. Se ele estiver lendo o discurso, não presta. Se estiver falando sem consultar nenhum papel, é bom.

Parece mentira, mas é este o raciocínio da ilustríssima parlamentar: quem lê discurso não presta!!!

Ulisses Guimarães deu trinta e cinco voltas no túmulo.

Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, rogai por nós.

Onde é que essa comédia de erros vai parar ?

Posted by geneton at 10:39 AM

outubro 17, 2007

CADÊ O CEGUINHO FOTÓGRAFO ?

Faz exatamente quatro meses que o Sopa de Tamanco perguntou: o ceguinho que vive dando entrevista à Tv sobre enquadramento fotográfico continua solto ?

(Dica para a Interpol: chama-se Evgen Bavcar. Vive em Paris. Já passou pelo Brasil)

Lastimavelmente, a Interpol não se manifestou até agora.

Resultado: o ceguinho fotógrafo continua pontificando sobre enquadramento.

O post original:

11 de Junho de 2007
OS POLITICAMENTE CORRETOS E NOSSA GRANDE COMÉDIA DE ERROS
Desde que a praga politicamente correta tomou de assalto as mentes simplistas, pega mal dizer que o feio é feio, a gorda é gorda, o negão é negão, o gay é gay, o branquelo é branquelo, o burro é burro, o bêbado é bêbado, o idiota é idiota.

Qual é o problema?"Pega mal" dizer que um cego não pode ser fotógrafo. Mas peço licença à patrulha para dizer: não pode! Vi outro dia um fotógrafo cego pontificando na TV sobre enquadramento. Falava francês, claro ( não há língua que se preste tanto a imposturas intelectuais).Cego falando de fotografia é algo tão grave e despropositado quanto este locutor participando de desfile de moda.

Fiz aos meus botões a pergunta que todos fazem na surdina : por que é que o fotógrafo ceguinho não arranja outra profissão? Por que não aprende música? Por quê? Por que precisa aparecer na televisão falando de enquadramento fotográfico? Por quê? Por quê?Os meus botões se quedaram silentes.

Diante da mudez de meus botões, desisto de lançar perguntas ao vento sobre o fotógrafo ceguinho e a miríade de personagens absurdos que compõem,com ele, o elenco desta nossa grande comédia de erros. Quem sabe, o melhor é deixar que o circo planetário siga adiante, sem ser importunado.Como diria Drummond no mais belo poema já escrito em território brasileiro, "A Máquina do Mundo":....."e a máquina do mundo, repelida,/se foi miudamente recompondo/ enquanto eu, avaliando o que perdera,/ seguia vagaroso/ de mãos pensas"

Posted by geneton at 10:41 AM

CONSELHO BASEADO NA SIMPLES OBSERVAÇÃO DA PAISAGEM HUMANA

Nunca, jamais, sob hipótese alguma, receba um cheque de quem:

a) chama TV de "telinha"
b) desenha um sinal de aspas no ar com dois dedos de cada mão
c) acrescentou uma letra ao nome por sugestão de um numerólogo
d) chama o marido de "maridão", o filho de "filhão" ou, se for o caso, a mulher de "amorzão"
e) usa rabo-de-cavalo
f) alguma vez na vida já usou ou pensou em usar bandana
g) desfila de camiseta na rua para mostrar aos outros os músculos marombados
i) toma cafezinho com o dedo mindinho estirado

É pule de dez: o cheque é sem fundos.

Posted by geneton at 10:41 AM

CURIOSIDADE MÉDICA

Observadores notaram que, desde que começou a trégua no circo de baixarias do Senado, a epidemia de vômito registrada entre telespectadores da TV Senado e dos telejornais sofreu uma redução.

Pitoresco.

Posted by geneton at 10:41 AM

POR QUE OS JORNAIS ESTÃO CAVANDO PACIENTEMENTE A PRÓPRIA SEPULTURA....

A seleção brasileira deu uma goleada no Equador. Noventa e oito vírgula cinco por cento dos leitores dos jornais impressos já sabem do resultado.

Se, amanhã pela manhã, os jornais trouxerem como destaque principal do título de esportes da primeira página a "informação" de que o Brasil ganhou de 5 a 0 do Equador, estará explicado - de novo! - por que a imprensa resolveu, "por livre e espontânea vontade", cavar a própria sepultura.

Faça-se o teste. É só passar o olhos nas primeiras páginas que daqui a algumas horas estarão colorindo as bancas.

Uma pergunta ficará flutuando no ar: Deus do céu, por que será que a esmagadora maioria dos jornais trata o leitor como se ele fosse um extra-terrestre surdo,mudo e cego -que acabou de desembarcar de um planeta remoto?

Não ocorre a nenhum editor a idéia de que noventa e oito vírgula cento dos leitores já obtiveram a primeira informação sobre o resultado do jogo pela TV, pelo rádio, pela miríade de sites ? Por que repetir nos títulos uma informação que, inevitavelmente, já é velha quando chega às bancas ?

Não seria tão fácil, tão simples, tão óbvio tentar olhar para a frente ? Com certeza, uma informação que não repetisse simplesmente o que todo mundo já sabe serviria para chamar a atenção do leitor, ao invés de despertar o habitual bocejo. Afinal, não é para "chamar a atenção" do leitor que os jornais existem ? Algo do tipo :"Depois da goleada no Maracanã, Dunga quer outros jogos no Rio"; "Seleção já promete repetir em São Paulo a goleada de ontem" ; "Ronaldinho, barrado por Dunga, pede vaga para jogo em São Paulo" ;"Seleção goleia mas Argentina lidera eliminatórias"; "Comportamento nota 10 do torcedor credencia o Maracanã como palco da Copa" etc.etc.etc. Qualquer estagiário faria uma lista de possíveis novas informações que poderiam merecer um título capaz de estimular minimamente a curiosidade do Senhor Leitor. Eis um bom exercício para as salas de aula dos cursos de Jornalismo.

Mas não: há noventa e nove vírgula nove por cento de chances de os jornais desta quinta anunciarem nos títulos de primeira página,como se fosse a novidade do século, a vitória do Brasil sobre o Equador.

Depois perguntam por que é que a imprensa de papel perde leitores.....

O caso me lembra o que vi uma vez em Londres,onde se fazem jornais de primeira qualidade:

um instituto tinha divulgado uma pesquisa de opinião que indicava a possível derrota dos conservadores nas eleições de 1997. A TV noticiara exaustivamente os números nos telejornais noturnos.

Se fosse no Brasil, os jornais dariam, no dia seguinte, na primeira página, um título como "Ibope dá vantagem ao PT". Ou algo assim. Ou seja :os jornais repetiriam algo que o leitor interessado em política com certeza já sabia.

O que fez o jornalaço Daily Telegraph ? Deu a informação da maneira mais criativa possível. Publicou na primeira página uma bela ( e enorme) foto do então primeiro-ministro John Major sozinho, na porta do número dez da Downing Street, a residência oficial do chefe do governo. O pesquisa indicava que o partido de Major estava cotadíssimo para perder a eleição, o que, afinal, viria a acontecer semanas depois.

A manchete do jornal: "Este homem pensa que vai vencer a eleição".

Não é por acaso que a imprensa inglesa de qualidade é o que é.

Também não é por acaso que nossa imprensa é o que Paulo Francis passou os últimos anos de vida dizendo: "Previsível, empolada, chata. Meu Deus, como é chata".

Não teria chegado a hora de uma autocrítica violenta, uma virada de mesa, uma aposta na criatividade ? Por que os jornais continuam com a cabeça enterrada na areia, sem olhar para a paisagem em volta ?

Ainda há tempo para tentar sacudir a poeira - nem que seja em sinal de respeito à paciência dos leitores....
Help!

Posted by geneton at 10:39 AM

outubro 16, 2007

GUANTÁNAMO NELES !

Refaço o mantra : a humanidade só será feliz no dia em que a prisão de Guantánamo puder receber jornalistas de todo o mundo que tenham sido,merecidamente, condenados à prisão perpétua pela Corte Internacional de Justiça de Haia por terem cometido o seguinte crime: provaram uma comida, olharam para a câmera com carinha de espanto e disseram : "Hum....Delícia!...".

Não há anistia possível.

Posted by geneton at 10:50 AM

"BAR DA BOA". O QUE É AQUILO, NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO ESPANTO ? PODE EXISTIR COISA MAIS PATÉTICA NO CONE SUL DA AMÉRICA ?

Em nome de todos os santos: quem inventou esta campanha do "Bar da Boa" continua solto ? Quanto a cervejaria pagou por aquilo ? Pode existir coisa mais chata na face da terra ?

Posted by geneton at 10:50 AM

CRISE SEM PRECEDENTES NA PUBLICIDADE BRASILÍNDIA!

É impressão ou nunca na história deste país tantos anúncios idiotas infestaram as TVs ? "Bar da boa" é caso de intervenção federal. Quem inventou a tal da "Zeca hora" ou "Zeca-feira" deveria pegar dez anos em Guantánamo. E aquele pseudo oficial russo que aparece dançando pateticamente ?

Como diria Jaqueline Kennedy recolhendo os miolos do marido naquele carro em Dallas, "oh, no!".

Posted by geneton at 10:43 AM

A CATINGA DA RESTINGA

A palavra mais feia do Brasil é restinga. A segunda é catinga. Por esta razão, jamais moverei uma palha pela salvação da Restinga de Marambaia - que, aliás, não precisa dos préstimos deste bípede. Tudo certo, então.

Posted by geneton at 10:43 AM

outubro 15, 2007

CARA A CARA COM O REPÓRTER QUE OBRIGOU UM PRESIDENTE A RENUNCIAR

O abaixo-assinado teve a chance de entrevistar longamente "o repórter que derrubou um presidente" : Carl Bernstein, famoso internacionlmente por ter publicado, em parceria com Bob Woodward, no Washington Post, reportagens investigativas que, no fim das contas, forçaram o presidente americano Richard Nixon a renunciar, em agosto de 1974.
A primeira parte da entrevista vai ao ar neste domingo, às onze da noite, na Globonews, dentro da série "Dossiê História" ( com reprise na segunda-feira às onze e meia da manhã e cinco e meia da tarde).

Informou o Departamento de Chamadas do Sopa de Tamanco.

Posted by geneton at 10:43 AM

CARA A CARA COM O REPÓRTER QUE OBRIGOU UM PRESIDENTE A RENUNCIAR

O abaixo-assinado teve a chance de entrevistar longamente "o repórter que derrubou um presidente" : Carl Bernstein, famoso internacionlmente por ter publicado, em parceria com Bob Woodward, no Washington Post, reportagens investigativas que, no fim das contas, forçaram o presidente americano Richard Nixon a renunciar, em agosto de 1974.
A primeira parte da entrevista vai ao ar neste domingo, às onze da noite, na Globonews, dentro da série "Dossiê História" ( com reprise na segunda-feira às onze e meia da manhã e cinco e meia da tarde).

Informou o Departamento de Chamadas do Sopa de Tamanco.

Posted by geneton at 10:43 AM

outubro 07, 2007

O "JORNALISMO QUASE" É MELHOR DO QUE O JORNALISMO BUROCRATA

A revista Flash News estampa na capa: "Luciano Huck Assassinado por Causa de Um Relógio". E logo abaixo: "Isso esteve muito perto de acontecer".

flash.gif

A capa já nasce como um clássico instantâneo do jornalismo. Porque, numa bela sacada, criou o jornalismo "quase".

O avião do presidente enfrenta uma turbulência sobre o Oceano Atlântico. Mas pousa em paz. A manchete pode ser : "Presidente Morre em Desastre Aéreo".

A seleção brasileira manda três boas na trave da Argentina, mas o jogo termina zero a zero. Manchete :"Brasil dá baile na Argentina".

É só botar, em letras menores, no pé da página, a ressalva lançada pela revista Flash :"Isso esteve muito perto de acontecer".

Sem ironia: parabéns ao editor que teve tal sacada.

Quem faz um esforço desses para viabilizar uma notícia entende dez vezes mais de jornalismo do que a multidão de jornalistas-burocratas que passam o dia inteiro, o dia inteiro, o dia inteiro procurando uma justificativa para "derrubar" uma reportagem. Conheço uns cinco mil. Se fosse fazer a lista, preencheria um catálogo telefônico.

Ou seja: são especialistas em jogar no lixo notícias, reportagens e personagens interessantes.

O "jornalismo quase" é mais defensável do que o jornalismo burocrata.

O Sopa já disse e repete : o maior, o mais nocivo, o mais pretensioso, o mais destrutivo, o mais risível, o mais indefensável inimigo do Jornalismo é..... o jornalista! Não existe outro.

Por que eles destróem, consistentemente, o que o jornalismo pode ter de interesse e vivacidade.

Depois, reclamam da debandada do público....

O diagnóstico é facílimo.

Posted by geneton at 10:45 AM

outubro 06, 2007

PERGUNTA FEITA AOS CÉUS

Em nome de Nossa Senhora do Perpétuo Espanto: depois desta nova palhaçada ( ou seja: a destituição de dois senadores que se opunham ao circo armado para salvar a pele do "presidente do senado"), por que é que não mandam logo um camburão para lá ?

Posted by geneton at 10:51 AM

outubro 05, 2007

E SE...

Se, por escassas vinte e quatro horas, todas as TVs do mundo parassem de ladrar; se todos os jornais e revistas de todas as cidades do planeta sumissem provisoriamente; se todos os blogs de todos os continentes saíssem do ar; se as editoras parassem de despejar a cota diária de lançamentos na livrarias; se todos os sites estancassem de repente; se todo mundo em todos os lugares fizesse um voto de silêncio planetário nem que fosse por um dia; se, enfim, todas estas maravilhas acontecessem diante de nossas retinas descrentes, o Paraíso estaria instalado nesta esfera esvoaçante também conhecida pela alcunha de Terra.

A receita da felicidade terrena é simples assim. Mas inalcançável.

Que prossiga a barulheira, então.

Posted by geneton at 10:51 AM

outubro 03, 2007

A ARTE DE PEDIR DESCULPAS

Sou insuspeito para falar. Tenho simpatia pelos dois lados em guerra.

Eu me lembro de que desde os anos setenta lia Fausto Wolff nas páginas do Pasquim. Sempre gostei. Nem faz tanto tempo, fui surpreendido com uma referência super-generosa que o próprio Fausto Wolff fez ao locutor-que-vos-fala numa entrevista em que tratava de jornalismo. Descobri há pouco o formidável talento de Marconi Leal como autor de textos de humor. Não é um gênero nada fácil. Basta ver o resultado catastrófico de textos pretensamente engraçadinhos cometidos por jornalistas ( quem me chamou a atenção para o show de bola de Mr. Leal num recanto da Internet foi o co-tamanqueiro Toni Marques, desbravador atentíssimo dos mares virtuais).

A história toda da publicação de um texto de Marconi Leal numa coluna assinada por Fausto Wolff no Jornal do Brasil parece que chegou a um desfecho nesta quarta-feira. Fausto Wolff fez um pedido de desculpas público, no Caderno B.

Quero ser cem por cento sincero: acho que o pedido de desculpas ficou abaixo do tamanho da presepada cometida.

O pedido de desculpas deveria ter sido mais explícito, mais cristalino, mais indiscutível, mais irrevogável, mais direto, mais estrondoso, mais indubitável. Deveria estar logo na primeira linha do primeiro parágrafo, em negrito, com letras maiúsculas.

É difícil pedir desculpas. É dificílimo aceitar. É um gesto que transita entre ressentimentos, raiva e mágoa. Páro por aqui, para não soar como autor daqueles textos que a gente lê em revistas na sala de espera do dentista, enquanto ouve, ameaçador, o ruído da broca invadindo o esmalte do coitado que nos precedeu no cadafalso.
Justamente porque é tão difícil, o pedido de desculpas precisa ser claríssimo. Como diria Alex, o personagem genial de "A Laranja Mecânica", claro como um lago límpido num dia de verão, Sir.

Posted by geneton at 10:54 AM

A ARTE DE PEDIR DESCULPAS

Sou insuspeito para falar. Tenho simpatia pelos dois lados em guerra.

Eu me lembro de que desde os anos setenta lia Fausto Wolff nas páginas do Pasquim. Sempre gostei. Nem faz tanto tempo, fui surpreendido com uma referência super-generosa que o próprio Fausto Wolff fez ao locutor-que-vos-fala numa entrevista em que tratava de jornalismo. Descobri há pouco o formidável talento de Marconi Leal como autor de textos de humor. Não é um gênero nada fácil. Basta ver o resultado catastrófico de textos pretensamente engraçadinhos cometidos por jornalistas ( quem me chamou a atenção para o show de bola de Mr. Leal num recanto da Internet foi o co-tamanqueiro Toni Marques, desbravador atentíssimo dos mares virtuais).

A história toda da publicação de um texto de Marconi Leal numa coluna assinada por Fausto Wolff no Jornal do Brasil parece que chegou a um desfecho nesta quarta-feira. Fausto Wolff fez um pedido de desculpas público, no Caderno B.

Quero ser cem por cento sincero: acho que o pedido de desculpas ficou abaixo do tamanho da presepada cometida.

O pedido de desculpas deveria ter sido mais explícito, mais cristalino, mais indiscutível, mais irrevogável, mais direto, mais estrondoso, mais indubitável. Deveria estar logo na primeira linha do primeiro parágrafo, em negrito, com letras maiúsculas.

É difícil pedir desculpas. É dificílimo aceitar. É um gesto que transita entre ressentimentos, raiva e mágoa. Páro por aqui, para não soar como autor daqueles textos que a gente lê em revistas na sala de espera do dentista, enquanto ouve, ameaçador, o ruído da broca invadindo o esmalte do coitado que nos precedeu no cadafalso.
Justamente porque é tão difícil, o pedido de desculpas precisa ser claríssimo. Como diria Alex, o personagem genial de "A Laranja Mecânica", claro como um lago límpido num dia de verão, Sir.

Posted by geneton at 10:54 AM

AS MÃOS SUJAS DO SANGUE DAS MATÉRIAS

Se eu tivesse um mínimo de talento dramatúrgico, um dia faria uma peça pretensamente psicanalítica sobre o Ente Jornalístico.

O que é este Ente ?

É o sujeito que resolve exercer uma profissão que, bem ou mal, desperta no "público externo" uma discreta fascinação : jornalista seria aquele ser bípede que, rendido à formidável riqueza dos fatos e dos personagens, passa a vida tentando descrever da maneira mais atraente possível tudo o que viu e ouviu. Simples assim.

Parece, mas não é não.

Porque o Ente Jornalístico, quando desembarca numa redação, logo se transforma numa terrível MMM: Máquina de Matar Matérias.

Há um caminhão de exceções, claro, mas as redações estão povoadas por este ser estapafúrdio: o Jornalista especializado em matar o Jornalismo.

As mãos desses entes estão sujas do sangue das reportagens que eles trituraram.

Como eu ia dizendo quando fui interrompido por mim mesmo: se eu tivesse um mínimo de talento dramatúrgico, faria uma peça pretensamente psicanalítica sobre o tal Ente.

Mas não. Porque me falta o talento dramatúrgico. E jamais pus minhas patas num consultório de psicanálise.

Desisto da empreitada, a tempo.

Vou fazer algo um milhão de vezes mais útil: tomar uma Coca-Cola com limão e checar se a lua saiu hoje.

Posted by geneton at 10:53 AM

outubro 02, 2007

INFORMAÇÃO RELEVANTE SOBRE O SUPER-REPÓRTER CARL BERNSTEIN

UM ADENDO AO POST ANTERIOR ("FURO INTERNACIONAL DO SOPA DE TAMANCO: O DIA EM QUE O REPÓRTER QUE DERRUBOU UM PRESIDENTE AMERICANO TOCOU GUITARRA NUMA MADRUGADA DO RIO DE JANEIRO"): O REPÓRTER CARL BERNSTEIN - AQUELE QUE FUÇOU O ESCÂNDALO DE WATERGATE ATÉ DETONAR O PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS, RICHARD NIXON - TAMBÉM TOCOU "LA BAMBA" , NA MADRUGADA DE ANTEONTEM, AO FIM DE UM JANTAR NUM CASARÃO NA URCA.

EM NOME DA FIDELIDADE AOS FATOS, QUE SEJA FEITO O REGISTRO.

"PARA BAILAR LA BAMBA / SE NECESITA UNA POCA DE GRACIA".

Posted by geneton at 10:56 AM

FURO INTERNACIONAL DO SOPA DE TAMANCO: O DIA EM QUE O REPÓRTER QUE DERRUBOU UM PRESIDENTE AMERICANO TOCOU GUITARRA NUMA MADRUGADA DO RIO DE JANEIRO

Uma cena inimaginável na noite do Rio de Janeiro: o repórter que derrubou o presidente dos Estados Unidos empunha uma guitarra de madrugada na Urca para tocar rock-and-roll.

Aconteceu agora há pouco, diante de uma reduzidíssima platéia. Quando o concerto improvisado do repórter mais famoso do mundo acabou, há quarenta minutos, o público era formado por exatamente seis espectadores, sentados diante da fera. O abaixo-assinado, enviado especial do Sopa de Tamanco, testemunhou a cena. É ouro puro!

watergate22.jpg

Aos que nasceram ontem :Carl Bernstein é o repórter que, em dupla com Bob Woodward, entrou para a história ao cobrir o Escândalo de Watergate, entre 1972 e 1974. Do fim da história todos se lembram: as reportagens da dupla provaram que o governo Nixon estava envolvido na espionagem de adversários. Depois de negar até o fim o envolvimento do governo no chamado Escândalo de Watergate ( o arrombamento de um escritório do Partido Democrata no Edifício Watergate), o presidente Nixon foi obrigado a renunciar. Nunca na história americana um presidente tinha renunciado.

Ao final de uma recepção oferecida a ele por Ana Maria Tornaghi num casarão na Urca, Carl Bernstein - de passagem pelo Rio depois de fazer uma conferência em São Paulo na Câmara Americana de Comércio - surpreendeu a todos: pegou uma guitarra, cantou e tocou pérolas como "Sweet Little Sixteen", "Love is Strange" ( música gravada por Paul McCartney no começo dos anos setenta), a bela "Goodnight, Irene" ( folclore americano, regravada "n" vezes por feras como Little Richard) ,Bye,Bye Love" ( aquela que diz "Bye bye, happiness /Hello, loneliness /I think I´m gonna cry") e "Blue Sued Shoes".

Bernstein já foi crítico de rock. Tinha vinte anos em 1964. Ou seja: é um legítimo representante da geração que dançou ao som de Elvis Presley. A bem da verdade,diga-se que, como cantor, Bernstein é um excelente repórter. Como instrumentista, dá para o gasto. Se tivesse tentado a carreira nos palcos, estaria hoje tocando num boate do Alabama.

A família é chegada a música: um dos dois filhos de Bernstein é músico numa banda "punk-rock" chamada The Actual.

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Quando acabou de tocar, o super-repórter disse ao abaixo-assinado: "Hey, você tem uma matéria!".

Eu já estava ligeiramente constrangido: em São Paulo, tinha seguido os passos de Bernstein durante a conferência na Câmara Americana de Comércio. Acompanhei a entrevista coletiva. Gravei uma longa exclusiva. Tirei fotos. Pedi autógrafo num livro ( não é coisa que entrevistador faça normalmente com entrevistado. Mas, desculpe, Bernstein é meu ídolo profissional há séculos). Aqui no Rio, o assédio se repetia. Não seria hora de parar a "caçada" ? Minha porção chacal me soprou : não!

Um músico que tinha sido convidado para animar a noite no casarão na Urca terminou fazendo dupla com Bernstein. Chama-se Lê Andrade, paulista, 34 anos, há nove radicado no Rio. Quando o improviso dos dois acabou, Andrade estava nas nuvens: "Fazer dupla com ele ! Eu nunca pensei". Assim o músico resumiu a performance de Bernstein: "Que pessoa simples! Que pessoa feliz!".

O locutor-que-vos-fala entrevistou longamente Bernstein em São Paulo (a entrevista irá ao ar nas próximas semanas num programa especial na Globonews. Avisaremos aqui). Ao fim da entrevista, satisfeito com o jogo de perguntas-e-respostas, o generoso Bernstein me fez, diante da câmera, o maior elogio que ouvi na minha vida profissional. Pensei comigo : ok, stranger, agora já posso ir morar num rancho em Santa Maria da Boa Vista.

Em seguida, me pediu meus contatos: telefone, e-mail, celular. Perguntou se eu estaria no Rio nos próximos dias. Eu disse que sim. Pensei que o gesto de Bernstein fosse apenas uma daquelas cortesias que caem no esquecimento cinco minutos depois.

Sorte minha: não foi.

Neste sábado, quando abro o computador, o que é que pisca na tela ? Um e-mail de Carl Bernstein me convidando para um jantar. Dei uma saída. Quando chego em casa, nova surpresa: um recado na secretária eletrônica. Bernstein em pessoa. Por fim, quando pego o celular,outro recado do homem. Dois recados nos telefones, dois e-mails ( ele mandaria outro). O convite já não era um convite: era uma convocação.

Fui. Ganhei outro autógrafo, em que ele chama nossa entrevista de "terrific". Brincalhão, faz uma ressalva : diz que tinha adorado a gravação da entrevista, mas quer ver como é que ela seria editada. Tranquilizo-o: pretendo usar na íntegra, sem cortes, porque em TVs a cabo, como a Globonews, os entrevistados podem falar. Ficou de me passar um endereço, porque queria receber uma cópia da fita, em casa, em Nova York. Prometo, claro, despachar uma cópia em DVD. Juro por Nossa Senhora do Perpétuo Espanto que mandarei.

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Próximo assunto: falamos sobre a possível publicação no Brasil da última empreitada jornalística de Bernstein: a biografia de Hilary Clinton. Bernstein gostaria de ver lançado no Brasil o livro que acabou de lançar com fanfarras nos Estados Unidos.

Comento com a fera: uma boa data para o possível lançamento seria em meados do ano que vem, quando a campanha eleitoral americana começar a pegar fogo. O mundo inteiro acompanhará o duelo eleitoral pela sucessão de Bush. Bernstein concorda: junho é uma boa data. Lá pelas tantas, repito que ele nem de longe as "cifras" do mercado editorial brasileiro podem ser comparadas com as do mercado editorial americano. Bernstein concorda. Informa que a biografia como a de Hilary Clinton já sai com uma primeira fornada de 250 mil exemplares. Fiquei de fazer contatos (informais) com uma editora. Não sou agente literário, mas, neste caso, vale a exceção...

O espírito de repórter de Bernstein se manifesta a toda hora : em meio à recepção, ele sai perguntando aos convidados quem é que gosta e quem é que não gosta da Catedral Metropolitana do Rio. Tinha visitado a Catedral. Pelo visto, gostou. Mas ficou impressionado com a quantidade de gente que fala mal do prédio. "Você gosta da Catedral? Você gosta da Catedral", é o que repete. Depois, a cada vez que é apresentado a alguém, repete em voz alta o nome do convidado.


A uma jornalista em início de carreira, Clara Passi, que aproveitou a chance para perguntar qual seria o primeiro conselho que ele daria a um iniciante, Bernstein respondeu: "O repórter precisa saber ouvir!". Depois, aconselhou a ela que visse a entrevista que será mostrada na TV, porque ali ele dá "a explicação completa para esta pergunta".

A mulher de Berstein, uma loura altíssima, que dançou enquanto o marido tirava acordes da guitarra, disse que ele tem mania de fazer perguntas.

Pudera.

"Quando volto do supermercado, ele fica me perguntando o que é que comprei e onde fica a loja", ela diz. Informa que Hilary Clinton não aceitou dar uma entrevista para o livro que o marido estava preparando. "Carl trabalha há oito anos neste projeto. De início, Hilary disse que iria dar uma entrevista. Mas, depois que ela resolveu que iria tentar a candidatura á presidência, desistiu de falar".

Mr Bernstein não ficou a ver navios. A principal personagem do livro desistira da entrevista, mas ele levou adiante o projeto.


Passaram pelo casarão da Urca, "entre outros", o língua ferina Diogo Mainardi (uma boa chance para matar saudades de Paulo Francis), Chico Caruso, Argemiro Ferreira, o editor Geraldo Jordão e Gilberto Braga, no primeiro compromisso pós "Paraíso Tropical" ( um dia o Sopa de Tamanco terminaria publicando uma nota com jeito de coluna social....).

Informou em edição extraordinária o Plantão do Sopa de Tamanco, o primeiro com as últimas.

E você? O que é que acha da Catedral ?

Posted by geneton at 10:56 AM

LEANDRO OU LEONARDO ?

Zap. Uma mesa-redonda na MTV. Instala-se a dúvida: quem morreu ? Leandro ou Leonardo ? Toda vez que, por algum motivo, alguém cita o nome da dupla, a pergunta ressurge.

Sério: é uma das grandes dúvidas brasileiras.
O resto já foi resolvido.

Posted by geneton at 10:56 AM

PERGUNTA FEITA AOS CÉUS - AGAIN

O Senado continua solto ?

Posted by geneton at 10:53 AM

setembro 30, 2007

DESPACHOS SOBRE UM NOVO ENCONTRO COM CARL BERNSTEIN, O REPÓRTER QUE É ÍDOLO DOS REPÓRTERES



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Uma cena inimaginável na noite do Rio de Janeiro: o repórter que derrubou o presidente dos Estados Unidos empunha uma guitarra de madrugada na Urca para tocar rock-and-roll.

Aconteceu agora há pouco, diante de uma reduzidíssima platéia. Quando o concerto improvisado do repórter mais famoso do mundo acabou, há quarenta minutos, o público era formado por exatamente seis espectadores, sentados diante da fera. O abaixo-assinado, enviado especial do Sopa de Tamanco, testemunhou a cena. É ouro puro!

Aos que nasceram ontem :Carl Bernstein é o repórter que, em dupla com Bob Woodward, entrou para a história ao cobrir o Escândalo de Watergate, entre 1972 e 1974. Do fim da história todos se lembram: as reportagens da dupla provaram que o governo Nixon estava envolvido na espionagem de adversários. Depois de negar até o fim o envolvimento do governo no chamado Escândalo de Watergate ( o arrombamento de um escritório do Partido Democrata no Edifício Watergate), o presidente Nixon foi obrigado a renunciar. Nunca na história americana um presidente tinha renunciado.

Ao final de uma recepção oferecida a ele por Ana Maria Tornaghi num casarão na Urca, Carl Bernstein - de passagem pelo Rio depois de fazer uma conferência em São Paulo na Câmara Americana de Comércio - surpreendeu a todos: pegou uma guitarra, cantou e tocou pérolas como "Sweet Little Sixteen", "Love is Strange" ( música gravada por Paul McCartney no começo dos anos setenta), a bela "Goodnight, Irene" ( folclore americano, regravada "n" vezes por feras como Little Richard) ,Bye,Bye Love" ( aquela que diz "Bye bye, happiness /Hello, loneliness /I think I´m gonna cry") e "Blue Sued Shoes".

Bernstein já foi crítico de rock. Tinha vinte anos em 1964. Ou seja: é um legítimo representante da geração que dançou ao som de Elvis Presley. A bem da verdade,diga-se que, como cantor, Bernstein é um excelente repórter. Como instrumentista, dá para o gasto. Se tivesse tentado a carreira nos palcos, estaria hoje tocando num boate do Alabama.

A família é chegada a música: um dos dois filhos de Bernstein é músico numa banda "punk-rock" chamada The Actual.

Quando acabou de tocar, o super-repórter disse ao abaixo-assinado: "Hey, você tem uma matéria!".

Eu já estava ligeiramente constrangido: em São Paulo, tinha seguido os passos de Bernstein durante a conferência na Câmara Americana de Comércio. Acompanhei a entrevista coletiva. Gravei uma longa exclusiva. Tirei fotos. Pedi autógrafo num livro ( não é coisa que entrevistador faça normalmente com entrevistado. Mas, desculpe, Bernstein é meu ídolo profissional há séculos). Aqui no Rio, o assédio se repetia. Não seria hora de parar a "caçada" ? Minha porção chacal me soprou : não!

Um músico que tinha sido convidado para animar a noite no casarão na Urca terminou fazendo dupla com Bernstein. Chama-se Lê Andrade, paulista, 34 anos, há nove radicado no Rio. Quando o improviso dos dois acabou, Andrade estava nas nuvens: "Fazer dupla com ele ! Eu nunca pensei". Assim o músico resumiu a performance de Bernstein: "Que pessoa simples! Que pessoa feliz!".

O locutor-que-vos-fala entrevistou longamente Bernstein em São Paulo (a entrevista irá ao ar nas próximas semanas num programa especial na Globonews. Avisaremos aqui). Ao fim da entrevista, satisfeito com o jogo de perguntas-e-respostas, o generoso Bernstein me fez, diante da câmera, o maior elogio que ouvi na minha vida profissional. Pensei comigo : ok, stranger, agora já posso ir morar num rancho em Santa Maria da Boa Vista.

Em seguida, me pediu meus contatos: telefone, e-mail, celular. Perguntou se eu estaria no Rio nos próximos dias. Eu disse que sim. Pensei que o gesto de Bernstein fosse apenas uma daquelas cortesias que caem no esquecimento cinco minutos depois.

Sorte minha: não foi.

Neste sábado, quando abro o computador, o que é que pisca na tela ? Um e-mail de Carl Bernstein me convidando para um jantar. Dei uma saída. Quando chego em casa, nova surpresa: um recado na secretária eletrônica. Bernstein em pessoa. Por fim, quando pego o celular,outro recado do homem. Dois recados nos telefones, dois e-mails ( ele mandaria outro). O convite já não era um convite: era uma convocação.

Fui. Ganhei outro autógrafo, em que ele chama nossa entrevista de "terrific". Brincalhão, faz uma ressalva : diz que tinha adorado a gravação da entrevista, mas quer ver como é que ela seria editada. Tranquilizo-o: pretendo usar na íntegra, sem cortes, porque em TVs a cabo, como a Globonews, os entrevistados podem falar. Ficou de me passar um endereço, porque queria receber uma cópia da fita, em casa, em Nova York. Prometo, claro, despachar uma cópia em DVD. Juro por Nossa Senhora do Perpétuo Espanto que mandarei.

Próximo assunto: falamos sobre a possível publicação no Brasil da última empreitada jornalística de Bernstein: a biografia de Hilary Clinton. Bernstein gostaria de ver lançado no Brasil o livro que acabou de lançar com fanfarras nos Estados Unidos.

Comento com a fera: uma boa data para o possível lançamento seria em meados do ano que vem, quando a campanha eleitoral americana começar a pegar fogo. O mundo inteiro acompanhará o duelo eleitoral pela sucessão de Bush. Bernstein concorda: junho é uma boa data. Lá pelas tantas, repito que ele nem de longe as "cifras" do mercado editorial brasileiro podem ser comparadas com as do mercado editorial americano. Bernstein concorda. Informa que a biografia como a de Hilary Clinton já sai com uma primeira fornada de 250 mil exemplares. Fiquei de fazer contatos (informais) com uma editora. Não sou agente literário, mas, neste caso, vale a exceção...

O espírito de repórter de Bernstein se manifesta a toda hora : em meio à recepção, ele sai perguntando aos convidados quem é que gosta e quem é que não gosta da Catedral Metropolitana do Rio. Tinha visitado a Catedral. Pelo visto, gostou. Mas ficou impressionado com a quantidade de gente que fala mal do prédio. "Você gosta da Catedral? Você gosta da Catedral", é o que repete. Depois, a cada vez que é apresentado a alguém, repete em voz alta o nome do convidado.

A uma jornalista em início de carreira, Clara Passi, que aproveitou a chance para perguntar qual seria o primeiro conselho que ele daria a um iniciante, Bernstein respondeu: "O repórter precisa saber ouvir!". Depois, aconselhou a ela que visse a entrevista que será mostrada na TV, porque ali ele dá "a explicação completa para esta pergunta".

A mulher de Berstein, uma loura altíssima, que dançou enquanto o marido tirava acordes da guitarra, disse que ele tem mania de fazer perguntas.

Pudera.

"Quando volto do supermercado, ele fica me perguntando o que é que comprei e onde fica a loja", ela diz. Informa que Hilary Clinton não aceitou dar uma entrevista para o livro que o marido estava preparando. "Carl trabalha há oito anos neste projeto. De início, Hilary disse que iria dar uma entrevista. Mas, depois que ela resolveu que iria tentar a candidatura á presidência, desistiu de falar".


Mr Bernstein não ficou a ver navios. A principal personagem do livro desistira da entrevista, mas ele levou adiante o projeto.

Passaram pelo casarão da Urca, "entre outros", o língua ferina Diogo Mainardi (uma boa chance para matar saudades de Paulo Francis), Chico Caruso, Argemiro Ferreira, o editor Geraldo Jordão e Gilberto Braga, no primeiro compromisso pós "Paraíso Tropical" ( um dia o Sopa de Tamanco terminaria publicando uma nota com jeito de coluna social....).

E você? O que é que acha da Catedral ?


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outros textos: www.sopadetamanco.blogspot.com

Posted by geneton at 02:51 PM

DOM PEDRO II, POETA MODERNISTA ANTES DO MODERNISMO...

O verso modernista de Dom Pedro II :"Grande, como é grande a Ilha Grande".
Paulo Francis nota que, na época, o verso foi tido como estúpido, mas "é puro modernismo".

Aqui:

http://soaressilva.wunderblogs.com/archives/023272.html#more

Posted by geneton at 11:02 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Não é preciso ser um sabichão para perceber que todo governo em nosso querido país sempre sustentou neste binômio:
cobrar muito e com arrocho - e pagar mal e sem pressa.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 09:49 AM

setembro 29, 2007

NOTÍCIAS DA "MARATONA BERNSTEIN": UM DIA NO ENCALÇO DO REPÓRTER QUE DERRUBOU UM PRESIDENTE

Tive esta semana o privilégio de ouvir um dos meus ídolos profissionais ( meu e da torcida do Flamengo) : Carl Bernstein, o repórter que, em parceria com Bob Woodward, investigou o Escândalo de Watergate. Fazia anos que eu esperava por uma chance de entrevistá-lo.

Aos recém-nascidos: a dupla Bernstein-Woodward provou que o governo do presidente americano Richard Nixon estava envolvido em operações de espionagem de adversários políticos. Tudo começou quando um bando de mercenários arrombou um escritório do Partido Democrata, no Edifício Watergate, em Washington. O caso parecia, à primeira vista, uma mera escaramuça de gatunos sem importância.

Mas a persistência dos dois repórteres - que de início nem foram levados a sério - terminou expondo o fio da meada. Resultado: a crise provocada pelo chamado Escândalo Watergate adquiriu proporções bíblicas. Nunca na história americana um presidente tinha renunciado. Richard Nixon renunciou.

Bernstein e Woodward se transformaram em ídolos. Não era para menos.

Em apenas vinte e quatro meses, a vida dos dois virou de cabeça para baixo. Um perfil de Bernstein publicado nos Estados Unidos resume bem o que aconteceu : em dois anos, ele saltou da condição de "repórter de cidade" para o de super-celebridade. Uma cena ilustra a mudança de status : Dustin Hoffmann passou a frequentar a redação do Washington Post, para observar os trejeitos do repórter. Logo depois, o super-ator encarnou Carl Bernstein no (emocionante) filme "Todos os Homens do Presidente".

Ouvi Carl Bernstein três vezes esta semana em São Paulo - primeiro, numa conferência na Câmara Americana de Comércio; em seguida, numa coletiva; por fim, numa longa entrevista exclusiva.

Lá pelas tantas, ao falar do nível da imprensa, ele perguntou quantos na platéia tinham ouvido falar de Paris Hilton, a patricinha débil mental que virou "celebridade" apenas por ser "celebridade". Nunca fez nada de notável na vida.

A maioria dos ouvintes levantou a mão. É óbvio que a maioria conhecia a idiota.
Bernstein foi irônico: nem havia o que comentar. A imprensa criou um monstro.

Em seguida, o repórter fez uma nova pesquisa informal. Quantos ali na platéia achavam correta a intervenção americana no Iraque ? Somente um Cristo levantou a mão. Berstein acha que a administração Bush é "a mais desastrosa da história americana moderna". Os Estados Unidos vão demorar décadas para se recuperar. O super-repórter diz que o ataque ao Afeganistão pode ter sido um golpe contra o terror. Mas a invasão do Iraque, não. "O Iraque era um estado totalitário. Não era um estado terrorista".

Em breve, detalhes da minha Maratona Bernstein, o ídolo de todo repórter que se preze.

Posted by geneton at 11:06 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

Leio o artigão do famoso literato, penso:

- Que desperdício ! Tanta gramática, tanto pronome bem colocado, todas as vírgulas no lugar certo, e tudo para dizer o quê ? Absolutamente nada.

Posted by geneton at 10:53 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

Leio o artigão do famoso literato, penso:

- Que desperdício ! Tanta gramática, tanto pronome bem colocado, todas as vírgulas no lugar certo, e tudo para dizer o quê ? Absolutamente nada.

Posted by geneton at 10:53 AM

SOBRE ANIMAIS IRRACIONAIS

É manhã. O mundo funciona. Os pássaros gorjeiam. Os bêbados dormem. Você olha para o céu e pergunta a Nossa Senhora do Perpétuo Espanto: quem foi o animal irracional que concebeu a legislação penal brasileira ?

Somente um verme togado poderia admitir e aplicar uma lei que permite o seguinte: cinco anos depois de torturar o repórter Tim Lopes, o autor da monstruosidade ganha direito à progressão de pena, sai da cadeia para fazer um passeio e, óbvio, não volta.

Tanto o criminoso quanto quem autoriza tal benesse deveriam estar, por uma questão de justiça, no mesmíssimo lugar: apodrecendo no fundo de uma cela por, no mínimo, cinquenta anos.

Em qualquer sociedade minimamente civilizada, assassinos torturadores ( comprovados, julgados e condenados) passariam o resto da vida longe de outros seres humanos, pela simples razão de que são animais intratáveis.

Mas o Brasil, claro, é exceção.

Aqui, neste grande cabaré ensolarado, eles ganham de presente o direito de passear.

Ah, tristes trópicos....

Posted by geneton at 10:51 AM

PREFEITO QUE NÃO CHORA EM PÚBLICO NÃO SERVE PARA O CARGO

Ivan Lessa:

"Prefeito que não embarga a voz (fanha ou não) e não recolhe lágrimas em meio a discurso nunca poderá ser perfeito"

(aqui :http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/08/070829_ivanlessaebc.shtml)

Posted by geneton at 10:51 AM

A PELEJA DOS JORNALISTAS CONTRA OS TEXTOS: AH, RAÇA ESQUISITA....

Jornalista é bicho esquisito. Quem duvidar deve fazer um teste. Sem chamar atenção, aproxime-se de um grupo de jornalistas o mais sorrateiramente possível, para observar um fenômeno curiosíssimo. É fácil identificá-los, pelos ruídos que emitem: latidos, trinados, uivos, rugidos e outros sons menos votados. Apure os ouvidos. Com toda certeza, um jornalista ( provavelmente, um editor) estará dizendo a outro ( provavelmente, um repórter) : "Pode fazer, mas curta ! Trinta linhas, no máximo!". Ou: "Nada além de um minuto e meio!".

Ou seja: cinquenta por cento dos jornalistas que exercem de verdade a profissão nas redações passam noventa por cento do tempo útil proibindo os outros de escrever. Parece que escrever é uma praga. Nenhum assunto seria digno de merecer mais do que um punhado de parágrafos mambembes. Devem achar que todos os leitores sofrem de alfabetofobia ( se a palavra não existe, acaba de ser parida). "Não se estenda !". "O espaço não vai dar!". "Ficou grande!" "Vou ter de cortar!" etc.etc.etc. Os outros cinquenta por cento dos jornalistas passam noventa por cento do tempo implorando por espaço e por tempo.

Parte-se da suposição de que a) ninguém pode escrever; b) ninguém quer ler.

Ah, racinha desgraçada....

Brigar contra o tamanho dos textos - ou o tempo de uma reportagem - passou a ser a ocupação principal desses bípedes esquisitos.

É como se os médicos passassem o dia dizendo uns aos outros: "Vou fazer uma cirurgia, mas tem de ser rápida! Nada de passar dez minutos operando ! "

Ou os engenheiros jogassem fora energia e neurônios discutindo coisas como "vamos fazer a ponte, mas, pelo amor de Deus, nada além de dois metros ! ".

Conclusão: não existe maior inimigo da escrita do que os jornalistas.
Se o Brasil fosse uma democracia, qualquer cidadão com idade superior a cinco anos deveria ter o direito de dar voz de prisão ao primeiro jornalista que aparecesse pela frente.

Eu estaria a esta hora na terceira cela à esquerda da ala norte da Penitenciária Agrícola de Itamaracá.

Posted by geneton at 10:49 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Quem costumava contar a historinha era Sandro, o filho mais velho do dulcíssimo Álvaro Moreyra:

- Quando fez vestibular, o massagista Jairo, do Botafogo, ao deparar com a questão "Dê um exemplo de dívida flutuante", pensou rápido e respondeu: "Navio hipotecado"


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 09:54 AM

setembro 28, 2007

NOTÍCIAS DE MINHA "MARATONA BERNSTEIN" : UM DIA NO ENCALÇO DO REPÓRTER QUE DERRUBOU UM PRESIDENTE

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Tive esta semana o privilégio de ouvir um dos meus ídolos profissionais ( meu e da torcida do Flamengo) : Carl Bernstein, o repórter que, em parceria com Bob Woodward, investigou o Escândalo de Watergate. Fazia anos que eu esperava por uma chance de entrevistá-lo.

Aos recém-nascidos: a dupla Bernstein-Woodward provou que o governo do presidente americano Richard Nixon estava envolvido em operações de espionagem de adversários políticos. Tudo começou quando um bando de mercenários arrombou um escritório do Partido Democrata, no Edifício Watergate, em Washington. O caso parecia, à primeira vista, uma mera escaramuça de gatunos sem importância.

Mas a persistência dos dois repórteres - que de início nem foram levados a sério - terminou expondo o fio da meada. Resultado: a crise provocada pelo chamado Escândalo Watergate adquiriu proporções bíblicas. Nunca na história americana um presidente tinha renunciado. Richard Nixon renunciou.

Bernstein e Woodward se transformaram em ídolos. Não era para menos.

Em apenas vinte e quatro meses, a vida dos dois virou de cabeça para baixo. Um perfil de Bernstein publicado nos Estados Unidos resume bem o que aconteceu : em dois anos, ele saltou da condição de "repórter de cidade" para o de super-celebridade. Uma cena ilustra a mudança de status : Dustin Hoffmann passou a frequentar a redação do Washington Post, para observar os trejeitos do repórter. Logo depois, o super-ator encarnou Carl Bernstein no (emocionante) filme "Todos os Homens do Presidente".

Ouvi Carl Bernstein três vezes esta semana em São Paulo - primeiro, numa conferência na Câmara Americana de Comércio; em seguida, numa coletiva; por fim, numa longa entrevista exclusiva.

Lá pelas tantas, ao falar do nível da imprensa, ele perguntou quantos na platéia tinham ouvido falar de Paris Hilton, a patricinha débil mental que virou "celebridade" apenas por ser "celebridade". Nunca fez nada de notável na vida.
A maioria dos ouvintes levantou a mão. É óbvio que a maioria conhecia a idiota.
Bernstein foi irônico: nem havia o que comentar. A imprensa criou um monstro.

Em seguida, o repórter fez uma nova pesquisa informal. Quantos ali na platéia achavam correta a intervenção americana no Iraque ? Somente um Cristo levantou a mão. Berstein acha que a administração Bush é "a mais desastrosa da história americana moderna". Os Estados Unidos vão demorar décadas para se recuperar. O super-repórter diz que o ataque ao Afeganistão pode ter sido um golpe contra o terror. Mas a invasão do Iraque, não. "O Iraque era um estado totalitário. Não era um estado terrorista".

Em breve, detalhes da minha Maratona Bernstein, o ídolo de todo repórter que se preze.

Posted by geneton at 11:49 AM

DESCOBERTO O GRANDE INIMIGO DA NOTÍCIA! É ELE, O JORNALISTA!

Jornalista: o grande, o irremovível, o intransigente, o impermeável, o indiscutível, o plenipotenciário inimigo da notícia.

Parece uma frase para impressionar leigos,mas é a mais cristalina verdade:
o maior inimigo da notícia é o jornalista, sim!

É este o motivo que leva jornais,revistas e programas de TV a padecerem de chatice congênita.

Há exceções, claro. Mas quem já passou quinze minutos numa redação sabe que "jornalista" tido como eficiente não é aquele que reúne o melhor de suas forças para levar ao público histórias, cenas e personagens interessantes. Não ! Claro que não! "Jornalista" de verdade é aquele que passa vinte e três horas por dia procurando um motivo para NÃO publicar uma história. Vive com uma espingarda imaginária nas mãos, pronto para disparar um petardo que ferirá de morte a primeira história interessante que passar pela frente.

As crianças não acreditarão, mas é exatamente assim que as redações funcionam.

"Jornalista" cria uma escala de valores absurda - que só existe na cabeça de jornalistas - para exterminar reportagens : "não vale", "não é nova", "já saiu em outro jornal", "qual é o gancho ?".

O "jornalista" acha que o leitor ou telespectador é um maníaco que lê todos os jornais, todas as revistas e vê todos os programas. Basta que uma história qualquer - por melhor que seja - saia na página dezoito de um jornal "concorrente". Pronto. Acabou. Deve ser solenemente ignorada. O resultado? A história é abatida a tiros ali, antes de nascer. O leitor ( ou telespectador) fica a ver navios.

Em resumo: o maior pecado do jornalista é fazer jornal ( ou revista ou TV) para jornalista. Não para o leitor ou telespectador. O resultado ? A epidemia de chatice jornalística que se espalha, feito metástase.

Uma reportagem só chega às mãos do leitor - ou aos olhos e ouvidos do telespectador - depois de enfrentar uma terrível, desgastante e patética corrida de obstáculos dentro das redações. Quando, finalmente, chega a público, exibe a aparência de um bicho ferido, maltratado, destroçado pelas garras dos exterminadores de matérias.

Com um atraso de três décadas e meia, faço uma oração para Nossa Senhora do Espanto e constato : não, esta não é minha tribo.

Procuro uma atividade mais útil : que tal - por exemplo - fiscal de animais de grande porte ? ( diz a lenda que existia este cargo na folha de pagamentos de uma prefeitura pernambucana). Ou observador de aviões em trânsito ? Ou, quem sabe, fabricante de bolhas de sabão.

Fiquei de pensar.

Posted by geneton at 11:07 AM

SOBRE JORNALISMOS E JORNALISTAS - 2

Depois de observar durante três décadas e meia os movimentos das mandíbulas dos seres bípedes que povoam as redações, posso declarar em cartório, com firma reconhecida, o seguinte: não há meio termo; só existem dois tipos de jornalistas. Os ruins - que, diante de uma boa história, perguntam : mas por que publicar ? E os bons - que preferem sempre perguntar: e por que não ?

Os primeiros são maioria esmagadora.

Feita esta constatação, fecho a cortina, apago a luz do meu teatro mambembe, caminho por entre poltronas vazias e pego a direção da rua:
é lá que estão as grandes histórias, os grandes personagens, as grandes vitórias e os grandes fracassos que, em tese, deveriam alimentar o jornalismo.

Em tese.

Posted by geneton at 11:06 AM

setembro 27, 2007

SENADO 1 X 0 CIRCO

A TV é diversão garantida para todas as idades.

Basta sintonizar a TV Senado transmitindo uma sessão.

Com uma ou outra exceção, circo perde.

Posted by geneton at 12:27 PM

BRABO

O Jornal do Brasil anunciou ontem, em manchete: um militar envolvido na Guerrilha do Araguaia disse que receberá "à bala" algum emissário que queira saber onde foram enterrados os corpos dos guerrilheiros sumidos.

O bicho é brabo.

Posted by geneton at 12:27 PM

A MOÇA DIFÍCIL ATACA NOVAMENTE: SINÉAD O´CONNOR. E A CANÇÃO É BONITA

Sinéad O´Connor deve ser "difícil". Quando rasgou uma foto do Papa João Paulo II num palco, despertou iras. Há três anos, anunciou que iria encerrar a carreira. Fez um pedido numa carta aberta: se alguém a visse na rua, por favor: que não apontasse para ela, não dissesse "hei, lá vai Sinead O´Connor", não pedisse autógrafo, não tirasse fotos. Porque ela queria apenas levar uma vida banal como a de noventa e nove por cento dos outros viventes. Mas parece que ela não aguentou a distância dos palcos. Resolveu voltar aos estúdios. As músicas - surpresa! - trazem um tom de devoção religiosa. Justiça se faça : a moça difícil sabe fazer melodias bonitas. E letras também.

Título (bíblico) da música: "Dark Am I Yet Lovely"

Posted by geneton at 12:26 PM

setembro 23, 2007

MÍMICA : UM PASPALHO FAZENDO GESTOS IDIOTAS COM UMA EXPRESSÃO INVARIAVELMENTE ABOBALHADA

O mímimo mais famoso do mundo morreu. Que a terra lhe seja leve.

Mas é tentador perguntar: pode existir coisa mais chata do que mímica ? A arte da mímica resume-se ao seguinte: um paspalho fica em cima do palco fazendo gestos idiotas com uma expressão invariavelmente abobalhada.

Pergunta-se: se as cordas vocais estão funcionando, por que ele não fala logo, em vez de ficar esperando que a platéia adivinhe o que ele quer dizer ? O pior é que o paspalho ( ou a paspalha) acha que a platéia deve rir de tal cena.

É insuportável.

A mímica emplacaria qualquer lista das coisas mais chatas do Planeta Terra. Mas, justiça se faça, há outros concorrentes de peso.

Cirque du Soleil, por exemplo.

Cruz credo.

Por falar no campeonato mundial de chatices : o Sopa de Tamanco recomenda uma visita ao blog de Nelson Vasconcelos e Mirelle de França, no Globo On Line, onde faz sucesso uma votação democrática para escolher os campeões da chatice musical:

http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/nelson/

A eleição foi deflagrada, indiretamente, por um post do Sopa de Tamanco que perguntava: pode existir na face da terra música mais chata do que "Ne Me Quitte Pas" ?

Pela reação dos blogueiros, pode.

A lista é infinita.

Posted by geneton at 12:30 PM

CANALHAS !

Meio-dia. É hora de cumprir o dever diário: chamar de canalhas os senadores que fizeram aquela palhaçada em Brasília ( e os que, fora do Senado, tentam vergonhosamente justificar a presepada).

"Canalhas!".

Ok. Missão cumprida.

Posted by geneton at 12:27 PM

setembro 22, 2007

DEVER DE CASA : UM GRITO PARA OS SENADORES CANALHAS

Onze da manhã. O dever de casa precisa ser cumprido também aos sábados, domingos e feriados: pelo menos uma vez por dia, todos devem chamar de canalhas os senadores calhordas que encenaram aquela palhaçada em Brasília. Absolveram o presidente do Senado - que recebia dinheiro de lobista de empreiteira.

Todos numa só voz: canalhas !

Missão cumprida. O sábado já pode seguir.

Posted by geneton at 12:30 PM

setembro 21, 2007

"NE ME QUITTE PAS" É O SUPRA-SUMO DA CHATICE. E O SOPADETAMANCO PROVOCA MAREMOTO MUSICAL

Uma pergunta fora de época e desimportante lançada pelo Sopa de Tamanco ( "pode existir na face da terra música mais chata que Ne Me Quitte Pas ?") ecoou no Globo on Line, no blog do bravo companheiro Nelson Vasconcelos, frequentador destas plagas tamanqueiras. O Sopa de Tamanco "repercute" de novo na rua Irineu Marinho! Um dia, o Sopa chegará ao New York Times. É uma questão de tempo.

A partir da pergunta sobre a chatice imbatível de Ne Me Quitte Pas, Nelson Vasconcelos convocou os leitores a fazer a Grande Lista da Chatice. Sucesso total ! Tambores rufando ! Cortinas se abrindo. Estão todos convidados a participar da eleição. Vão,mas voltem correndo, porque o Sopa de Tamanco enfrenta uma crise de audiência sem precedentes. Cabeças vão rolar. Uma junta de veterinários já foi convocada para analisar o cérebro dos tamanqueiros.

Eis a primeira lista da chatice musical, feita pelos leitores:

/http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/nelson/

Posted by geneton at 12:58 PM

DEVER CÍVICO DE TODO CIDADÃO HONESTO

Vai dar uma da tarde. Já chamou de canalhas os senadores que encenaram aquela palhaçada inominável na semana passada ?

Ainda é tempo: canalhas !

Pronto. A tarde já pode começar.

Posted by geneton at 12:56 PM

PERGUNTA FEITA AOS CÉUS

Os praticantes - e professores - de dança de salão continuam soltos ?

Posted by geneton at 12:56 PM

CADÊ A GUARDA SUÍÇA - QUE NÃO CHEGA ?

O governador do Rio foi ao Vaticano pedir ao Papa paz no Rio.

Já se passaram três dias. E nada de a Guarda Suíça subir o Morro do Alemão.

O Sopa de Tamanco vai esperar até amanhã para ver.

Posted by geneton at 12:30 PM

setembro 20, 2007

O PAPA ALEMÃO

O jornal do dia informa : o governador do Rio disse que pediu ao Papa Bento XVI paz no Rio.

Eis o pedido certo para a pessoa certa!

O Papa pensou,pensou,pensou - e ficou de mandar a Guarda Suíça para o Complexo do Alemão.

Em breve.

Posted by geneton at 01:01 PM

ORAÇÃO DIÁRIA CONTRA OS CAFAJESTES DO SENADO FEDERAL

Já passa do meio-dia. O Sopa de Tamanco pergunta: o caro leitor já cumpriu o dever cívico ? Já chamou de canalhas e cafajestes inclassificáveis os senadores picaretas que armaram aquela palhaçada vergonhosa na semana passada ?

Se já chamou, tudo bem. Missão cumprida.

O dia pode começar.

Posted by geneton at 01:00 PM

DEMOCRACIA JÁ !

O Brasil só será uma democracia plena no dia em que todo e qualquer cidadão maior de doze anos de idade puder dar voz de prisão a jornalistas que provam uma comida, encaram a câmera com olhar lânguido e dizem "hum....que delícia!" ....

Posted by geneton at 12:59 PM

PERGUNTA INÚTIL, FORA DE ÉPOCA E DESIMPORTANTE

Pode existir na face da terra música mais chata do que Ne Me Quitte Pas ?

Posted by geneton at 12:58 PM

PERGUNTA INÚTIL, FORA DE ÉPOCA E DESIMPORTANTE

Pode existir na face da terra música mais chata do que Ne Me Quitte Pas ?

Posted by geneton at 12:58 PM

setembro 19, 2007

CONFIRMADÍSSIMO : O MAIOR INIMIGO DA NOTÍCIA É O JORNALISTA


Tempo de serviço deve servir para alguma coisa. Não é possível que seja de todo inútil.

Em meu caso, depois de trinta e cinco (!!) anos de pastagem em redações, tempo de serviço serviu para que eu aprendesse o seguinte:

o maior, o mais nocivo, o mais destrutivo, o mais implacável, o mais intransigente inimigo da notícia é o jornalista.


Aviso aos navegantes: não é "frase de efeito". É a mais cristalina verdade.

Já se disse que o melhor jornal é aquele que vai para a cesta do lixo das redações. Ou seja :o que não é publicado.

Um leigo ficaria boquiaberto se testemunhasse por cinco minutos o que acontece em qualquer redação : exércitos de burocratas, com uma lança afiada em punho, passam o dia caçando a primeira história interessante que aparecer pela frente.

Quando encontram uma pela frente, esfolam a coitada a golpes de lança, socos, pontapés e cuteladas ( quando eu era criança, toda vez que um lutador chamado Verdugo acertava um golpe no adversário, o locutor do Telecatch Montilla gritava : "Cutelada sensacional de Verdugo !". "Cutelada". Eu sabia que um dia iria escrever esta palavra. O grande dia chegou.)

Se o tal locutor ressuscitasse para animar as redações, exclamaria de cinco em cinco minutos :"Cutelada sensacional na notícia !".

É assim que são feitos jornais, revistas e TVs.

Gente que se acha investida de um mandato divino resolve decidir, a cuteladas, o que é que o distinto público deve e quer saber.

"Cutelada sensacional" na profissão!

Posted by geneton at 01:03 PM

TAREFA DIÁRIA: CHAMAR DE CAFAJESTES OS CANALHAS DO SENADO

São quase onze e meia da manhã. Que ninguém se esqueça do dever cívico: pelo menos uma vez por dia, chamar de cafajestes os canalhas do Senado que protagonizaram aquela palhaçada na semana passada.

Canalhas ! Cafajestes !

O dia já pode começar.

Posted by geneton at 01:03 PM

setembro 18, 2007

A BELEZA DA ORAÇÃO, POR NÉLSON RODRIGUES

Em "O Óbvio Ululante", coletânea recém-lançada das crônicas do imbatível Nélson Rodrigues:

"Duas mãos postas são sempre tocantes, ainda que se reze pelo Vampiro de Dusseldorf".

Posted by geneton at 01:05 PM

setembro 17, 2007

DEVER DE CONSCIÊNCIA : PELO MENOS UMA VEZ POR DIA, CHAME DE CANALHAS OS SENADORES QUE FIZERAM AQUELA PALHAÇADA INDEFENSÁVEL

Já são quase onze da manhã. Que ninguém se esqueça do dever de casa: pelo menos uma vez por dia, é preciso chamar de canalhas os senadores que fizeram aquela palhaçada inominável com o Senado.

Canalhas, canalhas, canalhas. Os que votaram a favor dos trambiques: canalhas. Os que se abstiveram : canalhas.

Dever de casa cumprido. Agora, com atraso, o dia já pode começar.

Posted by geneton at 01:09 PM

MANTRA DIÁRIO

São quase nove e meia da manhã. Já chamou o Senado de canalha hoje ?

Posted by geneton at 01:05 PM

MANTRA DIÁRIO

São quase nove e meia da manhã. Já chamou o Senado de canalha hoje ?

Posted by geneton at 01:05 PM

setembro 16, 2007

SENADO, BAHAMAS, BRASÍLIA

Toda a imprensa noticiou: o Bahamas, um cabaré disfarçado de hotel nas proximidades do aeroporto de Congonhas, foi fechado, porque o prédio representaria um risco para os aviões.

Por que não chamam o dono do Bahamas para dar logo uma boa notícia?

Caro empresário, seus problemas acabaram! Há uma solução facílima para o problema: o Bahamas poderia se mudar imediatamente para o prédio do Senado Federal.

Depois da votação desta semana, ninguém, absolutamente ninguém, notaria a diferença.

Nem vai ser preciso botar uma luz vermelha na porta ( se bem que um lobista de empreiteira certamente ofereceria o mimo).

Quando alguém lesse a palavra "Senado Federal", faria, na hora, uma associação de idéias.

Senado. Sinônimo: cabaré. Uma campanha nacional deveria ser lançada em rede nacional de rádio e TV: que o Bahamas se mude para o Senado, já ! É o negócio certo no prédio certo. A crise estaria resolvida. E as empreiteiras teriam um lugar apropriado para divertir seus lobistas.

Posted by geneton at 02:10 PM

BRIGA DE CACHORRO GRANDE : CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE VERSUS NÉLSON RODRIGUES ( DETALHES NO "DOSSIÊ DRUMMOND", JÁ NAS MELHORES LIVRARIAS...)

Carlos Drummond de Andrade não gostava de Nélson Rodrigues.
O motivo da desavença entre os dois monumentos não era exatamente literário. Uma vez, Nelson Rodrigues convidou Drummond a ver uma de suas peças. Ficou esperando pelo elogio público. Mas o elogio não veio, porque Drummond achara de mau gosto uma cena que mostrava um parto no palco. Nélson Rodrigues se vingou: terminou escrevendo uma peça em que uma família degenerada tinha como sobrenome "Drummond". O poeta não passou o recibo da provocação. Permaneceu calado. A história completa da briga de cachorros grandes você lê no "Dossiê Drummond",livro-reportagem que acaba de ser relançado, pela Editora Globo, em edição ampliada - e com um belo projeto gráfico. O "Dossiê" traz, na íntegra, sem qualquer corte, a última grande entrevista de Drummond, gravada pelo abaixo assinado dias antes da morte do poeta, em 1987.

Sopa de Tamanco: o lugar ideal para fazer propaganda em causa própria....

Posted by geneton at 01:09 PM

setembro 15, 2007

A GRANDE SOLIDÃO BRASILEIRA

Dinheiro bem gasto :"O Óbvio Ululante/ As Primeiras Confissões", nova coletânea dos textos imortais de Nélson Rodrigues.

Lá pelas tantas, ele diz : "O brasileiro é um ser crispado de solidão"

Posted by geneton at 01:09 PM

setembro 13, 2007

CONVOCAÇÃO GERAL: QUE CAIA UMA CHUVA DE E-MAILS SOBRE O SENADO CANALHA FEDERAL

Um estudante pichou num muro de Paris, em maio de 1968, a seguinte pergunta:

"E se a gente incendiasse a Sorbonne ?"

Pois bem: e se o Senado fosse incendiado ?

O pior, o trágico é que ninguém sentiria falta.

As exceções são conhecidas. Mas aquilo é um bando de canalhas desclassificados.

Se a maioria acha que é ético e legal receber dinheiro vivo de empreiteira, o que será errado, então ?

Canalhas, canalhas, canalhas: a escória da escória. E pior é que vêm para a praça pedir votos dos otários - nós, por supuesto.

Não vale a pena perder tempo com este bando engravatado. Mas, para que o acinte não passe em branco, o Sopa de Tamanco grita para o vento:

Canalhas, canalhas, canalhas.

De novo: canalhas, canalhas, canalhas.

Que tal se todo mundo mandasse para os integrantes da quadrilha (todos sabem quem são) um e-mail com uma palavra só ?

A palavra, claro, seria o sinônimo de Senado: canalha!

O site do Senado deve ter o endereço de cada um dos meliantes. Não passei por lá com medo de sujar o monitor.

Se uma chuva de e-mails desabasse no lupanar brasiliense, pelo menos a caixa postal dos bandidos ficaria cheia.

Não é nada. Mas já seria alguma coisa.

Mãos à obra! Allons, enfants de la patrie!

Posted by geneton at 02:11 PM

setembro 12, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

O mal de Deus é que ele exagera muito quando quer agradar a alguém.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 02:13 PM

A LISTA DOS ANIMAIS EM EXTINÇÃO

Acaba de sair a lista de animais ameaçados de extinção. Aqui:

http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/09/070912_listaextincao_ba.shtml

Só faltou incluir um bicho: senador com vergonha na cara.

É animal raro.

Posted by geneton at 02:13 PM

OS PIORES CANALHAS

Os piores canalhas, nesta cachorrada toda encenada pelo Senado, foram os senadores que se abstiveram.

Que grandes, que irrecuperáveis canalhas.

Só são comparáveis aos que votaram a favor da absolvição.

Posted by geneton at 02:13 PM

setembro 11, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Certa vez, perguntaram a Rômulo Bittencourt, quando ele era presidente da Venezuela:

- Por que nunca houve um golpe militar nos Estados Unidos ?

Ele respondeu:

- Porque lá não existe embaixador americano!


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 02:15 PM

setembro 10, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Todo memorialista deveria provar na Justiça ser verdadeiro tudo o que disse em suas memórias - antes de publicá-las, é claro.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 02:18 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

De um copioso romancista pátrio:

- Aprendi muito com Balzac.

Agora só falta provar.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 02:15 PM

A CONTAGEM REGRESSIVA DO SENADO

Começou a contagem regressiva !

Dentro de quarenta e oito horas, o Senado decidirá se passa ou não a funcionar com uma luz vermelha na fachada, velho código de beira de estrada que quer dizer "cabaré : aqui".

Tudo depende do resultado da tal votação - que, como a maioria das coisas que acontece num cabaré , será secreta.

"A ver".

Posted by geneton at 02:15 PM

setembro 07, 2007

SENADO : NUNCA HOUVE TANTO NOJO, TANTO NOJO, TANTO NOJO

Vai ser divertido (para não usar outra palavra) acompanhar a votação do Escândalo Renan no Senado. O voto, parece, será secreto. Mas os bravos repórteres políticos certamente apurarão os nomes quem votou a favor das maracutaias do presidente bovino.

A votação servirá para que eleitores - tratados como grandes otários nesta palhaçada vergonhosa - saibam quais são os senadores que acham que um presidente do Senado envolvido até o pescoço em tramóias contábeis deve continuar no cargo, como se nada tivesse acontecido.

O Sopa de Tamanco disse e repete: nunca houve, na história do Congresso, um caso de tão fácil resolução. O presidente do Senado recebeu dinheiro (vivo!) de um lobista de empreiteira ? Recebeu. O caso deveria ter acabado aqui. Em qualquer republiqueta de décima categoria, o próprio presidente do Senado deveria se declarar moralmente impedido de exercer o cargo. Ponto final.

Mas aqui não: o escândalo se arrasta até ultrapassar o limite do suportável. E ainda apareceu um senador que merecia ganhar o diploma de estupidez, desfaçatez e canalhice: disse que as contas apresentadas pelo presidente trambiqueiro eram "consistentes".

O resultado da cachorrada ? O Senado nunca foi tão desmoralizado, tão desprezado, tão ridicularizado, tão aviltado. Nunca despertou tanto nojo, tanto nojo, tanto nojo.

O show da votação será encenado na semana que vem.

É imperdível.

Posted by geneton at 02:20 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

A prova de que não sou um autor popular está no fato de que nunca surpreendi no ônibus alguém lendo um livro meu.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 10:08 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Quem escreveu um bom romance, destes que ficam, nem precisa ser intelectual.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 09:09 AM

setembro 06, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

De volta da cidadezinha onde passou as férias ( e onde também nasceu) , meu amigo comenta:

- Como tem poeta naquelas bandas ! Em cada esquina, em cada boteco, é um enxame deles. O que está em falta lá é a poesia...


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 10:12 AM

setembro 05, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

Discutir com Bach ou Beethoven é tolice.

Eles têm sempre razão.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 10:31 AM

ORAÇÃO PARA NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO ESPANTO, A SER PRONUNCIADA NO SENADO FEDERAL

Dizei, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, que força estranha é esta que leva canalhas engravatados a fazer declarações públicas a favor das tramóias escandalosamente imorais do presidente do Senado ? Nunca existiu, na história das maracutaias legislativas, um caso tão simples de resolver.

É o que o Sopa de Tamanco vem dizendo desde o início. Bastaria perguntar: o presidente do Senado recebeu dinheiro de um lobista de empreiteira ? Recebeu. Pronto. Caso resolvido. Não há o que discutir. Se tivesse um mililitro de vergonha circulando na corrente sanguínea, o senador que embolsou dinheiro da empreiteira se declararia moralmente impedido de exercer o cargo. Ponto final. Mas aqui,nesta republiqueta, não: o trambiqueiro vai à tribuna para falar de "pátria, verdade e liberdade".

Vão se passar cem anos até que o Senado se livre da imagem de prostíbulo de décima-oitava categoria.

E pensar que o Senado era visto com reverência....

O circo parece armado. Agora, só falta saber com quantos canalhas se tentar construir uma absolvição.

Vai ser divertido fazer a contagem.

Valei-nos, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto.

Posted by geneton at 10:31 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Dizia o velho revisor do semanário:

- Na vida de cada um de nós, ou há vírgulas de mais ou vírgulas de menos.

E me encarando:

- Entende o que quero dizer ?

Nunca entendi, mas desconfio que ele tinha razão.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 09:31 AM

setembro 04, 2007

GÂNGSTER POR GÂNGSTER....

Passo os olhos nas prateleiras de um sebo. Descubro um livro intitulado "Por que sou um "Gângster" da Imprensa". Autor: Fredy Daltro. Ano: 1959.
Títulos de capítulos: "Luzes,pernas,palco e pouca vergonha". "Avalancha de adultérios invade o cenário artístico". E assim por diante.
A quarta capa traz os dizeres: "Dinheiro. A carne humana. A morte. As três forças do mundo".

Eis uma atitude que deveria ser seguida, por exemplo, por senadores bovinos. Por que não imitam o jornalista gângster ? Por que, num rasgo de autocrítica, não publicam logo um livro chamado "Por que Sou um Gangster do Senado" ?

Um dia, daqui a anos, um visitante acidental de um sebo manuseará o livro, soltará um discreto riso de escárnio e pensará com seus botões: "Ah, como é bela a autocrítica...."

Posted by geneton at 10:38 AM

"NÃO DÊ COMIDA AOS JORNALISTAS"

Do blogueiro Ruy Goiaba:

"Trabalhando em redação, nunca entendi como as crianças-de-escola que vêm visitar os jornais não são, por força de lei, acompanhadas por um monitor de zoológico que avise coisas como "cuidado, aquele ali morde!". Mas aguardo para breve as plaquinhas "não dê comida aos jornalistas".

(aqui: http://puragoiaba.apostos.com/)

Posted by geneton at 10:38 AM

"NÃO DÊ COMIDA AOS JORNALISTAS"

Do blogueiro Ruy Goiaba:

"Trabalhando em redação, nunca entendi como as crianças-de-escola que vêm visitar os jornais não são, por força de lei, acompanhadas por um monitor de zoológico que avise coisas como "cuidado, aquele ali morde!". Mas aguardo para breve as plaquinhas "não dê comida aos jornalistas".

(aqui: http://puragoiaba.apostos.com/)

Posted by geneton at 10:38 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Já disse e volto a insistir: toda mulher de presidente da República, aqui ou em qualquer outra parte do mundo, devia ter pernas grossas. É inabalável convicção minha, fruto de anos e anos de demoradas e, por vezes, insones reflexões.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 10:33 AM

setembro 03, 2007

"O FILHO ETERNO" : ROMANCE, AUTOBIOGRAFIA OU REPORTAGEM ? POUCO IMPORTA. É UM LIVRAÇO


O escritor Cristovao Tezza, 55 anos, romancista, ex-relojoeiro (!), catarinense radicado em Curitiba, professor da Universidade Federal do Paraná, acaba de cometer uma façanha e criar um problema para a literatura brasileira.

A façanha : recém-lançado, "O Filho Eterno" já desponta como favoritíssimo ao título de melhor do ano. O problema : "O Filho Eterno" foi publicado pela Editora Record na categoria de "romance brasileiro", mas é um texto escancaradamente autobiográfico.


Tezza descreve, sem jamais cair no melodrama ou na pieguice, um acontecimento que o fez se sentir como se fosse um boi cabeceando inutilmente contra as paredes do corredor de um matadouro: o dia em que recebeu a notícia de que o primeiro filho, tão esperado, tinha Síndrome de Down.

Não é exagero carimbar "O Filho Eterno" desde já como o lançamento do ano. O site de literatura Todoprosa, mantido por Sérgio Rodrigues, também concedeu este título antecipado do livro. Ainda é agosto. Mas, pelo menos na categoria de "romance brasileiro", a disputa pelo campeonato de melhor do ano parece resolvida. Que se apresentem os outros candidatos.

Pergunte-se a um leitor médio, aquele que desembarca na livraria simplesmente em busca de uma bela descoberta : o que é que define uma boa leitura ? Nove entre dez dirão que boa leitura é aquela capaz de prender a atenção. Que outra coisa pode querer um autor ? E excelente leitura é aquela que arrebata. É o caso de "O Filho Eterno". Tezza acaba de criar o Expresso 222 da literatura. As 222 páginas de O Filho Eterno voam, arrebatadoras, como se fossem vinte.

Referir-se a si próprio na terceira pessoa virou sinônimo de vaidade desde que Pelé - e outras celebridades menos votadas - cairam nessa tentação. O autor de "O Filho Eterno" se enquadra na categoria dos que falam de si próprios na terceira pessoa por outro motivo: o excesso de pudor na hora de subir à ribalta para se expor aos olhos do público. É compreensível. O fato de a narração ser feita na terceira pessoa é, provavelmente, o único detalhe que impede "O Filho Eterno" de se enquadrar na categoria de autobiografia.

Resta o "problema" literário criado por "O Filho Eterno" : a partir de que momento uma narrativa amparada em fatos deixa de ser uma autobiografia para se transformar em "romance" ? É tudo uma questão de primeira ou terceira pessoa ? Estudantes de Letras, se é que existem, mãos á obra!

"O Filho Eterno" poderia também ser qualificada como uma peça do chamado "novo jornalismo", uma reportagem irretocável, merecedora de todo aplauso numa época em que texto jornalístico, golpeado pelos "idiotas da objetividade", cabeceia, também ele, como se fosse um boi no corredor de um matadouro. O livro não deixa de ser uma bela reportagem autobiográfica de um pai que toma para si uma tarefa dificílima : a de narrar uma dor inenarrável ou, para usar uma palavra que é cara ao autor, "irredimível".

A certa altura do texto, Tezza confessa ser um daqueles autores que, em nome da devoção incondicional à literatura, são capazes de engolir durante anos a fio recusas de editoras e eventuais fracassos de venda. Ainda assim, vão adiante, porque crêem que o que conta é o embate original com as folhas de papel em branco (ou com a tela alva do computador) : neste cenário íntimo, pessoal e intransferível, os Cristovao Tezza entregam-se à acidentada tarefa de tentar traduzir a vida em palavras, "dar nome às coisas". Todo o resto é acidente, vaidade, desvio, perda de tempo, mera consequência.

"Os escritores brasileiros somos pequenos ladrões de sardinha, Brás Cubas inúteis", diz, a certa altura do livro. Imagina-se, lá pelas tantas, autor de livros que ninguém lerá - e pai de um filho que não poderia amar. Mas persiste, porque, para ele, escrever é uma escolha radical, uma predestinação que não depende de coisas tão pequenas quanto os humores das editoras ou as leis de mercado.

Quem termina a travessia arrebatadora das 222 páginas de "O Filho Eterno" haverá de sentir um alívio e uma alegria. O leitor concluirá que, feitas as contas, o poeta Drummond tinha toda razão ao dizer que nossa existência é "um sistema de erros", "um vácuo atormentado", "um teatro de injustiças e ferocidades" , mas, no caso de Cristovao Tezza, tanta dor, tanto tormento, tanto espanto, tanto vácuo, tanto remorso, tanta incredulidade, tudo, enfim, foi recompensado com uma bela contrapartida, o melhor prêmio que um escritor poderia esperar : concebeu um livro que todos deveriam ler sobre um personagem que todos haverão de amar. Chama-se Felipe.

É este o nome do filho eterno.

*********************************************************************************
Trechos de "O Filho Eterno" , em que o pai recebe a notícia de que o filho tinha sido diagnosticado como portador da Síndrome de Down:

"Em um átimo de segundo, em meio à maior vertigem de sua existência, a rigor a única que ele não teve tempo ( e durante a vida inteira não terá) de domesticar numa representação literária, apreendeu a intensidade da expressão "para sempre" - a idéia de que algumas coisas são de fato irremediáveis, o sentimento absoluto, mas óbvio, de que o tempo não tem retorno, algo que ele sempre se recusava a aceitar. Tudo pode ser recomeçado, mas agora não: tudo pode ser refeito, mas isso não ; tudo pode voltar ao nada e se refazer, mas agora tudo é de uma solidez granítica e intransponível : o último limite, o da inocência, estava ultrapassado; a infância teimosamente retardada terminava aqui, sentindo a falta de sangue na alma, recuando aos empurrões, sem mais ouvir aquela lengalenga imbecil dos médicos".

"Ele recusava-se a ir adiante na linha do tempo; lutava por permanecer no segundo anterior à revelação, como um boi cabeceando no espaço estreito da fila do matadouro; recusava-se mesmo a olhar para a cama, onde todos se concentravam num silêncio bruto, o pasmo de uma maldição inesperada. Isso é pior do que qualquer coisa, ele concluiu- nem a morte teria esse poder de me destruir. A morte são sete dias de luto, e a vida continua. Agora, não. Isso não terá fim. Recuou dois, três passos, até esbarrar no sofá vermelho e olhar para a janela, para o outro lado, para cima, negando-se, bovino, a ver e a ouvir".

"Pai e mãe são tomados pelo silêncio. É preciso esperar para que a pedra pouse vagarosamente no fundo do lago, enterrando-se mais e mais na areia úmida, no limo e no limbo, é preciso sentir a consistência daquele peso irremovível para todo o sempre, preso na alma, antes de dizer alguma coisa. Monossílabos cabeceantes, teimosos - os olhos não se se tocam".

"Se eu escrever um livro sobre ele, ou para ele, o pai pensa, ele jamais conseguirá lê-lo"

"Eu não posso ser destruído pela literatura; eu também não posso ser destruído pelo meu filho - eu tenho um limite : fazer, bem-feito, o que posso e sei fazer, na minha medida. Sem pensar, pega a criança no colo, que se larga saborosamente sobre o pai, abraçando-lhe o pescoço, e assim sobem as escadas até a porta de casa"

"Durante todos esses anos sentiu o peso ridículo de ser escritor, alguém que publica livros aos quais não há resposta, livros que ninguém lê ; e resistiu bravamente, e pelo menos nisso teve sucesso, ao consolo confortável, à coceira na língua, quase sempre calhorda, de despejar no mundo as culpas da própria escolha"

Posted by geneton at 10:48 AM

NOTÍCIAS DE TEERÃ : O PINTOR HIPER-SUPER-REALISTA

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Parece uma foto. É uma pintura hiper-realista de um artista iraniano. Nome: Imam Maleki. O blog de Ricardo Noblat deu a dica. O Sopa de Tamanco repete. As pinturas de Maleki são comparadas a fotos de alta definição. Prato cheio para aqueles discussões estéreis sobre se este tipo de pintura é grande arte ou não.

São bonitas. Em última instância,é só o que interessa, na arte: a beleza.

(aqui, o link para Teerã: http://www.imanmaleki.com/en/Posters/)

Posted by geneton at 10:31 AM

setembro 02, 2007

"TUDO É PERDA/ TUDO QUER BUSCAR / CADÊ ?"

Faz tempo que não aparece no Brasil uma música tão bonita quanto "O Ciúme".

A letra:

"Dorme o sol à flor do Chico, meio-dia
Tudo esbarra embriagado de seu lume
Dorme ponte, Pernambuco, Rio, Bahia
Só vigia um ponto negro: o meu ciúme

O ciúme lançou sua flecha preta e se viu ferido justo na garganta
Quem nem alegre, nem triste, nem poeta
Entre Petrolina e Juazeiro canta

Velho Chico, vens de Minas
De onde o oculto do mistério se escondeu
Sei que o levas todo em ti
Não me ensinas
E eu sou só eu só eu só eu

Juazeiro, nem te lembras dessa tarde
Petrolina, nem chegaste a perceber
Mas na voz que canta tudo ainda arde
Tudo é perda, tudo quer buscar, cadê?

Tanta gente canta
Tanta gente cala
Tantas almas esticadas no curtume
Sobre toda estrada, sobre toda sala
Paira monstruosa
a sombra do ciúme"

Posted by geneton at 10:43 AM

"O BLOGUE É, EM SUA ESSÊNCIA, UM ATO DE GENEROSIDADE" (IVAN LESSA)

De Londres, Ivan Lessa:


``O blogue é, em sua essência, um ato de generosidade. Não se está ganhando dinheiro quando se denuncia o verdureiro da esquina cobrando mais caro pelo jiló ou se critica a política externa do Irã ou dos Estados Unidos``

(aqui http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/08/070831_ivanlessablogueiros.shtml)

Posted by geneton at 10:40 AM

setembro 01, 2007

O GRANDE E TRISTE ESPETÁCULO DOS CRÁPULAS

Não vale a pena gastar verbos, advérbios, substantivos e adjetivos, por piores que sejam, com a porcalhada política atualmente em andamento em pocilgas como o Senado Federal, lugar que já foi de respeito. É como desperdiçar energia num filmeco de terror de décima-oitava categoria.

Mas, para não dizer que o Sopa de Tamanco não falou de lamas, que fiquem registradas duas cenas daquelas que, nos tempos do Pasquim, provocariam uma atuação de gala de Gastão, o Vomitador.

Primeira: a TV a cabo mostra,na íntegra, a atuação do advogado encarregado de justificar o injustificável: as tramóias do presidente do Senado. É engraçadíssimo (para não usar a palavra exata : patético) como advogados de crápulas acham que, se cometerem gestos dramáticos, pausas grandiloquentes e frases pretensamente "inspiradas", conseguirão impressionar os incautos. A cena se repete todo dia em qualquer tribunal de júri de qualquer cidadezinha do interior: é um espetáculo de vigésima categoria. Vomitivo. Ridículo. Desprezível.

O caso do trambiqueiro senatorial poderia ser resolvido em uma frase: o presidente do Senado recebeu dinheiro de um lobista de empreiteira para custear gastos pessoais ? Recebeu. Ponto final. Em qualquer republiqueta, presidente de Senado que age assim deveria se declarar moralmente impedido de exercer o cargo. Mas aqui o trambiqueiro vai à tribuna falar de pátria, liberdade e verdade. E um advogado que deveria estar fazendo figuração num teatro de presidiários vai ao Senado para tentar enganar os otários - nós, por supuesto. "Uma lástima !", diria o meu velho professor dos tempos do ginásio.

Segunda cena: o ex-presidente da Câmara, como se sabe, recebeu dinheiro do esquema do mensalão. Imagens do circuito interno de um shopping de Brasília flagraram a mulher do artista se dirigindo à boca do caixa. Primeiro, ele disse que o dinheiro era pagar pagar uma despesa com Tv a cabo. Terminou metendo os pés pelas mãos. Ficou comprovada a tramóia.

O que é que o trambiqueiro diz em declaração reproduzida pelo Globo deste sábado, na página quatro ?

- Espero que este calvário termine rápido. Vocês não sabem como é pesado.

Eu li e reli dez vezes. O picareta leva dinheiro num formidável esquema de corrupção. É flagrado. Dá explicações patéticas. E ressurge para dizer que é vítima de um "calvário" pesado.

Que grande, que incomensurável, que irrecuperável, que descaradíssimo, que vomitivo, que estupidíssimo, que inqualificável canalha !

Você e o Sopa acabaram de cometer a boa ação do dia: gastar dois minutos de indignação com os crápulas.

Agora, é limpar o vômito do chão, acender uma vela para Nossa Senhora do Perpétuo Espanto e encarar o sábado azul.

Posted by geneton at 10:44 AM

QUANDO A JUSTIÇA É CRIMINOSA

Qualquer animal bípede semi-alfabetizado sabe que o Direito não é ciência exata. A aplicação da lei depende de interpretação.

Uma coisa é certa: o juiz - ou seja lá quem tenha sido a autoridade - que concedeu ao torturador de Tim Lopes a possibilidade de ir para casa, graças ao regime de "progressão de pena", é também um criminoso.

Não há outra palavra para definir tamanha estupidez.

Aconteceu o óbvio: o torturador assassino aproveitou a chance, foi para casa - e não voltou.

A Justiça, quando quer, sabe ser canalha.

Parece até que fez curso no Senado.

Posted by geneton at 10:43 AM

QUANDO A JUSTIÇA É CRIMINOSA

Qualquer animal bípede semi-alfabetizado sabe que o Direito não é ciência exata. A aplicação da lei depende de interpretação.

Uma coisa é certa: o juiz - ou seja lá quem tenha sido a autoridade - que concedeu ao torturador de Tim Lopes a possibilidade de ir para casa, graças ao regime de "progressão de pena", é também um criminoso.

Não há outra palavra para definir tamanha estupidez.

Aconteceu o óbvio: o torturador assassino aproveitou a chance, foi para casa - e não voltou.

A Justiça, quando quer, sabe ser canalha.

Parece até que fez curso no Senado.

Posted by geneton at 10:43 AM

agosto 31, 2007

A CASA DA VERGONHA

O senador Jarbas Vasconcelos declara que o Senado Federal virou uma bagunça.

Justiça se faça: apoiado !

Posted by geneton at 10:49 AM

SENADO: O DICIONÁRIO ERROU

Quero meu dinheiro de volta! Depois de ler os discursos de "defesa" do presidente do Senado para justificar as injustificáveis maracutaias que praticou, resolvi consultar o dicionário. Minha intenção era saber se o dicionário dizia ou não que em qualquer republiqueta um presidente de Senado que recebe dinheiro vivo de lobista de empreiteira deveria se declarar, sem maiores discussões, moralmente impedido de exercer o cargo.

Descobri que meu exemplar do Dicionário Aurélio traz, na página 1568, no verbete Senado, a seguinte definição "câmara alta, nos países onde existem duas assembléias legislativas". Deve ter havido algum engano. Porque a definição correta foi publicada na página 1405 , no verbete prostíbulo: "bordel, covil,harém, lupanar, serralho". E agora ? O que é que faço com o dicionário ? Como confiar nas outras definições ?

Posted by geneton at 10:48 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

A prova da imensidão do Brasil está no fato de nele caberem, ao mesmo tempo, embora um roçando no outro, os imensuráveis egos dos senhores Fernando Henrique Cardoso, Paulo Maluf, Pelé e João Havelange.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 10:45 AM

agosto 30, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

De todos os lixos conhecidos, é o da História o que mais fede.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 10:49 AM

agosto 29, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

Leio o artigão do famoso literato, penso:

- Que desperdício ! Tanta gramática, tanto pronome bem colocado, todas as vírgulas no lugar certo, e tudo para dizer o quê ? Absolutamente nada.

Posted by geneton at 10:57 AM

SOBRE ANIMAIS IRRACIONAIS

É manhã. O mundo funciona. Os pássaros gorjeiam. Os bêbados dormem. Você olha para o céu e pergunta a Nossa Senhora do Perpétuo Espanto: quem foi o animal irracional que concebeu a legislação penal brasileira ?

Somente um verme togado poderia admitir e aplicar uma lei que permite o seguinte: cinco anos depois de torturar o repórter Tim Lopes, o autor da monstruosidade ganha direito à progressão de pena, sai da cadeia para fazer um passeio e, óbvio, não volta.

Tanto o criminoso quanto quem autoriza tal benesse deveriam estar, por uma questão de justiça, no mesmíssimo lugar: apodrecendo no fundo de uma cela por, no mínimo, cinquenta anos.

Em qualquer sociedade minimamente civilizada, assassinos torturadores ( comprovados, julgados e condenados) passariam o resto da vida longe de outros seres humanos, pela simples razão de que são animais intratáveis.

Mas o Brasil, claro, é exceção.

Aqui, neste grande cabaré ensolarado, eles ganham de presente o direito de passear.

Ah, tristes trópicos....

Posted by geneton at 10:57 AM

A PELEJA DOS JORNALISTAS CONTRA OS TEXTOS: AH, RAÇA ESQUISITA....

Jornalista é bicho esquisito. Quem duvidar deve fazer um teste. Sem chamar atenção, aproxime-se de um grupo de jornalistas o mais sorrateiramente possível, para observar um fenômeno curiosíssimo. É fácil identificá-los, pelos ruídos que emitem: latidos, trinados, uivos, rugidos e outros sons menos votados. Apure os ouvidos. Com toda certeza, um jornalista ( provavelmente, um editor) estará dizendo a outro ( provavelmente, um repórter) : "Pode fazer, mas curta ! Trinta linhas, no máximo!". Ou: "Nada além de um minuto e meio!".

Ou seja: cinquenta por cento dos jornalistas que exercem de verdade a profissão nas redações passam noventa por cento do tempo útil proibindo os outros de escrever. Parece que escrever é uma praga. Nenhum assunto seria digno de merecer mais do que um punhado de parágrafos mambembes. Devem achar que todos os leitores sofrem de alfabetofobia ( se a palavra não existe, acaba de ser parida). "Não se estenda !". "O espaço não vai dar!". "Ficou grande!" "Vou ter de cortar!" etc.etc.etc. Os outros cinquenta por cento dos jornalistas passam noventa por cento do tempo implorando por espaço e por tempo.

Parte-se da suposição de que a) ninguém pode escrever; b) ninguém quer ler.

Ah, racinha desgraçada....

Brigar contra o tamanho dos textos - ou o tempo de uma reportagem - passou a ser a ocupação principal desses bípedes esquisitos.

É como se os médicos passassem o dia dizendo uns aos outros: "Vou fazer uma cirurgia, mas tem de ser rápida! Nada de passar dez minutos operando ! "

Ou os engenheiros jogassem fora energia e neurônios discutindo coisas como "vamos fazer a ponte, mas, pelo amor de Deus, nada além de dois metros ! ".

Conclusão: não existe maior inimigo da escrita do que os jornalistas.
Se o Brasil fosse uma democracia, qualquer cidadão com idade superior a cinco anos deveria ter o direito de dar voz de prisão ao primeiro jornalista que aparecesse pela frente.

Eu estaria a esta hora na terceira cela à esquerda da ala norte da Penitenciária Agrícola de Itamaracá.

Posted by geneton at 10:57 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Quem costumava contar a historinha era Sandro, o filho mais velho do dulcíssimo Álvaro Moreyra:

- Quando fez vestibular, o massagista Jairo, do Botafogo, ao deparar com a questão "Dê um exemplo de dívida flutuante", pensou rápido e respondeu: "Navio hipotecado"


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 10:00 AM

agosto 28, 2007

PERGUNTA FEITA AOS CÉUS

Os mímicos continuam soltos ?

Posted by geneton at 11:03 AM

PERGUNTA FEITA AOS CÉUS

A menina que roubava livros continua solta ?

Posted by geneton at 11:02 AM

O ELENCO DE NOSSA BELA CATÁSTROFE DIÁRIA

O "carnaval de Notting Hill Gate", em Londres, deve atrair dois milhões de desocupados.
Já fui ver, por mera falta do que fazer. Se aquilo é carnaval, meu nome é Paul Newman. Pleased to meet you.

É chatíssimo. Pior do que musical em teatro (aqueles espetáculos em que atores se esgoelam ridiculamente para dizer berrando o que poderia ser falado), shows de jazz (aqueles em que bateristas fazem durante quarenta e cinco minutos malabarismos improvisados com as baquetas, com olhar catatônico e boca invariavelmente entreaberta), criança atuando em novela, subcelebridade pontificando sobre a rotina da vida de mãe , performances de mímicos, anúncios supostamente engraçadinhos, publicitários que se julgam gênios, jornalistas que se acham deuseus - enfim, todas estas cenas e personagens risíveis que, reunidos num palco imaginário, formam o elenco coadjuvante de nossa bela catástrofe diária.

Tudo para dizer que: quando estiver em Londres, não vá ao Carnaval de Notting Hill.

É programa de brasileiro vestido de índio.


Posted by geneton at 11:02 AM

NOTÍCIAS DO CABARÉ FEDERAL

Depois de tudo o que vem acontecendo no Cabaré, aliás, Senado Federal, nem valeria perder tempo com aquele tristíssimo espetáculo de desfaçatez.

Mas, nesta terça, um senador teve o descaramento de declarar que foram "consistentes" as explicações que o presidente do Senado deu para justificar as tais contas que não fecham nunca.

Em qualquer republiqueta que se preze, um senador que aceita ter despesas pessoais pagas por um lobista de empreiteira estaria moralmente impedido de exercer o cargo. É simples assim: moralmente impedido.

Mas o Brasil é exceção. O Senado, aqui, vira, por livre e espontânea vontade, o que se chamava antigamente de "lupanar".

Ao fazer declaração tão descarada sobre as tramóias do colega, o senador só consegue provar uma coisa : que considera os ouvintes de tais disparates, nós todos, idiotas irrecuperáveis.

Diante da tanta desfaçatez, só há um pensamento possível:

que grandessíssimo, que enorme, que indizível, que consumadíssimo, que irrecuperável canalha!

Posted by geneton at 11:00 AM

agosto 27, 2007

COMEÇA A FUNCIONAR A CONEXÃO LISBOA DO SOPA DE TAMANCO ! DUDA GUENNES VOLTA A ATACAR

Numa tentativa desesperada de estancar a debandada em massa de leitores, o Sopa de Tamanco anuncia aos frequentadores habituais ou acidentais ( gente valorosa que, sentada diante de um terminal, exibe no rosto um ar grave e contrito para impressionar os chefes, mas passa o dia usando descaradamente o computador do trabalho para ficar navegando em blogues inúteis como este) :

a Conexão Lisboa do Sopa de Tamanco entra em atividade nos próximos dias!

Duda Guennes, jornalista brasileiro radicado há séculos em Lisboa, a ponto de ter sido colaborador do Pasquim na fase áurea do jornal, começará já,já, a entreter os frequentadores do Sopa de Tamanco com notícias de Portugal.

O Brasil só fala de Nova York, Paris e Londres.

O Sopa de Tamanco prefere Lisboa !

Em Portugal, como se sabe, vivia a única família real que teve coragem de fugir para o Brasil ! Nenhuma outra família de nenhum outro país do mundo jamais admitiria esta possibilidade, nem sob tortura! Mas a família real portuguesa veio, ó pá !

É hora de retribuir a visita! O Sopa de Tamanco desembarca em Lisboa para mandar, via Duda Guennes, notícias portuguesas aos tamanqueiros brasileiros.

O povo quer saber: qual é a última piada de brasileiro em Portugal ? A dramaturgia portuguesa resistiu à exibição de novelas com Lucélia Santos no elenco ? Que gíria brasileira emplacou no além-Mar ? O governo português, o Congresso, a Ordem dos Advogados, o Conselho Federal de Educação e o reitor da Universidade de Coimbra vão tomar alguma providência para impedir a entrada da Banda Calypso no país ?

Vocês não perdem por esperar.

Posted by geneton at 11:05 AM

A CRÍTICA "DESTRUIDORA DE TALENTOS" : UMA ANOTAÇÃO

Do blog de Antonio Fernando Borges:

"A crítica literária (que hoje, praticamente, inexiste) costuma ser acusada de invejosa e destruidora de talentos. “Quem tem talento faz literatura, quem não tem faz crítica”, costumam dizer os ressentidos - quer dizer, os criticados.

Costuma-se também dizer que uma crítica “mais forte” pode destruir uma carreira, e até uma vida… Imagine o estrago que as palavras abaixo teriam produzido na vida de qualquer desses “coitadinhos” nossos contemporâneos.
Não foram proferidas por nenhum “invejoso” de plantão, mas pelo grande crítico Sílvio Romero, sergipano de boa cepa. E, graças a Deus!, do outro lado do balcão, na “alça de mira”, estava ninguém menos do que Machado de Assis, que não “morreu” nem desistiu diante de palavras tão pouco… “airosas” - e quase todas proferidas enquanto Machado vivia e escrevia!

Com vocês, este confronto de titãs:

“Homenzinho sem crenças.”
“Lamuriento, burilador de frases banais.”
“O mais pernicioso enganador.”
“Sereia matreira.”
“Uma dessas criaturas infelizes, pouco ajudadas pela natureza.”
“Não tem, por circunstâncias da juventude, educação científica.”
“Teve bastante habilidade, bastante jeito, para não tomar partido no debate.”
“Quanto às idéias, não segue nenhuma, porque não as compreende.”
“Bolorento pastel literário.”
“Sem idéias, sem vistas, lantejoulado de pequeninas frases, ensebadas fitas para efeito.”
“Completamente chato, inteiramente nulo. O estilo é detestável (…), mudo ou completamente gago.”

Como diria meu sábio avô: “E ainda dizem que o mundo evolui!”


(aqui :http://www.antoniofernandoborges.com/)

Posted by geneton at 11:04 AM

A CRÍTICA "DESTRUIDORA DE TALENTOS" : UMA ANOTAÇÃO

Do blog de Antonio Fernando Borges:

"A crítica literária (que hoje, praticamente, inexiste) costuma ser acusada de invejosa e destruidora de talentos. “Quem tem talento faz literatura, quem não tem faz crítica”, costumam dizer os ressentidos - quer dizer, os criticados.

Costuma-se também dizer que uma crítica “mais forte” pode destruir uma carreira, e até uma vida… Imagine o estrago que as palavras abaixo teriam produzido na vida de qualquer desses “coitadinhos” nossos contemporâneos.
Não foram proferidas por nenhum “invejoso” de plantão, mas pelo grande crítico Sílvio Romero, sergipano de boa cepa. E, graças a Deus!, do outro lado do balcão, na “alça de mira”, estava ninguém menos do que Machado de Assis, que não “morreu” nem desistiu diante de palavras tão pouco… “airosas” - e quase todas proferidas enquanto Machado vivia e escrevia!

Com vocês, este confronto de titãs:

“Homenzinho sem crenças.”
“Lamuriento, burilador de frases banais.”
“O mais pernicioso enganador.”
“Sereia matreira.”
“Uma dessas criaturas infelizes, pouco ajudadas pela natureza.”
“Não tem, por circunstâncias da juventude, educação científica.”
“Teve bastante habilidade, bastante jeito, para não tomar partido no debate.”
“Quanto às idéias, não segue nenhuma, porque não as compreende.”
“Bolorento pastel literário.”
“Sem idéias, sem vistas, lantejoulado de pequeninas frases, ensebadas fitas para efeito.”
“Completamente chato, inteiramente nulo. O estilo é detestável (…), mudo ou completamente gago.”

Como diria meu sábio avô: “E ainda dizem que o mundo evolui!”


(aqui :http://www.antoniofernandoborges.com/)

Posted by geneton at 11:04 AM

agosto 26, 2007

"DOSSIÊ DRUMMOND" : JÁ NAS MELHORES CASAS DO RAMO

O umbusdaman do Sopa de Tamanco deve ter saído. Não volta tão cedo porque levou o chicote que passa o dia pendurado na porta de entrada, para espantar visitantes incautos.

Aproveito a falha na marcação, driblo o zagueiro zelador dos bons costumes jornalísticos e faço propaganda em causa (quase) própria : quer saber o que
o maior poeta brasileiro, Carlos Drummond de Andrade, estava pensando duas semanas antes de morrer ? Dê uma lida no "Dossiê Drummond", livro que acaba de ser relançado, pela Editora Globo.

Arredio ao contato pessoal, Carlos Drummond de Andrade era o que os amigos chamavam de "ser eminentemente telefônico". Um repórter (o locutor que vos fala) resolveu tirar partido dessa singularidade do comportamento do poeta. Preparou setenta e seis perguntas, armou o equipamento de gravação telefônica e, num fim de tarde, fez a aposta: importunou CDA para saber se por acaso ele poderia dar uma entrevista. Os dois - poeta e repórter - já se conheciam : tinham tido contatos ( telefônicos) anteriores.

A primeira reação de CDA foi a esperada: ah, agora não. A filha estava gravemente doente, num hospital. O pai-poeta ia visitá-la todos os dias. Quem sabe, adiante, ele poderia marcar uma conversa. Mas não naquele momento.
O repórter dá a cartada: e se as perguntas fossem feitas ali, por telefone ?
O poeta abre a guarda : ah, por telefone, é possível. Quer perguntar ?

O resultado da entrevista - gravada - foram duas mil linhas datilografadas. Setenta páginas de livro.

Colhida a pepita principal - a entrevista - , o repórter ouviu 45 personalidades sobre o poeta. O psicanalista Hélio Pellegrino, por exemplo, diz que, se não escrevesse poesia, Drummond provavelmente precisaria de tratatamento. Tinha um comportamento "esquizotímico", dado a retrações exageradas.

O melhor é ver Drummond se explicando.

Sobre a entrevista de CDA no "Dossiê Drummond", Paulo Francis escreveu - em texto reproduzido no prefácio do livro - que nunca tinha visto o poeta falar daquele jeito.

Lá vem o ombudsman com o chicote na mão, um charuto fumegante no canto da boca e um cinto cheio de balas preso entre os dentes.

É hora de bater em retirada.

Termina aqui o intervalo comercial gratuito do Sopa de Tamanco.

Posted by geneton at 11:08 AM

PAUSA NAS TAMANCADAS. "SANTIAGO" NÃO É UM DOCUMENTÁRIO. É UMA OBRA-PRIMA

Para não dizer que o Sopa de Tamanco não falou de flores: um crítico escreveu que o documentário "Santiago" era uma obra-prima. Não exagerou. É verdade.

"Santiago" prova de novo que o espetáculo encenado todo dia por personagens anônimos pode ser mais rico, mais fascinante, mais comovente e mais surpreendente do que o mais inspirado dos filmes de ficção. É aquilo que - banalmente - se chama de "vida real".

Que roteirista poderia imaginar um personagem tão extraordinário quanto Santiago, o mordomo de uma família rica que passou a vida inteira copiando em folhas de papel a história da aristocracia mundial ?

Ao todo, preencheu trinta mil páginas. Já velho, aposentado das funções de mordomo, dispensava a companhia de quem quer que seja. Vivia aparentemente sozinho, mas contava com a companhia imaginária daqueles personagens aristocráticos descritos nas trinta mil páginas.

Aos olhos de qualquer "idiota da objetividade", a coleção de textos transcritos pareceria apenas uma montanha de folhas de papel ofício empoeiradas. Mas, para Santiago, os personagens descritos naquelas trinta mil páginas ganhavam vida, dialogavam com ele. Uma vez por semana, ele conversava com aqueles duques, príncipes obscuros, lordes esquecidos, reis destronados. Era como se todos estivessem ali, no pequeno apartamento, ao alcance de um aperto de mão do mordomo que enxergava num casarão da Gávea um palácio de Florença.

Santiago soube construir, para si, o melhor dos mundos: o da memória. Aquele que Norberto Bobbio via assim:

".....o mundo maravilhoso da memória, fonte inesgotável de reflexões sobre nós mesmos, sobre o universo em que vivemos, sobre as pessoas e os acontecimentos que, ao longo do caminho, atraíram nossa atenção.Maravilhoso, este mundo, pela quantidade e variedade inimaginável e incalculável de coisas que traz dentro de si : imagens de vultos há muito desaparecidos, lugares visitados em anos distantes e jamais revistos(...)"

O personagem Santiago dá um passo adiante de Norberto Bobbio. Conseguiu corrigir e recriar o conceito de memória: passou a vida revisitando lugares e revendo personagens que jamais tinha visitado e visto antes.

É esta a chave da grande fascinação despertada pelo personagem : Santiago cometeu a façanha de aprisionar o tempo num sólido castelo feito de trintas mil folhas de papel. Depois, mudou-se para dentro do castelo. A obra de uma vida estava completa.

O documentário "Santiago" - que passou anos para ser finalizado - só poderia ser realizado por quem foi: João Moreira Salles. Santiago, o mordomo, tinha trabalhado durante três décadas na mansão da família Moreira Salles, desde o final dos anos cinquenta.

O filme é uma conspiração de acertos : a direção perfeita, a fotografia (Walter Carvalho) belíssima, a narração (Fernando Moreira Salles) excelente, tudo funciona a favor.

A mansão - que Santiago imaginava um palácio florentino - virou sede do Instituto Moreira Salles. Treze anos depois de morto, graças a um grande filme, Santiago acaba de entrar, com todas as honras e pompas, na restritíssima aristocracia dos personagens inesquecíveis.

Posted by geneton at 11:05 AM

agosto 25, 2007

A LENDA URBANA SOBRE A SELEÇÃO BRASILEIRA

O livro "Jogo Duro", biografia de João Havelange, o ex-todo poderoso da Fifa, escrita por Ernesto Rodrigues, passa a limpo a história de que o ditador Emilio Garrastazu Médici teria imposto a presença do centro-avante Dario na seleção brasileira de 1970.

Depois de ouvir personagens e cruzar depoimentos, o autor chega à conclusão de que esta é uma lenda. Como bem lembra o livro, Médici não pedia : mandava. Se tivesse mandado, Dario teria sido escalado no time principal. Mas o jogador não entrou em campo uma vez sequer na Copa do México.

Faz sentido.

Fica a lenda.

Posted by geneton at 11:09 AM

agosto 24, 2007

DA SÉRIE: REPÓRTER GOSTA DE CONTAR VANTAGEM (VOLUME 1)

Vi uma vez um jogo da seleção brasileira, pela TV, no apartamento de Nélson Rodrigues, no Leme, ao lado da fera. O homem, talvez por distração, marcara a entrevista para a hora do jogo. A entrevista não era sobre futebol.

Os times entram em campo. Imaginei: o cronista genial deve saber de tudo sobre o jogo. Que nada. Dramático, Nélson Rodrigues pede que alguém tire o som da TV. Bota a mão no peito: "O Brasil me faz mal ! O Fluminense me faz mal!".

Vira-se para mim e faz a pergunta inesquecível, com aquele olhar mortiço,o queixo ligeiramente caído: "Quem é o nosso adversário hoje ?".
Era o Peru. O Brasil ganhou de três a zero.

Nélson Rodrigues não precisava saber nem do nome do adversário. Isso é coisa para os "idiotas da objetividade". O jornal do dia seguinte trouxe, é claro, uma crônica brilhante de Nélson Rodrigues em louvor da seleção brasileira.

Eis uma bela lição. Que tal acordar pela manhã, começar a batalha e, só então, perguntar ao mundo:

"Quem é o nosso adversário hoje ?".

Posted by geneton at 11:13 AM

O DICIONÁRIO INFORMA

A TV informa: o presidente do Senado apresenta uma nova versão para explicar o dinheiro obtido supostamente com a venda de gado.

O dicionário Aurélio informa:
Vomitivo ( adj e s.m.): Que faz vomitar, emético, vômico, vomífico.

Posted by geneton at 11:11 AM

A ARTE DOS TRINADOS

Ah, claro que eu iria ver um musical num teatro - desde que estivesse inapelavelmente imobilizado numa camisa-de-força.

Posted by geneton at 11:09 AM

agosto 23, 2007

O PESO E O TAMANHO DAS ESCOLHAS

O que é que você preferiria ? Tomar uma injeção letal numa penitenciária de segurança máxima no Texas ou passar quinze segundos contemplando o rosto esticado de uma dessas atrizes velhas? O que é pior ?

Vinte e quatro horas para responder.

Posted by geneton at 11:23 AM

MARACUTAIA CARIBENHA

Cuba informa: os atletas cubanos que foram deportados do Brasil em tempo recorde, numa operação suspeitíssima, jamais poderão sair da ilha.

A informação foi dada pelo chanceler cubano. É destaque na edição do Globo de hoje.

Isso ainda vai virar um escândalo: como foram feitas, na surdina, as negociações entre o governo brasileiro e o governo cubano, para que a captura e a deportação dos dois atletas fossem feitas num piscar de olhos ?

É óbvio que houve uma maracataia internacional neste caso. O Brasil jamais exibiu tamanha presteza, eficiência e rapidez na deportação de estrangeiros em situação supostamente irregular.

Agora, os dois estão condenados ao exílio, dentro de casa. Ou a uma prisão domiciliar. A carreira dos dois como atletas internacionais foi sumariamente interrompida.

Se a deportação tivesse sido feita a pedido de uma ditadura de direita, seria igualmente escandalosa.

Já, já, a notícia some dos jornais.

E assim caminha a humanidade.

Posted by geneton at 11:18 AM

DIZEI, NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO ESPANTO

Faça o seguinte : olhe para o teto. Fixe o olhar durante vinte e cinco segundos no branco imaculado. Concentre-se profundamente. Respire fundo. Recite:
Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, dizei-me : eu quero ver nas revistas ou nos jornais ou nos sites foto de recém-nascido parido por gente famosa ? A imagem de um pós-feto estampada num pedaço de papel pintado contribuirá em quê para o avanço da humanidade ? Aliás: qual é a diferença entre um pós-feto e outro ? Não é tudo igual ? Não estão todos de olhos fechados e cara amassada ? O que é que eu aprenderei contemplando uma foto desse projeto de subcelebridade ?

Você ouve, clara e nítida, a resposta, soprada por Nossa Senhora do Perpétuo Espanto : "Nada! Nada! Nada!".

Fecho a revista. Relincho três vezes para limpar a garganta.

E vou obturar o dente.

Posted by geneton at 11:14 AM

UMA DÚVIDA SUSSURRADA SOBRE O BRASIL

Juro por Nossa Senhora do Perpétuo Espanto: a pergunta mais inesquecível que ouvi na vida me foi feita numa sala de aula de um colégio que tinha péssima fama, o Carneiro Leão, na rua do Hospício, no Recife, nos idos de 1970. Durante uma prova, um colega que sentava ao lado me perguntou, em voz baixa e sussurrante, para não despertar a atenção do professor :

- Brasil é com "s" ou com "z" ?

Fazia sentido.

Eu tinha treze anos de idade. Nem suspeitava, mas, ah, o Brasil, pela vida afora, se tornaria o grande tema de todas as dúvidas.

Aquela - sussurrada pelo colega - seria apenas a primeira de uma série interminável.

Posted by geneton at 11:13 AM

agosto 22, 2007

A RECEITA INFALÍVEL

E se, ao menos por um dia, todos os programas de televisão saíssem do ar, todos os blogues se autodestruíssem, todas as emissoras de rádio silenciassem, todos os jornais e revistas circulassem em branco, todos os sites desaparecessem ?

Diga a verdade: alguém de sã consciência sentiria falta ?

Um coro de bilhões de vozes se alevanta para bradar:

"Não !"

Um dia depois, tudo voltaria ao normal. Mas a humanidade jamais seria a mesma, porque teria sentido, para sempre, o gosto do paraíso.

Posted by geneton at 12:08 PM

TOSQUEIRAS BRASILEIRAS, VOLUME 1

A TV repete uma imagem de quase trinta anos atrás: um ator recitando letras de músicas de Roberto Carlos. O problema é que letra de música não é poema. E vice-versa. Não funciona.

Letra de música declamada é coisa tosca, tosca, tosca.

Ah, a imensa vocação do Brasil para produzir tosqueiras em série....

Como a TV estava sintonizada no programa, testemunhei a recitação.

Aconteceu o esperado: meus órgãos entraram imediatamente em processo de falência múltipla.

Mas, ao ouvirem uma ordem que, nessas horas, sempre pronuncio para eles em voz baixa ( "Klatoo barada Nikto! Klatoo barada nikto! "), os órgãos estancaram o processo de falência múltipla, como por milagre.

Acendi uma vela para Santa Clara, fui até a janela para relinchar três vezes ao ar livre e constatei, satisfeito, que tinha saído vivo do pesadelo.

Qual é o próximo ?

Posted by geneton at 12:08 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA 2

Qualquer dia desses, lá em Tóquio, um robô mais inteligente vai acabar construindo o japonês ideal.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:06 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

- E,então, Rui Barbosa encarou a platéia internacional lá em Haia e indagou:"Em que idioma os senhores quere que eu discurse "

Todo mundo sabe que o fato não aconteceu, ao menos como o descreve a gabolice baiana, mas se realmente tivesse havido aquela sessão de Conferência de Haia e eu estivesse presente, não tenham dúvida. Logo tivesse escutado Rui Barbosa indagar dos demais delegados em que língua preferiam escutá-lo, eu teria gritado lá do fundo da sala :

- Em chinês !!

Só para ver o baiano perder o rebolado.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:06 PM

BEM QUE OS MOTORISTAS DE CAMINHÃO AVISARAM :"MANTENHA DISTÂNCIA"

É tão óbvio que ninguém nota : o mundo de verdade, aquele feito de objetos concretos e palpáveis, acabou. Inventaram uma máquina que substitui as coisas. Agora, a televisão, o rádio, o jornal, a revista, o telefone, o banco, as lojas, os arquivos, as bibliotecas, as enciclopédias, os cinemas, os livros, tudo existe virtualmente, num lugar só : a tela do computador. Já não precisam existir fisicamente, ao alcance das mãos.

É a maior invenção da humanidade: agora, é perfeitamente possível conviver com o mundo à distância, sem o incômodo da proximidade física.

Deus te pague, Bill Gates.

Posted by geneton at 12:06 PM

EM TORNO DE CINZEIROS NAS MOTOCICLETAS

Fazer um blog. Instalar um cinzeiro numa motocicleta. Procurar uma declaração interessante numa entrevista de celebridade. Torcer pela implosão do prédio do Senado.

Uma dúvida devastadora agita meus dois neurônios desde as 8 e 45 da manhã: qual dessas tarefas é mais inútil ?

Posted by geneton at 12:05 PM

NOTÍCIAS DE CAUÊ

Cauê, o mascote do Pan, foi visto no México. O furacão foi provocado por ele, é claro.

Posted by geneton at 12:04 PM

PERGUNTA FEITA AOS CÉUS

A polícia que prende e deporta atletas cubanos continua solta ?

Posted by geneton at 11:14 AM

agosto 21, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

É madrugada, tempo ideal para não dormir. Fico pensando: será que em minha vida eu deveria ter feito mais concessões e remado menos contra a maré ?

E de repente chega lá de dentro da noite, num decidido canto de galo, a resposta que eu mesmo ia me dar:

- Não !

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:09 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Dizia Talleyrand que "as leis podem ser violadas sem que gritem".

É o que acontece frequentemente no Brasil, onde as leis foram feitas precisamente para ser violadas, sem direito sequer a um gemido, mesmo de prazer.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:10 AM

agosto 20, 2007

PERGUNTA FEITA AOS CÉUS

A Banda Calypso, o presidente do Senado, Oswaldo Montenegro, Sônia Braga, Lucélia Santos e os publicitários que inventaram a campanha da cerveja "boa" continuam soltos ?

Posted by geneton at 12:14 PM

PÍLULAS DE VIDA DO D0UTOR SILVEIRA - 2

Uma das vantagens da Idade Média é que, nela, não existiam sociólogos.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:12 PM

UMA PEQUENA DÚVIDA. O SENHOR PODE ESCLARECER, POR FAVOR ?

Joel Silveira adorava falar da oferta de emprego que recebeu de um assessor do presidente Jânio Quadros. O assessor - amigo pessoal tanto de Joel quanto do presidente - ligou para dar uma boa notícia : Joel ia ser nomeado para o conselho consultivo da Companhia Nacional de Álcalis!

Resposta de Joel à oferta :

- Aceito o convite ! Só quero tirar duas dúvidas. Primeira : quanto vou ganhar ? Segunda : o que é álcalis, pelo amor de Deus ? .

(A Companhia produzia barrilha, matéria-prima usada na fabricação de vidros. Acabo de ver na Wikipedia, a novo codinome do Pai dos Burros).

Noventa por cento dos nomeados para cargos públicos deveriam ter a sinceridade de fazer perguntas como a que Joel fez quando recebeu o convite.

Brasília ouviria um grande coro de perguntas : nomeado para a Anac ? Que bom ! Mas, em nome de todos os santos, o que é a Anac ? Para que serve ? Onde fica ? Como funciona ?

E assim por diante.

Posted by geneton at 12:11 PM

UM MILHÃO DE DÓLARES EM ESPÉCIE PARA NÃO SER PREMIADO

Um grande banco ( se não me engano, Bradesco) oferece como brinde a seus clientes a chance de fazer companhia a gente "famosa". Com uma ou outra exceção, eu pagaria de bom grado um milhão de dólares, em espécie, para não ser sorteado como acompanhante de "celebridades". O problema é que jamais disporei de tal quantia. Em espécie,então, nem sonhar.

Numa situação dessas, todo cuidado é pouco. Não custa nada se precaver : para não correr o risco de ganhar o "prêmio", a única providência cem por cento segura é não abrir conta no tal banco. Nunca. Never. Sob hipótese alguma.

E dormir tranquilo, livre do terrível perigo.

Posted by geneton at 12:11 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Curioso fenômeno, não de todo explicado: na paz, os generais ganham mais medalhas do que na guerra. E é também na guerra que eles morrem menos.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:13 AM

agosto 19, 2007

ESQUISITICES NÓRDICAS. E PERGUNTAS AOS CREMADORES DE CORPOS

O cineasta Ingmar Bergmann morreu no dia 30 de julho. O corpo só foi enterrado dezoito dias depois. Eis uma esquisitice nórdica. Por que demoram tanto para se desfazer da carcaça inerte ? Por que guardar o corpo por tanto tempo ?

Pela primeira vez na vida, compareci a um crematório, esta semana, para o adeus ao mestre e amigo de tantos anos, o grande repórter Joel Silveira. Já escrevi, aqui, sobre o ritual - simples, rápido, despojado, exatamente como ele queria.

Quando tudo acabou, fiquei com dúvidas. Terminei telefonando para o crematório, para matar a curiosidade ( o que diabos um repórter pode fazer neste "vale de lágrimas", além de perguntas ?)

O caixão some de vista depois de deslizar por uma esteira. Quando a família & amigos vão embora, o time de cremadores entra em campo, nos bastidores.

Pergunto : o caixão, afinal de contas, é cremado junto com o corpo ?

É,sim.

Quanto tempo demora a cremação ?

Cerca de três horas. Depois, uma hora para "resfriar".

Qual é a temperatura lá dentro do forno ?

De 800 a 900 graus centígrados ( bombeiros que atuaram no acidente com o avião da TAM informaram que a temperatura dentro do prédio atingido pelo Boeing chegou a 1.000 graus. Ou seja : superior à de um forno crematório)

Aberto o forno, o que acontece com os restos ?

Passam por um triturador. Somente aí é que o corpo vira realmente pó. Vinte e quatro horas depois da cremação, o pó é entregue à família.

Nem com estrondo nem com suspiro. Isso é coisa de poeta. Pelo menos ali, como se fosse o último paradoxo possível, o corpo se extingue com uma labareda.

É tudo rápido, é tudo prático, é tudo higiênico. É bom que não haja demora. Para que prolongar sofrimentos ?

Mas, lá no fundo, não há como fugir de um sentimento incômodo : tudo pode ser rápido, prático e higiênico, mas tudo é também um grande e irremediável absurdo. O espanto de sempre se repete, irresolvido: como é possível que um feixe de ossos, músculos, tecidos e sentimentos, que funcionava até há tão pouco tempo, transmute-se em pó diante da mais absoluta indiferença da natureza ? (Registre-se que, lá fora do crematório, a tarde brilhava bonita e azul).

Toda vez que é provocado, como agora, nosso espanto ruge diante da morte. É inútil rugir, claro. Mas não há outra coisa a fazer.

Posted by geneton at 12:15 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Ser carioca é ter nascido em Xapuri,no Acre. Ser carioca é ter nascido em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo. Ser carioca é ter nascido em Diamantina, em Minas.
Mas, antes de tudo, ser carioca é não ter nascido em São Paulo.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:14 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

Se o poder é triste, como vivem a proclamar os poderosos, por que motivo os que estão nele riem tanto ?

Não me digam que é nervosismo.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:14 PM

ESQUISITICES NÓRDICAS. E PERGUNTAS AOS CREMADORES DE CORPOS,DEPOIS DO ADEUS A JOEL SILVEIRA


O cineasta Ingmar Bergmann morreu no dia 30 de julho. O corpo só foi enterrado dezoito dias depois. Eis uma esquisitice nórdica. Por que demoram tanto para se desfazer da carcaça inerte ? Por que guardar o corpo por tanto tempo ?

Pela primeira vez na vida, compareci a um crematório, esta semana, para o adeus ao mestre e amigo de tantos anos, o grande repórter Joel Silveira. Já escrevi, aqui, sobre o ritual - simples, rápido, despojado, exatamente como ele queria.

Quando tudo acabou, fiquei com dúvidas. Terminei telefonando para o crematório, para matar a curiosidade ( o que diabos um repórter pode fazer neste vale de lágrimas, além de perguntas ?)

O caixão some de vista depois de deslizar por uma esteira. Quando a família & amigos vão embora, o time de cremadores entra em campo, nos bastidores.

Pergunto : o caixão, afinal de contas, é cremado junto com o corpo ?

É,sim.

Quanto tempo demora a cremação ?

Cerca de três horas. Depois, uma hora para "resfriar".

Qual é a temperatura lá dentro do forno ?

De 800 a 900 graus centígrados ( bombeiros que atuaram no acidente com o avião da TAM informaram que a temperatura dentro do prédio atingido pelo Boeing chegou a 1.000 graus. Ou seja : superior à de um forno crematório)

Aberto o forno, o que acontece com os restos ?

Passam por um triturador. Somente aí é que o corpo vira realmente pó. Vinte e quatro horas depois da cremação, o pó é entregue à família.

Nem com estrondo nem com suspiro. Isso é coisa de poeta. Pelo menos ali, como se fosse o último paradoxo possível, o corpo se extingue com uma labareda.

É tudo rápido, é tudo prático, é tudo higiênico. É bom que não haja demora. Para que prolongar sofrimentos ?

Mas, lá no fundo, não há como fugir de um sentimento incômodo : tudo pode ser rápido, prático e higiênico, mas tudo é também um grande e irremediável absurdo. O espanto de sempre se repete, irresolvido: como é possível que um feixe de ossos, músculos, tecidos e sentimentos, que funcionava até há tão pouco tempo, transmute-se em pó diante da mais absoluta indiferença da natureza ? (Registre-se que, lá fora do crematório, a tarde brilhava bonita e azul).

Toda vez que é provocado, como agora, nosso espanto ruge diante da morte. É inútil rugir, claro. Mas não há outra coisa a fazer.

Posted by geneton at 02:55 AM

agosto 18, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Quando o último português colonialista foi embora, o que deixou a nós, brasileiros, de herança, além daqueles dois imperadores medíocres ? Uma língua inviável, costumes e hábitos frouxos, um caráter amolecido. Só. E é com tal "massa", tão ordinária, que vimos tentando construir uma coisa chamada pátria e essa outra, ainda mais subjetiva, chamada nação.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:17 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2


Depois que foi confirmado que o cometa Swift-Turtle está mesmo disposto a carbonizar a Terra no ano 2126, desisti de fazer qualquer plano a longo prazo.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:17 PM

agosto 17, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

A moda, agora, é fazer oitenta anos, uma idade no mínimo ridícula e perigosamente irresponsável. Jamais chegarei lá. Já aos noventa, quem sabe ?


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:19 PM

PRÊMIO PARA MELHOR FICÇÃO DO ANO


É boi, é amante, é empreiteira, é rádio, é TV, é laranja. Os críticos literários bem que poderiam fazer justiça ao presidente do Senado: ao explicar tanta maracutaia, ninguém este ano fez ficção melhor do que ele.

Posted by geneton at 12:19 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

A vida é uma porcaria, com um defeito ainda mais sórdido :acaba.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:20 AM

agosto 16, 2007

O MAIOR REPÓRTER BRASILEIRO SE VAI, ÀS TRÊS E QUARENTA E UM DA TARDE

A cortina caiu, literalmente, às três e quarenta e um da tarde desta quinta-feira, no crematório do Cemitério do Caju, no Rio de Janeiro. Três e quarenta e um. Neste momento, um funcionário invisível da Santa Casa de Misericórdia acionou o mecanismo. A esteira onde estava o caixão com o corpo do maior repórter brasileiro começou, então, a se mover, lentamente.

Não se vê o rosto de quem aciona o mecanismo. Nada, ninguém. É como se o espetáculo da morte dispensasse coadjuvantes. Os parentes e amigos ficam sentados como se estivessem num pequeno auditório. O palco é ocupado pelo caixão - que desliza sobre a esteira até desaparecer, literalmente, atrás de uma cortina parecida com essas usadas no setor de bagagem dos aeroportos.

A última cena protagonizada por Joel Silveira transcorreu assim.

O corpo se vai. Fica o que conta: uma obra jornalística de qualidade excepcional.

Joel me pediu há poucos dias uma fotocópia do belo texto que Sérgio Augusto escreveu sobre ele. O texto de Sérgio Augusto foi publicado no livro "As Penas do Ofício". Ficou feliz, claro, quando eu repeti, por telefone, as louvações que Sérgio Augusto escreveu sobre os despachos que ele, Joel, enviou da Itália na época da guerra. Fiz a fotocópia. Não houve tempo para entregar. Igualmente, ele me perguntou várias e várias vezes quando é que ele poderia ver uma entrevista que gravei na Alemanha com Niklas Frank, o filho de um carrasco nazista. A "víbora" Joel queria saber o que o filho do carrasco tinha dito. Não houve tempo para ele visse a entrevista.

É sempre assim: um dia, o tempo falta, tanto para as grandes tarefas quanto para as banalidades.

Mas resta uma boa notícia: já tínhamos acertado, há meses, com a Editora Globo, a publicação de um livro em que reuniríamos nossas conversas ao longo de vinte anos de convivência. O título já estava escolhido: "Diálogos com o Último Dinossauro".

Deve ter sido o último compromisso profissional de Joel.

Virou tarefa: o livro vai ser feito. Nestas duas décadas, gravei uma série de entrevistas e conversas com Joel sobre o assunto que nos apaixonava: o Jornalismo. Eu, discípulo e aprendiz, ouvia o que o maior repórter brasileiro tinha a dizer sobre os personagens que conheceu e as situações que viveu ao longo de tanto tempo. Não é pouca coisa.

Diante do grande repórter, agi como repórter: gravei e guardei tudo.

Os depoimentos de Joel nos "Diálogos com o Último Dinossauro" terão destinatários certos : estudantes de Jornalismo e jornalistas que, a exemplo de Joel, acreditam que a reportagem é, sempre foi e será a alma da profissão.

A cortina caiu. Mas a voz continuará a ser ouvida.

Posted by geneton at 06:19 PM

O MAIOR REPÓRTER BRASILEIRO SE VAI, ÀS TRÊS E QUARENTA E UM DA TARDE

A cortina caiu, literalmente, às três e quarenta e um da tarde desta quinta-feira, no crematório do Cemitério do Caju, no Rio de Janeiro. Três e quarenta e um. Neste momento, um funcionário invisível da Santa Casa de Misericórdia acionou o mecanismo. A esteira onde estava o caixão com o corpo do maior repórter brasileiro começou, então, a se mover, lentamente.

Não se vê o rosto de quem aciona a máquina. Nada, ninguém. É como se o espetáculo da morte dispensasse coadjuvantes. Os parentes e amigos ficam sentados como se estivessem num pequeno auditório. O palco é ocupado pelo caixão - que desliza sobre a esteira até desaparecer, literalmente, atrás de uma cortina parecida com essas usadas no setor de bagagem dos aeroportos.

A última cena protagonizada por Joel Silveira transcorreu assim.

O corpo se vai. Fica o que conta: uma obra jornalística de qualidade excepcional.

Joel me pediu há poucos dias uma fotocópia do belo texto que Sérgio Augusto escreveu sobre ele. O texto de Sérgio Augusto foi publicado no livro "As Penas do Ofício". Ficou feliz, claro, quando eu repeti, por telefone, as louvações que Sérgio Augusto escreveu sobre os despachos que ele, Joel, enviou da Itália na época da guerra. Fiz a fotocópia. Não houve tempo para entregar. Igualmente, ele me perguntou várias e várias vezes quando é que ele poderia ver uma entrevista que gravei na Alemanha com Niklas Frank, o filho de um carrasco nazista. A "víbora" Joel queria saber o que o filho do carrasco tinha dito. Não houve tempo para ele visse a entrevista.

É sempre assim: um dia, o tempo falta, tanto para as grandes tarefas quanto para as banalidades.

Mas resta uma boa notícia: já tínhamos acertado, há meses, com a Editora Globo, a publicação de um livro em que reuniríamos nossas conversas ao longo de vinte anos de convivência. O título já estava escolhido: "Diálogos com o Último Dinossauro".

Deve ter sido o último compromisso profissional de Joel.

Virou tarefa: o livro vai ser feito. Nestas duas décadas, gravei uma série de entrevistas e conversas com Joel sobre o assunto que nos apaixonava: o Jornalismo. Eu, discípulo e aprendiz, ouvia o que o maior repórter brasileiro tinha a dizer sobre os personagens que conheceu e as situações que viveu ao longo de tanto tempo. Não é pouca coisa.

Diante do grande repórter, agi como repórter: gravei e guardei tudo.

Os depoimentos de Joel nos "Diálogos com o Último Dinossauro" terão destinatários certos : estudantes de Jornalismo e jornalistas que, a exemplo de Joel, acreditam que a reportagem é, sempre foi e será a alma da profissão.

A cortina caiu. Mas a voz continuará a ser ouvida.

Posted by geneton at 12:21 PM

JOEL SILVEIRA, REPÓRTER, APURA O NÚMERO DE AVIÕES VISTOS DA JANELA DO HOSPITAL

.
O que dizer de um grande repórter ?

Diga-se que, numa tarde, sem ter o que fazer num quarto de hospital, ele foi capaz de contar o número de aviões que cruzavam os céus.

A cena, testemunhada pelo abaixo-assinado:


Enrolado num lençol verde para atenuar o frio do ar-condicionado ligado na potência máxima, o ex-correspondente de guerra Joel Silveira descobriu uma maneira originalíssima de combater o tédio que se abatia sobre ele nas tardes infindáveis do quarto 1122 do Hospital dos Servidores do Estado,no centro do Rio, numa das vezes em que esteve internado : resolveu contar quantos aviões passavam no céu. O quarto 1122 oferece uma bela vista da Ponte Rio-Niterói. Da cama de Joel, era possível enxergar o intenso tráfego de aviões que se dirigiam ao Aeroporto Santos Dumont. “Já contei quarenta e três aviões. Agora, chega” – disse,ao dar por encerrada a apuração de dados aeronáuticos para uma reportagem que,ele sabia,jamais seria escrita.

A contagem de aviões nos céus do centro do Rio foi a última tarefa jornalística daquele que era chamado por Assis Chateaubriand de “a víbora”.O apelido lhe foi dado pelo chefão dos Diários Associados depois que Joel escreveu uma reportagem recheada de ironias sobre as damas do soçaite paulistano. O título de “maior repórter brasileiro” também acompanhou inúmeras vezes o nome de Joel Silveira – que,aos trinta e dois anos,foi enviado por Chateaubriand para os campos de guerra na Itália,na Segunda Guerra Mundial.”Fui para a guerra com 32 anos.Voltei com 80.O que a guerra nos tira – quando não tira a a vida - não devolve nunca mais” – diria,pelo resto da vida. Viu o sargento Wolf ser fuzilado por uma patrulha alemã.O texto que Joel mandou para os Diários Associados começava na primeira pessoa : “Vi perfeitamente quando.....”.

Joel Silveira era representante de uma categoria rara : a dos repórteres que dão um toque pessoal e inconfundível ao que escrevem. Passou a vida lamentando não ter abordado Ernest Hemingway que,solitário,bebia conhaque num café da Paris do pós-guerra.”Perdi a chance de pedir uma entrevista. O pior que poderia acontecer era levar um soco de Hemingway- o que garantiria uma bela matéria”. Rubem Braga foi companheiro de Joel na aventura européia durante a guerra.

Com Nélson Rodrigues – de quem foi companheiro de redação em publicações como a Manchete a e Última Hora - Joel tinha relações distantes.

Depois de ficar em silêncio observando Joel datilografar furiosamente um artigo na redação, Nélson Rodrigues soltou uma exclamação: “Patético !”. Dias depois, Joel devolveu o gesto. Diante da mesa de Nélson Rodrigues, bradou : “Dramático !”. O humor afiado transformou-o em personagem de incontáveis histórias dos bastidores do jornalismo. Sempre que tinha chance,encaixava em seus artigos uma observação contra dois tipos que detestava gratuitamente : os tocadores de cavaquinho e os alpinistas. “O cúmulo do ridículo,beirando o grotesco,é um marmanjo,gordo e barrigudo,tocando cavaquinho”- escreveu,num dos seus livros.Em outro texto,perguntou : “Pode haver algo mais idiota do que um alpinista ? “.

Depois de consumir quantidades oceânicas de uísque,passou os últimos anos da vida abstêmio.”Já não tenho com quem beber.Meus amigos se foram.Nada é tão triste do que beber sozinho”.Passou os últimos anos declarando :“Sou a maior solidão do Brasil”.

Repórter a vida inteira,dizia que,se houvesse justiça na hierarquia das redações, os donos dos jornais seriam subordinados aos repórteres. Só teve uma experiência como dono de jornal. Publicou,no início dos anos cinqüenta,um jornal,Comício,que reunia um time de primeira : Clarice Lispector,Rubem Braga,Fernando Sabino,Carlos Castelo Branco. Dizia que tinha perdido a conta de quantos livros publicara.Entre os títulos mais conhecidos,estão “A Guerra dos Pracinhas”, “Tempo de Contar” e o autobiográfico “Na Fogueira”. Em entrevista gravada no ano passado, resumiu assim uma trajetória iniciada num jornalzinho de escola em Sergipe,em 1935 : “Passei a vida vendo a banda passar.É o que todo repórter deve fazer”. Conheceu pessoalmente dois cardeais que, depois, seriam indicados Papas : João XXIII e Paulo VI.Teve um encontro com Pio XII.Os encontros com os Papas não foram suficientes para transformá-lo em homem religioso . Cético, gostava de repetir o poeta Murilo Mendes : “Deus existe.Mas não funciona”.

Atento aos fatos até o último momento, disse-me, por telefone, na semana passada :"Estou morrendo. É o fim".

Ontem, dia quinze, às duas da tarde, pontualmente, a kombi placa LFR 1236, a serviço da Santa Casa de Misericórdia, estacionou em frente ao prédio onde Joel morava, na rua Francisco Sá, em Copacabana. Joel tinha morrido às oito da manhã.

(ver, abaixo, texto A VIDA IMITA O POETA NA MORTE DE JOEL SILVEIRA: O AGENTE FUNERÁRIO CHEGOU NA HORA. E A PLACA DO CARRO ERA LFR 1236).

Hoje, às três da tarde, o corpo de Joel Silveira será cremado no Cemitério do Caju.

Posted by geneton at 09:32 AM

agosto 15, 2007

A VIDA IMITA O POEMA NA MORTE DE JOEL SILVEIRA: O AGENTE FUNERÁRIO CHEGOU NA HORA. E A PLACA DO CARRO ERA LFR 1236

Faz pouco tempo, descobri um belo poema de Lawrence Ferlinghetti. O poeta diz, com outras palavras, que o mundo é um belo lugar, mas um dia, cedo ou tarde, ele virá : o agente funerário sorridente.

E o agente veio. Acabo de sair da casa de Joel Silveira. Não quis ver a saída do corpo. A Santa Casa de Misericórdia avisou que o agente chegaria às duas horas. Pensei comigo: "Com a pontualidade brasileira, ele vai chegar lá para as quatro da tarde".

Engano. Nem uma hora e cinquenta e nove minutos nem duas horas e um : eram duas em ponto quando o agente apertou a campainha, no apartamento de Joel Silveira, no sexto andar de um prédio da rua Francisco Sá, em Copacabana.
O agente encenava, sem suspeitar, o poema de Lawrence Ferlinghetti.
Era como se dissesse: tudo pode atrasar no Brasil, mas a morte, quando vem, chega exatamente na hora, sem tolerância. Nem um segundo de atraso.

Desci do sexto andar. Lá embaixo, tive o gesto inútil de observar a placa da Kombi branca da Santa Casa de Misericórdia: LFR 1236. A Kombi trazia, nas laterais, o nome da Santa Casa e o telefone: 0800 257 007.

Joel tinha inveja de um personagem de Vitor Hugo que, minutos antes de ser guilhotinado, dizia, resignado, que estava pronto para a execução,mas "gostaria de ver o resto". Ou seja: o personagem gostaria de descrever a própria morte.

Que palavras Joel usaria ?

Quanto a nós, discípulos e aprendizes, já não há o que fazer, além de anotar a placa da Kombi : LFR 1236, três letras e quatro números amargamente inúteis.
.

.
O poema de Ferlinghetti:

''The World is a beautiful place
to be born into

If you don't mind happiness
not always being
so very much fun
If you don't mind a touch of hell
now and then
just when everything is fine
because even in heaven
they don't sing
all the time


(...) Yes, the world is the best place of all

for a lot of such things as making the fun scene
and making the love scene
and making the sad scene
and singing low songs and having inspirations
and walking around
looking at everything
and smelling flowers
and goosing statues
and even thinking
and kissing people and
making babies and wearing pants
and waving hats and
dancing
and going swimming in rivers
on picnics
in the middle of the summer
as just generally
''living it up''

Yes,
but then right in the middle of it
comes the smiling
mortician''

Posted by geneton at 03:42 PM

DÚVIDA NORDESTINA

Depois de anos & anos no Rio, confesso esta fraqueza: nunca entendi por que os cariocas dizem "murango". O certo não é morango ? E por que diabos dizem "culégio" ? O certo não é colégio ?

Pior do que "murango" e "culégio", só o "dizoito" que tanto atormenta os tímpanos do co-tamanqueiro Amin Stepple.

Posted by geneton at 01:35 PM

A VIDA IMITA O POETA NA MORTE DE JOEL SILVEIRA: O AGENTE FUNERÁRIO CHEGOU NA HORA. E A PLACA DO CARRO ERA LFR 1236

Faz pouco tempo, o Sopa de Tamanco publicou um belo poema de Lawrence Ferlinghetti. O poeta diz, com outras palavras, que o mundo é um belo lugar, mas um dia, cedo ou tarde, ele virá : o agente funerário sorridente.

E o agente veio. Acabo de sair da casa de Joel Silveira. Não quis ver a saída do corpo. A Santa Casa de Misericórdia avisou que o agente chegaria às duas horas. Pensei comigo: "Com a pontualidade brasileira, ele vai chegar lá para as quatro da tarde".

Engano. Nem uma hora e cinquenta e nove minutos nem duas horas e um : eram duas em ponto quando o agente apertou a campainha, no apartamento de Joel Silveira, no sexto andar de um prédio da rua Francisco Sá, em Copacabana.
O agente encenava, sem suspeitar, o poema de Lawrence Ferlinghetti.
Era como se dissesse: tudo pode atrasar no Brasil, mas a morte, quando vem, chega exatamente na hora, sem tolerância. Nem um segundo de atraso.

Desci do sexto andar. Lá embaixo, tive o gesto inútil de observar a placa da Kombi branca da Santa Casa de Misericórdia: LFR 1236. A Kombi trazia, nas laterais, o nome da Santa Casa e o telefone: 0800 257 007.

Joel tinha inveja de um personagem de Victor Hugo que, minutos antes de ser guilhotinado, dizia, resignado, que estava pronto para a execução,mas "gostaria de ver o resto". Ou seja: o personagem gostaria de descrever a própria morte.

Que palavras Joel usaria ?

Quanto a nós, discípulos e aprendizes, já não há o que fazer, além de anotar a placa da Kombi : LFR 1236, três letras e quatro números amargamente inúteis.

É assim que uma vida se acaba, exatamente no meio de agosto.


O poema de Ferlinghetti:


''The World is a beautiful place to be born into
If you don't mind happiness not always being so very much fun

If you don't mind a touch of hell now and then just when everything is fine

because even in heaven they don't sing all the time

(...) Yes, the world is the best place of all

for a lot of such things as making the fun scene

and making the love scene

and making the sad scene

and singing low songs and having inspirations

and walking around

looking at everything

and smelling flowers

and goosing statues

and even thinking and kissing people and

making babies and wearing pants

and waving hats and

dancing and going swimming in rivers

on picnics in the middle of the summer as just generally ''living it up''


Yes, but then right in the middle of itcomes the smiling mortician''


Posted by geneton at 12:25 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 5

Desprendo os dedos do teclado. É imperativo. Sinto que vacila a velha máquina, antes tão fiel, tão submissa, tão ingenuamente certa do que fazia. Vacilam os tipos, vacilam as palavras que não querem ser mais usadas, porque aprenderam que nunca foram ou serão ouvidas. Esmaecidas e exaustas, as teclas parecem implorar:

-Deixa-nos em paz. Não vês que perdemos a voz ?

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:22 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 4

Ir aos poucos, com lucidez e cálculo, e sem qualquer arroubo, cortando as pontes atrás de si : um prazeroso, estimulante exercício.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:22 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 3

Tudo - pessoas, acontecidos e lembranças - vai se tornando cada vez mais remoto. Eu próprio : pode haver coisa mais remota ?

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 10:22 AM

JOEL SILVEIRA MORREU

Eis uma notícia que eu não gostaria de dar : a morte do maior repórter brasileiro.

Joel Silveira morreu dormindo às oito horas da manhã desta quarta-feira, em casa, na rua Francisco Sá, em Copacabana. Nasceu em Sergipe, no dia 23 de setembro de 1918. Tinha oitenta e oito anos, portanto. Vivia no Rio desde 1937. Com a saúde debilitada, deixou instruções: não queria velório. Pediu para ser cremado o mais rápido possível.

Disse-me, por telefone, há poucos dias :"Geneton, estou morrendo. É o fim". Há dez dias, em casa, tinha disposição para conversar.

O que fica ? Um excepcional trabalho jornalístico: os textos de Joel sobre a guerra são clássicos. Páginas como a descrição do encontro com Getúlio Vargas, idem ( ver trecho abaixo).

O Joel que fica é o repórter talentosíssimo, o precursor brasileiro do chamado "novo jornalismo", a "víbora" divertida e ferina.

Joel foi mestre e amigo. A morte é, como sempre, uma piada de péssimo gosto. O Joel de nossas lembranças vai ser sempre o que se revelava em conversas como estas:

http://www.geneton.com.br/archives/000104.html

*****************************
ou:

http://www.geneton.com.br/archives/000025.html

e:

http://www.geneton.com.br/archives/000114.html

Posted by geneton at 10:13 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

Velho desejo meu: evitar o futuro. Estou quase conseguindo.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 09:23 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Como me alegra apito de navio se despedindo ! É como se eu estivesse dentro dele.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 08:24 AM

agosto 14, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

O Brasil está sempre "virando uma página da História". Só não dizem que a maioria é de páginas em branco.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 01:39 PM

O FIM DA LINHA

O "relativismo cultural" tolera tudo. É tudo certo, tudo lindo, tudo explicável. Logo aparece um idiota para justificar qualquer coisa.

Mas ontem, em questão de minutos,diante de milhões de espectadores, em duas reportagens diferentes, duas entrevistadas, com aparência de classe média bem remediada, capricharam na pronúncia da palavra "esteje" . Uma das entrevistadas era, se não me engano, professora. Pode ?

Os vizinhos do cemitério de Santo Amaro, no Recife, sentiram um leve tremor sob os pés. Era meu professor de português, Manoel Torres, se revirando no túmulo.

Posted by geneton at 01:39 PM

A DOCE ILUSÃO : PUBLICAR LIVROS

O Departamento de Blogs do planeta Terra funciona assim : um cita o outro - que cita o outro, numa corrente sem fim. O blog Todoprosa.com.br traz um link para uma radiografia do mercado editorial. O Sopa de Tamanco pede licença para repetir o link.

Por trás de toda discussão, fica no ar uma pergunta: por que, afinal, um autor novo tenta a todo custo publicar um livro por uma grande editora, se um número equivalente de leitores pode, em tese, ser atingido via Internet ? Não é mais fácil,mais prático, mais rápido e menos dispensioso expor um texto num blog ou num site ?

Arrisco-me a dizer: autores preferem enfrentar a ciranda das editoras porque nada, nada, nada conseguiu, até hoje, substituir o "fetiche" do objeto-livro. Nada é tão prático, nada é tão portável, nada é tão "guardável". Um blog, neste caso, não serve como substituto. São duas "plataformas" distintas, para usar palavra tão de agrado dos comunicólogos.

Os textos que povoam a Internet podem até ficar estocados por décadas e décadas, ao alcance de qualquer busca do Google. Não são,portanto, tão perecíveis. O "problema" é que, independentemente desta eventual permanência, tudo o que circula na Internet carrega, tatuada na pele luminosa dos monitores, a marca da transitoriedade : tudo parece fugaz, rápido, fugidio. Já o livro sempre ostentou, por todos os séculos, uma nobreza que permanece intocada : a da permanência.

Quando desembarca numa biblioteca, um livro, por mais medíocre que seja, pode não sobreviver como obra literária, mas resistirá como objeto. Com cem por cento de probabilidade, terá uma vida incomparavelmente mais longa que a do autor. Um dia, quem sabe, um livronauta pousará na biblioteca para folhear aquelas páginas. Feitas as contas, a doce ilusão da permanência é que move um autor a enfrentar a empreitada de publicar um livro. É como se o eterno jogo de esconde-esconde com a morte pudesse ser, ilusoriamente, resolvido com uma arma de papel.

Eu me arrisco a dizer que todas as outras motivações são secundárias.

Quem entende como funciona a máquina de fazer livros pinta este retrato:

"Com o meu ponto de vista de quem trabalhou vários anos numa editora de grande porte, acho curioso que tanta gente boa tenha tanta vontade de ser editado por uma dessas ditas grandes casas editoriais. Porque, pela minha experiência, isso não ajuda em nada. Não sei se tem a ver com um desejo muito forte de reconhecimento, de ser notado pelo meio editorial, supostamente por especialistas (nhé!, duplo nhé!). Mas rola esse fetiche da distruibuição nacional, de ter os livros expostos em livrarias, essas coisas que não passam disso mesmo: fetiches. O resultado prático disso é o que vocês já podem imaginar: nenhum. Um autor brasileiro desconhecido que tem um livro lançado por uma grande editora não vende. As pessoas não compram, ora. Sei lá por quê, com certeza há vários motivos na psique do consumidor brasileiro de livros (essa figura misteriosa). Mas já vi investimentos razoáveis em marketing, anúncios, até resenhas boas, nada disso faz as vendas decolarem. Nada".

( aqui, o texto completo:http://terapiazero.blogspot.com/2007/08/divagaes-sobre-o-mercado-editorial.html)

Posted by geneton at 01:38 PM

ABERTA A TEMPORADA NACIONAL DA IMPLICÂNCIA

Diante do espanto provocado por pronúncias esquisitas ("dizoito", "murango", culégio"), o Sopa de Tamanco declara oficialmente aberta a temporada nacional da implicância. A partir de hoje, os tamanqueiros se dedicarão em tempo integral ao saudável exercício de listar as idiotices que merecem ser combatidas com doses maciças de implicância, três vezes ao dia.

Um exemplo ?

Por que diabos nove em cada dez frases pronunciadas em solo de São Paulo começam com a palavra "então" ?

Posted by geneton at 01:33 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Eu nunca soube do caso de um maluco - e falo dos verdadeiros - que primasse pela modéstia. Mesmo nos doidos mais mansos, a loucura é fundamentalmente exibicionista.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:40 PM

agosto 13, 2007

PIAUÍ - 2.OU: FERNANDO HENRIQUE : "A PARADA DE SETE DE SETEMBRO É UMA PALHAÇADA" ;"COLLOR EMBOLSOU E PRONTO"; "O INÍCIO DE SERRA NÃO FOI BRILHANTE"

Quanto à revista Piauí, outro pequeno reparo : há uma discrição, uma elegância, uma timidez exagerada na apresentação das matérias. É óbvio que ninguém espera que a Piauí berre nas bancas como um tablóide sensacionalista inglês. Mas uma boa chamada com declarações feitas por Fernando Henrique Cardoso na no perfil assinado por João Moreira Sales certamente chamaria a atenção de leitores distraídos, aqueles que precisam ser conquistados quando passam os olhos nas capas dependuradas nas bancas:

"A PARADA DE SETE DE SETEMBRO É UMA PALHAÇADA"

"Em que momento nos sentimos uma nação ? Talvez só no futebol. O carnaval é uma celebração. A parada de sete de setembro é uma palhaçada. Quem se sente irmanado no Brasil ? O Exército -e talvez só ele. Os americanos têm os seus founding fathers. Pode ser uma bobagem,mas organiza a sociedade. A França tem os ideais da Revolução. O Brasil não tem nada"

"COLLOR SEQUER PAGOU IMPOSTOS SOBRE AS SOBRAS DE CAMPANHA: EMBOLSOU E PRONTO"

"Li que Collor sequer pagou os impostos sobre as sobras de campanha. Embolsou e pronto. Como pode ? O pessoal do meu partido diz que o que ele fez é menos grave que os escândalos do PT. Isso lá é desculpa ? O problema do Brasil não é nem o esfacelamento do Estado. É algo anterior : é a falta de cultura cívica. De respeito à lei. Sem isso, como fazer uma nação ?".

"INÍCIO DE SERRA NÃO FOI BRILHANTE"

"Serra seria um bom presidente. Quebra lanças. Aécio é mais conservador, acomoda mais. Isso dito, politicamente Aécio é fortíssimo. Pode ser menos preparado que Serra, mas é popularíssimo. Não precisa provar mais nada.Serra precisa. O governo dele em São Paulo é que decidirá- e o início não foi brilhante"

"ERA MELHOR LULA DIZER :FULANO ME AJUDOU A COMPRAR O APARTAMENTO"

"Não acredito que Lula tenha práticas de enriquecimento pessoal. O que há é que ele é um pouco leniente (...) Era melhor ele dizer : fulano me ajudou a comprar o apartamento; o partido me deu tal dinheiro. Lula não pensa em dinheiro. Ele gosta de poder. Gosta de vida boa".

Posted by geneton at 01:42 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

Modesto como um pavão, o literato explica:

-Eu nunca disse que eu era o centro do universo! Meu umbigo é que é...


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 01:42 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Lá está no vídeo o imponente entrevistado com o intróito de sempre:

- Veja bem....

Ponho os óculos, olhos lá na frente, olho atrás, olho dos lados, olhos em cima e embaixo, e não vejo nada, absolutamente nada.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:42 PM

agosto 12, 2007

A MÚLTIPLA ESCOLHA

Os jornais publicam uma foto de uma noite de autógrafos que há de provocar devaneios existenciais nos leitores. Você preferiria:
a) passar quarenta e cinco anos ardendo no fogo do inferno
b) penar durante cinquenta horas a bordo de um barco sacolejante
c) perder-se numa mata infestada de mosquitos e cascavéis
d) ir a uma livraria em que uma ex-Big Brother, sob os olhares do Alemão e de uma matilha de sub-celebridades, autografa a grande obra que realizou: as fotos em que aparece pelada.

Peço trinta dias para estudar a resposta.

Posted by geneton at 01:45 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

Além de pretensiosa, "Eu" é uma das palavras mais feias e mais ocas do nosso vocabulário.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 01:45 PM

PAUSA NAS TAMANCADAS. VIDA LONGA ÀS REVISTAS PIAUÍ E ROLLING STONE !

A raça dos jornalistas adora dar diagnósticos "catastrofistas". Já se escreveu mil e uma vezes que a grande reportagem morreu.

É verdade que Dona Reportagem anda problemas de saúde. Os jornais já não dão a ela o espaço merecido. Já não investem como antes em repórteres que poderiam - e deveriam - passar semanas a fio apurando uma grande história. Em nome da tal da objetividade, houve, sim, um empobrecimento assustador do texto jornalístico. Mas as notícias sobre a morte da reportagem são exageradas.

Dois exemplos:

1. A edição brasileira da revista Rolling Stone tem publicado reportagens de "fôlego", nada parecidas com os despachos telegráficos estampados nos nossos jornais. A Rolling Stone brasileira não é boa. É ótima. Caminha, célere, para se transformar em leitura habitual de quem quiser saber o que vai pelo ar, além de aviões com reverso travado. A nova edição traz - entre tantas outras coisas - uma reportagem especial sobre o Líbano ; perfis da super-jogadora de futebol Martha e de Céu, bela novidade da música brasileira ; uma extensa matéria sobre as andanças de Caetano Veloso às voltas com platéias jovens; o tráfico de fósseis do sertão nordestino para o exterior etc.etc. O cardápio, como se vê, é extremamente variado. Bola na rede.

2.A revista Piauí vai se firmando, também, como refúgio da chamada "grande reportagem". Ou seja: aqueles textos que vão fundo, esmiuçam os personagens, dissecam um assunto. A nova edição, a de número onze, é leitura para horas e horas. Lá estão um belo relato sobre as peregrinações de Fernando Henrique Cardoso por universidades do exterior ; retratos de personagens interessantes como o "guru" Mangabeira Unger, o dramaturgo Roberto Athayde, o "agitador" Bruno Maranhão, militante do MLST. Leitor, faço um pequeno reparo : não há qualquer motivo para que os textos que abrem a revista, na seção Esquina, não sejam assinados. Quem lê quer saber o nome de quem escreve. Como se diz lá no Piauí, "what is the point? ". Por que omitir os autores ? Os textos da seção Talk of The Town da revista New Yorker, uma das inspirações da Piauí, são assinados. "Detalhes tão pequenos" não comprometem, no entanto,o acerto geral. Bola na rede.

Carpideiras, recolham os lenços, por enquanto. Os sinais vitais de Dona Reportagem estão parcialmente preservados. É o que nos mostram a Piauí e a Rolling Stone.

Quando eu crescer, quero trabalhar numa revista dessas.

Posted by geneton at 01:44 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Do compadre, tirando lentamente os olhos do jornal ( que é que ele teria lido ?):

-Brasileiro tem mania de inventar coisas, mas, em compensação, desinventa com a mesma facilidade....


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:45 PM

agosto 11, 2007

A CHATICE DESIMPORTANTE

QUATRO ASSUNTOS CHATOS MAS IMPORTANTES:

1.COTAÇÃO DO DÓLAR
2.QUALQUER COISA SOBRE PROGRAMAS DE COMPUTADOR, SOFTWARES & BICHOS AFINS
3.PRESERVAÇÃO DA MATA ATLÂNTICA
4.DEFESA DO CONSUMIDOR


QUATRO ASSUNTOS CHATÍSSIMOS E DESIMPORTANTES:

1.DISCUSSÃO SOBRE BEIJO GAY EM NOVELA
2.PSEUDO-CELEBRIDADE FALANDO SOBRE EDUCAÇÃO DOS FILHOS
3.VIAGEM DE GRUPINHO FOLCLÓRICO PARA SE APRESENTAR NA EUROPA
4.AS METÁFORAS FUTEBOLÍSTICAS DO PRESIDENTE

Posted by geneton at 01:48 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

Quando eu morrer, gostaria que enrolassem meu corpo na bandeira do Kiribati - e me cremassem enrolado nela. A bandeira é muito bonita. E, pensando bem, no fundo eu sempre me senti um tanto kiribitano - ou é kiribitanês ?

Posted by geneton at 01:46 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Ou tombam logo essa tal da Bossa-Nova ou a dita desmorona de vez. Dia destes vi o intragável João Gilberto assoviando e sussurando na televisão. Tudo nele era rachadura, infiltração e goteira.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:46 PM

agosto 10, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

O ideal na vida seria ser o único passageiro de um trem sem maquinista que, a duzentos quilômetros por hora, corresse em direção a lugar nenhum.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 01:49 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA 2.OU: O SALÁRIO BRUTO, O SALÁRIO LÍQUIDO E O SALÁRIO GASOSO

Os salários do povaréu, no Brasil, se dividem em três partes : a bruta, a líquida e a gasosa , prevalecendo esta última.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 01:48 PM

agosto 09, 2007

OPERAÇÃO DE VOLTA PARA CASA : RIO DE JANEIRO PARA HAVANA, EM TEMPO RECORDE

Há algum tempo, o Sopa de Tamanco publicou :

Uma iluminação inesperada pode surgir logo ali, na esquina.Ao trafegar pelo blog de Nelson Vasconcelos, no Globo On Line, recebo a informação de que um leitor fez a grande descoberta: O Brasil pode ser o inferno de outro planeta.

http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/nelson/


Por que ninguém chegou, antes, a esta conclusão tão óbvia? Imagino que o esquema deva funcionar assim : quem resolver chorar para comover a platéia, depois de ter sido flagrado com a mão no dinheiro público; quem gostar de novela em que atores fazem papel de débeis mentais para parecerem engraçados ; quem escrever, cantar,ouvir e propagar pagode; quem andar pela rua de bandana; quem trabalhar em agência de telemarketing; quem usar celular com música engraçadinha; quem começar frase com "veja bem"; quem posar para a revista Caras com cara de satisfação diante de uma cesta de frutas num falso café da manhã; quem, enfim, em algum lugar do universo, cometer pecados parecidos com estes é despachado para o Brasil quando morre.
Agora,ficou tudo claro.

Poucas semanas se passaram. Eis que dois atletas cubanos devem estar, neste momento, com a sensação de que o Brasil é de fato uma sucursal do inferno, habitada por uma variada fauna de demônios.

Os dois vieram disputar os jogos pan-americanos. Não queriam voltar para Cuba. O Brasil poderia, por exemplo, conceder asilo à dupla. Não é assim que o mundo civilizado trata os dissidentes ?
Mas o que fez o Brasil ? A Polícia Federal entrou em campo para caçar os cubanos e deportá-los em tempo recorde de volta para Cuba.

Diga-se e repita-se: é um caso suspeitíssimo de eficiência policial. É o que o Sopa de Tamanco vem dizendo desde o início.

O Brasil não poderia - nem deveria - ter agido assim com os atletas cubanos ( nem com qualquer outro dissidente de qualquer regime).

É pule de dez: há qualquer coisa de podre nessa Operação De Volta para Casa. Cuba pediu os atletas de volta, o Brasil deu de bandeja.

Quando o Brasil vivia sob uma ditadura, toda viagem para Cuba era tida como suspeita. Mas nunca uma viagem de volta a Cuba foi tão mal explicada quanto esta, co-patrocinada pelo governo brasileiro.

Posted by geneton at 02:45 PM

QUANTO É QUE VOCÊ PAGA ?

O Departamento de Contabilidade do Sopa de Tamanco continua - obsessivamente - fazendo as contas, para estudar a gravidade do caso IS de cachê superestimado. Como já foi dito e repetido, Ivete Sangalo pediu 600 mil reais para se apresentar numa festa de boiadeiros no interior de São Paulo. O pedido foi recusado.

Se William Shakespeare fosse vivo, cobraria apenas 15 mil reais para fazer uma conferência. A única exigência: um jantar à base de fish and chips, água mineral sem gás, condução para levá-lo de volta ao hotel. Thoman Mann iria por 12 mil, uma diária de hotel com café da manhá incluído, uma vã com ar-condicionado e um chucrute na hora do lanche.

Posted by geneton at 02:44 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

Em toda a minha vida, jamais conheci um pilantra de alto coturno que não estivesse sempre bem vestido, não fosse bem falante e não mexesse o gelo do uísque de classe com o indicador de unha bem polida. E que, paternal e insinuante, não tivesse botado a mão no meu ombro e tivesse dito:

- Você precisa dar um jeito na vida....


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 02:43 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Fulano é tão antigo em tudo o que diz e escreve que, em seu cartão de visitas, devia acrescentar logo debaixo do nome : "Codinome : Outrora".


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 02:42 PM

O SOM RELATIVO

Cientificamente comprovado : o som mais irritante já emitido nos arredores do Atlântico Sul vem da Banda Calypso ( por que a vocalista não procura, urgente, um fonaudiólogo ?). Ninguém é obrigado a ouvir, claro, mas o que fazer quando você é nocauteado, sem aviso prévio, pelos grunhidos ?

O relativismo cultural diz que a Banda deve ser talentosíssima e fenomenal, porque faz sucesso de público.

É o fim.

Posted by geneton at 02:42 PM

COMO DIZIAM OS MUROS DE MAIO DE 68 EM PARIS....

A humanidade só será feliz no dia em que o último praticante de Tai Chi Chuan for pendurado nas tripas do penúltimo.

Posted by geneton at 01:50 PM

COMO DIZIAM OS MUROS DE MAIO DE 68 EM PARIS....

A humanidade só será feliz no dia em que o último praticante de Tai Chi Chuan for pendurado nas tripas do penúltimo.

Posted by geneton at 01:50 PM

agosto 07, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

O mal de Aracaju, onde nasci, é que lá ainda tenho muito amigo de infância.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:29 AM

agosto 06, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

-Você sabe por que baiano fala devagar, quase parando, como quem se espreguiça ?
-Não.
-Para esticar o máximo possível a falta de assunto.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:34 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

Tentar de toda maneira fugir de um fim de semana com todos os seus apelos e tentações - eis aí um sério problema para quem quer sobreviver nesta cidade do Rio de Janeiro. Tremo da cabeça aos pés, sinto frio na medula quando sexta à tarde ou no começo da noite o telefone toca e alguém do outro lado pergunta:

-Você já tem programa para amanhã ?

O que me salva é que estou sempre saindo de uma hepatite - doença que nunca tive.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:33 AM

PERGUNTA FEITA AOS CÉUS

Lady Francisco ( !!!!) continua solta ?

Posted by geneton at 11:33 AM

CACHÊ DE 600 - 2

Ivete Sangalo cobrou 600 mil para se apresentar numa festa de boiadeiro no interior de São Paulo.

Mozart, se estivesse vivo, iria feliz e satisfeito por 28.500 reais.

Posted by geneton at 11:32 AM

agosto 04, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Não entendo quando leio nas colunas sociais referência à "mocidade" da badalada flor do nosso soçaite - uma senhora de 37 anos.

Quando eu tinha 37 anos já era velhíssimo.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:49 AM

agosto 03, 2007

SOMOS TODOS VÍTIMAS DA SÍNDROME DE WOODY ALLEN

O exercício do jornalismo uma vez me deu a chance de gravar uma longa entrevista exclusiva com Woody Allen, na suíte de um hotel de frente para o Hyde Park, em Londres. Eu me lembro especialmente de uma declaração. Lá pelas tantas, ele disse que, assim que terminava um filme, começava imediatamente a fazer outro, porque, se não fosse assim, passaria a olhar obsessivamente para uma nuvem escura que flutua à altura de nossos ombros e nos acompanha por toda parte: a morte. Em outras palavras, ele dizia que os filmes podem até ser dispensáveis, mas precisam ser feitos, porque impedem que os olhos passem o tempo todo fixados na tal nuvem escura.

Tenho esta sensação quando entro numa livraria. Noventa e sete por cento dos livros são dispensáveis. O mundo existiria sem eles. Mas os autores precisam escrevê-los. Noventa e oito por cento dos filmes são dispensáveis.O mundo existiria sem eles. Mas os diretores precisam fazê-los. Noventa e nove por cento dos blogs são dispensáveis. O mundo existiria sem eles. Mas os blogueiros precisam abastecê-los.

Somos todos vítimas da Síndrome de Woody Allen.

Ainda bem.

Posted by geneton at 11:43 AM

agosto 02, 2007

A "MÁQUINA DE FAZER LIVROS" NA HORA JÁ EXISTE!

Os tamanqueiros que frequentam este blog haverão de se lembrar: faz poucas semanas, o Sopa de Tamanco registrou a previsão de uma revista inglesa, a Prospect, sobre o futuro do livro. Em pouco tempo, o leitor chegaria à livraria, escolheria o título numa lista e apertaria um botão. Uma máquina imprimiria na hora um exemplar - com acabamento igual ao de qualquer outro livro.

Assim, diziam os profetas, os custos serão barateados: não haveria transporte, estocagem etc.etc. O melhor: não haveria encalhes. O livro é impresso "a pedido".

Demorou pouco para que a previsão se realizasse.

Hoje, primeiro de agosto, o site Blue Bus noticia que a tal máquina já começou a funcionar, na Biblioteca Pública de Nova York.

Nunca vi uma previsão se realizar em tão pouco tempo.

(Quer ver uma imagem da máquina? É só clicar: http://www.bluebus.com.br/show.php?)p=2&id=78415)

Posted by geneton at 11:58 AM

SÓ PAÍSES INSEGUROS E NARCISISTAS VIVEM EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE NACIONAL. E NARCISISMO É SEMPRE UMA AGRESSÃO AO PRÓXIMO. PALAVRA DE HISTORIADOR

De uma entrevista com o historiador Evaldo Cabral de Melo:

GMN - O senhor diz que a busca permanente por uma identidade nacional é uma característica de "países inseguros". A busca por uma identidade não seria, pelo contrário, um sinal de vitalidade ?

ECM - Pode ser um sinal de vitalidade, mas este detalhe não exclui o fato de que normalmente os países não se perguntam por suas identidades ! Os países vivem suas vidas sem perguntar e sem levantar este problema !. A tendência a proclamar a identidade em face do mundo, como ocorre hoje com o Brasil, me soa como uma espécie de narcisismo coletivo que acho desagradável, como todo tipo de narcisismo. Todo tipo de narcisismo ,individual ou coletivo, é uma agressão em relação ao próximo. A mania de ficar lançando aos olhos da humanidade a nossa grande originalidade nacional me parece uma coisa de gosto duvidoso".

GMN -...Mas a busca por uma identidade nacional gerou obras fundamentais, como Casa Grande & Senzala; livros importantes, como "Teoria do Brasil" - de Darcy Ribeiro - e até movimentos culturais, como o Manifesto Antropofágico, por exemplo. O senhor nega o valor dessas obras ?ECM - Claro que não nego o valor dessas obras, essenciais para a cultura brasileira no século vinte. O que estou dizendo apenas é que elas correspondem a uma receita cultural que, como toda receita cultural, se esgota ao longo do tempo, como as escolas literárias ou escolas de pintura se esgotam. Toda essa preocupação com a identidade na cultura brasileira já vem dando evidentes sinais de cansaço. Já não produz hoje os livros que produziu há cinqüenta, sessenta anos. Pelo contrário : nota-se um declínio pronunciado na qualidade dos livros. Porque não há como falar indefinidamente de um assunto que, por natureza, é esgotável".

(aqui, a entrevista completa:http://www.geneton.com.br/archives/000120.html)

Posted by geneton at 11:52 AM

"O BRASIL É UMA REPÚBLICA FEDERATIVA CHEIA DE ÁRVORES E DE GENTE DIZENDO ADEUS" ( OSWALD DE ANDRADE)

Se o Brasil fosse freguês de analista e chegasse a um consultório todo pimpão em busca de um diagnóstico, sairia de lá com um pedaço de papel em que estaria escrito: "Maníaco-Depressivo".

É improvável que exista na cartografia mundial o registro de um país que passe com tanta frequência e com tanta facilidade da euforia à depressão.

Em um momento, esta "república federativa cheia de árvores e de gente dizendo adeus" vai ser o farol que iluminará o Atlântico Sul com raios de originalidade, vitalidade, grandeza, como se fosse um filme épico.

Quarenta e cinco segundos depois, o país é uma republiqueta desqualificada,
um grande equívoco histórico, o refúgio de uma elite branca incurável, um enorme aglomerado de ineficiências, frustrações e promessas adiadas, como se fosse um filme B dirigido por incompetentes e estrelado por canastrões.

Depois de quarenta e cinco segundos de hesitação, cravo a coluna do meio, o que só reforça, em minhas florestas interiores, a impressão de que vivemos todos numa enorme gangorra verde-amarela.

Posted by geneton at 11:51 AM

agosto 01, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Quando, em encontro ocasionais (e, para felicidade minha, cada vez mais raros), tenho de suportar Fulano com aquele sorrisinho que pretende ser sarcástico, e encarando-me com aquela inchada suficiência, penso comigo mesmo:
-"Que grande, irremediável idiota!"

Exatamente o que ele na certa pensa de mim.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:01 PM

UM REI ITALIANO SE APAIXONA POR JOGADORES DA SELEÇÃO BRASILEIRA...(E ACABA DE SAIR DO FORNO "JOGO DURO", A BIOGRAFIA DE JOÃO HAVELANGE)

Qual é o espaço para a chamada "grande reportagem" hoje, na imprensa brasileira ? Quase nenhum. Dá para contar nos dedos da mão de um mutilado de guerra o número de casos em que os jornais e revistas investem tempo, dinheiro e talento naquilo que um dia se chamou de "reportagem de fôlego".

Generalizou-se a sensação de que o leitor não quer ler. A crença na suposta inaptidão do leitor para a leitura se espalhou como uma praga. Resultado: é tudo curto, tudo telegráfico, tudo uniformizado. Não estou aqui, óbvio, idealizando a figura do leitor, esta entidade que entra numa banca sem ser visto,passa o olho na revistas e jornais, escolhe eventualmente a pior leitura e some sem deixar vestígios. É provável que ele se satisfaça com o reino dos textos telegráficos. Mas não é possível que não exista uma faixa de leitores pronta para consumir substância, conteúdo, consistência).

Hoje, no Brasil, o espaço nobre para a grande reportagem é o livro.
As editoras já descobriram há tempos este filão. Os repórteres deveriam acender uma vela na porta de entrada das editoras, transformadas na "fronteira final " da grande reportagem.

Acaba de sair do forno uma "reportagem de fôlego" em forma de livro : o jornalista Ernesto Rodrigues entrevistou Deus e o mundo para compor uma biografia quase-não-oficial do brasileiro que durante décadas mandou e desmandou no futebol mundial: João Havelange, o ex-presidente da CBD e da Fifa. Título do livro : "Jogo Duro". Editora :Record.

Digo "quase-não-oficial" porque Havelange colaborou com a biografia. Gravou horas e horas de depoimento. Teve a chance de ler o texto antes da publicação. Implicou com algumas coisas apuradas pelo repórter. Mas o livro saiu. Havelange, autocrata, autoritário, metido a imperador, ególatra, não deve, no entanto, cometer o ridículo que Roberto Carlos cometeu. Não tentará proibir o livro.

Lá, além de uma radiografia dos bastidores do poder do futebol, o leitor conhecerá histórias mais prosaicas, como, por exemplo, um problema enfrentado pela chefia da delegação brasileira durante uma excursão que passou pela Tchecoslováquia, em 1968 :
"O problema foi explicar à imprensa a substituição de vários titulares, sem revelar que o motivo não era panturrilha, mas gonorréia. Em Portugal, escala para um amistoso em Angola, o rei da Itália no exílio, Humberto II, se apaixonou, no sentido carnal, por vários jogadores".

Uma declaração de Havelange sobre o general Médici é a síntese da ação de homens como o ex-presidente da Fifa que, numa atitude tipicamente brasileira, batem no peito para se vangloriar de terem convivido bem com todo tipo de político e presidente, seja de esquerda, direita, ditador, democrata, bandido ou benfeitor:

- "Eu não tive nada a ver com o AI-5, não tive nada a ver com a Revolução. Eu respeitei o regime que havia no país, que era a minha obrigação como cidadão. Se foi bom ou se foi ruim, eu nada pude fazer".

Ah, a doce desfaçatez dos carreiristas...

"Jogo Duro": bem apurado, bem escrito, o que não é surpresa em quem já produziu a melhor biografia de Ayrton Senna.

O Sopa de Tamanco recomenda "JOGO DURO" e assina embaixo : é o futebol tal como se joga fora do campo, no silêncio dos gabinetes, longe do barulho dos geraldinos e arquibaldos.

Posted by geneton at 12:00 PM

"A VONTADE LOUCA DE CADA BRASILEIRO : TORNAR-SE UM FUNCIONÁRIO PÚBLICO"

Caetano Veloso:

"Joaquim Nabuco atribuía à escravidão a estrutura do pensamento do homem brasileiro como ser social : é a sensação paralisadora que o brasileiro tem de que tudo se deve às autoridades oficiais; toda queixa deve ser feita contra elas;todas as exigências devem ser feitas a elas;quase nenhuma responsabilidade resta para o cidadão.É essa vontade louca de cada brasileiro se tornar um funcionário público,uma estrutura que leva a coisas que me indignam. Sou,por exemplo,um obsessivo pela obediência às leis do trânsito.Sempre me pareceu absolutamente inaceitável que as pessoas no Brasil não considerem o sinal de trânsito um sinal nítido e simples,uma lei de convivência social paradigmática de todas as outras leis de convivência social".

(aqui, a entrevista completa: http://www.geneton.com.br/archives/000201.html)

Posted by geneton at 11:53 AM

julho 31, 2007

QUAL É O MAIOR PROBLEMA DA LITERATURA, AFINAL ?

É impressão, ilusão de ótica, ou os sites e blogs estão mais animados do que os nossos jornais e revistas ?

Um exemplo ?

Sérgio Rodrigues aplica o seguinte teste de múltipla escolha, no Todo Prosa:
.
"Qual é o maior problema da literatura brasileira?
( ) Os escritores não sabem escrever.
( ) Os leitores não sabem ler.
( ) Os críticos não sabem criticar.
( ) Os blogueiros se acham escritores.
( ) Os comentaristas de blog se acham críticos.
( ) Os críticos dos comentaristas de blog se acham.
( ) Os críticos dos comentaristas dos críticos dos comentaristas de blog… hã, onde estávamos mesmo?
( ) Ser brasileira demais.
( ) Não ser suficientemente brasileira.
( ) Não ser literatura.
( ) Literatura brasileira? Onde?
( ) Vai ler um livro e não me enche o saco."

(aqui, o debate entre internautas http://www.todoprosa.com.br/)

Posted by geneton at 12:07 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Costuma-se dizer que todo tradutor é um traidor. É possível, mas pergunto:
quantos de nossos escritores, particularmente os ficcionistas de má prosa, já não foram beneficiados pela paciente e oportuna recauchutagem dos tradutores, quero dizer, dos traidores lá de fora ?

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:05 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

-Como fulano escreve ! Quantos livros você acha que ele publicou ?
-Até a semana passada, devia estar beirando os quinhentos quilos.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:03 PM

PERGUNTA FEITA AOS CÉUS

Edmundo, o Animal, continua solto ?

Posted by geneton at 12:03 PM

julho 30, 2007

CUIDADO, JORNAIS! DONA LOP PODE CHEGAR A QUALQUER MOMENTO.

Quem é essa tal de Dona Lop ?

Vou dizer já, já. Você a conhece pelo nome, não pelo apelido. Ponto. Parágrafo.

A cada hora aparece um profeta para tentar adivinhar o que acontecerá com os jornais impressos no futuro próximo. A Internet vai matar os jornais de papel ?
Talvez. Não faz tempo, li um artigo que, confesso, provocou um mini-abalo sísmico em minhas certezas interiores: o autor dizia que, na ponta do lápis, os jornais impressos podem caminhar para a inviabilidade econômica.

Pelo seguinte: os anúncios classificados - uma das fontes de renda dos jornais - começam a migrar para a Internet. Os anúncios "propriamente ditos", idem. Os leitores jovens vão direto para o computador. Ao contrário dos pais, não adquiriram o hábito de ler jornais impressos.

É uma questão de matemática. Se um dia não houver dinheiro em caixa para financiar toda a produção, impressão e distribuição de um produto como é o jornal impresso, entrará em cena uma senhora cruel, capaz de exterminar com um gesto todo aquele que ousar perturbá-la: a sra. Lop, também conhecida como Lei da Oferta e da Procura. Nenhum empresário imprime jornal para fazer caridade. Quer ter lucro,óbvio.

Os jornais frequentemente dão a impressão de estarem cavando a própria sepultura. É inacreditável: há anos e anos, repórteres, editores, professores, pitaqueiros, palpiteiros, picaretas e sumidades dizem e repetem, em tudo quanto é congresso de jornalismo, que os jornais não podem se acomodar, não devem simplesmente repetir o que a televisou já noticiou na véspera.

Sempre dizem: se quiserem sobreviver, se quiserem conquistar leitores, os jornais devem investir na grande reportagem, nos textos autorais, no aprofundamento do tema. É um diagnóstico possível. Mas o que os jornais fazem? Com as exceções de praxe, fazem exatamente o contrário. As primeiras páginas se dão ao luxo de repetir, nos títulos, o que noventa por cento do leitorado bem-informado já sabe desde a véspera. Os textos foram uniformizados. Parecem escritos por uma máquina de produção de frases pré-moldadas. A grande reportagem foi revogada. Etc.etc.etc.

Todo este "nariz de cera" ( é assim que se chamavam as introduções intermináveis dos textos de antigamente) para dizer o quê ?

O presidente do New York Times deu uma entrevista dizendo que não sabe se daqui a cinco anos o jornal existirá fora da Internet. A edição impressa pode ir para as cucuias.

"Sinal dos tempos": hoje, o número de leitores da edição on-line já supera o de assinantes da versão impressa.

Já dá para ouvir, claro e nítido, o rumor dos passos da Besta do Apocalipse se dirigindo à redação mais próxima de um jornal impresso com uma foice na mão e uma motossera na outra.

Mas, apocalipse à parte, é mais do que provável que as edições impressas dos grandes jornais sobrevivam, com outro rosto, outra proposta, outro alcance, outro tamanho.

Podem virar um "luxo", consumido por uma minoria, assim como são tantas revistas e tantas publicações que povoam as bancas.

Quem diria: pelo menos no universo de papel, a "grande imprensa" pode virar "alternativa".

O número de acesso aos sites é que determinará a "tiragem" de um jornal.

Se dona Lop mandar, assim será.

(aqui, a entrevista do executivo do New York Times:
http://www.wbibrasil.com.br/boletim.php?id_boletim=308)

Posted by geneton at 12:22 PM

BYE, BYE, CAUÊ

Cauê, o mascote do Pan, finalmente se aposentou.

Vai fazer uma falta....

Posted by geneton at 12:12 PM

PEQUENA ORAÇÃO A NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO ESPANTO

Acabou o Pan. Vêm aí as Olimpíadas de Pequim.

Ah, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, fazei com que os responsáveis pelos jornais, sites, rádios e TV assinem desde já, diante de duzentas testemunhas, um grande acordo nacional para evitar que o público seja obrigado a ler ou ouvir textos espirituosos com a expressão "negócio da China"....

Obrigado, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto: se nosso pedido for atendido, prometemos nos submeter a toda e qualquer penitência, em sinal de eterno agradecimento.

Posted by geneton at 12:10 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

Telegrama de Curitiba: "O senhor está convidado para um debate com os estudantes daqui".

Nem pensar. O que sei eles não sabem. O que eles sabem eu não sei.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:08 PM

NOVO PRODUTO DE EXPORTAÇÃO

Dá-se vaia - municipal, estadual, federal e internacional. Tratar no Maracanã.

Posted by geneton at 12:08 PM

INGMAR BERGMAN FOI DESCANSAR

Ingmar Bergman morreu. Adolescente, a gente aprendia com ele que o tédio tinha certidão de nascimento: era sueco.

Posted by geneton at 12:07 PM

DIZEI, McLUHAN

Um teólogo, com tempo disponível para produzir frases ilegíveis em cursos de pós-graduação, bem que poderia escrever uma tese sobre um óbvio efeito da Internet : a dessacralização absoluta do chamado "jornalismo opinativo". Hoje, todo mundo opina sobre tudo na Galáxia Blogueira. Democratizou-se o achismo. A outrora grande platéia se dividiu em milhões de partículas.

Dizei, McLuhan: o que é que sobrará, depois da peneira ?

Posted by geneton at 12:03 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Sempre que eu telefonava para Noel Nutels, me queixando de uma dorzinha ou de um achaque qualquer, a resposta era invariável:

-Você está consultando a pessoa errada ! Já lhe disse que não sou veterinário.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:10 AM

julho 29, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Não vamos nos enganar: no Brasil, existe mais folclore do que cultura ;mais ativismo "intelectual" do que verdadeira ilustração.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:16 PM

A DITADURA DOS NÚMEROS : A PRAGA QUE NOS ASSOLA

O blog ( "altamente recomendável") do escritor Antônio Fernando Borges traz um post sobre o sucesso numérico da literatura Harry Porter:
.
"Vendo meu proverbial desprezo por esta literatura estratosfericamente pequena, amigos se apressam em dizer: “Mas se tanta gente está lendo! Alguma coisa de bom deve ter!”.
Eis a questão!
* * *
A razão estatística - que reina absoluta nas votações e dá suporte às democracias - não tem muita validade fora do terreno da política. Nem a Verdade nem as grandes Virtudes, por exemplo, dependem da opinião das “maiorias”.
* * *
Mas se a distorção acontece às vezes até nas cabeças mais esclarecidas, é porque a Ditadura do Consenso já se instalou – em nome da suposta autoridade dos números.
A “golpes de maioria” (a expressão, uma delícia!, é de Rui Barbosa), a tirania se apresenta como Liberdade, e a insanidade como Razão.
* * *
(Será que eles não estão percebendo isto, Tia Anastácia?!!)
* * *
Isso diz muito sobre nosso tempo. Em épocas normais, dizia Aldous Huxley, nenhum indivíduo sadio pode admitir a idéia de que os homens são iguais".

(aqui:http://www.antoniofernandoborges.com/)

Posted by geneton at 12:14 PM

PERGUNTA FEITA AOS CÉUS

Bernardinho, o técnico-carranca, continua solto ?

Posted by geneton at 12:13 PM

julho 28, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

Ir aos poucos, com lucidez e cálculo, e sem qualquer arroubo, cortando as pontes atás de si: um prazeroso, estimulante exercício.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:20 PM

"O LIVRO ELETRÔNICO É UM ENGODO"

Sérgio Augusto:

"O e-book ( ou livro eletrônico) é um engodo. Pode funcionar como suporte de pesquisa,igualando-se ao computador, imbatível na especialidade, mas não consigo imaginá-lo veiculando narrativas ficcionais. Entre outras coisas, porque o hipertexto é refém de um paradoxo: se sua capacidade de armazenar palavras é praticamente infinita, não se pode dizer o mesmo de nossa disposição para ler o que quer que seja numa tela. Experimente gramar Guerra e Paz numa edição eletrônica"

(Em "As Penas do Ofício", Editora Agir)

Posted by geneton at 12:19 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Tenho medo de que no último balanço, que se aproxima, eu chegue a esta arrasadora conclusão: não teria sido tudo um grande, patético equívoco ?

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:20 AM

julho 27, 2007

BADFINGER : SUICÍDIOS EMBALADOS POR GUITARRAS....

Pausa para um minuto de Sessão Nostalgia : era uma vez uma banda britânica chamada Badfinger. Apadrinhada pelo beatle George Harrison, fez sucesso nos anos setenta com músicas como "Day After Day". Um empresário gatuno passou a mão no dinheiro da banda. Para encurtar a história:
o líder da Badfinger, Pete Ham, enforcou-se em abril de 1975. Deixou um bilhete dizendo que o empresário, Stan Polley, era "um bastardo sem alma".
Oito anos depois, o parceiro de Ham na banda, Tom Evans, também se enforcou, no quintal de casa. Em outubro de 2005, Mike Gibbins, ex-integrante do Badfinger, morreu dormindo. Só restou um para contar a história, o guitarrista Joe Molland.
Em "Day After Day", o padrinho George Harrison toca guitarra.
Harrison morreu em novembro de 2001.
Assim caminha a humanidade.
Por que a lembrança fora de hora do Badfinger ? É que o navegador que vos fala tropeçou em imagens do grupo no You Tube, a primeira TV planetária.

Posted by geneton at 12:26 PM

O GRANDE CORO DO "KLATOO BARADA NIKTO"

Os frequentadores - habituais ou acidentais - desta senzala haverão de lembrar que, não faz tempo, o Sopa de Tamanco revelou a chave de todos os segredos. Toda vez que você se sentir ameaçado por alguma calamidade, pronuncie a senha mágica "Klatoo Barada Nikto". A ameaça se evaporará a olhos vistos ( aos que chegaram depois do início do filme :"Klatoo Barada Nikto" é a senha que, pronunciada diante de um robô alienígena, evita a destruição do planeta no filme "O Dia em que a Terra Parou", clássico meio trash na ficção científica).

Nunca esta senha foi tão necessária quanto nestes dias invernais.

A partir de agora, toda vez que uma autoridade tentar justificar a zona aérea com frases pretensiosamente espirituosas, comparações infelizes, metáforas desastrosas, pronuncie a senha diante da TV ou da página aberta do jornal: "Klatoo Barada Nikto !". Pode ser em voz baixa. Ou aos gritos.

Se todos repetirem o mantra, um dia os alienígenas entenderão a mensagem.

O abaixo assinado usou a senha, com bons resultados. Quando uma atendente de uma empresa aérea disse que iria "estar transferindo" a ligação, passei a repetir mecanicamente "klatoo barada nikto", "klatoo barada nikto" ,"klatto parada nikto".

Do outro lado da linha, ouvi, claro e nítido, um relincho que dizia "não estou entendendo, señor; pode repetir ?... "

Continuei repetindo. E assim se passou uma tarde no Cone Sul da América.

Posted by geneton at 12:23 PM

A ALEMANHA NÃO É AQUI

Uma cena me chamou atenção no dia em que a seleção brasileira levou um baile da seleção francesa na Copa do Mundo de 2006:
quando o jogo já se aproximava daqueles instantes dramáticos,nos quinze minutos finais do segundo tempo, a câmera mostrou a imagem do técnico Parreira. Qualquer outro brasileiro estaria botando o coração pela boca ( vide o que faz Scolari), porque o time estava a minutos da eliminação. Mas Parreira ( técnico competente porque ganhou uma Copa em 94 com um time apenas razoável) exibia um ar pétreo, distante, germânico, impassível. Uma atitude que não soava nem um pouco brasileira. Quem disse que a frieza um técnico não contamina também o time dentro de campo ?

Agora, uma cena parecida,colhida pelas câmeras não durante uma derrota, mas uma vitória, causa igual estranheza:
quando a seleção de vôlei fez o ponto que ganrantiu a conquista da medalha de ouro no Pan, as câmeras procuraram o rosto do técnico Bernardinho. E lá estava ele, com ar pétreo de quem estava testemunhando um velório.
Acorda, Freud! Dai-nos uma explicação.
Há qualquer coisa de errado nestas tentativas de adotar, em situações-limite, uma atitude que não combina em nada, nada,nada, para o bem e para o mal, com o Brasil.

Posted by geneton at 12:17 PM

O BRASIL É MACHO !

Quando quer parecer que não é machista, o Brasil mete os pés pelas mãos. Um ministro recém-nomeado declara que só aceitou o cargo porque a mulher mandou. Um senador diz que só voltou trás da decisão de renunciar a um cargo na comissão de ética porque a mulher quis assim. O presidente, quem não se lembra ?, levava a mulher para reuniões técnicas, numa cena constrangedora. O que ela estava fazendo ali ?

As três cenas são patéticas.

Se uma mulher anunciasse ao país que só aceitara ser nomeada para um cargo de primeiro escalão do governo porque o marido mandou,
seria chamada de quê ?

Com toda certeza, seria chamada de pamonha, frouxa, vaca, indecisa.
Por que com os homens não é assim ? Por que, quando um homem público confessa que é um pamonha diante da mulher, também não desperta os (merecidos) risos de escárnio ?

O motivo é o seguinte : país machista tolera perfeitamente pamonhices cometidas por homens. Os paus mandados sabem que, ao confessarem de público que são paus mandados, não cairão no ridículo. Pelo contrário : terminarão vistos como "anti-machistas".

Mas o que, à primeira vista, parecia ser um gesto anti-machista na verdade é a consagração máxima do machismo.

A certeza de que não levarão vaias e ovos é que faz estes cavalheiros confessarem de público que só fazem o que as respectivas mulheres mandam.

Independentemente de crença, competência, filiação partidiária e seja lá o que for, deve-se desconfiar imediatamente do homem que diz que só faz o que a mulher quer.

Isso é patético. Patético. Patético.

(O vexame público se repete na chamada "esfera privada". Já ouvi, com esses ouvidos que as labaredas do crematório um dia vão consumir, o telefone de um profissional ( competente) tocar de meia em meia hora durante uma viagem de trabalho. Era a mulher, preocupada em monitorá-lo à distância. Perdi a confiança na competência do bicho. O pior é que gente assim trata a submissão à mulher como se fosse "virtude").

Repito : só em um país cem por cento machista um homem se declara escravo da mulher sem ter medo de cair para sempre, por todos os séculos, no mais absoluto ridículo.

Posted by geneton at 12:15 PM

O GIGANTE EMITE UM RUGIDO DESALENTADO : "UFA...."

Capto no ar, claras e nítidas, as vibrações de um rugido desalentado. Como se fosse um índio, colo o ouvido ao chão. Consigo decifrar de onde vem o rugido: é o Brasil emitindo um suspiro de tédio a cada hora que aparece um senador fazendo malabarismos com uma máquina imaginária de calcular nas mãos. Pensa que engana a platéia do circo.

"Ufa.....".

Posted by geneton at 03:01 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

O desagradável no suicídio é que o corpo raramente tomba numa posição decente.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 02:30 AM

O LEITOR É UM ANIMAL NÔMADE

O drama íntimo de todo autor - seja ele o mais obscuro teclador de blog, seja ele a mais festejada sumidade das letras - é começar bem um texto.

O leitor é aquele animal nômade que escapa para outro território se não for fisgado na quinta linha.

Ok : pode ser na sexta.

Que tal a abertura desta reportagem, publicada por Ernest Hemingway na revista Esquire ( e traduzida no Brasil na coletânea "Tempo de Viver") ?:

"Se alguma vez tiver de abater um cavalo, coloque-se tão perto dele que não possa falhar o tiro e alveje-o na testa, no ponto exato de interseção de uma linha traçada da orelha esquerda para o olho direito e de uma outra da orelha direita para o olho esquerdo. Uma bala de pistola calibre 22 colocada neste ponto matará o animal instantaneamente e sem dor"

Posted by geneton at 02:29 AM

julho 26, 2007

OS SUSPEITOS DE SEMPRE

Ficou pronto o projeto para a criação do trem bala entre São Paulo e Rio. Preço: 17 bilhões de reais. A viagem por terra entre as duas cidades poderá ser feita num piscar de olhos : 85 minutos.

Que bom.

Há, óbvio, um preço extra a pagar : diante do tamanho da obra, as empreiteiras - envolvidas em dez de cada dez casos de corrupção - devem estar esfregando as mãos, soltando fogos (superfaturados, claro) e babando na gravata.

É só dar uma vasculhada nos arquivos : não há roubalheira de grande monta em que não esteja atolada até o pescoço uma dessas empreiteiras que usam propina como ingrediente de cimento. Há décadas e décadas é assim.

Se um investigador com cachimbo e cachecol quadriculado sobre os ombros ordenasse algo como "procurem os suspeitos de sempre", lá estariam, na primeiríssima fila, donos, diretores e, especialmente, tesoureiros de empreiteiras; congressistas e governantes. Noventa e cinco por cento dos casos seriam resolvidos.

Vejam-se os túneis de São Paulo. Quem pagou aos corruptos ? As empreiteiras, claro.

Mas justiça se faça: há algo menos confiável do que elas.

Faça as contas:

Em que você confia menos?

a) uma cédula de dezessete reais e meio
b) o mugido de um boi da fazenda do presidente do Senado
c) as lágrimas de Joaquim Roriz
d) o orçamento de uma empreiteira para uma obra pública

Posted by geneton at 12:36 PM

NÃO ADIANTA NEM TENTAR

É perda de tempo: Vossa Senhoria não vai encontrar um blog mais variado, mais atualizado e mais atento do que este.

Pode conferir.

Aqui no Sopa de Tamanco, Vossa Senhoria será sempre encaminhada para os melhores blogs ( vá, mas faça o favor de voltar). Conhecerá com quantos paus se dá uma tamancada. Nossas antenas estão ligadas dia e noite.

Então, neste momento grave da vida nacional, o Sopa de Tamanco convoca os tamanqueiros a botar a boca no trombone: toda propaganda é pouca.
Se cada internauta trouxer outro para visitar o Sopa de Tamanco, em breve o Brasil sairá do fundo do poço.

Palavra do Comitê Central.

Posted by geneton at 12:35 PM

PÍLULAS DE VIDA DOUTOR SILVEIRA - 2

Pergunto eu: sob o ponto de ecológico e levando em conta o equilíbrio do meio ambiente, o que é mais necessário? Um urubu ou um cantor baiano ?

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:34 PM

E AGORA ? PARA ONDE VAI O PAÍS ?

Confirmado pelas agências de notícias: a Soul Funk, banda que acompanha Júnior, o irmão de Sandy, foi desfeita.

Vai fazer uma falta.....

Posted by geneton at 12:33 PM

DIAGNÓSTICO : GENTALHA

Sérgio Augusto:

"Não tenha dúvida: a mídia é a maior responsável pela patética e jeca vassalagem a celebridades que, a partir da década de 1990, virou um flagelo mundial. O jeca é uma cortesia de Paulo Francis, que sentia furibundo desprezo pela fama imerecida, por celebridades forjadas pela mídia, criaturas que são-famosas-porque-sçao-famosas, que nada fizeram de meritório para o destaque que a imprensa lhes dá. Ou então fazem coisas que a imprensa, por uma questão de decoro, deveria ocultar de seus leitores ( Se você pensou em Narcisa Tamborindeguy e quejandos, meus parabéns). "Sabe porque os editores de jornais e revistas dão tanta luz a essa gentalha ? ", comentou comigo Paulo Francis, pouco antes de morrer. "Porque todos eles, com raras exceções, são jecas e deslumbrados, que ainda ontem só andavam de ônibus, vestiam terno da Ducal, achavam o fino tomar vinho rosé e comeram o seu primeiro patê aos vinte e cinco anos".

(Trecho de "Assim Rasteja a Humanidade", artigo publicado no livro "As Penas do Ofício", Sérgio Augusto, Editora Agir. Bela leitura).

Posted by geneton at 12:32 PM

QUE COISA PATÉTICA....

É tradição, blá-blá-blá-blá-blá-blá, mas, com toda honestidade, existe coisa mais ridícula do que um ator virar para outro numa noite de estréia e dizer "merda!" para desejar boa sorte ?

Quem foi o merda que inventou essa história ?

Imagine-se a cena em outra situação: um repórter se vira para o editor na hora do fechamento de uma página e diz : "Merda! "
Um médico olha para o ventre aberto de um paciente na hora da operação e exclama para o assistente: "Merda!". Um piloto encara o co-piloto na hora da decolagem e suspira: "Merda!".

Receberiam voz de prisão na hora.

Posted by geneton at 12:32 PM

COMO DIRIA NÉLSON RODRIGUES, "AOS CRETINOS FUNDAMENTAIS, NEM ÁGUA !"

Um belo dia, você, coberto de trapos, com a voz trêmula, apoiado num cajado comprado em Islamabad, tentará reunir jovens aspirantes ao jornalismo à sombra de uma árvore, numa cidadezinha do interior do Brasil, para contar vantagem a eles.

Ninguém prestará atenção, é claro. Você,então, se dirigirá para o melhor de todos os ouvintes : o vento (acabo de cometer uma injustiça : o melhor de todos os ouvintes é a parede. Mas tudo bem).

Contar vantagem para o vento e as paredes é o que faz todo dinossauro que se preze. Você, íntimo do vento e das paredes, segue adiante.

Tenho uma vantagem a contar : já vi um jogo da seleção brasileira, diante da TV, em companhia do grandesíssimo cronista Nélson Rodrigues. Detalhe : um minuto antes do começo do jogo, Nélson Rodrigues não sabia contra quem a seleção ia jogar. Quando a TV repetiu um gol da seleção, ele pensou que o placa já estava dois a zero.

Assim:

"Nélson parece distante da disputa que se desenrola,ali,diante de nós,no vídeo da TV,entre a seleção brasileira e o escrete peruano. Faz ao repórter uma pergunta incrível : “Quem é o nosso adversário hoje ? “. Informo que é o Peru.

Fique registrado para a posteridade que o maior cronista do futebol brasileiro não precisava necessariamente saber quem era nosso adversário.

Quando Zico faz um a zero,aos trinta e quatro minutos do primeiro tempo,Nélson interrompe a entrevista para inaugurar,aos brados,uma nova expressão exclamativa :

- Que coisa beleza ! Que coisa beleza !

Depois,pede à família : “Pessoal,com licença dos nossos visitantes,vamos fechar essa máquina porque já estou começando a ficar nervoso”. Aos não iniciados nas sutilezas do dialeto rodrigueano, esclareça-se que “fechar a máquina” significa desligar a televisão – o que,aliás,não foi feito. Nélson dispara,então,um julgamento entusiasmado sobre o escrete dirigido por Cláudio Coutinho :

- Mas esses rapazes são uns gênios ! Uns gênios !

O repórter seria novamente surpreendido. Nélson já perguntara quem era “nosso adversário”. Agora,ao ver o replay do gol recém-marcado, toma um susto : “Mas já houve dois gols ? “. Digo a ele que não : é apenas a repetição do primeiro gol. O placar é um a zero. O gênio da raça concorda com um “ah,sim !”. Teria dois outros motivos para vibrar : o mineiro Reinaldo – que entraria no lugar de Nunes - faria dois gols,aos 20 e aos 40 minutos do segundo tempo,para fechar o placar : Brasil 3 x O Peru.

(Corro à banca no dia seguinte para comprar o jornal. O que diabos Nélson Rodrigues teria escrito sobre o jogo que eu não o deixara ver ? Eis :
- Vejam vocês como o futebol é estranho – às vezes maligno e feroz.Mas não quero ter fantasias esplêndidas.O jogo Brasil x Peru,ontem,no Mário Filho,não assustou a gente.Diz o nosso João Saldanha : “O Brasil fez seu jogo,jogo brasileiro”. Vocês entendem ? Não há mistério.O brasileiro é assim.Quando um de nós se esquece da própria identidade,ganha de qualquer um.Outra coisa formidável : na semana passada,um craque nosso veio me dizer : “Nélson,é preciso que você não se esqueça : ao cretino fundamental,nem água”. O jogo foi lindo”.

Penso com meus botões que Nélson não precisou esperar pelo início do jogo para escrever a crônica. Com certeza, despachou o texto para o jornal antes da chegada do repórter intruso. Os “idiotas da objetividade” se encarregariam de registrar,nas páginas esportivas,o jogo real. Porque o jogo de Nélson seria lindo de qualquer maneira. E aos cretinos fundamentais ? "Aos cretinos fundamentais, nem água".

(Aqui, o texto completo: http://www.geneton.com.br/archives/000012.html)

Posted by geneton at 12:31 PM

PERGUNTA FEITA AOS CÉUS

Os criadores daquele anúncio de cerveja que fala em "é ponto" - assim como seus parentes em primeiro, segundo e terceiro graus, a recepcionista, o motorista, os contínuos e os diretores da agência que criou a campanha - continuam soltos ?

Posted by geneton at 12:30 PM

PÍLULAS DE VIDA DO D0UTOR SILVEIRA - 2

É não só pitoresco como também esquisito: no Brasil, todo sociólogo é economista e todo economista é sociólogo.

Conheço um agrimensor que quer ser Ministro da Justiça.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:28 PM

OS AVIÕES ABAFARAM OS MUGIDOS

A zona aérea terminou ofuscando o escândalo do Senado. É injusto.

Que ninguém se esqueça dos bois do presidente do Senado.

Continuam mugindo, à espera de quem os explique.

Posted by geneton at 12:25 PM

AH, NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO ESPANTO, LIVRAI-NOS DE LIXO COMO A BANDA CALYPSO....

Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, nós, humildes servos, postados a vossos pés, perguntamos: pode existir na face da terra
coisa pior, mais desqualificada e mais insuportável do que aquela Banda Calypso ? Vosso servo outro dia ouviu no rádio. Como é que alguém consegue cantar daquele jeito ? Que importa, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, que a banda faça "sucesso" ? Aqui em nossa República Verde-Amarela do Atlântico Sul, aliás, virou moda justificar tudo com números. Dizem que, se a banda vende milhares de CDs e se lota shows, então deve significar alguma coisa. Não significa, não, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto. É lixo em quantidade industrial. Lixo. Lixo. Lixo. Em nome de princípios politicamente corretos e esteticamente indefensáveis, os cultuadores de lixo como a Calypso estão implantando o chamado "relativismo cultural". Ou seja: tudo é defensável, tudo é valioso, tudo é bom, tudo é interessante. Não existiria lixo, não existiria tosqueira, não existiria horror, não existiria despreparo. O problema é que existem, sim. Então, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, nossos ouvidos e nossas retinas querem dizer apenas uma palavra: não.

Posted by geneton at 12:24 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 1

Jamais consegui me alegrar com o lúgubre hino de Sergipe, embora ele comece assim: "Alegrai-vos, sergipanos...."


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:38 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 1

São irrerversíveis os efeitos colaterais que pode causar a indiscriminada produção de má literatura.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:34 AM

PÍLULA DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Três empregos no mundo me matam de inveja : o de Papa, o de presidente da Fifa e o de diretor-geral do Louvre.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:26 AM

JUSTIÇA SE FAÇA: O QI DOS SENADORES É ALTÍSSIMO!

Justiça se faça : o QI dos senadores é altíssimo.


O QI: Quociente de Imoralidade.

Posted by geneton at 03:08 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Como todo palhaço velho, sempre sonhei em ver o circo pegar fogo.

Acho que vou conseguir.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 02:55 AM

julho 25, 2007

A SAÍDA ? ONDE FICA A SAÍDA ?

Tom Jobim (acho que era ele) dizia que a saída para o Brasil era o aeroporto.

Não é não.

Posted by geneton at 12:39 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

A verdade é que nunca vi no circo um gato fazer as disciplinadas tolices que um leão faz.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:37 PM

julho 24, 2007

O GRANDE AVISO : "NÃO SEGURA"

Um piloto, em plena atividade, aparece no telejornal de maior audiência do país, o Jornal Nacional, edição de sábado passado, para dizer, com todas as letras, que a pista do mais movimentado aeroporto do Brasil,o de Congonhas, "não segura" avião em dia de chuva.

Repita-se :"Não segura".

Nunca se viu aviso tão claro.

Posted by geneton at 12:43 PM

O JÚRI CHEGA AO VEREDITO

O Brasil poderia oferecer ao mundo uma nova figura jurídica: o conceito de "culpa coletiva" dos governantes.

Já se disse que o subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos.
A incompetência também: não nasce da noite para o dia.

O Brasil não tem competência gerencial.

É simples assim: todos os presidentes, todos os governadores, todos os prefeitos são, sim, culpados por cada vida estupidamente perdida em tragédias como esta de Congonhas.

A estupidez vai além dos aviões de carreira. Por que ninguém nunca se preocupou - por exemplo - em dotar o Brasil de uma rede de transporte ferroviário ? Por que jogaram os trens no lixo ? Por que preferiram optar pelas estradas mas permitem que elas se transformem em crateras intransitáveis ? Por que deixaram que a cidade de São Paulo cercasse aos poucos o Aeroporto de Congonhas, a ponto de um posto de gasolina funcionar a metros da pista ? Por que gastaram milhões para transformar os aeroportos em shopping centers mas se descuidaram do principal ?

A lista daria para encher uma enciclopédia. É cansativa. É estúpida. É chata.
Mas passa por todos os níveis: municipal, estadual, federal.

O veredito para todos é simples: culpados. Ponto.

Posted by geneton at 12:42 PM

A ÁREA DE ESCAPE

Há uma grande coincidência entre o Brasil e a pista do Aeroporto de Congonhas: nenhum dos dois tem área de escape.
Curioso.

Posted by geneton at 12:41 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

Conviver com o fracasso como se fosse um sucesso. Muitos conseguem.
Como eu os invejo !

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:40 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 1

Para que se saiba como ando em matéria de amizade, basta dizer que já perdi de vista o meu amigomais próximo.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:39 AM

julho 23, 2007

DA SÉRIE INÚTEIS DÚVIDAS DOMINICAIS

a) "Imagine"
b) "Garota de Ipanema"
c) "Asa Branca"
d) "Carinhoso"

Qual dessas será a trilha sonora do inferno ?

Posted by geneton at 12:48 PM

NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO ESPANTO, ROGAI POR NÓS

O site da BBC Brasil exibe imagens de um robô que os japoneses criaram : a máquina imita os movimentos de uma criança.

Ah, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, respondei : cópia de criança ? Para quê ? Já não basta o original ?

(aqui: http://www.bbc.co.uk/portuguese/)

Posted by geneton at 12:47 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Passei anos e anos procurando levar este país a sério, para, no final das contas ( e da vida), chegar à conclusão de que tudo não passou de uma estúpida perda de tempo.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:47 PM

PESQUISA CONFIRMA: 98% DAS CHAMADAS FEITAS EM CELULAR SÃO INÚTEIS. USAR TELEFONE NA RUA É A ARTE DE "FALAR TOLICES COM AR IDIOTA"

Ivan Lessa, direto de Londres:

"Que temos nós contra o celular?

Resposta simples: não é só implicância com essas pessoas todas falando tolices com aquele ar idiota pelas ruas, aparentemente em animado papo com elas mesmas, como se fossem, não só tolas, mas também loucas varridas.

Sabemos, conforme as pesquisas e o bom senso ditam, que 98% de todas as chamadas são absolutamente inúteis, desnecessárias, queimação de dinheiro.
Sabemos mais – e nesse ponto reside nossa atitude superior --, muito mais.
Sabemos que esse papo todo é a maneira da humanidade dar o seu grito de solidão, proclamar às margens de suas dependências o insuportável de seu silêncio interior, a falta de assunto de sua alma".

(Aqui, o texto completo :http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/07/070723_ivanlessa.shtml)

Posted by geneton at 12:45 PM

PÍLULA DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

O confrade explica-se:
- Burro não sou. Uma besta quadrada, talvez.
E arremata:
-Um dia, você irá saber a profunda diferença que existe entre uma coisa e outra.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:43 PM

PÍLULAS DE VIDA DE DOUTOR SILVEIRA 1

O mundo ideal seria aquele em que não houvesse qualquer notícia. Um mundo sem manchetes. Que beleza!


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:49 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Passei anos e anos procurando levar este país a sério, para, no final das contas ( e da vida), chegar à conclusão de que tudo não passou de uma estúpida perda de tempo.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:44 AM

julho 22, 2007

PROFESSOR, POSSO FAZER UMA PERGUNTA ?

Nunca fui o que se chama de "rato de Internet". Mal sei operar os instrumentos de um blog. Mas, depois de uma zapeada aleatória por blogs & sites, levanto a mão lá na última fila e pergunto ao professor :"É impressão minha ou, com as exceções de praxe, os blogs estão mais vivos, mais interessantes, mais legíveis e mais bem-humorados do que os nossos jornais ?"

Posted by geneton at 12:51 PM

PERGUNTE AO ESPELHO

A revista "Veja" informa que Xuxa assinou contrato com uma produtora para fazer dois filmes. Ponto. Parágrafo.

Vá ao banheiro. Poste-se diante do espelho. Agora, mire o fundo de seus olhos. Pergunte a si mesmo: você seria capaz de pagar ingresso para ver o filme de uma velhota saltitante que entupiu os peitos de silicone para parecer "sexy" ? Você levaria seus filhos ? Você convidaria um conhecido ?

Pense dez vezes antes de responder.

O "sim" é o fundo do poço.

Depois não diga que não avisei.

Posted by geneton at 12:50 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

Ah, o desprezo e o sonolento tédio com que os gatos nos olham....


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:49 PM

julho 21, 2007

TRANSPARÊNCIA TOTAL : QUEBRADO DE NOVO O SIGILO BLOGAL! SOPA DE TAMANCO DIVULGA PARA O MUNDO O NÚMERO DE ACESSOS EM UM MÊS!

Os números não mentem jamais ( a não ser, claro, quando saídos da boca de economistas,ministros, banqueiros, supostos garanhões e assessores de imprensa de gravadoras). O Sopa de Tamanco resolve, então, quebrar de público o sigilo blogal : em um mês - entre 20 de junho e 20 de julho - nosso contador de acessos registrou 18.451 visitas!

Dá para encher um estádio de porte médio.

Uma dúvida devastadora invadiu as águas internas dos tamanqueiros no momento em que eles se preparavam para acender os fogos de artifício: é muito ? é pouco ? é um sucesso ? é um fracasso ? vai ter futuro ?
Um blog cem por cento independente, depauperado, sem qualquer vinculação com os grandes portais ( onde contaria com uma grande leva de visitantes "inerciais"), deve, afinal, comemorar as 18.451 visitas ou derramar lágrimas de esguicho na paisagem circundante?

Uma voz não identificada devolveu tudo aos seus devidos lugares:

"18.457 visitas ! Vocês sabem o que este número significa ? Nada! Ene-a-dê-a : nada !"

Os tamanqueiros voltaram para suas respectivas estrebarias, cabisbaixos, mas com sorriso discreto desenhado no canto dos lábios.

E a noite de sexta caiu sobre a república.

Posted by geneton at 12:57 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

É até bom que o brasileiro não tenha memória ou a tenha curta. Lembrar para quê ? Lembrar o quê ?


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 12:54 PM

SETE REAIS. QUER LEVAR UMA REVISTA PARA COMPLETAR OS DEZ ?

De Nestor de Holanda, em "A Ignorância ao Alcance de Todos" ( livro comprado por sete reais num sebo):

"Quando esteve no Brasil, pela última vez, o poeta Nicolás Guillén concedeu entrevista a uma TV de São paulo. E o locutor:

-Telespectadores, aqui está o grande vale Henrique Guílhem...

Perguntou ao poeta:

-Seu Henrique, é "Guílhem" mesmo que se pronuncia seu nome ?

O poeta, serenamente:

-"Guílhem" passa, amigo. Agora, o "Henrique" é que se pronuncia Nicolás.

Posted by geneton at 12:53 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Passei a desconfiar de quem não tem menos de cinquenta anos.
Toda juventude é caótica, tomda mocidade é vigarista - mas toda maturidade é cínica e inescrupulosa.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:55 AM

julho 20, 2007

VOCÊ NASCEU NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO PALPITE

Ah, o enorme descaramento com que dez entre dez brasileiros dão palpites seguríssimos sobre todo e qualquer assunto, como se fossem especialistas com pós graduação em cinco universidades estrangeiras.

Sociólogos de botequim, correi : eis aí um traço do caráter nacional, à espera de um intérprete.

Vivemos todos na República Federativa do Palpite.

Um avião caiu ?

Todo mundo passa a discursar com absoluta segurança sobre extensão da pista, aderência ao solo, escoamento de água, velocidade no pouso.

Só existe um bicho capaz de pontificar sobre todo e qualquer assunto com a desfaçatez de um brasileiro típico:
jornalistas !

Mas estes, é claro, não podem ser classificados como humanóides.

Pertencem a uma espécie animal que os zoólogos ainda não conseguiram identificar.

Posted by geneton at 01:07 PM

UMA CERTEZA: A LÍNGUA DOS IDIOTAS TERMINA EM "ÃO" E "INHO". UMA DÚVIDA: POR QUE É QUE A PUBLICIDADE BRASILEIRA NÃO COMEÇA TUDO DO ZERO ?

A edição de domingo do jornal O Estado de S.Paulo, "Estadão" para os íntimos, é uma das (poucas) coisas boas da imprensa brasilíndia, porque investe, por exemplo, em grandes reportagens. Tive a péssima idéia de fazer uma assinatura de fim-de-semana do jornal. Ou seja: somente para os sábados e domingos. Fui obrigado a cancelar a mini-assinatura porque o Estado de S.Paulo deve ter escolhido a pior empresa de entrega do Cone Sul para fazer este serviço no Rio de Janeiro. Perdi a conta de quantas vezes fiquei a ver navios. Péssimo serviço. Chega. Basta.

Pior do que o serviço de entrega carioca do Estado de S.Paulo só a campanha publicitária do jornal. O que é aquilo, meu Deus do céu ? Quem foi o gênio que inventou aquele slogan que diz que o Estadão é o jornal de quem "pensa Ão" e não de quem "pensa Inho" ?

"Pensa Inho" ? "Pensa Ão" ?

O slogan pretensamente criativo soa como a tricentésima tentativa de publicitários de criar pseudo-bordões que nunca, jamais, sob hipótese alguma, cairão na chamada "boca do povo".

Porque somente um idiota em último grau seria capaz de falar assim : "Fulano desistiu de viajar. Acho que ele pensa inho". Ou: "Sicrano pediu demissão do emprego. Acho que ele pensa ão".

(Parece até aqueles anúncios de cerveja supostamente engraçadinhos, mas na verdade ridiculamente patéticos e irritantes, como os que falam em "bar da boa" e "ponto").

O triste é que publicitários vivem dizendo, a sério, que os anúncios brasileiros estão entre os melhores do mundo.

A gente fica imaginando: se é assim no Brasil, como não será no Paraguai, no Sudão, em Angola, na Bolívia ?

O patetice do "ão" e "inho" me lembra de uma das maiores aberrações impressas que já vi: por coincidência, um anúncio do próprio Estado de S.Paulo, publicado há anos na revista "Imprensa", trazia, clara, indiscutível, indesmentível, uma vírgula entre sujeito e verbo. Não me lembro qual era a frase inteira, mas havia, com cem por cento de certeza,uma vírgula entre a palavra "Estadão" e o verbo, no slogan publicitário.

Fiquei pensando: se uma agência de publicidade cria e um grande jornal aprova um anúncio que traz o mais primário dos erros, a caminhada da língua rumo ao brejo é irreversível. Já se disse que tratar a língua a pontapés é o primeiro sinal
da falência generalizada. Deve ser. Um advogado analfabeto querendo escrever difícil; um cantor de pagode; um artista que usa bandana ou tiara; um praticante de badminton; gente assim pode cometer gigantescas vírgulas entre sujeito e verbo, mas quem usa a língua como instrumento diário de trabalho não pode.


Eu me lembrei dessas aberrações publicitárias ao ver, esta semana, um anúncio de página inteira da Associação Brasileira de Propaganda ( publicado, por exemplo, na edição de terça-feira de O Globo). O texto principal dizia: "Quem não evoluiu como o consumidor, se limitou a ficar velho como a censura". Lá estava de novo a vírgula entre sujeito e verbo. Não sou, óbvio, especialista em língua portuguesa, devo cometer minhas barbaridades, mas se o sujeito é "quem não evoluiu como o consumidor", então não existe esta vírgula. Um anúncio assinado pela Associação Brasileira de Propaganda....

Diante do festival de pretensão descabida, erros primários e tentativas desastrosas de fazer gracinha, pergunta-se : por que é que a publicidade brasileira não apaga tudo e começa do zero ?

Eis, aí, o tema de uma boa campanha : "Brasil : chegou a hora de começar do zero !".

Posted by geneton at 01:06 PM

UM RECORDE MUNDIAL: O DIA EM QUE UM REPÓRTER COMETEU DOIS ERROS DE PORTUGUÊS NUMA SÓ LETRA!

É pule de dez: quem entra num sebo sai menos burro.
Eu diria que é tecnicamente impossível percorrer as prateleiras de um bom sebo sem que se descubra pelo menos uma preciosidade. Não sou rato de sebo. Mas, sempre que fui a um desses depósitos de livros descartados, terminei recompensado. Num sebo, descobri uma vez um exemplar puído de um grandesíssimo livro: "O Nariz do Morto", obra-prima de Antônio Carlos Vilaça, agora relançado ( é leitura "obrigatória").

A visita casual a um sebo me fez descobrir o registro de um recorde mundial: o dia em que um redator cometeu dois erros em uma só letra !

Eis o que conta Nestor de Holanda, em "A Ignorância ao Alcance de Todos", livro de 1963 que comprei por sete reais num sebo:

"Max Gold, repórter lítero-recreativo, e,como se sabe, pai do verbo analfabetizar, tem a subida honra de ser recordista mundial de erro em português. Não poderia mesmo deixar de pertencer-nos esse título, para que a CBD junte mais uma taça às de balípodo, bola ao cesto, tênis, peso-galo, salto-tríplice, iate etc.

O recorde, que os coluneiros sociais insistem em conservar na forma inglesa record, foi batido quando o beletrista em foco era divulgador da Rádio Guanabara. Enviou notícia aos jornais, afirmando:

"A programação é á seguinte...."

Errou, assim, duas vezes, numa letra só, o que jamais foi conseguido por qualquer outro campeão:

1.O "a" em questão não é craseado;

2.Crase é acento grave e ele usou agudo"

Registrando esse episódio glorioso, que haverá defigurar, com letras douradas, no livro de ouro da Campanha Nacional de Analfabetização, mostro ao leitor que possuímos admiráveis craques da luta contra a crase, a ponto de, assim como exportamos craques de pebolismo, podermos exportar os de crasismo, para o mundo inteiro"

(em breve: outras histórias da antologia)

Posted by geneton at 01:04 PM

VOCÊ CONFIARIA NUM "AGLOMERADO DE ÁGUA AMBULANTE" ?

É sério: perdi a fé na espécie humana quando, ainda na escola, soube que setenta por cento do corpo humano são feitos de água.

O ser humano não passa de um aglomerado de água ambulante (AAA).

Patético.

Posted by geneton at 01:04 PM

A NOVA SENSAÇÃO DA REPÚBLICA : O PRIMEIRO AEROPORTO SECRETO DO PLANETA

A ministra Dilma Rousseff acaba de declarar na TV que não vai dizer onde será construído o novo aeroporto de São Paulo.

O Brasil dá uma nova contribuição ao mundo : o primeiro aeroporto secreto do planeta !

Atenção, bandeirantes : se ouvirem ruídos frequentes de escavadeiras perto de casa, tratem de avisar imediatamente aos jornais. O barulho das máquinas pode ser indício de um novo aeroporto.

Todo mundo já ouviu falar de OVNI. Mas é a primeira vez que se fala em Aeroporto Não Identificado.

Pra frente, Brasil !

Posted by geneton at 01:03 PM

julho 19, 2007

"OS AUTORES CELEBRADOS QUE NÃO DIZEM NADA"

Um escritor americano já disse que fazer listas é uma das atividades preferidas pelos seres humanos. Faz-se lista para tudo, seja na hora de ir ao supermercado; seja na hora de enumerar os pecados que serão confessados no Juízo Final.

Um dos blogueiros do Sopa de Tamanco, Paulo Polzonoff, fez uma lista original: indicou quem são os "treze autores celebrados" que não dizem "absolutamente nada" a ele.

A lista de Polzonoff:

1. Hemingway 2. Nelson Rodrigues 3. Dalton Trevisan 4. Rubem Fonseca 5. Rubem Braga 6. Clarice Lispector 7. Drummond 8. Autran Dourado 9. Tolkien 10. Sartre 11. José Lins do Rego 12. Leminski 13. L.F. Veríssimo

( Aqui:
http://www.polzonoff.com.br/)

Eis um bom exercício.

Posted by geneton at 01:11 PM

O POETA DÁ A NOTÍCIA : "UM DIA CORTADO DE NENHUM PRESSENTIMENTO"

"Acordo para a morte.
Barbeio-me,visto-me, calço-me.
É meu último dia: um
dia cortado de nenhum pressentimento.
Tudo funciona como sempre.
Saio para a rua. Vou morrer.

(...)Pela última vez miro a cidade.
Ainda posso desistir, adiar a morte,
não tomar esse carro. Não seguir para.
Posso voltar, dizer: amigos,
esqueci um papel, não há viagem,
ir ao cassino, ler um livro.

Mas tomo o carro. Indico o lugar
onde algo espera. O campo. Refletores.
Passo entre mármores, vidro, aço cromado.
Subo uma escada. Curvo-me. Penetro
no interior da morte.

A morte dispôs poltronas para o conforto
da espera. Aqui se encontram os que vão morrer e não sabem.
Jornais,café, chicletes, algodão para o ouvido,
pequenos serviços cercam de delicadeza
nossos corpos amarrados.

(...) Vivo
meu instante final e é como
se vivesse há muitos anos
antes e depois de hoje
uma contínua vida irrefreável,
onde não houvesse pausas, síncopes, sonos,
tão macia na noite é esta máquina e tão facilmente ela corta
blocos cada vez maiores de ar.

(...) Sou um corpo voante e conservo bolsos, relógios, unhas,
ligado à terra pela memória e pelo costume dos músculos,
carne em breve explodindo.

Ó brancura, serenidade sob a violência
da morte sem aviso prévio

(....) golpe vibrado no ar, lâmina de vento
no pescoço, raio
choque estrondo fulguração
rolamos pulverizados
caio verticalmente e me transformo em notícia"


(Carlos Drummond de Andrade, "Morte no Avião" - trecho)

Posted by geneton at 01:10 PM

O QUE DIZEM AS CAIXAS PRETAS DOS GRANDES DESASTRES AÉREOS : A DÚVIDA ÍNTIMA DE CADA UM

Quando entrevistei o escritor britânico J.G. Ballard, ele deu uma declaração que poderia até parecer "politicamente incorreta" : confessou que uma de suas leituras favoritas não era nenhum grande clássico, nenhum dos livros que ocupam as atenções dos críticos e acadêmicos. Um dos seus "favoritos de todos os tempos" era um livro que trazia, simplesmente, a transcrição das gravações das caixas-pretas de acidentes aéreos. O livro, organizado por um americano fanático pelo assunto, chama-se "The Black Box". O autor: Malcolm MacPherson.

Ballard, autor de "O Império do Sol", o livro que deu origem àquele filme de Steven Spielberg, deve ter vibrado ao descobrir que existe, na Internet, um site que não apenas traz a transcrição dos diálogos, mas reproduz as gravações.

Que atire a primeira pedra quem, em terra, não imagina: o que o piloto terá dito no último momento ?

O impacto dos aviões contra as torres do World Trade Center foi tão devastador que nem as caixas-pretas escaparam. Mas o registro das últimas palavras ditas na cabine de dezenas de outros vôos acidentados escapou, intacto.

Como tudo neste planeta, foi parar na Internet.

Aqui: (É só clicar no ícone http://www.planecrashinfo.com/lastwords.htm)

Posted by geneton at 01:08 PM

AO VIVO : JOÃO PAULO II . O VATICANO SE RENDE À INTERNET

O túmulo de João Paulo II é um dos pontos mais visitados do Vaticano.
Não resisti à curiosidade: numa viagem de férias, entrei na fila para ver. (Confesso que sou ateu amador. Ou seja: ainda não me decidi cem por cento a seguir a profissão de incréu. Só sou crente fervoroso quando estou a bordo de um avião. Em terra firme, cedo à tentação da descrença. Mas reconheço que uma visita ao Vaticano é capaz de acender uma fagulha de crença) .

O clima é de contida comoção diante do túmulo de João Paulo II : fiéis derramam lágrimas discretas, se ajoelham, fazem o sinal da cruz. Aquela imagem do rosto do Papa se contorcendo de dor numa janela do Vaticano parece ressurgir. Turistas não resistem à tentação de fazer pose para uma foto em frente ao túmulo, bastante despojado, aliás. Logo em frente, outro túmulo, o de João Paulo I, também exibe um despojamento franciscano. A imponência ofuscante de outros ambientes do Vaticano - como a Capela Sistina, por exemplo - não se repete no subsolo, onde estão os túmulos dos papas.

Agora, para matar a curiosidade de quem não pode ir a Roma, o Vaticano acaba de instalar uma webcam diante do túmulo de João Paulo II.

Vinte e quatro horas por dia. Ao vivo. A Internet chega ao subsolo da Igreja Católica:

(É só clicar no ícone
http://www.vaticanstate.va/IT/Monumenti/webcam/index?cam=webcam2&testo=Tomba%20di%20Giovanni%20Paolo%20II)

Posted by geneton at 01:08 PM

julho 18, 2007

CARTILHA ATUALIZADA

Ivo viu a uva.
Lula viu a vaia.

Posted by geneton at 01:19 PM

O ENORME PESO DE TRÊS LETRAS

De tudo o que foi dito desde o momento do acidente em Congonhas, em todas as estações de TV, em todas as emissoras de rádio e em todos os sites, nada teve tanto peso quanto uma palavra de apenas três letras, gritada no Jornal da Globo de terça-feira por uma mãe que embarcou os dois filhos no avião mas ficou em terra: "Não!".

Posted by geneton at 01:10 PM

julho 17, 2007

POR FALAR EM MÍMICOS....

É uma dúvida boba - que agita as florestas interiores deste blogueiro amador desde a mais tenra infância: por que será que um ser humano dotado de voz, como é o caso de noventa e oito por cento dos mímicos, fica fazendo gestos ridículos e macaquices na frente de seus semelhantes, para que eles adivinhem o que é que quer dizer ?
Como é que eles têm a coragem de cobrar ingresso para que a platéia testemunhe estas patetices insuportavelmente chatas ?

Há quase meio século procuro uma resposta razoável para esta dúvida.

Como se dizia no século XVIII, "debalde".

Desde este dia, passei a dividir a humanidade em duas grandes porções. De um lado, os idiotas que praticam mímica.

De outro, os viventes que lançam aos céus uma pergunta a Nossa Senhora do Perpétuo Espanto: "Por quê ? Por quê ?".

Posted by geneton at 01:15 PM

O EFEITO CAUÊ - 4 // ALERTA VERMELHO

O presidente do Senado ameaça fazer novo discurso chamando a amante de gestante.
Joaquim Roriz pensa em se candidatar de novo. Dudu Nobre planeja lançar novo disco. Ladravazes vão chorar nas tribunas e nos telejornais. Marisa Monte pretende dar entrevista. Roberto Carlos vai cantar "Emoções". Atrizes de cara esticada vão continuar assustando crianças na TV. Equipes de ginástica olímpica vão enfiar a cabeça no fundo da piscina, deixar as pernas do lado de fora e ficar mexendo os pezinhos para ganhar medalha. Peruas lastimáveis, com um neurônio e meio na cabeça, vão lotar as clínicas de cirurgia plástica para entupir os peitos de silicone. Músicos de bandana vão aparecer no fundo do palco. Lucélia Santos voltará às telas. Ecologistas vão testar o limite da paciência alheia dizendo que garrafas plásticas destruirão o planeta. Publicitários vão outorgar a si próprios o título de gênios porque fizeram os anúncios de cerveja mais estúpidos do Ocidente.

O Apocalipse se aproxima.

A culpa ?

Estava tudo escrito nas estrelas: é de Cauê.

Posted by geneton at 01:11 PM

O EFEITO CAUÊ - 3

Europa quer vetar carne brasileira.
Adivinhem de quem é a culpa ?

Posted by geneton at 12:12 PM

O EFEITO CAUÊ - 1

A Grã-Bretanha expulsa quatro diplomatas russos.
A culpa é de Cauê. Só pode ser.

Posted by geneton at 10:13 AM

O EFEITO CAUÊ - 2

Terremoto atinge usina atômica no Japão.
A culpa é de quem ? Só pode ser : é de Cauê.

Posted by geneton at 10:13 AM

julho 16, 2007

REMÉDIO CONTRA "AS BESTAS DA DESOLAÇÃO"

O presidente ficou triste com as vaias. Ficaria menos, se um assessor caridoso passasse para ele esta receita de Pedro Nava, médico e memorialista:

..."QUANDO CAIO NO FUNDO DA FOSSA, QUANDO ENTRO NO DESERTO E SOU DESPEDAÇADO PELAS BESTAS DA DESOLAÇÃO, QUANDO FICO TRISTE, TRISTE (..."MAS TRISTE DE NÃO TER JEITO..."), SÓ QUERO REENCONTRAR O MENINO QUE JÁ FUI"


("Baú de Ossos")

Posted by geneton at 01:17 PM

MÍMICOS, MÃOS AO ALTO !

O Brasil só será uma democracia plena no dia em que todo e qualquer cidadão tiver o direito de dar voz de prisão ao primeiro mímico (ou mímica) que encontrar pela frente.

Posted by geneton at 01:16 PM

julho 15, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

O que faz do Brasil um país divertido é que aqui acontecem coisas que nem Freud, Jung e Lacan explicam.

Posted by geneton at 01:56 PM

EXPLODE A PRIMEIRA CRISE: RACHA E GREVE AMEAÇAM SOBREVIVÊNCIA DO SOPA DE TAMANCO

Uma crise sem precedentes abala os bastidores do recém-nascido Sopa de Tamanco. O correspondente em Brasília, Roberto Borges, entrou em estado de greve, sem maiores explicações.

O sopeiro Toni Marques revogou a indicação da atriz Hermila Guedes como musa plenipotenciária do blog, feita pelo abaixo assinado. Preferiu indicar a âncora da versão inglesa da TV Al-Jazeera, um monumento chamado Ghida Fakhry (abaixo) , jornalista que humilha todas as outras.

hermilaguedes.jpg

A greve ameaçou se espalhar.O Sopa de Tamanco iria interromper suas atividades neste sábado, ao meio-dia, hora de Bagdá, em consequência de diferenças inconciliáveis na redação.

al jazeera.jpgMas o lastimável espírito conciliador brasileiro terminou prevalecendo.

Ficou decidido : a) dentro do território nacional, na faixa de terra que se estende do Amazonas ao Rio Grande do Sul, a musa é Hermila Guedes - que reinará também sobre as 200 milhas marítimas.

b) fora deste território, o cetro passa para as mãos de Ghida Fakhry.

As partes interessadas assinam e datam a presente declaração.

Fica eleita a Comarca de Bagdá para resolução de eventuais pendências.

Posted by geneton at 01:52 PM

O FIM DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL

Alguém já ouviu uma declaração de Victoria Beckham, a ex-Spice Girl que hoje faz par com o jogador de futebol David Beckham ?

Acaba de se mudar para Los Angeles.

Victoria Beckham é daquele tipo de celebridade que precisa passar quarenta minutos pensando antes de responder, por exemplo, qual é a diferença entre um elefante a uma catedral - ou entre uma anta e um foguete.

É tratada como celebridades AA.

Como diria Jim Morrison, "this is the end" : o fim da civilização ocidental, tal como existiu até hoje.

(http://www.thesun.co.uk/article/0,,2007320635,00.html)

Posted by geneton at 01:50 PM

É GRAVE A CRISE NA PROPAGANDA

Publicitários adoram propagar a suposta excelência de anúncios produzidos no Brasil.

A platéia dorme, imperturbável.

Fiz as contas: a propaganda brasileira deve estar passando por uma gravíssima crise.

Basta ver os anúncios milionários de cerveja na TV.

Que humor sem graça é aquele, oh Nossa Senhora do Perpétuo Socorro ?
Que tentativas patéticas são aquelas de criar bordões que nenhum débil mental seria capaz de repetir ?

Quanto os "gênios" criadores cobraram para parir estas obras-primas ?

A nós, consumidores desavisados desses anúncios, que aparecem sem aviso prévio na TV, resta acender uma vela para Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, nossa padroeira.

Um dia ela ouvirá nosso pranto.

Posted by geneton at 01:49 PM

E A MEDALHA DE OURO VAI PARA......PARIS!

Pode existir algo mais patético que exibição de capoeirista, no meio da rua, em cidade do exterior, para distrair turista ? Pode existir algo mais risível do que dança de salão ?

A platéia responde em coro: "Não!".

Pois bem: exibições de capoeira e dança de salão foram incluídas no roteiro de um certo "Dia do Turista", promovido pela Secretaria de Turismo em Paris para provar que a cidade não é tão mal-humorada quanto sempre pareceu.

(é só clicar no ícone http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/07/070709_paristuristafp.shtml)

O gênio que armou esta programação merece medalha de ouro.

Castigar os visitantes com exibição de dança de salão e capoeira é a maneira mais rápida de espalhar por todo o planeta o famoso mau humor do parisiense.

Como diria a minha avó diante de alguma esquisitice, "vôtis !"

Posted by geneton at 01:49 PM

julho 14, 2007

A VOZ DE GLAUBER ROCHA NUMA MADRUGADA BRASILEIRA

O controle remoto me levou a um pouso inesperado num canal a cabo : desembarquei de madrugada numa cena de um filme de Glauber Rocha, "A Idade da Terra", o último que ele fez.

Glauber Rocha faz, em off, sobre imagens de Brasília, um discurso grandiloquente: fala de Terceiro Mundo, capitalismo, socialismo, revolução soviética confrontando a riqueza americana, a roda da História, invasões, Europa conquistando o Novo Mundo, catequeses, cristianismo, utopias, barbáries, caudilhos, a América Latina pagando o preço da progresso alheio, o sonho de que aquela paisagem do Planalto Central produzisse iluminações planetárias.

Eu me lembrei de uma entrevista que fiz uma vez com Antônio Callado, o escritor da obra-prima "Quarup": lá pelas tantas, ele dizia que foi para uma entrevista coletiva do recém-eleito presidente Juscelino. Incrédulo, Antônio Callado viu Juscelino apontar, num mapa, para o local onde um dia se construiria Brasília. Como um louco, o presidente prometeu "Daqui, sairão ondas de civilização. Ondas ! Ondas !".

O escritor-repórter disse que soltou um suspiro de descrença naquele delírio. Mas JK fez Brasília.

O discurso de Glauber Rocha acendeu um devaneio tropical na madrugada: quem sabe, o que falta ao Brasil, hoje, é um toque épico, uma fagulha daquele delírio que Glauber Rocha articulava sobre imagens de Brasília.

Como diria o co-tamanqueiro Amin Stepple, o Brasil não pode se contentar em ser ator de um papelão histórico.

Tive a chance de assistir a uma exibição especial de "A Idade da Terra", numa manhã de sábado, num cineminha em Paris, ao lado de Glauber Rocha. O ano: 1981, meses antes da morte do homem. A sessão fora organizada porque Glauber queria mostrar o filme a um punhado de críticos franceses. Terminada a sessão, Glauber se vira para mim e para o também estudante de cinema Marcos Mendes, hoje professor de cinema em Brasília. Junta os dedos indicadores das duas mãos para perguntar: "Como é ? Fizeram as ligações? Fizeram as ligações ? ".

Quer saber se a gente tinha embarcado naquela torrente desvairada de sons e imagens.

O Brasil - muitíssimo provavelmente - precisa de delírios de grandeza. Ambição de originalidade. Explosões glauberianas. Torrentes e vulcões contra a pequenez. "Ondas de civilização".

Termina aqui o devaneio.

Hora de mudar de canal.

Posted by geneton at 10:26 AM

julho 13, 2007

DEVANEIO TROPICAL : ANOTAÇÕES DA MADRUGADA

O controle remoto me levou a um pouso inesperado num canal a cabo : desembarquei de madrugada numa cena de um filme de Glauber Rocha, "A Idade da Terra", o último que ele fez.

Glauber Rocha faz, em off, sobre imagens de Brasília, um discurso grandiloquente: fala de Terceiro Mundo, capitalismo, socialismo, revolução soviética confrontando a riqueza americana, a roda da História, invasões, Europa conquistando o Novo Mundo, catequeses, cristianismo, utopias, barbáries, caudilhos, a América Latina pagando o preço da progresso alheio, o sonho de que aquela paisagem do Planalto Central produzisse iluminações planetárias.

Eu me lembrei de uma entrevista que fiz uma vez com Antônio Callado, o escritor da obra-prima "Quarup": lá pelas tantas, ele dizia que foi para uma entrevista coletiva do recém-eleito presidente Juscelino. Incrédulo, Antônio Callado viu Juscelino apontar, num mapa, para o local onde um dia se construiria Brasília. Como um louco, o presidente prometeu "Daqui, sairão ondas de civilização. Ondas ! Ondas !".

O escritor-repórter disse que soltou um suspiro de descrença naquele delírio. Mas JK fez Brasília.

O discurso de Glauber Rocha acendeu um devaneio tropical na madrugada: quem sabe, o que falta ao Brasil, hoje, é um toque épico, uma fagulha daquele delírio que Glauber Rocha articulava sobre imagens de Brasília.

Como diria o co-tamanqueiro Amin Stepple, o Brasil não pode se contentar em ser ator de um papelão histórico.

Tive a chance de assistir a uma exibição especial de "A Idade da Terra", numa manhã de sábado, num cineminha em Paris, ao lado de Glauber Rocha. O ano: 1981, meses antes da morte do homem. A sessão fora organizada porque Glauber queria mostrar o filme a um punhado de críticos franceses. Terminada a sessão, Glauber se vira para mim e para o também estudante de cinema Marcos Mendes, hoje professor de cinema em Brasília. Junta os dedos indicadores das duas mãos para perguntar: "Como é ? Fizeram as ligações? Fizeram as ligações ? ".

Quer saber se a gente tinha embarcado naquela torrente desvairada de sons e imagens.

O Brasil - muitíssimo provavelmente - precisa de delírios de grandeza. Ambição de originalidade. Explosões glauberianas. Torrentes e vulcões contra a pequenez. "Ondas de civilização".

Termina aqui o devaneio.

Hora de mudar de canal.

Posted by geneton at 02:35 PM

CONSELHO PARA QUEM CRUZAR COM O MASCOTE DO PAN

Se você por acaso cruzar na rua com Cauê, o mascote do Pan, fixe bem os seus olhos nos olhos da criatura, encha os pulmões de ar e pronuncie, com voz clara,nítida e decidida:

"Klatu Barada Nikto!!!".

De novo:

"Klatu Barada Nikto!!!".

( É a senha que deve ser pronunciada diante do robô invasor do filme "O Dia em Que a Terra Parou", para evitar que o planeta seja destruído).

Cauê não vai entender nada.

Mas pelo menos tomará um belo susto.

Posted by geneton at 02:35 PM

OBJETO VOADOR NÃO IDENTIFICADO

Uma testemunha jura que viu no céu, ontem à noite, uma entidade cabeçuda e amarelada voando em alta velocidade em direção à zona norte do Rio de Janeiro.

"O vulto riscava o céu numa rapidez incrível", disse a testemunha. "Parecia até um senador fugindo da polícia".

É pule de dez: só pode ser Cauê.

Posted by geneton at 02:34 PM

O NOVO CONCEITO DE MACHICE

Um prefeito que viajou até Brasília para participar de um jantar de "desagravo" ao falecido presidente do Senado, Renan Calheiros, soltou esta pérola, merecidamente entronizada no título de uma notícia do Globo desta sexta-feira : "Alagoano é, sobretudo, macho".

Um tremor de terra foi sentido nos arredores do cemitério de Cachoeiro de Itapemirim: era Jece Valadão dando três voltas no túmulo.

Quer dizer, então, que ser macho é receber dinheiro de empreiteira ? Ser macho é inventar venda de boi para justificar maracutaias ? Ser macho é transformar o Senado numa piada nacional ?

O que é que Maguila tem a dizer sobre essas coisas ?

Posted by geneton at 01:52 PM

julho 12, 2007

O BRASIL PRECISA DE UMA PROSA "CLARA E INSTRUÍDA" JÁ ! ( OU: POR QUE PAULO FRANCIS MERECE SER RELIDO)

Já avisei. Mas aperto a campainha de novo, para acordar os desavisados: o livro do ano, por enquanto, é um relançamento. Título do bicho: "O Afeto Que se Encerra", nova edição da quase autobiografia escrita por Paulo Francis em 1980.

Correi às livrarias, físicas ou virtuais, oh incréu! É tarefa urgente!

A maior contribuição de Paulo Francis ao jornalismo brasileiro não foram as tiradas politicamente incorretas, as pirraças, os ataques, os chiliques.

Era tudo ótimo.

Mas o "maior legado" de PF, como se diz na tribuna das câmaras de vereadores, foi ter dado uma grande contribuição para que se consolide no Brasil a tradição de uma "prosa clara e instruída".

Não é pouco, num país em que sempre houve confusão entre escrever bem e escrever difícil. Basta passar os olhos sobre os textos produzidos por nossos advogados: se esta república fosse realmente uma democracia, eles deveriam receber voz de prisão por agressões repetidas à comunicabilidade. Idem para noventa por cento dos autores de teses acadêmicas. Idem para críticos literários ilegíveis. Ia faltar espaço no Carandiru, se o presídio ainda existisse ( em tempo: a expressão "prosa clara e instruída" é da lavra de Francis).

A construção de uma "prosa clara e instruída" num país infestado de bacharelices é um trabalho lento, uma tarefa coletiva, um edifício que se ergue tilojo por tijolo, geração após geração.

Jovem jornalista, aliste-se no Exército dos Defensores do Texto Claro e Instruído.
Vista a farda. Estufe o peito. Bata continência para o general Francis ( e um punhado de outros).

A influência do texto de Francis sobre as novas gerações é cem por cento benéfica, portanto.

O que ele dizia sobre nossos jornais um dia pode deixar de ser verdade,
se os cultores da "prosa clara e instruída" se multiplicarem a cada geração:

"Nossa imprensa: empolada, previsível, chata. Como é chata, meu Deus".

Tomara que eu tenha citado certo.

Fiz minha boa ação do dia: recomendar "O Afeto Que se Encerra"; buzinar em favor da "prosa clara e instruída".

Já posso voltar a relinchar e a comer farelo.

( aqui, um texto de Ivan Lessa sobre os dez anos sem PF:

http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/02/070205_ivanlessa_tp.shtml)

Posted by geneton at 03:02 PM

CONSELHO DO COMITÊ CENTRAL DO SOPA DE TAMANCO

Não perca tempo por aí. É tudo ilusão passageira - que a brisa primeira levou.

Dê uma olhada: somente no Sopa de Tamanco você encontra o melhor da Internet; as dicas mais certeiras; as tamancadas mais velozes. Nossas antenas estão ligadas no planeta. Nossos olhos e ouvidos trabalham por você dia e noite.

Nossos blogueiros são os gatilhos mais rápidos do Oeste.

Aceitamos doações de tíquetes-refeição.

Posted by geneton at 02:41 PM

"FAMÍLIA PAN" : CVV, RÁPIDO!

Uma autoridade responsável pelo policiamento dos jogos Pan-Americanos disse agora, na CBN, que os motoristas devem dar prioridade ao deslocamento da "família PAN" pelas ruas da cidade.

"Família Pan" (!!!!!!!)

O homem usou várias vezes a expressão.

O CVV duplicou o número de atendentes de plantão.

Posted by geneton at 02:40 PM

TUDO É RELATIVO. NADA É 100% RUIM OU BOM

Os jornais de hoje informam que Erasmo Carlos, o compositor, declarou o seguinte, durante a gravação de um programa de TV: quando tiver uma neta, vai batizá-la de Milta, em homenagem a Milton Nascimento.

Milta!

Vistos em perspectiva, até que os ataques do 11 de Setembro, o tsunami, as bombas de Hiroshima e Nagasaki, a proibição do livro sobre Roberto Carlos e as entrevistas de Marisa Monte não são acontecimentos tão graves.

Ernesto Geisel e Albert Einstein tinham razão quando ensinaram ao mundo que tudo, tudo é relativo.

Posted by geneton at 02:39 PM

CAUÊ, EM SONHO

Tive um pesadelo: Cauê, o mascote do Pan, ensaiava uma coreografia diante da torcida organizada.

Todo mundo, com as mãozinhas para cima, cantava "eu-sou-brasileiro-com-muito-orgulho-com-muito amô-ô-ô-ô"

Neste momento, o lúcifer aparecia em pessoa, com um cetro tridentado, os olhos vermelhos expelindo uma fumaça que cheirava a enxofre.

Houve um início de tumulto.

O chefe do policiamento pedia calma à "família PAN".

Uma voz, parecida com a de Sílvio Santos, dizia "ôima! ôima! ôima!" pelo sistema de alto-falantes.

Ninguém entendeu nada.

Acordei sem ver o final da história.

Posted by geneton at 02:39 PM

CAMPANHA: TODO MUNDO DEVERIA TER O DIREITO DE DAR VOZ DE PRISÃO A MÉDICOS E ENFERMEIRAS QUE SÓ FALAM NO DIMINUTIVO

Pode parecer besteira, mas deve ser sintoma de algum fenômeno estranho: por que será que médicos e enfermeiras sempre usam obsessivamente diminutivos quando falam com os pacientes ?

Deve ser o desejo inconsciente de reduzir os pacientes à condição de crianças indefesas. Só pode ser. Um psicanalista de botequim explicaria a preferência pelos diminutivos.

Faça o teste. Vá a uma consulta. Ou a um laboratório. Com certeza, você ouvirá algo assim: "Agora, estenda o bracinho que vou dar uma picadinha para tirar sangue.Não vai doer nadinha".

Ou: "Vou dar uma apalpadinha. Vai incomodar só um pouquinho".

E assim por diante.

O Brasil só será uma democracia plena no dia em que todo paciente tiver o direito de dar voz de prisão a médicos e enfermeiras que só falam no diminutivo.

Posted by geneton at 02:39 PM

AH, AS EXTRAVAGÂNCIAS DA CIVILIZAÇÃO

Dois ingleses trocaram o rio Tâmisa pelo rio Xingu. Vão passar os próximos meses às voltas com mosquitos, jaguatiricas, cascavéis, tamanduás e ariranhas.

Ah,sim: nem tudo é bicharada. De vez em quando, aparece um índio dizendo "uga-uga" e perguntando por onde anda Sting.

(aqui, notícias da expedição:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/forum/story/2007/07/070705_projetoxingu13.shtml

Você deve estar pensando: que esquisitice, trocar os confortos tâmisos pelos desconfortos xinguaras.

Não é não.

Trocas absurdas são uma vocação britânica.

O Príncipe Charles não trocou Diana por Camila ?

Posted by geneton at 02:37 PM

"UMA OBRA DE ARTE É O GRANDE MISTÉRIO, A MÁGICA SUPREMA: QUANDO LEIO UM TEXTO BOM, MEUS SENTIDOS NAVEGAM POR UM UNIVERSO DE DESLUMBRAMENTO"

"Faz algum tempo meu médico sugeriu que eu adotasse hábitos mais saudáveis do que beber vinho e fornicar. Ele me perguntou se eu tinha alguma idéia. Respondi que sim: "Homicídio". Ele riu, nós dois rimos, só que eu não estava rindo. Pobre coitado, mal sabe que fim doloroso e perfeito eu planejara para ele quando, depois de oito dias de cama com algo semelhante à cólera, o sujeito ainda assim se recusou a me atender em casa"

"Gosto de carros velozes, bem feitos, gosto de motéis isolados com máquinas de gelo e anonimato apavorante; e por vezes pego no volante e,sem aviso nem destino definido, dirijo sozinho até mil e quinhentos quilômetros. Só uma vez consultei um psiquiatra; em vez disso, eu deveria ter saído para dar uma volta de capota abaixada, quando o vento soprasse e o sol brilhasse"

"Considero absurda e obscena esta indústria baseada no apego à juventude, medo de envelhecer, terror da morte. Quer quer viver para sempre, afinal? A maioria de nós, pelo jeito; mas é idiotice. Afinal, existe uma coisa chamada saturação da vida: o ponto em que tudo é puro esforço e repetição total".

"Uma obra de arte é o grande mistério, a mágica suprema; o resto é aritmética ou biologia. Creio que conheço bem o ato de escrever; mesmo assim, quando leio um texto bom, uma obra de arte, meus sentidos navegam por um universo de deslumbramento: como ele conseguiu fazer isso ?
Como é possível ? ".

O texto é de Truman Capote, o "Auto-retrato" que ele escreveu em 1972. Aparece na antologia "Os Cães Ladram", publicada no Brasil na coleção de bolso da
L & PM Editores.

Vale a pena.

O Sopa de Tamanco acaba de cometer uma boa ação: dar de presente, para quem não as conhecia, estas pérolas de Truman Capote.

Mas o locutor-que-vos-fala fica por aqui. Como diriam os porta-vozes, "lamento informar", mas não posso passar a manhã inteira datilografando Truman Capote para vocês, internautas que, com noventa por cento de certeza, estão a essa hora usando indevidamente o computador do trabalho para navegar pelo Sopa de Tamanco longe dos olhares da chefia.

Lá vem ele, o chefe. Disfarce. Abra a página do New York Times. Ou da The Economist. Faça ar de compenetrado (a).

Pronto. O bicho passou batido. Deve ter ido tomar um café.

Tudo não passou de um susto: já podeis da pátria filhos ver contente a mãe gentil.

O Sopa de Tamanco vos espera de braços abertos.


Posted by geneton at 02:37 PM

julho 11, 2007

POR FAVOR, O VETERINÁRIO PODE ME ATENDER HOJE ?

Uma das mais repetidas ( e justificadas ) críticas que se fazem aos blogs é que eles, com frequência, tornaram-se palco para desfile de confissões inúteis sobre a vida pessoal de blogueiros. A vida pessoal de cada um ( com exceção da de Hermila Guedes, musa informal deste blog ) não deve interessar a ninguém ( por falar em HG: o que será que ela tem feito? Qual é o batom que ela usa? Quanto tirou na prova de matemática no ginásio? )

Mas, para não quebrar uma tradição entre os blogueiros, abro uma exceção: vou descrever cinco minutos da vida pessoal do abaixo assinado.

Querido diário: acordei. Relinchei três vezes. Vomitei sobre uma página de jornal que falava das maracutaias do Senado. Relinchei de novo. Comi um pouco de farelo. Confirmei por telefone a hora de minha consulta no veterinário. Acessei o Sopa de Tamanco.

É simples assim.

Como diria Jack Palance naquele programa da TV Manchete, acredite......
(faz pausa; olha para a câmera dois)....se quiser!

Posted by geneton at 03:02 PM

VERDADE CIENTÍFICA

Cientificamente comprovado: a taxa de vaidade de jornalistas é, em média, noventa vezes superior à taxa de talento.

Há anos venho dizendo que não se deve levar esta raça cem por cento a sério.

Depois não diga que não avisei.

Posted by geneton at 03:02 PM

O BRASIL PRECISA DE UMA PROSA "CLARA E INSTRUÍDA" JÁ ! ( OU: POR QUE PAULO FRANCIS MERECE SER RELIDO)


Já avisei. Mas aperto a campainha de novo, para acordar os desavisados: o livro do ano, por enquanto, é um relançamento. Título do bicho: "O Afeto Que se Encerra", nova edição da quase autobiografia escrita por Paulo Francis em 1980.

Correi às livrarias, físicas ou virtuais, oh incréu! É tarefa urgente!

.

A maior contribuição de Paulo Francis ao jornalismo brasileiro não foram as tiradas politicamente incorretas, as pirraças, os ataques, os chiliques.

Era tudo ótimo.

Mas o "maior legado" de PF, como se diz na tribuna das câmaras de vereadores, foi ter dado uma grande contribuição para que se consolide no Brasil a tradição de uma "prosa clara e instruída".

Não é pouco, num país em que sempre houve confusão entre escrever bem e escrever difícil. Basta passar os olhos sobre os textos produzidos por nossos advogados: se esta república fosse realmente uma democracia, eles deveriam receber voz de prisão por agressões repetidas à comunicabilidade. Idem para noventa por cento dos autores de teses acadêmicas. Idem para críticos literários ilegíveis. Ia faltar espaço no Carandiru, se o presídio ainda existisse ( em tempo: a expressão "prosa clara e instruída" é da lavra de Francis).

A construção de uma "prosa clara e instruída" num país infestado de bacharelices é um trabalho lento, uma tarefa coletiva, um edifício que se ergue tilojo por tijolo, geração após geração.

Jovem jornalista, aliste-se no Exército dos Defensores do Texto Claro e Instruído.
Vista a farda. Estufe o peito. Bata continência para o general Francis ( e um punhado de outros).

A influência do texto de Francis sobre as novas gerações é cem por cento benéfica, portanto.

O que ele dizia sobre nossos jornais um dia pode deixar de ser verdade,
se os cultores da "prosa clara e instruída" se multiplicarem a cada geração:

"Nossa imprensa: empolada, previsível, chata. Como é chata, meu Deus".

Tomara que eu tenha citado certo.

Fiz minha boa ação do dia: recomendar "O Afeto Que se Encerra"; buzinar em favor da "prosa clara e instruída".

Já posso voltar a relinchar e a comer farelo.


(outros textos no blog SOPA DE TAMANCO:
http://sopadetamanco.blogspot.com/)


Posted by geneton at 02:13 PM

julho 10, 2007

NOVÍSSIMO DICIONÁRIO DE NEOLOGISMOS E SINÔNIMOS

Cauê = pandiota.

Posted by geneton at 03:09 PM

PARA CHAMAR A ATENÇÃO DOS TERRÁQUEOS

Informa a BBC: um nadador inglês chamado Lewis Gordon Pugh vai mergulhar em águas geladíssimas do Pólo Norte, no próximo domingo, porque quer chamar a atenção dos terráqueos para o aquecimento global.

Para que tanto sacrifício, Little Pugh ?

Bastaria nos mandar um e-mail coletivo com os dizeres "Aquecimento Global. Importante!".

O resultado seria o mesmo:

a gente não iria ler de jeito nenhum.

E você escaparia de um resfriado.

Posted by geneton at 03:07 PM

PERGUNTA FEITA AOS CÉUS

Ainda dá tempo. Faltam três dias. Os praticantes de nado sincronizado continuam soltos ?

Posted by geneton at 03:06 PM

QUANDO O FILME É UM REMÉDIO PARA DORMIR ( OU: UMA EXPEDIÇÃO AO MISTERIOSO TERRITÓRIO ONDE A ARTE SE ENCONTRA COM O SONO)

E o que dizer daqueles filmes que fazem o espectador dormir profundamente ? São as imagens que terminam soterradas naquele misterioso território onde a Arte se encontra com o Sono.

Aqui, um desfile de títulos:

http://www.ricardocalil.com.br/

Posted by geneton at 03:06 PM

O DIA EM QUE A VÍBORA JOEL SILVEIRA ENTROU PARA O SERVIÇO PÚBLICO

Joel Silveira conta essa. Uma vez, recebeu uma sondagem de um assessor direto do presidente Jânio Quadros. O assessor informou que ele, Joel, ia ser nomeado para o conselho consultivo da Companhia Brasileira de Álcalis.

Resposta de Joel à oferta :

- Aceito o convite ! Só quero tirar duas dúvidas. Primeira : quanto vou ganhar ? Segunda : o que é álcalis, pelo amor de Deus ? ”.

Terminou nomeado.

Posted by geneton at 03:06 PM

"KLATOO BARADA NIKTO !"

Quando alguém começar a falar em Pan ou em Cauê, o mascote dos jogos, diga a frase mágica: "Klatoo Barada Nikto !"

O interlocutor certamente exibirá um ar de espanto.

Você repetirá:

"Klatoo Barada Nikto !".

Depois de fitar você por cinco segundos e meio, ele sumirá na multidão.

Você caminhará na direção contrária. Aos seus botões, você dirá, em voz baixa e agradecida:

"Klatoo Barada Nikto ! Klatoo Barada Nikto !"

(*) Para quem chegou atrasado: Klatoo Barada Nikto é a senha que, dita diante de um robô, evita a destruição do planeta no filme "O Dia em Que a Terra Parou". É cientificamente comprovado: toda vez que um humanóide estiver sob o risco de sofrer um abalo ( algo que acontece, por exemplo, quando um interlocutor começa a falar em Pan) basta que a potencial vítima pronuncie a senha mágica. A ameaça se evaporará.

Posted by geneton at 03:05 PM

E QUEM DIRIA QUE O SENADO UM DIA MERECEU UM MÍNIMO DE RESPEITO...

Ah, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto.... A comédia de erros de péssima categoria encenada pelo Senado só consegue, a essa altura, provocar,na platéia, suspiros de imenso tédio, imensa indignação, imensa vergonha. Chega. Basta.

Mas recordar é viver:
o presidente de uma Casa que um dia foi respeitada recebe dinheiro de uma empreiteira para cobrir despesas pessoais. Personalíssimas.
Em qualquer paiseco do quarto do mundo, a simples suspeita seria suficiente para fazer o presidente da ex-Casa de Respeito se licenciar.
Mas não.
Aqui, nesta republiqueta de décima-oitava categoria, o presidente do Senado finca o pé, dá soco na mesa, diz que os que querem afastá-lo "vão sujar as mãos".
É uma inversão total de papéis.
Que palhaçada. Que vergonha. Que lixo.

Nem em bordel se encena espetáculo de tão baixa categoria.

Posted by geneton at 03:04 PM

julho 09, 2007

XUXA VERSUS AQUECIMENTO GLOBAL: A VINGANÇA

Inventaram de chamar Xuxa, a velhota saltitante, para cantar contra o aquecimento global naquele show na praia, sábado passado.

A vingança dos céus veio logo.

Hoje, segunda, dia de inverno, faz um calor desgraçado no Rio.

Bem-feito !

Posted by geneton at 03:11 PM

PREVISÃO DO HORÓSCOPO PARA O FUTURO DE TODOS: "UM MISTERIOSO CRUZAMENTO DE FORTUNA E INFELICIDADE"

ERNESTO SABATO: "O Xul Solar fez os horóscopos dos meus dois filhos e durante muitíssimos anos eu resisti em conhecê-los. Sempre tive medo do futuro, porque no futuro, entre outras coisas, está a morte"

JORGE LUIS BORGES: "Eu penso que, assim como a gente não pode se entristecer por não ter visto a Guerra de Tróia, não ver mais este mundo tampouco pode entristecer"

ERNESTO SABATO: (...) "Eu nunca quis vê-los (os horóscopos). Sabe que foram se cumprindo?"

JORGE LUIS BORGES( com assombro) : "E como são ? O que pressagiavam?"

ERNESTO SABATO (com uma voz íntima, quase para dentro) : "Um misterioso cruzamento de fortuna e infelicidade.Isso, Borges, isso".

(Do livro "BORGES/ SABATO:DIÁLOGOS"

Posted by geneton at 03:08 PM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

O Brasil me lembra uma bomba-relógio feita às pressas e de mecanismo defeituoso. Dessas que nunca explodem.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 02:24 AM

julho 08, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Brasília : esotérica e festeira comunidade onde todo mundo vive a dar medalha a todo mundo.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 02:26 AM

julho 07, 2007

A DANÇA DOS NÚMEROS

É assustador. A máquina do mundo em funcionamento:

http://www.poodwaddle.com/worldclock.swf

Posted by geneton at 11:29 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

"O futuro vai chegar", promete sua Excelência.

Nem é preciso tanto. Basta que o passado realmente passe.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 02:33 AM

PERGUNTA FEITA AOS CÉUS


Vágner Love, aquele jogador que pinta a juba de azul para que a cor do cabelo combine com a cor da camisa da seleção, continua solto ?

Posted by geneton at 02:31 AM

O PLANTÃO SOPA DE TAMANCO INFORMA : ATENÇÃO, SENHORES PAIS, TODO CUIDADO É POUCO! AS TVS JÁ ESTÃO TRANSMITINDO A LENGA-LENGA ECOLÓGICA!


Todo e qualquer animal bípede semi-alfabetizado sabe que é importante tentar salvar a natureza, mas..... antes até de terminar o primeiro parágrafo, já ouço, claro e nítido, o ronco coletivo da platéia.

Pode existir na face da terra assunto mais chato do que defesa da ecologia, reciclagem de materiais, preservação de espécies ameaçadas e coisas parecidas ?

Não por acaso, um sábio criou a palavra mágica: Ecochato.

Hoje, sábado, TVs estão transmitindo shows em defesa das boas causas ecológicas.

Depois não digam que o Sopa de Tamanco não avisou : tirem as crianças da sala, o mais rápido possível. Agora. Sem perda de tempo.

Porque há sempre o risco de Sting irromper no vídeo, a qualquer momento, ao lado daquele índio com beiço de plástico.

(Mas, como nem tudo é perfeito, há coisas piores no planeta: o que dizer de quem desfila na orla, no Rio de Janeiro, todo vestido de branco, porque assim estará combatendo a violência ?)

Posted by geneton at 02:27 AM

A MANEIRA MAIS SIMPLES DE IDENTIFICAR UM JORNALISTA

Um leitor pergunta, curioso: há uma maneira segura de identificar um jornalista ?
Claro.
Faça o teste: passe cinco minutos observando fixamente o suspeito. Se, depois dos dois primeiros minutos, ele não mugir nem latir nem se olhar no espelho, a dúvida estará resolvida.

O suspeito não é jornalista. Pode ser liberado para seguir viagem.

Caso contrário, é recomendável ligar para a carrocinha.

Posted by geneton at 02:27 AM

CONFIRMADO :O FIM DO MUNDO VEM AÍ


Xuxa - sim: ela, x + u + x + a - cantando na praia contra o aquecimento global.

Ah, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, rogai por nós.

Posted by geneton at 02:26 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Recomenda o meu horóscopo: "Vá à rua, agora mesmo, e lute. A vitória é certa".

Chego à janela, olho lá fora, a chuva cai pesada. Decido: a vitória será adiada.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 01:40 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

É o que sempre digo : bocejo, logo, existo.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 01:30 AM

TRÊS NOTÍCIAS SOBRE PAULO FRANCIS. OU: CONHECER GENTE FAMOSA É UMA DESGRAÇA

Conhecer gente famosa é uma desgraça. Conviver com um ídolo é pior ainda.
Por dois motivos. Primeiro: por medo de falar uma grande tolice diante do guru, a gente se cobre de constrangimento quando conversa com ele. O encontro pode ser o mais banal, o mais trivial possível. Mas a gente termina medindo cada frase. Fiz o cúmulo: cheguei a me refugiar uma vez numa sala lateral de uma redação, para não envenenar à toa a convivência com o guru. Mas ele, esperto, foi até o meu esconderijo: "Você se escondendo!!!". Retribuí a gentileza com um riso amarelo.

Segundo motivo por que conhecer gente famosa é uma desgraça: a gente fica se policiando para não cometer, diante de amigos, estranhos ou desconhecidos, o pecado horroroso do "name-dropping" (a mania de ficar citando nomes célebres no meio de uma frase, para dar a ilusão de importância....).

Os dois motivos me impediram de escrever um texto na primeira pessoa sobre dez anos de contatos pessoais e profissionais, em redações no Rio, em Londres e em Nova York, com o meu ídolo, Paulo Francis. Fiz pelo menos três gravações com ele. As anotações sobre esta convivência estão feitas. Falta organizá-las.

Feitas as contas, resolvi quebrar o constrangimento. Não posso deixar que o medo do "name-dropping" me condene a guardar na gaveta as cenas que testemunhei ou as frases que ouvi. Pretendo, em breve, produzir um documento sobre Paulo Francis, a estrela máxima do jornalismo brasileiro das últimas décadas.

Quando o assunto é Paulo Francis, considero-me um grande devedor. Os maiores elogios que recebi na vida foram feitos por ele, repetidas vezes, na coluna Diário da Corte. Quem não gosta de ser elogiado que atire o primeiro Prozac. Fora das páginas de jornal, fui alvo de pelo menos uma demonstração de extrema generosidade que Francis praticou sem qualquer interesse.

Em nome dos teclados de São Gutemberg, prometo à minha dezena de leitores: os fãs, os órfãos, os detratores de Paulo Francis ganharão um presente que estou, aos poucos, garimpando. Que ninguém se assuste, porque não cairei na tentação de parir um tratado sobre o homem. Praticarei o exercício básico do jornalismo: publicarei o que vi e ouvi. Ponto. Reproduzirei diálogos entre Francis e grandes feras. Vai ser minha maneira de retribuir os presentes que ganhei. A retribuição virá em forma de livro. É projeto para 2008.

Por ora, pergunto: o que diabos vocês estão fazendo aí? Por que não saem voando para conseguir uma cópia de "O Afeto Que se Encerra" ? É um dos melhores livros de memórias já lançados no Brasil. Autor: Paulo Francis. Uma nova edição acaba de sair do forno da Editora Francis.
O Sopa de Tamanco fará, nos próximos dias, uma seleção de frases marcantes do livro, para animar os preguiçosos.

Além do relançamento de "O Afeto que se Encerra" , há outra boa notícia no arraial: Sônia Nolasco, viúva de Francis, resolveu publicar o romance inédito que ele não teve tempo de lançar.

Às favas com a objetividade jornalística: nem li. Mas já gostei.


Posted by geneton at 12:48 AM

julho 06, 2007

O DIA EM QUE OS AVIÕES IAM LEVANTAR VÔO PARA BOMBARDEAR O PALÁCIO DO GOVERNO

Já se disse que a realidade brasileira supera, com folga, a ficção. É verdade.

Um piloto - que um dia se tornaria escritor - recebe uma ordem: bombardear, pelo ar, o Palácio do Governo. O bombardeio tinha até hora marcada: seis da manhã. O governador estava lá dentro. Ia tudo virar pó.

Nome do piloto :Oswaldo França Júnior. Nome do governador : Leonel Brizola.

(Aqui, o depoimento completo de França Júnior sobre a aventura:
http://www.geneton.com.br/archives/000076.html)

Posted by geneton at 11:31 AM

julho 05, 2007

"POR QUE SERÁ QUE ESTES BASTARDOS ESTÃO MENTINDO PARA MIM ?"

Um ex-editor do jornal The Times, um dinossauro chamado Louis Heren, disse que ouviu, no início da carreira, um conselho inesquecível de um chefe.

O conselho - de fato - é perfeito para quem exerce o jornalismo:

"Quando estiver ouvindo presidentes e ministros, líderes sindicais e empresários, iogues e delegados, o repórter deve sempre perguntar a si próprio: por que será que estes bastardos estão mentindo para mim ?".

Eis aí o melhor manual de redação já escrito.

Posted by geneton at 11:36 AM

CACHÊ DE 600

Deve ser verdade, porque ninguém desmentiu a notícia: Ivete Sangalo cobrou um cachê de seiscentos mil reais para cantar numa festa de peões no interior de São Paulo. Seiscentos mil. Não houve acordo, claro.

Se Beethoven fosse vivo, certamente ficaria satisfeito com um cachê de trinta e cinco mil reais.

Posted by geneton at 11:34 AM

CIENTIFICAMENTE COMPROVADO: NÃO CONFIE EM QUEM DIZ "VEJA BEM" E "MINTO"

Não confie nunca, jamais, sob hipótese alguma, em gente que começa uma frase com "veja bem" ou interrompe-a com a palavra "minto" a cada vez que comete um engano qualquer. É gente capaz de passar cheque sem fundo, dar cascudo em recém-nascido, palitar dente em restaurante, cheirar vinho e,pior, cantar em sarau balançando o corpinho de um lado para o outro com um copo de cerveja na mão.

O fenômeno foi cientificamente comprovado.

Posted by geneton at 02:44 AM

DEMOCRACIA JÁ!

Se o Brasil fosse realmente uma democracia, todo cidadão, independentemente de cor, credo religioso, estado civil e grau de instrução, teria o direito de dar voz de prisão aos redatores dos discursos de senadores larápios, a publicitários autores de anúncios supostamente engraçadinhos e a todo ser vivente que alguma vez na vida tenha cantado aquela musiquinha do "me leva, amor/ por onde for, quero ser seu par" em saraus na areia.

Posted by geneton at 02:43 AM

SOPA DE TAMANCO HUMILHA (COM TODO RESPEITO) O MUSEU DO ÍNDIO ! OBRIGADO, VISITANTES!

Neste dia histórico, em que o blog Sopa de Tamanco completa um mês no ar, nosso Departamento de Estatísticas informa:

o número de visitantes do Sopa de Tamanco já supera, em muito, o do Museu do Índio ( rua da Palmeiras, 55, Botafogo, Rio)!

O Museu do Índio recebe de trinta a quarenta visitas por dia ( acabamos confirmar, por telefone).

Não queremos decepcionar os admiradores, parentes e amigos dos nossos caros silvícolas, mas
trinta visitas é o que o Sopa de Tamanco recebe por hora!

Ou seja: mal foi criado, o Sopa de Tamanco já supera, com folga, o Museu do Índio.

Quinhentos anos de história se evaporaram num piscar de olhos.

Nosso Departamento de Estatísticas oferecerá, em breve, novos números ( reais e confiáveis) para que nossos ilustres visitantes possam se orientar e evitem cair nas malhas da propaganda enganosa.

Posted by geneton at 02:40 AM

julho 04, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Tarde de ensaio na banda de música loca, numa cidadezinha do interior. O suarento maestro dirige-se a uma senhora, gorda e compenetrada, que parecia entendiadíssima em sons e harmonias:
-A senhora toca ?
-Só um instrumento de sopro : café quente.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:41 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

O mal de Deus é que ele exagera muito quando quer agradar a alguém.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:41 AM

BRASIL. VOCAÇÃO : REPUBLIQUETA

Quem se habilita a fazer uma lista das perdas e danos provocados pela disseminação da praga politicamente correta ?
Eu me arrisco a apontar uma : a universidade - que já era uma porcaria - vai virar um lixo.
Em nome da idéia de corrigir injustiças históricas, um débil mental teve a grande idéia de eleger a cor da pele como indicativo de mérito acadêmico. Ou seja: quem se declarar preto terá prioridade sobre quem for de outra cor, na hora de tentar conquistar ua vaga na universidade.
Há um milhão de outras maneiras de tentar estancar a chamada "exclusão social". Mas os gênios escolheram a mais errada de todas.

Agora, os jornais anunciam que o governo do Estado do Rio vai garantir uma cota nas universidades para filhos de policiais mortos.
O que é que uma tragédia familiar tem a ver com mérito acadêmico?

Ah, a indomável vocação do Brasil para se perpetuar como republiqueta...

Posted by geneton at 11:40 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

O falecido David Nasser certa vez me contou:
-O Chatô ( Assis Chateaubriand) chegou um dia para mim e disse :"Saiba vossência que jornalista que não enriquece é burro! Aprenda isso, turco!".

Lembro a historinha, somo e peso meus haveres e concluo: sou uma besta, e das mais quadradas, sem direito sequer a renovar as velhas ferraduras.

Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:38 AM

ATENÇÃO, ESTÔMAGOS !

Preparem os estômagos. Respirem fundo. Acendam uma vela para Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, nossa padroeira.

Depois da capa da "Veja" com novas denúncias, começa esta semana uma nova temporada de explicações inexplicáveis do presidente do Senado.

Posted by geneton at 11:37 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Mais chato que a tal da Bossa-Nova, com seus cicios e corrimentos,só deve ser o Purgatório, que também não ata nem desata. Só enche.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 10:38 AM

julho 03, 2007

PERGUNTA FEITA AOS CÉUS

Fábio Júnior, aquele cantor que gosta de tirar foto descalço e com um copo de uísque na mão, continua solto ?

Posted by geneton at 11:50 AM

MÃE, POR JOHN LENNON

Saudosistas de John Lennon, correi. Acaba de sair um belo disco : "Make Some Noise".
É uma daquelas coletâneas benemerentes mas vale a viagem : artistas regravaram as melhores canções de John Lennon,num álbum duplo lançado pela Anistia Internacional em prol das vítimas da carnificina de Darfur, no Sudão.

Duas regravações : "Mother" - talvez a melhor música de JL - e "Real Love". Em "Mother", John Lennon resume em duas linhas toda a história da psicanálise: "Mother,don´t go/ Daddy,come home" ("Mãe, não vá embora/ Pai, venha para casa"). A mãe de Lennon, como se sabe, morreu atropelada por um policial bêbado.O pai sumiu. Só reapareceu quando o filho já era famoso.

A letra de "Mother":

"Mother, you had me but I never had you,
I wanted you but you didn't want me,
So I just got to tell you,
Goodbye, goodbye.
Farther, you left me but I never left you,
I needed you but you didn't need me,
So I just got to tell you,
Goodbye, goodbye.
Children, don't do what I have done,
I couldn't walk and I tried to run,
So I just got to tell you,
Goodbye, goodbye.
Mama don't go,
Daddy come home.
Mama don't go,
Daddy come home".

Posted by geneton at 11:48 AM

PAI, POR ALLEN GINSBERG

O Sopa de Tamanco atende a pedidos vindos de todas as partes desta sala: repete o post com o poeta Allen Ginsberg, um dos papas da geração beat. O poema é "Father Death Blues". Ginsberg escreveu a bordo de um avião, a caminho do enterro do pai. Depois, musicou. É melhor ouvir Ginsberg recitando "Father Death Blues" do que assistir a comerciais da Casa & Vídeo sobre o dia dos pais.


Hey Father Death, I'm flying home
Hey poor man, you're all alone
Hey old daddy, I know where I'm going

Father Death, Don't cry any more
Mama's there, underneath the floor
Brother Death, please mind the store

Old Aunty Death Don't hide your bones
Old Uncle Death I hear your groans
O Sister Death how sweet your moans

O Children Deaths go breathe your breaths
Sobbing breasts'll ease your Deaths
Pain is gone, tears take the rest

Genius Death your art is done
Lover Death your body's gone
Father Death I'm coming home

Guru Death your words are true
Teacher Death I do thank you
For inspiring me to sing this Blues

Buddha Death, I wake with you
Dharma Death, your mind is new
Sangha Death, we'll work it through

Suffering is what was born
Ignorance made me forlorn
Tearful truths I cannot scorn

Father Breath once more farewell
Birth you gave was no thing ill
My heart is still, as time will tell.

Posted by geneton at 11:45 AM

ESCREVER EM BLOG OU FAZER BAMBOLÊ NO FUNDO DA PISCINA ?

O site da BBC Brasil informa:

"Novo recordista de pula-pula aquático:
O novaiorquino Ashrita Furman marcou dois novos recordes aquáticos: o de pula-pula e o de bambolê debaixo d'água. Ele percorreu o equivalente a cerca de 512 metros no fundo da piscina com o pula-pula e rebolou com o aro durante 2 minutos e 38 segundos"

Um vídeo com o feito do sr. Furman pode ser visto no site http://www.bbc.co.uk/portuguese/

Passar 2 minutos e 38 segundos fazendo bambolê no fundo de uma piscina.
Só uma coisa pode ser mais inútil: escrever para blogs.

Mas todos escrevem.

E o senhor Furman rebola.

O show não pode parar.

Posted by geneton at 11:44 AM

A TRILHA SONORA DAS LABAREDAS

É pule de dez : tenho certeza de que, assim que alguém pisa no inferno, a primeira coisa que ouve é aquela música "quero a risada mais gostosa" etc.etc, cantada por Ivan Lins. Sentado num trono, todo vestido de vermelho, com um tridente na mão e um caixa de enxofre na outra, o Lúcifer ri a bandeiras despregadas. Uma TV, ligada no salão ao lado, irradia durante todo o tempo a frase "essa galerinha vai aprontar todas!". Uma diabo júnior fica repetindo em voz alta os textos de uma reportagem de revista de celebridade sobre um ganhador do Big Brother. O sistema de alto falantes propaga um anúncio engraçadinho de cerveja. A voz de um senador mentindo sobre falcatruas agrava a cacofonia. Ouve-se, claro e nítido, Roberto Carlos cantando aquele primeiro verso de "Emoções". Os sons se misturam todos, em meio a labaredas vermelhíssimas.

Tive esse pressentimento : o inferno deve ser assim.

Quando eu chegar lá, mando notícias confirmando.

Posted by geneton at 11:42 AM

julho 02, 2007

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2

Ninguém tem o direito de proclamar-se velho se ainda não começou a resmungar.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 11:56 AM

INTELECTUAL BRASILEIRO SABE FAZER BARULHO E SILÊNCIO. PENA QUE SEMPRE NA HORA ERRADA

Do blog de Antonio Fernando Borges:


"Enquanto a mídia perde (ou ganha?) tempo se preocupando com bagatelas e nonadas, prefere fazer silêncio a respeito de acontecimentos editoriais efetivamente relevantes.
Entre eles, destaque total para o lançamento de uma edição brasileira de La trahison des clercs (A traição dos intelectuais), do filósofo francês Julien Benda (1867-1956). Lançado em 1927, o livro é um libelo imprescindível contra a adesão dos intelectuais às paixões políticas, em detrimento de seus verdadeiros compromissos com os valores superiores - como a verdade, a razão e a justiça.
Confiram a data original: o livro chega ao Brasil nada menos do que com 50 anos de atraso. Mesmo assim, não poderia ser mais oportuno e atual. Um instrumento de reflexão do calibre de um La rebelión de las masas, de Ortega y Gasset, que teve melhor sorte entre nós. Ponto para a novíssima editora paulista Peixoto Neto, que tomou para si a empreitada.
Lidos em conjunto, Ortega e Benda ajudam a compreender por que nossos intelectuais fazem algazarra por nada, enquanto sintomaticamente silenciam diante do essencial"


(aqui: http://www.antoniofernandoborges.com/)

Posted by geneton at 11:49 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

Nunca esqueci aquele final de Caetés - de Graciliano Ramos:
"Ateu! Não é verdade. Tenho passado a vida a criar deuses que morremlogo, ídolos que depois derrubo : uma estrela no céu, algumas mulheres na terra".

Bonito de arrepiar.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 10:56 AM

O QUE AS NUVENS ESTÃO DIZENDO

Cole o ouvido no chão, como se fosse índio. Disfarce, para não dar vexame no meio da rua. Faça de conta que tropeçou. Agora, apure ao máximo o sentido da audição. Assim. Você ouvirá um rumor claro e nítido transmitido por ondas sonoras que se espalham pelo chão. É o suspiro de tédio exalado pelo território do Brasil a cada impostura senatorial ou palaciana :"Ufa...."

Olhe para as nuvens. Tente decifrar o que elas estão dizendo. Veja ali : a confluência daquelas três nuvens forma,obviamente, uma palavra. Só um cego não vê: "Ufa...."

Agora, tente entender o sinal secreto enviado pela poça d´água na esquina de casa. O desenho formado pelas três folhas secas que boiam sobre a poça diz: "Ufa..."

Desde a manhã de hoje, leio em todos os lugares a palavra mágica :"Ufa"....

Dizem que o mero vôo de uma borboleta no outro lado do mundo pode deflagrar uma série incontrolável de acontecimentos em cadeia.

Há uma corrente invisível unindo os fatos. Basta prestar atenção.

O que me fez enxergar a palavra "ufa" no chão, nas nuvens, na poça d´água foi uma notícia lida no jornal.

O PDR ( Presidente da República, criemos logo outra sigla) teria chamado de "hipócritas" dois senadores bons de briga que estão peitando o presidente do Senado ( aquele que vive fazendo malabarismos com a máquina de calcular na mão).

"Hipócritas".

Ufa....

Posted by geneton at 02:48 AM

PERGUNTA FEITA AOS CÉUS

Os praticantes de nado sincronizado continuam soltos ?

Posted by geneton at 02:47 AM

junho 30, 2007

CULINÁRIA TAMANCAL

Receita do blog : ofereça sopa de tamanco com caco de vidro para o primeiro empulhador que aparecer.

Vale para senadores cínicos, escritores picaretas e bichos afins.
A paciência do Brasil agradece, comovida.

Posted by geneton at 02:52 AM

junho 29, 2007

CORREÇÕES AO DICIONÁRIO-2 : BOI = BODE. BEM QUE CHICO BUARQUE AVISOU...

Boi = Bode.

Chico Buarque de Holanda não é o melhor profeta em atividade no Atlântico Sul. Mas, numa música de 1973, "Boi Voador Não Pode", ele escreveu o verso que viraria lema do Senado da República em 2007:

"O boi ainda dá bode".

Deu.

Posted by geneton at 02:56 AM

PROTESTO! DICIONÁRIO DO AURÉLIO COMETE FALHA NO VERBETE "LIXO". FALTOU UM NOME LÁ!

Atenção, editora do Dicionário do Aurélio, o Pai dos Burros ( ou seja :nosso pai) : há uma falha grave na edição de papel! Tomara que o deslize seja corrigido na próxima edição.

O Dicionário dá como sinônimos de lixo "entulho ; tudo o que não presta e se joga fora; sujidade, sujeira, imundície; coisa ou coisas sem valor".

Faltou concisão ao autor do verbete. Poderia ter resumido a palavra a lixo com uma apenas uma frase,claríssima : lixo = o mesmo que livro de Bernardo Carvalho.

Todo mundo entenderia. Porque lixo que é lixo fede de tão ruim. Livro de Bernardo Carvalho fede. Lixo que é lixo não pode ser manuseado, porque provoca náusea. Livro de Bernardo Carvalho provoca náusea. Lixo que é lixo dá vontade de vomitar. Livro de Bernardo Carvalho dá vontade de vomitar.
Ninguém me contou: eu vi, porque manuseei um. Em resumo: livro de Bernardo Carvalho é o sinônimo perfeito para a palavra lixo, mas o dicionarista preferiu complicar a explicação.

Justiça se faça : não é que o tal livro seja podre. Papel não fede. A podridão é literária. Ou seja: o fedor de lixo emana do conteúdo. Livro de Bernardo Carvalho é - apenas - inapelavelmente ruim, pretensiosíssimo, entediante, chatíssimo, soporífero, estupefaciente, vomitivo, ilegível, horroroso.

O simples fato de livro tão ruim chegar à prateleira das livrarias, com a chancela de uma grande editora, é um atestado da indefensável mediocridade de nossa paisagem cultural.

Há pecados que até se perdoam num candidato a escritor. Mas a pretensão descabida é pecado mortal. Sério: um candidato a escritor precisa, obrigatoriamente, avaliar o próprio tamanho, antes de teclar a primeira frase.
Se um jornalista tiver a plena consciência de que, em última instância, não passa de um aplicado coletor de declarações alheias, terá - por exemplo - grandes chances de produzir boas peças jornalísticas. Tudo se resume a não querer enganar a plátéia dando um passo maior do que as pernas. Já pensou se
um desqualificado como Bernardo Carvalho tivesse a pretensão de escrever como, por exemplo, Camus? Mas ele tem. O desastre mora aí ( neste momento, a platéia solta, em uníssono, um suspiro de desalento. Meu Deus, ele tem....).

Se um picareta literário, cego pela pretensão descabida, comete o gravíssimo pecado de se julgar um romancista de recursos, a estrada para o desastre estará aberta. É o que acontece com livro de Bernardo Carvalho, um picareta literário que se julga perfeitamente qualificado a cobrar dinheiro para ser lido...( afinal, o que faz um autor que publica livros? Cobra dinheiro para ser lido. O problema é de qualidade. Cassandra Rios, autora quinhentas vezes superior a Bernardo Carvalho, porque não cometia o pecado mortal da pretensão descabida, poderia perfeitamente cobrar para ser lida. José Mauro Vasconcelos, autor com zero grau de pretensão descabida, e, portanto, seiscentas vezes superior a Bernardo Carvalho, poderia cobrar para ser lido. Bernardo Carvalho não pode cobrar, porque os seus livros são empulhações indefensáveis para ludibriar leitores. Livro de Bernardo Carvalho deveria ser distribuído de graça para as empresas de lixo).

Imagine um débil mental habitante de um paiseco subdesenvolvido desfilando de cachecol por bares como se estivesse na Paris do século XVIII e arrotando draminhas existenciais ( a platéia se contorce de riso diante de tal cena: quá-quá-quá-quá) . Se uma criatura com este perfil se sentasse diante de um teclado para escrever, o que sairia ? Um livro de Bernardo Carvalho.

Nem quero teclar o nome do livro que inspirou estas reflexões sobre o sentido da palavra lixo. Quero evitar que outros incautos, movidos pela curiosidade, cometam a estupidez que cometi: joguei fora um dinheiro que poderia ter sido gasto com um bom sanduíche acompanhado de um milk-shake.

Bem feito! Dinheiro jogado lixo! Quem mandou comprar lixo disfarçado de livro?

Posted by geneton at 02:53 AM

junho 28, 2007

O NOME CERTO NÃO É PITBOY

Ninguém perguntou, mas declaro, diante deste egrégio tribunal, que tenho horror a cachorros. Os bichos só são toleráveis em cinema. Não existe nada pior que cachorro fungando a perna dos outros dentro de elevador. Se houvesse justiça nesta planeta desperdiçado, quem botasse cachorro dentro de elevador pegaria cinco anos de cadeia automaticamente, sem direito a apelação.

Mas devo confessar uma admiração secreta por um gesto nobre que os cachorros praticam todo dia, no anonimato, longe dos olhares dos citadinos.


O cenário: aquelas estradas barrentas do interior. Ali, os cachorros praticam um exercício admirável, pela persistência: toda vez que é despertado pelo ronco de um motor, o vira-latas de plantão dispara atrás do carro e começa a latir, desesperadamente. Jamais alcançará os carros, porque não terá força nem velocidade para tanto, mas, ainda, assim, corre e late a cada vez que o ronco de um motor o desperta da modorra. É assim o dia inteiro. Quantas centenas de vezes não vi esta cena ?

Depois de correr cem metros atrás da roda, o cão desiste, exausto, enquanto o carro se afasta.
O bicho perdeu a batalha contra a máquina. Mas basta que o ronco do motor anuncie a passagem de outro carro para que o cão sarnento se apresente de novo para a perseguição inútil.

A beleza do gesto é justamente esta : a coragem de persistir na inutilidade . Porque não existe exercício tão inútil quanto o de cães vadios perseguindo a roda dos automóveis na beira de estradas do interior do Brasil. Mas, sem esperar medalhas da humanidade, eles persistem. É uma lição silenciosa para nós, fracos de espírito que cambaleiam diante do primeiro fracasso.

O cão fracassa todo dia, mas corre, late, faz barulho.

Acabo de descobrir um sentido para a vida: uivar - feito os cães das estradas do interior - diante de cada impostura, cada incômodo, cada fracasso, cada empulhação. Pode ser um belo exercício. Não precisa incomodar os vizinhos. Basta um uivo inaudível. É inútil, porque os carros continuarão passando, indiferentes. Mas vale o protesto.

Em homenagem aos cães sarnentos das beiras de estrada do interior, a humanidade deveria uivar todo dia para a lua ( "Um Cão Uivando para a Lua" é o belo título do livro de Antônio Torres - que li, ainda nos anos setenta, entre uma aula e outra).

Minha ojeriza aos caninos comporta outra exceção: preciso levantar a voz em defesa de um cachorro chamado Boy. Quando eu era criança, no século passado, havia em minha casa um cachorro branco que tinha este nome. Nunca fez mal a ninguém. Numa noite de São João, assustado com o ruído dos fogos, Boy fugiu. Jamais foi encontrado. ( Música triste. Cena trash. Câmera percorre rua iluminada por fogueiras de São João. O olhar de um menino procura na paisagem sinais do cachorro. Nada. Créditos começam a rolar. Luzes do cinema se acendem. Uma mulher disfarça o choro, com vergonha do vexame).

Se eu escrever outro parágrafo, ganharei o Troféu José Mauro Vasconcelos de pieguice animal.

Por que tanta divagação sobre cachorros?

Por um motivo:

Por uma questão de justiça, recuso-me formalmente a dar o título de Pitboys a estes bichos que tentam matar empregadas domésticas em pontos de ônibus. Boy, em minha geografia sentimental, é o nome de um cachorro manso que fugiu de casa com medo do som dos fogos de artifício de uma festa de São João.

Pitboys,não. Pitnazis. É melhor assim.

Posted by geneton at 01:15 PM

CORREÇÕES AO DICIONÁRIO-1 : PITIBOY = PITINAZI

Pitboy = Pitinazi ( Acréscimo a nota de ontem sobre o assunto : "This Boy" é o nome de uma canção bonita dos Beatles. "Boy" é o nome do cachorro que fugiu da minha casa com medo do ruídos dos fogos de São João, quando eu era criança. Não vale a pena,então, sujar o sentido da palavra. Não se deve chamar de Pitiboy o animal-mauricinho que trucida empregadas domésticas em pontos de ônibus na Barra. Os chamados Pitiboys são, na verdade, Pitinazis. Se vivessem na Alemanha nos anos trinta, estariam com um chicote na mão e suástica no braço).

Posted by geneton at 02:57 AM

PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA


De seis em seis meses, tudo muda no Brasil.
Só o Brasil não muda.


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 02:57 AM

PERGUNTA FEITA AOS CÉUS // AGAIN

Bernardo Carvalho ( creio que é este o nome; autor dos mais soporíferos, mais ilegíveis, mais entediantes, mais intragáveis romances já publicados no Sul da América em qualquer época; subliteratura da pior espécie ; pastiches de romances franceses de décima-oitava categoria; picaretagem literária deslavada; coisa de gente que, em vez de pagar a um psicanalista para resolver indefinições pessoais, prefere atazanar a paciência dos leitores com relatos de falsa profundidade* para arrancar dinheiro de editores e leitores incautos ) continua solto ?

(*) Comprei um. Quero meu dinheiro de volta!!

Posted by geneton at 02:54 AM

junho 27, 2007

DIZEI, NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO ESPANTO

Dizei-nos, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, a nós, vossos servos, humildemente postados a vossos pés : o que é que leva um ser humano a exibir orgulhosamente na rua, em camisetas sem manga, músculos deformados nas academias ?

Posted by geneton at 03:05 AM

CONSTATAÇÃO À MODA DOS MUROS DE PARIS, 1968


A humanidade só será feliz no dia em que o último criador de passarinho for pendurado nas tripas do penúltimo.

Posted by geneton at 03:03 AM

ÍNDICE UNIVERSAL DE BOCEJO

Improviso de jazz = bocejo. Novela de época = sono profundo. Tese acadêmica = sobrancelha pesando uma tonelada. Editorial = estado de coma.

Assim caminha a humanidade.

Posted by geneton at 02:59 AM

junho 26, 2007

PÍLULA DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA

O problema da seleção é Galvão Bueno


Joel Silveira, datilografado por GMN

Posted by geneton at 03:05 AM

INTERNAUTAS, CORREI EM BUSCA DE "O NARIZ DO MORTO": "Ó países em nós soterrados, ó escombros, ó múmias, ó gigantes mutilados...."

O Sopa de Tamanco faz a boa ação do dia: convoca os internautas para um momento de enlevo literário.

Você conhece Antônio Carlos Vilaça? Já ouviu falar de um livro chamado "O Nariz do Morto" ?

Se a resposta for "não", é hora de tirar o atraso. Antônio Carlos Vilaça, morto há dois anos, era uma figura raríssima : não é exagero dizer que ele entregou a vida à literatura e à contemplação. Não cultuava bens materiais. Converteu-se à vida religiosa, mas, diante do silêncio de Deus, voltou às lides terrenas. Vivia de favor. Numa sociedade que glorifica a mediocridade em último grau, era uma espécie de pária.

O livro "O Nariz do Morto", obra-prima, foi relançado há pouco.

Correi, incréus, à primeira livraria física ou virtual, para encomendar um exemplar.

É leitura de primeiríssima qualidade. Mas, como é hábito na Brasilândia, circula num clube fechado.

Eis uma pequena mostra do texto de Antônio Carlos Vilaça:

"Ó dias, ó noites, ó vermes, que perfurais em nós a essência nossa. Que essência ? Que vermes ? Ó países em nós soterrados, ó escombros, ó múmias, ó gigantes mutilados, terras absurdas e quietas, colinas, mausoléus ,incógnitas e nós, bichos da terra, pitorescos, à procura".

"A vida é numerosa. E então os sinos súbito anunciam em nós a morte,que virá. A morte vem.Cada dia, a morte vem".

"A fé religiosa como que me assaltou.Vi-me subjugado pelo entusiasmo. A vida de rapaz que amava as letras e sabia de cor os seus poetas preferidos,a vida simples, descuidada, solitária,tantas vezes,de um rapaz estudioso (e reto) ganhou esse frêmito novo e desconhecido, essa audácia, essa loucura, essa vibração absurda".

"Eu gostava das sublimidades.Eu queria as grandezas. Eu sonhava com alturas límpidas. Eu queria as nuvens. Muito menos, o duro chão dos homens".

"Ó paredes, dizei-me. "Eu quero a estrela da manhã !". Dizei-me o endereço dela. Ó sala capitular, ó claustros, ó antifonários com iluminuras, ó sinos brônzeos, estatuazinhas , capitéis, afrescos, casulas, pesadas estalas, pedras, faces, madeiras e ouro, tapetes, cálices, relicários , retábulos e móveis, crucifixos e virgens, falai ! Um sussuro que nos chegue. Que monólogo é este, dia e noite entretido ? Sombras, sombras, sussurai-me, segredai-me. Todo esse passado, esse peso, essa pátina, pureza, pecado".

"O homem morre para sempre. O abismo da morte não devolve ninguém. E então, lentamente, fui percebendo que só nos resta uma atitude, menos que atitude, uma postura - a tranquila dignidade de quem sabe e não se desespera".

"Ó interminável estrada, ó ruas do mundo, ó caminhos da vida, ó rio dos homens por onde incessantemnte rolamos como gloriosos destroços !".

"Ó caminhante sombrio e só ! Sempre sentiste o efêmero de tudo. Nunca pousaste, nem repousaste em nada. Nunca tiveste sossego. Fosto sempre um peregrino em perigo".

"Isto é apetecível, uma casa, com mulher e meninos, para a noite do homem. Nunca terás isto, ó incauto viajante, ó ser noturno, abandonado e trágico, nunca terás o limpo sossego dos homens. Não o terás, porque o recusas, ó louco, ó orgulhoso, ó só. Não conhecerás nunca a meiga tranquilidade dos serões sem agitação : viverás como um condenado, sem casa, entregue à nostalgia do paraíso absurdo, sem chave, sem nada. Caminharás sem fim. Nunca chegarás".

Posted by geneton at 03:03 AM

ORAÇÃO DE UMA PALAVRA SÓ, A SER RECITADA TODO DIA, EM FRENTE AO ESPELHO: "PATÉTICO!"

Joel Silveira conta que, um dia, estava na redação. Datilografava uma reportagem qualquer, concentrado, com ar grave, como se estivesse escrevendo "A Montanha Mágica". O balé dos dedos sobre o teclado produzia barulho, chamava a atenção.


De repente, Nélson Rodrigues pára diante da mesa de Joel, fica observando em silêncio aquele espetáculo e pronuncia apenas uma palavra, antes de seguir adiante:

- Patético !

Eis uma excelente maneira de começar o dia. Olhar-se no espelho, fitar o fundo dos olhos e dizer, em voz baixa, para não chamar a atenção dos vizinhos:

-Patético !

Não existe exercício melhor de auto-avaliação.

Cumprido este ritual, o terráqueo estará pronto para enfrentar um novo dia, livre do terrível pecado da pretensão descabida, a ilusão de importância, a auto-suficiência cega.

A palavra de ordem,então, é "patético!".

É a salvação em vida, a senha que abre todas as portas, a fórmula da felicidade.


Posted by geneton at 03:02 AM

junho 12, 2007

A ESSÊNCIA DO ÂMAGO DO ÍNTIMO DO JORNALISMO

Jornalismo é literatura feita por e para analfabetos.

Posted by geneton at 12:12 PM

junho 09, 2007

CONFISSÕES INCONFESSÁVEIS: VI UM OVNI NA BOCA DE UM ASTRONAUTA! E SENTI O BAFO DO PRÊMIO NOBEL!

1
Pode ter sido uma ilusão de ótica, mas tive a clara, nítida e inarredável impressão de que testemunhei uma cena estranha, em Brasília, durante a gravação de uma entrevista com um astronauta que pisou na lua: a arcada dentária superior do herói do espaço se moveu ligeiramente para frente, em meio a uma resposta.

Palpite :não eram dentes naturais. Dente não sai do lugar. Se os dentes se mexeram em bloco, o herói do espaço usava dentadura.

Há quem veja OVNIs no céu. Vi um OVNI - objeto voador não-identificado - logo ali, na boca do astronauta que pisou na lua.

2

Que as musas da literatura me perdoem, mas vou cometer uma indiscrição inútil, banal, desnecessária e dispensável :
o Prêmio Nobel de Literatura José Saramago exalava mau hálito quando me deu uma entrevista no Copacabana Palace.
Pronto. Contei.
Agora, disfarço, olho para o chão, saio da sala de fininho.

Posted by geneton at 06:16 PM

O CLUBE DOS PEZINHOS NAS POLTRONAS TENTA CONTATO COM TERRÁQUEOS

Bato o olho na televisão. A participante de uma roda de conversa tira o sapato e põe os pés na poltrona, durante todo o programa. Meus botões me perguntam : "É para parecer livre e informal"?

Troco de canal. Um entrevistador da TV a cabo também tira o sapato e exibe os pés no sofá. Meus botões me sussurram: "É para parecer moderno e relaxado?".

Aperto o controle remoto. Uma diretora de teatro tira o sapato e põe o pé em cima da poltrona durante toda uma entrevista num talk show. Meus botões se agitam :"É para parecer esperta e inteligente?".

(as cenas, reais, aconteceram em dias diferentes mas, em nome da dramaturgia, faço de conta que foram simultâneas. É o que os autores de livros de bolso policiais chamam de "efeito dramático").

Imagino que os integrantes do Clube dos Pezinhos nas Poltronas estão todos tentando enviar com os dez dedos uma mensagem clara e cristalina a nós, humanóides.

Não consigo captá-la.

Meus botões me aconselham :"Desista. Tire o sapato. Vá dormir".

Posted by geneton at 06:12 PM

O INÍCIO E O FIM DE MINHA CARREIRA DE FILÓSOFO AMADOR

Se um dia eu for chamado a um Tribunal das Causas Inúteis, confessarei ao meritíssimo: sou capaz de citar de memória, sem consultar qualquer fonte, a escalação completa do time do Sport Clube do Recife de 1968:

Miltão; Baixa, Bibiu, Gílson e Altair; Válter e Vadinho; Dema, Zezinho, Acelino e Fernando Lima.

Também posso citar de cabeça os times do Santos ( Cláudio; Carlos Alberto, Ramos Delgado, Joel e Rildo; Clodoaldo e Negreiros; Manoel Maria, Toninho, Pelé e Edu) ou do Botafogo ( Cao; Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Valtencir; Carlos Roberto e Gérson; Rogério, Roberto, Jairzinho e Paulo César) ou do Palmeiras ( Perez; Scalera, Baldochi, Minuca e Ferrari; Dudu e Ademir da Guia; Gildo, Sevílio, Tupãzinho e Rinaldo).

Pergunto: alguém sabe responder para que servem tantos nomes?

Eu apostaria, com cem por cento de certeza: para nada.

Aqueles programas de TV em que um fanático respondia sobre um assunto já acabaram. Além de tudo, quem iria escalar um concorrente cujo maior trunfo é citar de memória a escalação de quatro times de 1968? Ninguém, é claro.

Mas esta era a escalação dos meus times de botão, quando eu tinha doze anos.

Já sei o que fazer neste feriadão: vou caminhar pela rua enquanto repito para mim mesmo, num tom de voz inaudível para os passantes: "miltão; baixa, bibiu, gílson e altair....."

A vida - descubro, tardiamente - é esta grande, imensa coleção de pequenas inutilidades.

Dita esta bobagem, declaro solenemente encerrada minha carreira de filósofo amador.

Posted by geneton at 06:06 PM

DÚVIDA TRANSCENDENTAL: POR QUE MÚSICA COM BANDANA?

Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, nossa padroeira, respondei a este pobre observador: por que diabos em noventa e nove por cento dos grupos musicais que acompanham cantoras e cantores existe sempre um músico usando bandana? Alguém saberia explicar por quê?

A relevância desta dúvida é zero vezes zero. Não existe nada tão desimportante. Mas pergunto aos quatros ventos: por que a bandana? Por que a bandana?


Posted by geneton at 06:04 PM

BOMBA! BOMBA! OS JORNAIS ESTÃO CAVANDO A PRÓPRIA SEPULTURA!

1
Ah, o indizível tédio. Quando um desses Profetas do Apocalipse previam o fim da imprensa escrita, eu vos confesso que reagia com o meu melhor sorriso de desdém.

2
Que é assim: uma ligeira contração na interseção esquerda do lábio superior com o inferior. Mas minha descrença nas profecias sobre o fim do jornal impresso foi atropelada pelos fatos. Passei a conviver com uma dúvida inconfessável: quem sabe se os Profetas do Apocalipse não teriam razão?

3
Com o tempo , a dúvida se propagou, como um incêndio fora de controle, por minhas florestas interiores. Hoje, procuro com uma lanterna na mão um Guardião do Cálice Sagrado que possa, enfim, responder: se noventa e cinco por cento das notícias da primeira página já foram divulgadas na véspera pela TV e pela Internet, que papel caberá aos jornais, no futuro?

4
A geração habituada a trafegar na Infovia de Papel, como o locutor que vos fala, uma pré-múmia cinquentenária, consome jornais por hábito, mas os novos infornautas já não concedem tanta importância a esta superfície lisa e retangular que reinou, soberana, por décadas : a página de jornal. As telas dos computadores são a fonte que lhes mata a sede de informação.

5
Se tivesse a chance, eu perguntaria ao Guardião do Santo Graal : os jornais não estariam cavando a própria sepultura, ao repetir, acomodados, o que a gente já sabe desde a véspera ?

6
Por que será que há anos e anos todos dizem que os jornais devem investir pesadamente em grandes reportagens, em opinião qualificada, em "contextualização" dos fatos, mas ninguém põe em prática estas recomendações? É como se todos concordassem com o diagnóstico de um paciente, mas ninguém fizesse nada, nada, nada para lhe dar o remédio salvador.

7
Quanto a noviços autores dos livros: se o número de frequentadores de um blog bem visitado é invariavelmente superior ao de possíveis leitores de um livro, um autor novo certamente perguntará a seus botões : quem disse que vale a pena enfrentar a peneira das editoras, as edições mirradas, a distribuição difícil, a venda pingada, tudo em nome da fugaz glória de ver o nome impresso na capa de um livro exposto na quarta prateleira à esquerda de quem entra na livraria?
A tiragem média de um livro no Brasil é de três mil exemplares. Direitos autorais :dez por cento sobre o preço de capa. Distribuição: irregular. Repercussão : baixa. Ou nula.

8
Já se disse que o papel fica, a Internet se esvai. Mas quem disse que os arquivos digitais também não terão vida longa? Quem disse que os grandes arquivos da Internet não serão acessados daqui a cem anos? ( quem faz a pergunta que destroça um dos últimos argumentos a favor do papel - a capacidade de permanência - é o companheiro de Sopa de Tamanco, Toni Marques).

9
Kurt Vonnegut dizia que era devoto de Nossa Senhora do Perpétuo Espanto. A revolução da Internet espalha espantos. Destrói certezas. Deixa no ar todas estas interrogações.
Um dia, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto nos responderá.
A ela, haveremos de acender velas imaginárias a cada vez que a lista de perguntas-sem-respostas e dúvidas-sem-saída incomodar nossas frágeis certezas.

10
Palpiteiro amador, arrisco dizer que o livro-objeto não desaparecerá. É a maior invenção da humanidade.

( Em segundo lugar na lista das invenções, distante, vem a Coca-Cola. Em terceiro, os melhores parágrafos de "O Leopardo","A Montanha Mágica", "Quarup" e "A Pedra do Reino". Em quarto,o chocolate Diamante Negro. Em quinto, o disco Abbey Road. Em sexto, a visão de Veneza à noite, no inverno. Em sétimo, os olhos de Charlotte Rampling, nos anos setenta. Em oitavo, o poema "A Máquina do Mundo" (Carlos Drummond de Andrade). Em nono, o riso discreto de Scarlet Johansenn. Em décimo, a Internet, com chances reais de subir para o primeiro).

11
Como eu ia dizendo antes de ser interrompido por esta lista urgente, o livro há de resistir aos cataclismos internéticos, mas os jornais, tal como existem hoje, vão nadar, nadar, nadar, mas não chegarão à praia.

12
Ou mudam de rumo ou naufragam, quem sabe, ao som de uma orquestra, como o Titanic. Um dia, os arqueólogos do futuro mergulharão nos baús para mostrar ao mundo que aquele punhado de folhas amareladas já foi chamado de jornal.


Posted by geneton at 06:01 PM

OS LIVROS ESTÃO INDO PARA O TRITURADOR. OU A FOGUEIRA. CHAMEM CASTRO ALVES, URGENTE!

A vocação do Brasil para se perpetuar como uma republiqueta de décima quinta categoria se manifesta de novo. O trabalho de anos e anos do jornalista Paulo César Araújo, biógrafo de Roberto Carlos, foi para o lixo.


A cena - patética, deprimente, horrorosa, indefensável, injustificável - saiu no jornal: caminhões recolhendo caixas e caixas de exemplares do livro "Roberto Carlos em Detalhes" no depósito da Editora. Vergonha. Vergonha. Vergonha. A visão de livros incinerados ou triturados é digna da era nazista. Um colunista da Veja, André Petry, acertou em cheio: Roberto Carlos manchou para sempre a própria biografia ao dar esta demonstração de absurda intolerância.

O livro vai ser fisicamente destruído - uma violência inominável. A destruição física do livro significa que todas as páginas foram censuradas. Todas as frases. Todas as vírgulas. Todos os parágrafos. Tudo. Que se diga com todas as letras: o veto integral ao livro configura uma violência e um ataque à liberdade de expressão. Abre um precedente perigosíssimo. Dá vontade de repetir a pergunta inútil: "Onde é que estamos?".

Uma voz, vinda das profundezas do inferno, sussurrará aos nossos ouvidos :"Calma! Nós estamos no país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza! Aqui, nesta republiqueta de décima sexta categoria, um juiz ajuda a decretar a pena de morte para um livro honesto, jornalisticamente correto e bem apurado. Depois, posa para foto com o co-responsável pela violência- o autor da queixa contra o livro!" ( quem não leu no jornal perdeu a chance de se indignar : terminada a audiência, o juiz pediu para tirar uma foto ao lado de Roberto Carlos. De quebra, deu ao cantor um CD que ele, juiz, músico amador, gravou nas horas vagas, um arremedo de Bossa Nova...).

É claro que, na prática, o recolhimento dos exemplares do livro não significa nada. O juiz, o cantor & seus sócios se esqueceram de que, para o bem ou para o mal, a vida intelectual hoje não se apóia em bases físicas, mas virtuais. Quem quiser pode queimar papel à vontade. Pode mandar triturar caixas e caixas e caixas de livros. Como se dizia na pré-história, "debalde". Porque, hoje, textos existem virtualmente na Internet. Não podem ser punidos com a destruição física. O texto integral do livro já circula, livre, nos computadores. Quem quiser pode lê-lo a qualquer momento. É só clicar.

A Internet fez este enorme bem à humanidade: as garras da censura e da intolerância podem ser peludas, intransigentes, violentas, nazistóides e intolerantes, mas são incapazes de decretar a morte de um texto. Hoje, é tecnicamente impossível banir um livro. (Thank you, Bill Gates! Deus te pague! Aliás, já pagou, em bilhões de dólares) . Basta que qualquer internauta de qualquer lugar do mundo digite o texto de um livro censurado e hospede-o num site fora das garras dos censores. Pronto. Acabou a palhaçada. A censura vai para o inferno. A liberdade de expressão - um bem que não pode ser jogado às feras sob hipótese alguma - reina, soberana e intocável, nas telas dos computadores).

A famosa primeira emenda à constituição americana proíbe que se crie qualquer instrumento contra a liberdade de expressão e de imprensa. A boa notícia : a Internet vem funcionando como uma espécie de Primeira Emenda planetária contra os abutres da liberdade de expressão. Nem foi preciso que se escrevesse esta emenda : ela já entrou em vigor, para todos os efeitos.

O artigo de Paulo Coelho na Folha de S.Paulo sobre a censura imposta ao livro é brilhante. O grande best-seller teve coragem. Partiu para a briga,o que é uma virtude louvabilíssima, nesta republiqueta de décima sétima categoria em que todo mundo dá tapinha nas costas de todo mundo. Pausa para vomitar. O choque de idéias, obrigatório em ambientes intelectualmente saudáveis, aqui no Brasil é logo substituído pela conciliação. Não por acaso, o Brasil é o que é : um paiseco de décima oitava categoria em que o jornalismo é chato, a literatura é chata, a universidade é chata.

Com raras exceções, a violência de inspiração nazista cometida contra o biógrafo de Roberto Carlos mereceu apenas reações burocráticas da imprensa. Não conheço Paulo César Araújo pessoalmente. Mas ele merece toda a solidariedade. Cadê os editoriais irados na imprensa? Cadê as manifestações iradas dos editores? Cadê as páginas e páginas e páginas de reclamação, briga, confronto, questionamento? O assunto não pode morrer assim. Que grande, enorme, injustificável vergonha! Onde estão os editores todos - que não fecham o trânsito na Avenida Paulista e na Avenida Rio Branco para protestar?

O Caso Roberto Carlos não é o único. Há outras vítimas de violência : um perfil biográfico do grande poeta Manuel Bandeira, escrito pelo jornalista Paulo Polzonoff, continua mofando no depósito de uma editora, numa cena digna de um filme sobre a Alemanha dos anos trinta- ou do Brasil dos anos setenta! Motivo: herdeiros do poeta investiram previamente contra o livro.

O caso é gravíssimo: um livro,impresso, sequer chegou às prateleiras da livrarias! A violência é até pior do que a cometida contra o biógrafo de Roberto Carlos. O livro sobre o cantor já é de domínio público. Independentemente do fato de o livro ter sido recolhido, censurado, destruído, queimado ou triturado, quem quiser poderá lê-lo na tela do computador. Já o livro sobre Manuel Bandeira foi alvejado no nascedouro. Nem chegou a ser distribuído! Manuel Bandeira é um patrimônio do Brasil. Ter acesso à história do poeta é um direito dos leitores. Mas não! Aqui, na republiqueta de décima nona categoria, o livro mofa nos depósitos.

Cadê as reportagens sobre o caso? Onde estão os pauteiros dos cadernos de cultura? Que explicação se dá para esta violência? O que é que vai acontecer com os livros? Digo de novo: o caso é gravíssimo. Mas quase ninguém liga. Vai todo mundo cantar "olê-lê-olá-lá-pega-no-ganzê-pega-no-ganzá" em mesas de churrascaria desta republiqueta de vigésima categoria. Em duas, três semanas, o assunto some do noticiário. Mas não deveria sumir.

Que fique registrado este protesto, inútil, contra duas violências que acabam de ferir e manchar o ambiente editorial e jornalístico deste paiseco de vigésima primeira categoria: uma foi cometida contra Paulo César Araújo, biógrafo de Roberto Carlos ;a outra, contra Paulo Polzonoff, autor de um perfil biográfico de Manuel Bandeira.

O pior de tudo é que os que tiveram a chance de ler a biografia de Roberto Carlos garantem que o tom do livro é cem por cento elogioso! O perfil de Manuel Bandeira é apenas uma reportagem alentada sobre o poeta. Mas os dois estão condenados! Repito: que vergonha! Que vergonha! Que vergonha!

Que paiseco de vigésima segunda categoria é este, em que queixas contra livros honestos e corretos encontram terreno para progredir? Que Congresso Nacional é este - que não revê imediatamente as brechas que a Constituição deixou abertas para os abutres da liberdade de expressão? Duas décadas depois da redemocratização, a Censura ameaça emergir de novo das trevas, sob novos disfarces. Que se diga: não, não e não! O Brasil não quer ver de novo este filme de horror: antes, generais de óculos escuros, sargentos e coronéis se davam ao direito de dizer o que deveríamos ler ou não. Hoje, a intolerância, a intransigência e a ganância, escudadas em brechas da lei, ameaçam transformar o Brasil no país da biografia a favor. Quem desafinar o coro vai para a fogueira! Ou para a máquina trituradora! Em aldeias civilizadas, quem se sente ofendido recorre à Justiça. Briga boa é a que vai até o Supremo. O que não se pode, sob hipótese alguma, é censurar cem por cento do conteúdo de um livro, mandar uma edição inteira para o lixo ou condenar uma biografia a mofar no depósito


Qual o resultado de tanta insânia e tanto horror?
Gestos como estes ameaçam inviabilizar a publicação de biografias no Brasil. Se a esquisitice e a intolerância de uma personalidade pública são suficientes para condenar um livro a arder no fogo da censura, as editoras vão fugir da raia antes de embarcar em projetos biográficos. É este, ma verdade, o grande prejuízo: quantos e quantos projetos não serão abortados antes de escrito o primeiro parágrafo? Quantos e quantos livros deixarão de ser escritos?

Quem perde? Como sempre, o Triste Gigante; esta nossa velha republiqueta de vigésima terceira categoria - que convive com a insânia, a violência, a iniquidade, a censura e o horror como se fosse possível tolerar a insânia, a violência, a iniquidade, a censura e o horror. Não é.

Então, num gesto inútil de desobediência civil, só para mostrar que a capacidade de indignação não morreu, todos deveriam - independentemente de ter ou não interesse sobre a história do biografado – acessar na Internet o livro que será triturado em breve.

A nós, espectadores deste desfile de horrores, resta o quê? Chamar Castro Alves, urgente : "Dizei-me vós, Senhor Deus! / Se é loucura/ Se é verdade / Tanto horror perante os céus!".

(*)Publicado no jornal O GLOBO, 13/05/07

Posted by geneton at 05:58 PM

abril 09, 2007

AVISO À PRAÇA: NÃO LEVE A SÉRIO JORNALISTA QUE SE LEVA A SÉRIO. SÃO PULHAS

Jornalista adora contar vantagem. Se ele se levar cem por cento a sério, deve ser internado. Se não se levar, deve ser lido.

Feitas as apresentações, convido-vos ao próximo parágrafo.

Repórter é aquele ser bípede que ganha um salário para se intrometer na vida dos outros. Ou para perguntar o que o entrevistado preferiria não responder. Não há exceção a esta regra. Quando vira “amigo” da celebridade, o repórter se anula. Transforma-se em uma entidade não-jornalística.

Uma das primeiras vacinas que o jornalista deve tomar, já no início da carreira, é a AD : anti-deslumbramento. Assim, ele aprenderá que estar próximo não é ser íntimo. Nunca.

O fato de eventualmente conviver com quem é de fato importante e célebre, como presidentes, astros, estrelas, gênios e sumidades, não faz do repórter um integrante desta corte. Pelo contrário. Desde que adote este mandamento como mantra, o repórter estará tecnicamente liberado para contar vantagem à vontade. É o que farei agora.

Feitas as ressalvas, intimo-os ao próximo parágrafo.

Já passei uma hora trancado numa suíte de um hotel em Londres com Woody Allen – que me confessou: “Quero a imortalidade é no meu apartamento, não no meu trabalho!”.

Fui convidado pelo primeiro baterista dos Beatles, Pete Best, para tomar uma cerveja pós-entrevista num pub em frente ao Cavern Club, em Liverpool, em companhia do cinegrafista Paulo Pimentel. Pensei: “Beatlemaníacos dariam a mão direita para estar no nosso lugar”.

Ouvi a viúva mais famosa do mundo, Yoko Ono, soltar uma suspiro desolado, ao ver uma foto em que aparecia ao lado de John Lennon diante do Edifício Dakota.

Vi a Dama de Ferro, a ex-primeira-ministra britânica Margareth Thatcher, me fitar com olhos gelidamente azuis para dizer que não, não iria atender ao pedido que eu fizera a ela: que tal se, num exercício de autoavaliação instantânea, ela escolhesse entre todas as palavras apenas uma, capaz de definí-la?

Vi de perto a cabeleira de um velho ídolo, Paul McCartney, o meu Beatle favorito: a juba tinha levado uma tintura, com certeza. O tom da pele do rosto era ligeiramente esquisito: tinha levado uma camada de pó. Não consegui articular uma pergunta. Os seguranças o cercaram.

Vi um Chico Buarque jovem e nervoso entornar um gole de uísque nos bastidores do Teatro Santa Isabel, no Recife, em busca de coragem para encarar a platéia.

Vi o Rei Roberto Carlos pedindo à nossa equipe que não, não gravasse imagens de uma santa que reinava em cima de uma pequena penteadeira no camarim.

Vi Pelé caminhar anônimo pela Quinta Avenida, em Nova Iorque, por apenas dezesseis segundos - tempo suficiente para ser reconhecido por um africano e, em seguida, por uma multidão que causou um tumulto na calçada.

Vi o ex-presidente Fernando Collor acompanhar nossa equipe até o automóvel, no pátio de uma estação de televisão em Maceió, num gesto que não lembrava em nada o político de ar empertigado dos tempos em que desfilava pela rampa do Palácio. Durante o caminho, foi falando com saudade da finada revista "Realidade".

Vi um Glauber Rocha meio inchado, com cara de sono, desfilar pelo saguão de um cineminha num subúrbio de Paris com uma cópia do último filme que fez, "A Idade da Terra". Queria mostrar a críticos franceses.

Vi Paulo Francis se divertir feito criança com a história de que um embaixador brasileiro teria feito uma nova "opção sexual" depois de velho.

Vi o rosto sereno do Carlos Drummond de Andrade morto : em vida, era o homem mais discreto do planeta. Inerte, no caixão, tinha o rosto bombardeado por flashes. Fiquei pensando no absurdo da situação.

Vi Ulysses Guimarães, à época comandante da oposição política ao regime militar, me soprar no ouvido uma frase que não sei se era uma queixa ou um cumprimento : "Você disparou um petardo!". O velho combatente de olhos azuis reclamava de que eu o "forçara" a se pronunciar sobre a morte de um operário nos porões do Exército, em São Paulo, num momento em que ele, raposa, ainda não tinha recebido informações concretas sobre o caso.

Vi, num momento especialíssimo, o ar contrito do homem que, para o bem e para o mal, mudou a história do Século XX: depois de votar na primeira eleição para presidente realizada na história da Rússia, Mikail Gorbachev caminhou, cabisbaixo, por uma alameda, em direção a um portão de ferro, num subúrbio de Moscou. O homem que comandou uma superpotência vivia, ali, um momento de intensa solidão. Um observador rigoroso flagraria, nas feições de Gorbachev, aquela “dor atônita dirigida contra todo o ordenamento das coisas” que o Dom Fabrizio de “O Leopardo” notou no olhar de um coelho abatido.

O rosto de Gorbachev exibia um ar grave, enquanto ele caminhava, silente, com o olhar voltado para o chão. Em que estaria pensando? Um mundo desabava ali – não com um estrondo nem com um suspiro, como poderia imaginar o poeta, mas com um silêncio enigmático.

Boa noite.

Posted by geneton at 03:59 AM

AVISO À PRAÇA: NÃO LEVE A SÉRIO JORNALISTA QUE SE LEVA A SÉRIO. SÃO PULHAS

Jornalista adora contar vantagem. Se ele se levar cem por cento a sério, deve ser internado. Se não se levar, deve ser lido.

Feitas as apresentações, convido-vos ao próximo parágrafo.

Repórter é aquele ser bípede que ganha um salário para se intrometer na vida dos outros. Ou para perguntar o que o entrevistado preferiria não responder. Não há exceção a esta regra. Quando vira “amigo” da celebridade, o repórter se anula. Transforma-se em uma entidade não-jornalística.

Uma das primeiras vacinas que o jornalista deve tomar, já no início da carreira, é a AD : anti-deslumbramento. Assim, ele aprenderá que estar próximo não é ser íntimo. Nunca.

O fato de eventualmente conviver com quem é de fato importante e célebre, como presidentes, astros, estrelas, gênios e sumidades, não faz do repórter um integrante desta corte. Pelo contrário. Desde que adote este mandamento como mantra, o repórter estará tecnicamente liberado para contar vantagem à vontade. É o que farei agora.

Feitas as ressalvas, intimo-os ao próximo parágrafo.

Já passei uma hora trancado numa suíte de um hotel em Londres com Woody Allen – que me confessou: “Quero a imortalidade é no meu apartamento, não no meu trabalho!”.

Fui convidado pelo primeiro baterista dos Beatles, Pete Best, para tomar uma cerveja pós-entrevista num pub em frente ao Cavern Club, em Liverpool, em companhia do cinegrafista Paulo Pimentel. Pensei: “Beatlemaníacos dariam a mão direita para estar no nosso lugar”.

Ouvi a viúva mais famosa do mundo, Yoko Ono, soltar uma suspiro desolado, ao ver uma foto em que aparecia ao lado de John Lennon diante do Edifício Dakota.

Vi a Dama de Ferro, a ex-primeira-ministra britânica Margareth Thatcher, me fitar com olhos gelidamente azuis para dizer que não, não iria atender ao pedido que eu fizera a ela: que tal se, num exercício de autoavaliação instantânea, ela escolhesse entre todas as palavras apenas uma, capaz de definí-la?

Vi de perto a cabeleira de um velho ídolo, Paul McCartney, o meu Beatle favorito: a juba tinha levado uma tintura, com certeza. O tom da pele do rosto era ligeiramente esquisito: tinha levado uma camada de pó. Não consegui articular uma pergunta. Os seguranças o cercaram.

Vi um Chico Buarque jovem e nervoso entornar um gole de uísque nos bastidores do Teatro Santa Isabel, no Recife, em busca de coragem para encarar a platéia.

Vi o Rei Roberto Carlos pedindo à nossa equipe que não, não gravasse imagens de uma santa que reinava em cima de uma pequena penteadeira no camarim.

Vi Pelé caminhar anônimo pela Quinta Avenida, em Nova Iorque, por apenas dezesseis segundos - tempo suficiente para ser reconhecido por um africano e, em seguida, por uma multidão que causou um tumulto na calçada.

Vi o ex-presidente Fernando Collor acompanhar nossa equipe até o automóvel, no pátio de uma estação de televisão em Maceió, num gesto que não lembrava em nada o político de ar empertigado dos tempos em que desfilava pela rampa do Palácio. Durante o caminho, foi falando com saudade da finada revista "Realidade".

Vi um Glauber Rocha meio inchado, com cara de sono, desfilar pelo saguão de um cineminha num subúrbio de Paris com uma cópia do último filme que fez, "A Idade da Terra". Queria mostrar a críticos franceses.

Vi Paulo Francis se divertir feito criança com a história de que um embaixador brasileiro teria feito uma nova "opção sexual" depois de velho.

Vi o rosto sereno do Carlos Drummond de Andrade morto : em vida, era o homem mais discreto do planeta. Inerte, no caixão, tinha o rosto bombardeado por flashes. Fiquei pensando no absurdo da situação.

Vi Ulysses Guimarães, à época comandante da oposição política ao regime militar, me soprar no ouvido uma frase que não sei se era uma queixa ou um cumprimento : "Você disparou um petardo!". O velho combatente de olhos azuis reclamava de que eu o "forçara" a se pronunciar sobre a morte de um operário nos porões do Exército, em São Paulo, num momento em que ele, raposa, ainda não tinha recebido informações concretas sobre o caso.

Vi, num momento especialíssimo, o ar contrito do homem que, para o bem e para o mal, mudou a história do Século XX: depois de votar na primeira eleição para presidente realizada na história da Rússia, Mikail Gorbachev caminhou, cabisbaixo, por uma alameda, em direção a um portão de ferro, num subúrbio de Moscou. O homem que comandou uma superpotência vivia, ali, um momento de intensa solidão. Um observador rigoroso flagraria, nas feições de Gorbachev, aquela “dor atônita dirigida contra todo o ordenamento das coisas” que o Dom Fabrizio de “O Leopardo” notou no olhar de um coelho abatido.

O rosto de Gorbachev exibia um ar grave, enquanto ele caminhava, silente, com o olhar voltado para o chão. Em que estaria pensando? Um mundo desabava ali – não com um estrondo nem com um suspiro, como poderia imaginar o poeta, mas com um silêncio enigmático.

Boa noite.

Posted by geneton at 03:59 AM

março 25, 2007

COMO DIRIA JACQUELINE KENNEDY RECOLHENDO OS MIOLOS DO MARIDO: "OH, NO!"

Meus pulmões expelem um ar de profundíssimo, inarredável, irremovível enfado : vejo nas TVs e nos jornais a figura de um "líder" de uma bandinha de rock pronunciando platitudes e obviedades.

Como diria Jacqueline Kennedy tentando recolher os pedaços da cabeça do marido naquele carro em Dallas, com uma expressão de horror e espanto: "Oh, no!".

O auditório bem que pode fazer um coro. Vocês do primeira fileira :"Oh, no!". Agora, o pessoal lá do fundo :"Oh,no!". Que bonito! E o pessoal dos camarotes? "Oh,no!". Palmas! Que beleza! Pra terminar, todo mundo junto, o auditório inteiro, a primeira fila, vocês aí do meio, ninguém precisa cantar afinado. É só gritar : "Oh, no! Oh,no!".

Cai a cortina. O show recomeça a qualquer momento.

Posted by geneton at 01:35 PM

fevereiro 26, 2007

ANOTACOES DE UM NAVEGANTE. ESCALA: UMA APARICAO DO ''MAIOR ESCRITOR BRITÂNICO''

LONDRES - Eis o homem que o The Guardian acaba de batizar como ''o maior escritor britânico vivo'': Martin Amis toma um líquido amarelado. Pode ser vinho. Fuma. A voz é algo grave. Faz pausas estratégicas nas frases, para arrebatar a platéia. Tira e bota os óculos repetidamente. A cabeleira ostenta uma cor suspeita. Pode ter sido beneficiada por uma leve tintura, quem sabe, para disfarçar os 57 anos.

( Amis é, obviamente, um escritor de primeira linha. Mas o título de ''maior escritor britânico vivo'' - que lhe foi concedido pelo jornal, há poucos dias, num texto de primeira página - provocou reaçoes: uma leitora exaltada escreveu uma carta para dizer que consideraria a possibilidade de se matar, se a imprensa insistisse em se referir ao escritor nestes termos.''Quem tem paixao por livros vai querer se exilar imediatamente no Uruguai. Por favor, salvem minha vida" - disse a autora do protesto. Uruguai, para ela, é sinônimo de fim de mundo)



Mr. Amis desembarcou no Royal National Hotel,na Bedford Way, perto do centro de Londres, para participar de uma Semana do Livro Judaico, como um dos convidados de honra.O que ele faz lá? Homenageia o amigo e ídolo Saul Below, um escritor que, nas palavras de Amis, ''emancipou'' os judeus na cultura popular americana. Depois, produz uma boa frase de efeito: ''Israel nao é um museu do Holocausto equipado com helicópteros''.

O ''maior escritor'' vai para um salao ao lado do auditório, para se submeter á tortura regulamentar de uma sessao de autógrafos. Troca frases simpáticas com fas que compram exemplares de seus livros, empilhados numa mesa.

(Amis produz textos em quantidades industriais. Transita, sem perder o brilho, entre a ficcao e a realidade. Já escreveu, como em ''Koba The Dread'', libelos para denunciar os horrores de Stalin - logo ele, filho de um escritor que durante décadas foi um simpatizante engajado da causa comunista. Em ''Time's Arrow'' descreve - de trás para frente - a vida de um médico criminoso de guerra nazista. Em "Visiting Mrs Nabokov'', produz ensaios para ridicularizar , por exemplo, as imposturas do show bunisess, como o circo armado em torno de entrevistas de estrelas como Madonna. Tanto barulho para nada: algum habitante deste Vale de Lágrimas já ouviu um pensamento original emitido por ela? Há um texto brilhante em que Amis mistura realidade com ficcao: reconstituiu os últimos momentos dos terroristas que sequestraram os avioes do 11 de Setembro. A revista Piauí publicou a traduçao no Brasil. Grande leitura)

Fico na fila. Dou a Amis um exemplar de "Time's Arrow''. Nosso personagem fica sabendo que o meu nome, esquisito, é Made in Brazil. ''Ah, brasileiro?'', pergunta, com a paciência profissional de quem ainda vai cumprir, esta noite, por 'n', vezes a obrigacao de ser cordial com estranhos.''Você sabia que passei uma temporada no Uruguai?''. Digo que sim, porque os jornais falaram da expedicao que Amis fez á América do Sul para acompanhar a mulher, a também escritora Isabel Fonseca, descendente de uruguaios.

Dou a Martin Amis, com dez anos de atraso, a notícia da morte de Paulo Francis. Meses antes de morrer, Francis o entrevistou, em 1996, em Londres. Fui testemunha : de volta ao escritório da TV Globo, Francis dizia, satisfeito, que tinha passado a vista nas estantes de Amis. Constatou que tinha lido a grande maioria daqueles livros. Deve existir - dizia ele - uma ''conspiracao internacional'' entre escritores e intelectuais, porque os livros que eles lêem sao os mesmos.


Amis franze a teste, dá a impressao de que tenta se lembrar da entrevista que deu a Francis. Quantas centenas de entrevistas nao terá dado nesta década? Ainda assim, exibe um ar de espanto quando sabe que Francis morreu poucos meses do encontro com ele.

Já sao dez e meia da noite. O próximo leitor se aproxima com outro livro nas maos.

Pego o autógrafo. Procuro a saída.

Lá na mesa, Amis comeca um novo diálogo - telegráfico - com outro fa.

Bota os óculos. Assina o exemplar. Oferece um sorriso profissional.

Próximo leitor, por favor.

Martin Amis vos espera, com uma caneta na mao, as sobrancelhas arqueadas e os ouvidos atentos- para entender como se soletra o nome de cada forasteiro que o aborda ali, na noite de autógrafos improvisada.

Faz parte do show. É assim que Martin Amis paga, sem reclamar, o pedágio que a fama cobra de escritores que se tornaram celebridades.



Posted by geneton at 08:10 PM

fevereiro 23, 2007

ANOTACOES DE UM NAVEGANTE. ESCALA: ''A LOJA DOS OSSOS E DOS TRAPOS DO CORAÇAO''

PARIS - O mundo é um belo lugar, mas um dia, cedo ou tarde, ele virá : o agente funerário sorridente.

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Passo pela Livraria Shakespeare, no Quartier Latin. É uma espécie de monumento à ingenuidade. A livraria oferece dormida de graça aos forasteiros que leiam pelo menos um livro por dia. Pequenas camas se misturam a livros - antigos - no primeiro andar. Um espelho registra as mensagens deixadas por forasteiros que passaram por aqui. Sao candidatos a escritores, a poetas, a sonhadores. Flagro - por puro acaso - o dono da livraria debruçado numa janela, com a cabeleira branca exposta ao vento frio de uma manha de inverno em Paris.
É uma figura quase exótica: declara-se neto bastardo do grande poeta americano Walt Whitmann. Se o parentesco é lenda ou é verdade, o que importa? Imprima-se a lenda. A Livraria se alimenta de mitos. Hemingway passou pela Shakespeare.

shakespeare2.JPG

As salas da livraria ganharam nomes bonitos:

Loja dos Ossos e dos Trapos do Coraçao, Sala de Chá da Ostra Azul, Sala de Leitura de Antigas Fumaças.

Vasculho as estantes. Termino encontrando um livro de apenas 45 páginas do poeta beat americano
Lawrence Ferlinghetti. Título: ''Pictures of the Gone World''.

Um poema bem que serve de alerta:


''The World is a beautiful place
to be born into

If you don't mind happiness
not always being
so very much fun
If you don't mind a touch of hell
now and then
just when everything is fine
because even in heaven
they don't sing
all the time


(...) Yes, the world is the best place of all

for a lot of such things as making the fun scene
and making the love scene
and making the sad scene
and singing low songs and having inspirations
and walking around
looking at everything
and smelling flowers
and goosing statues
and even thinking
and kissing people and
making babies and wearing pants
and waving hats and
dancing
and going swimming in rivers
on picnics
in the middle of the summer
as just generally
''living it up''

Yes,
but then right in the middle of it
comes the smiling
mortician''


Valeu a expediçao até a livraria.

Posted by geneton at 05:08 PM

ANOTAÇOES DE UM NAVEGANTE. ESCALA: VATICANO

CIDADE DO VATICANO - Nem 11:59 nem 12:01. O relógio marca meio-dia em ponto quando uma das janelas do Vaticano se abre. Apequenada pela distância que a separa da multidao, uma figura se aproxima do parapeito para saudar os visitantes que,lá embaixo, na Praça de Sao Pedro, apontam para a janela um oceano de câmeras digitais . De longe, é impossível discernir, a olho nu, as feiçoes da figura que acena da janela. Mas quem usa o visor das câmeras como uma espécie de binóculo improvisado vai enxergar, com razoável clareza, o sorriso travado do personagem. Ei-lo: o papa Bento XVI acaba de fazer uma apariçao no Vaticano.

ratz2.JPG


Justiça se faça: a taxa de carisma do Papa é algo perto de zero, comparada com a de Joao Paulo II. Mas uma apariçao do sucessor de Sao Pedro é sempre capaz de espalhar pela multidao uma corrente de entusiasmo. É o que acontece. Os fiéis aplaudem. Bento XVI acena. Gritos. Novas palmas.

Depois que o Papa se recolhe, a multidao forma uma fila para entrar no Vaticano. Um ponto de passagem quase obrigatório: os túmulos dos Papas. Despojado, como os outros, o túmulo de Joao Paulo II desperta comoçao. Quem nao se lembra da imagem comovente de Joao Paulo II se contorcendo de dores naquela janela do Vaticano, incapaz de pronunciar até o fim a bênçao aos fiéis ?

Visitantes mais devotos choram lágrimas discretas diante do túmulo. Poucos resistem à tentaçao de fotografar. Um funcionário pede que a fila apresse o passo, para evitar um congestionamento humano nos corredores do Vaticano. A dois passos dali, outro túmulo atrai atençoes: o de Joao Paulo I, o Papa que só reinou por trinta e três dias, em 1978. Um visitante anônimo deixa uma rosa vermelha sobre o túmulo de Joao Paulo I. É o único ornamento de um túmulo extremamente despojado. Silêncio, pedem os vigilantes do Vaticano. ''Um minuto, é só uma foto'', respondem os turistas.

tumulo.JPG

A figura do Papa pode até parecer um anacronismo. Mas a aura de segredo que envolve aqueles corredores, a sincera comoçao despertada - por exemplo - pela visao do túmulo de Joao Paulo II ou a corrente de eletricidade que percorre a multidao quando o Papa surge na janela deixam uma certeza: o fascínio produzido por estes rituais é que garante a permanência da Igreja.

Sem segredos, sem esta pompa, sem esta grandiosidade que se estende por corredores sem fim, o que restaria?

Ainda assim, o Vaticano de vez em quando concede ao populacho a chance de espiar de relance uma nesga do que acontece por trás daqueles muros. O Museu do Vaticano abriu, no Palazzo Apostolico Lateranense, uma exposiçao chamada "Habemus Papa''. Lá estao relíquias como o martelo usado para constatar a morte dos Papas. O martelo exposto à curiosidade pública foi usado para cumprir o ritual fúnebre de Leao XIII, em 1903. Um ajudante bate três vezes na fronte do Papa morto com o martelo, para constatar a morte. Chama o nome de batismo do Papa. O silêncio é a resposta.

tumulo2.JPG

É assim que tudo acaba. O que fica ? A grandeza esmagadora do Vaticano e a beleza de rituais capazes até de acender uma fagulha de fé no peito de descrentes.

Posted by geneton at 04:57 PM

outubro 26, 2006

COMEÇA O DESFILE DE PERSONAGENS DA GLOBONEWS: PAUL McCARTNEY, O PROMOTOR DO TRIBUNAL DE NUREMBERG, O QUINTO BEATLE, CHICO BUARQUE, YOKO ONO, PRINCESA DIANA, PAULO FRANCIS

Se eu pudesse, reuniria numa sala os personagens que cruzaram o meu caminho quando eu estava na rua a serviço da Globonews – primeiro,em Londres; depois, no Brasil. Juntos, eles fariam a festa de qualquer repórter.

Num canto, estaria um ídolo dos meus remotos tempos de adolescência, um certo Paul McCartney. Ao lado, o Quinto Beatle – o super-produtor George Martin. Adiante, circunspecto, estaria um personagem histórico, Hartley Shawcross, o promotor britânico encarregado de acusar os carrascos nazistas no Tribunal de Nuremberg, no final da Segunda Guerra Mundial. Nesta sala imaginária, mas povoada de personagens reais, haveria lugar para um ídolo jornalístico, Paulo Francis.

O time se completaria com a Princesa Diana. É óbvio que dois excelentes entrevistados teriam assento garantido nesta galeria: os historiadores Paul Johnson e David Starkey, sempre dispostos a rechear suas declarações com pérolas politicamente incorretas. Ah, num canto, discreto, arredio, Chico Buarque de Hollanda dedilharia suas pérolas lítero-musicais. Por fim, a viúva mais famosa do mundo, Yoko Ono, perguntaria se estava tudo pronto para o início da entrevista.

DIANA: UM IMENSO TAPETE DE ROSAS
PARA A PRINCESA MORTA

Azar: quando a notícia de que a Princesa Diana tinha morrido num acidente de carro em Paris chegou à Inglaterra, na madrugada de um domingo de 1997, eu estava no sétimo sono. Pior: estava de folga. Desastre: nem em casa eu estava!. Tinha viajado para um fim de semana em Blackpool. Quando acordei, no domingo, cedo, para não perder a hora do café do manhã, liguei a TV. Quase caio para trás quando vi a notícia estampada numa tarja, no pé do vídeo: “Diana morta em acidente em Paris”. Todas as emissoras tinham suspendido a programação normal. Lá embaixo, no salão de café, vi gente chorando enquanto ouvia, paralisada, as notícias vindas de Paris. Comoção nacional.

Quando liguei para casa, pude ouvir, na secretária eletrônica, recados razoavelmente desesperados deixados na madrugada do sábado por editores da Globonews à procura do correspondente de férias...Assim que liguei para a redação do Rio, fui imediatamente “plugado” para o ar. Pude dar as primeiras impressões sobre a tragédia.

De volta a Londres, fiz, para o Jornal das Dez, uma reportagem apressada diante do Palácio de Buckingham. A cena era comovente: as calçadas diante do Palácio estavam literalmente tomadas por centenas, milhares de buquês de rosas. A Inglaterra nunca tinha visto uma demonstração tão ostensiva de luto coletivo. .

Mas nada se comparava às cenas que aconteceriam no sábado seguinte, dia do enterro de Diana.
Parece que estou vendo tudo de novo:

Não há outro pensamento possível: fico ruminando sobre o absurdo da vida ao ver o caixão passar a dois passos de onde estou, numa alameda nas proximidades do Palácio de Buckingham, numa manhã de setembro. Dias atrás, a Princesa Diana, linda, ilustrava a capa de uma revista numa foto deslumbrante em preto e branco. Agora, a Princesa é um corpo – invisível – desfilando diante de uma multidão de súditos em estado de choque. Crianças pregam nas árvores folhas de papel com mensagens e desenhos que a Princesa jamais verá.

Os príncipes William e Harry caminham em companhia do pai, o Príncipe Charles, herdeiro direto do trono, logo atrás do caixão. De vez em quando, o Príncipe Charles faz movimentos quase imperceptíveis com a cabeça, como se agradecesse a presença da multidão. Cabisbaixos, seus dois filhos não tiram os olhos do chão.
A multidão não emite um ruído sequer. Só se ouvem dois ruídos. Um é o som do trote dos cavalos que transportam a carruagem fúnebre. O outro é o badalo compassado do sino da Catedral de Westminster. Com intervalos regulares, o sino enche a manhã de um som solene, triste, trágico.

A visão da multidão em silêncio, o som compassado do trote dos cavalos e o toque estranhamente assustador do sino da Catedral dão à cena ares de uma tragédia shakespeariana.
Perto dali, uma cena inacreditável: um bêbado trajando luto pronuncia palavras incompreensíveis diante da estátua de Charles Chaplin, na Leicester Square.

São onze da manhã. A conversa do bêbado com Carlitos completa a sucessão de cenas absurdas naquele setembro inesquecível.

Que segredos o bêbado terá confiado ao Vagabundo?

O HISTORIADOR POLITICAMENTE INCORRETO DIZ QUE A PRINCESA MORREU UMA “MORTE AMERICANA”: DENTRO DE UM CARRRO, A TODA VELOCIDADE, PERSEGUIDA POR FOTÓGRAFOS

Enterrada a Princesa, tive a chance de entrevistar, em regime de emergência, um historiador brilhante, para o programa “Milênio”. Chamava-se David Starkey. É um dos maiores especialistas na história da realeza britânica. Fez uma biografia de Henrique VIII, o rei que mandava matar as mulheres.
Durante a semana que se passou entre o acidente em Paris e o enterro da Princesa, David Starkey brilhou nas tevês britânicas ao analisar o impacto da tragédia sobre a opinião pública. O que diferenciava Starkey do exército de especialistas que desfilavam pelas vídeos das TVs, pelas páginas dos jornais e pelas ondas dos rádios era a originalidade de suas observações.
Terminou encontrando tempo para nos receber – a mim e ao cinegrafista Paulo Pimentel - em casa. Deu um show de verve, ironia e erudição. Comportou-se como um aristocrata chocado com demonstrações de “vulgaridade” registradas durante as homenagens à Princesa.
Os telespectadores do “Milênio”, assim como nós, devem ter ficado deliciosamente chocados com a metralhadora giratória do historiador. Starkey ficou indignado – por exemplo – com o fato de Elton John, um cantor pop, ter sido convocado para cantar na Catedral de Westminster nos funerais das Princesa. Logo ali, na Catedral, tida como “Casa de Deus, Casa dos Reis”....
O historiador via no convite a Elton John uma concessão intolerável ao mau gosto popularesco. Num toque final de ironia, ele disse que Elton John cantando na Catedral é um ato de mau gosto tanto quanto seria ver Luciano Pavarotti soltando seus trinados no funeral da Princesa. A única diferença é que a careca de Luciano Pavarotti é visível. Já Elton John – notou Starkey – trata de esconder a calvície com uma peruca indecente.
O melhor comentário do historiador irritado foi sobre o cenário da morte da Princesa. Starkey disse que, ao fazer concessões ao circo da fama, a Princesa já tinha deixado há tempos de encarnar as virtudes da “realeza britânica”. Diana estava, nas palavras do historiador, levando uma vida “americana”. Ao morrer a bordo de um automóvel, a toda velocidade, perseguida por fotógrafos numa madrugada de Paris, ela morreu uma “morte americana”.
Brilhante.

O PRODUTOR DOS BEATLES FAZ UM
CAMPEONATO ENTRE LENNON E McCARTNEY


Meninos, eu vi: todos estes personagens – e um punhado de outros – foram importunados pelo locutor vos fala, em nome da Globonews. O encontro londrino com George Martin, produtor de todos os discos dos Beatles, rendeu dois programas “Milênio”, em 1998. Anos depois, eu estava numa loja de discos em Ipanema quando fui abordado efusivamente por um beatlemaníaco confesso que fez festa para mim, pelo simples motivo de que eu tinha conhecido George Martin. “Não é possível! Você esteve com George Martin!”, dizia. O fanatismo pelos Beatles tem razões que a própria Beatlemania desconhece.

O homem que produziu todos os discos dos Beatles nos recebeu numa situação que é a ideal para quem pensa em obter uma entrevista razoavelmente reveladora: sem pressa, sem ser importunado por assessores, sem hora marcada para acabar, ele gravou, diante da câmera do cinegrafista Paulo Pimentel, um depoimento autobiográfico sobre os bastidores da convivência com os “Quatro Rapazes de Liverpool”. A gravação foi feita numa igreja convertida em estúdio.

O super-produtor disse que adotava uma tática quase maquiavélica para garantir o altíssimo nível da produção da dupla Lennon-McCartney: estimulava uma espécie de campeonato de criatividade entre os dois. Um tentava superar o outro. O resultado é o que todos conhecem. Martin descreveu, comovido, o último encontro que teve com John Lennon – um jantar na casa do ex-beatle em Nova Iorque, no célebre Edifício Dakota. Lá pelas tantas, o ex-beatle fez uma confissão extravagante a George Martin: disse que queria, simplesmente, regravar tudo o que já tinha gravado, com novos arranjos. O depoimento do produtor dos Beatles à Globonews foi um dos mais completos que ele gravou. O Centro de Documentação da Rede Globo guardará para sempre esta pequena pérola da memória beatleniana.

LÁ VEM ELE - “O MAIS IMPORTANTE COMPOSITOR
POPULAR DO SÉCULO XX”

O ex-beatle Paul McCartney, apontado pelo vetusto Daily Telegraph como “o mais importante compositor de música popular do século vinte”, vai dar uma coletiva no Royal Albert Hall, numa manhã gelada, em Londres, para falar sobre a peça clássica que estava lançando em disco.
Faço plantão numa das entradas do Royal Albert Hall, na vã esperança de arrancar, para o Jornal das Dez, uma declaração do meu ídolo ( repórter não deve, em hipótese alguma, fazer papel de tiete, mas, enquanto esperava a chegada de Sir McCartney, eu não tinha como não me lembrar dos tempos em que passava horas, horas e horas ouvindo o lp Abbey Road em meu quarto de adolescente no bairro de Nossa Senhora do Rosário da Torre, Recife, Pernambuco).
Faço uma combinação com o cinegrafista Luís Demétrio. Em vez de nos dirigirmos ao auditório que servirá de palco para a coletiva, ficaremos do lado de fora, próximos à entrada principal do Royal Albert Hall. Quem sabe, num golpe de sorte, não conseguimos uma declaração exclusiva do homem.
Fãs capazes de qualquer sacrifício descobrem, não se sabe como, que Paul desembarcará ali dentro de instantes. Lá estão elas, indiferentes ao frio de rachar, num canto da calçada, à espreita. De repente, noto que um magrelo vestido de preto começa a falar discretamente num walkie-talkie. Faço um sinal para o cinegrafista. A celebridade deve estar chegando. Um carrão preto, com vidros indevassáveis, se aproxima lentamente da entrada do prédio. Quando notam, as fãs se agitam. O carro pára. Quem desce do banco dianteiro?

Só podia ser: Sir Paul McCartney, recém-condecorado pela Rainha. O canto dos olhos exibe pés-de-galinha. O tom da pele, pálido, sugere que o rosto passou por uma maquiagem – quem sabe, para esconder as rugas. A cor das cabelos não deixa dúvidas: uma tintura passou por ali. A idade manda lembranças. Mas - de calça jeans e camisa de mangas dobradas – o eterno Beatle parece, na medida do possível, jovial.
Avanço em direção à presa, com o microfone em punho. Fãs soltam gritos. Os brutamontes – popularmente conhecidos como seguranças – entram em ação para afastar todo e qualquer intruso – eu, inclusive. Revejo a cena. Paul acena para a turba. A única declaração que consigo captar é um monossílado – “Hi!” – versão inglesa para “Olá!”. Paul se limita a fazer um “V” de vitória com os dedos.
Em questão de segundos, ele desaparece dentro do prédio, cercado de seguranças por todos os lados. É uma luta inglória: enfrentar um daqueles brutamontes corresponde a desafiar Mike Tyson para um duelo, no meio da rua, numa manhã de inverno. Faltam-me proteínas para tanto.

Lá dentro, na coletiva, Paul aponta aleatoriamente para um ou outro jornalista – que, bafejado pela sorte, pode balbuciar uma pergunta. Supercelebridade é assim. O dedo indicador do beatle me desconhece solenemente. Fica para a próxima.

Paul McCartney faz uma confissão interessante: diz que, por três vezes, tentou aprender a ler e a escrever partituras musicais – quando criança, aos dezesseis e aos vinte e um anos de idade. Não conseguiu. “A ignorância funcionou como uma bênção, porque, no meu caso, terminou tornando simples o ato de compor”.
Além das declarações que o astro fez na coletiva, volto para a redação com a entrevista mais sucinta das tantas que tive a chance de tentar.
“Olá.”
Ainda assim, a reportagem foi feita para o Jornal das Dez.
Jornalista pode tudo. Só não pode voltar para a redação de mãos abanando – principalmente depois de ter visto um ex-Beatle ali, ao vivo e a cores, a um metro de distância.

UM PERSONAGEM HISTÓRICO DÁ UMA LIÇÃO SOBRE A BANALIDADE DO MAL: OS MONSTROS PARECEM GENTE COMUM

Os personagens vão desfilando:
Tive a – rara – sensação de estar diante da História quando cheguei à casa de campo onde vivia o promotor britânico do Tribunal de Nuremberg, o já nonagenário Hartley Shawcross. A entrevista foi ao ar no “Milênio”. Era um homenzarrão. Coube a ele a tarefa de comandar a acusação contra os carrascos nazistas que comandaram o extermínio de milhões de seres humanos.
Diante da câmera do cinegrafista Sérgio Gilz, o promotor me faz uma confissão marcante: disse que, ao encarar os criminosos, ficou impressionado não com a frieza de um ou outro mas com a aparência de absoluta normalidade que os carrascos nazistas exibiam. Lá pelas tantas, o promotor faz uma comparação: disse que, se um de nós entrasse num ônibus em que estivessem os carrascos nazistas, nem se daria ao trabalho de olhar para eles. Porque eles seriam confundidos com pessoas absolutamente comuns.
É a chamada “banalidade do mal” – confirmada, ali, por um homem que olhou nos olhos dos monstros.

A VIÚVA MAIS FAMOSA DO MUNDO SOLTA UM SUSPIRO DE DESALENTO


Por falar nos Quatro Rapazes de Liverpool: tive a chance de gravar uma entrevista Yoko Ono, a viúva de Lennon, para o programa “Milênio”. Como acontece com entrevistas com super-celebridades, havia restrições: um assessor pediu que não se perguntasse sobre John Lennon. A viúva só falaria sobre a exposição de arte que faria em Brasília. Quando toquei no assunto Lennon, no final da entrevista, Yoko Ono pousou a mão sobre minha coxa, disse “você agora entrou num assunto vasto” e prometeu que, “em outra oportunidade”, falaria sobre o ex-Beatle. É uma maneira delicada de dizer : “never more”.

Yoko cumpre com perfeição o script : trata o entrevistador pelo primeiro nome, durante a gravação, para demonstrar uma falsa intimidade. Não deixa de ser um gesto simpático. Um assessor deve ter soprado nos ouvidos de Yoko, minutos antes da gravação, o meu nome- que é algo esquisito....
Mas ela se saiu bem na gravação: pronunciou as sete letras com a correção possível de quem não sabe uma palavra em português.

O assessor (que também é namorado da viúva mais famosa do mundo) controla o tempo da entrevista. Encerrada a gravação, não resisto à tentação de pedir um autógrafo, para meus arquivos implacáveis. A única foto que encontrei mostra Yoko e John diante do Dakota – o prédio em que o ex-beatle foi assassinado na noite do dia 8 de dezembro de 1980. Quando vê a foto, Yoko suspira, baixinho, algo como “God...” (“Deus...”). Termina assinando. Por um instante, involuntariamente, devo ter trazido uma péssima lembrança à superviúva.
Sorry about that.


O POETA CHICO BUARQUE ENXERGA “UMA LUZ
REPENTINA INEXPLICÁVEL”: É A INSPIRAÇÃO

Um gigante da MPB, frequentemente encontrável nas ruas da zona sul do Rio, mas extremamente refratário a contatos com repórteres, gravou, em 1998, uma entrevista que foi ao ar, na íntegra, no “Milênio”: tive ali a prova de que a célebre timidez de Chico Buarque de Holanda não passa de uma lenda criada para protegê-lo do eventual assédio de perguntadores indesejados, como o locutor que vos fala. Chico Buarque nunca esteve cem por cento à vontade diante de jornalistas. Deve ter suas razões. Mas, quando quer, fala solto, conta histórias, ri diante da câmera. Disse, por exemplo, que, quando viajava pela África, declarava, a sério, que tinha sido reserva do craque Sócrates na seleção brasileira que encantou o mundo na Copa de 1982. O problema é que nenhum africano engoliu a mentira. O poeta que não gosta de jornalista fez uma bela comparação entre o ato de compor e o ato de jogar futebol :

GMN : Você diz que o futebol tem momentos de improviso e genialidade que nenhum artista consegue repetir. Mas em alguma de duas músicas você teve o sentimento de improviso que você só encontra no futebol ?
Chico Buarque : “É possível encontrar algo semelhante ao futebol no jazz, na música instrumental. Alguma coisa pode acontecer enquanto você toca. Mas não sou improvisador.De qualquer forma,há no ato da criação momentos em que você parece iluminado. São jogadas que acontecem sem que você tenha pressentido. De repente,vem uma idéia. Você se pergunta : de onde veio ? É o que acontece com o futebol : é como se o corpo recebesse uma luz repentina inexplicável”.

GMN : Que música ou que verso despertou em você,na hora em que estava compondo, a emoção que você sente diante de um drible ?
Chico Buarque : “Você vai trabalhando,trabalhando,trabalhando em cada música,até que há um “clique” : aparece um verso ou algo na melodia que faz você pensar “isso é novo”, “não fui eu que fiz” .É como se fosse algo que viesse de fora”.
Participar de um canal de notícias a cabo deu um novo fôlego à minha acidentada relação com a TV – eu que venho da imprensa escrita. Mas posso dizer que minha primeira participação na Globonews me deixou uma lembrança razoavelmente traumática.

O COMEÇO: UM AUDIOTAPE INTERMINÁVEL

A Globonews, como se sabe, entrou no ar na noite de 15 de outubro de 1996. Tive o (duvidoso) privilégio de ter participado da primeira manhã de transmissões normais do telejornal “Em Cima da Hora” – no dia 16 de outubro. Eu estava em Londres. Ficou acertado que eu enviaria diariamente, por telefone, notícias para a Globonews. Os despachos telefônicos são chamados de “audiotapes”, no jargão jornalístico. Pois bem: o meu primeiro audiotape para a Globonews foi sobre um menino brasileiro que tinha virado notícia na Inglaterra. Craque no golfe, ele forçou a mudança no regulamento interno de um campeonato britânico – que não admitia a participação de estrangeiros.

Por que chamo de “duvidoso” o privilégio de ter participado da manhã inaugural do “Em Cima da Hora”? Vou logo esclarecendo que a culpa foi minha, não da Globonews: animado com a história, terminei me estendendo além do esperado na descrição da saga do menino. O audiotape ficou grande. Para dizer a verdade: ficou enorme. Vou ser cem por cento sincero: ficou interminável.

Devo confessar diante deste tribunal que fazer narração não é,nunca foi, minha mais elogiável habilidade jornalística. Minha narração, na melhor das hipóteses, “dá para o gasto”. Assim, o melhor seria não me estender além do necessário. Mas me estendi. A culpa foi minha, repito. De qualquer maneira, guardo com carinho o íntimo orgulho de ter dado uma pequeníssima contribuição como um dos “pioneiros” da Globonews – ainda que com um audiotape interminável.

Tentei corrigir a duração dos audiotapes nos dias, semanas e meses seguintes.

Tomara que tenha conseguido.

Se um dia me sobrarem engenho e arte, eu bem que poderia preencher páginas e páginas com as lembranças que ficaram e as declarações que colhi. Enquanto não chega este dia, vou alinhavando anarquicamente minhas memórias da Globonews. É o que faço agora. As cenas vão desfilando na memória...


A ENTREVISTA QUE PAULO FRANCIS DEVERIA TER FEITO – MAS NÃO TEVE TEMPO DE FAZER

Os petardos disparados por Starkey eram comparáveis aos de outro historiador também brilhante e tão “politicamente incorreto” quanto ele: Paul Johnson, um dos mais polêmicos intelectuais britânicos. É um homem que se orgulha de jamais, em toda a vida, ter visto ou concerto de rock – ou assistido a um jogo de futebol.
A primeira entrevista que fiz para o “Milênio”, poucos meses depois da inauguração da Globonews, foi com ele.
A entrevista com Paul Johnson teve um significado especialíssimo para mim por um motivo que permaneceu nos bastidores: meses antes, durante a última conversa que tivemos, no escritório da TV Globo em Londres, eu tinha sugerido a Paulo Francis que fizesse uma entrevista com Paul Johnson para a Globonews.
Francis estava indo com alguma regularidade a Londres para entrevistar escritores e intelectuais, para o programa “Milênio”. Tinha entrevistado o escritor Martin Amis. Voltou contente: disse que tinha em casa noventa por cento dos livros que vira nas estantes da casa de Amis. Brincou: estava certo de que havia uma conspiração internacional de intelectuais – que liam os mesmos livros.
Ao repassar uma lista de possíveis entrevistados, eu disse a Francis que ele e Paul Johnson tinham pontos em comum: os dois tinham passado pela esquerda na juventude mas terminaram assumindo uma posição conservadora na maturidade. Francis – que, obviamente, conhecia a trajetória de Paul Johnson – aceitou a sugestão. Toparia entrevistar Johnson. Imaginei que belo diálogo não sairia de um encontro dos dois.
Poucos meses depois, recebi, em Londres, a notícia da morte repentina de Francis – um choque que, para dizer a verdade, reverbera até hoje. Eu tinha, com Paulo Francis, uma relação de discípulo para guru. Durou dez anos. Ninguém precisava concordar com o que ele dizia. Mas a herança deixada pelo texto de Francis não deve nem pode ser menosprezada. O texto de Paulo Francis dava prazer a quem lia. Ponto. Era o que bastava. Todo jornalista que consegue tal feito deve acender uma vela a São Gutemberg, em agradecimento.
Por um desses desígnios imprevisíveis, coube a mim a tarefa de finalmente fazer a entrevista que eu sonhara para Paulo Francis. Obviamente, eu sabia que era cem por cento impossível substituir Francis como entrevistador. Mas fazer a entrevista que originalmente tinha sido imaginada para ele foi a melhor maneira que encontrei de homenageá-lo.
Paul Johnson nos brindou, no “Milênio”, com uma coleção de tiradas ferinas. Como estas:
GMN : Quanto o senhor pagaria por um quadro de Picasso? Por que o senhor é tão rigoroso na hora de julgar mestres da arte moderna, como Picasso e Cézanne?
Paul Johnson : “A arte precisa ter um propósito moral. Acontece que nunca pude detectar qualquer propósito moral claro na obra de Picasso. Era um homem perverso e imoral. Não vejo,em nenhuma de suas obras,um esforço para mostrar a arte com um propósito moral.Tal esforço é a essência do grande artista. Então,desconsidero Picasso completamente”.
GMN : A obra mais famosa de Picasso, "Guernica", é uma denúncia contra a violência do totalitarismo. Por que é,então,que o senhor diz que não havia nenhum sentido moral na obra de Picasso?
Paul Johnson : “Porque Picasso não lutava contra o totalitarismo ! Picasso não era comunista : era stalinista ! . Ficou do lado da União Soviética totalitária,durante quase toda a vida. É um escândalo ! Não acreditava na liberdade, exceto para si próprio”.

A LEMBRANÇA DE PAULO FRANCIS: O PONTO FINAL PODE VIR NO MEIO DA FRASE
A última vez que vi Francis, no escritório da TV Globo, foi numa sexta-feira de tarde. Um dia depois, eu teria uma surpresa.
Sábado à tarde numa livraria em Piccadilly Circus, no centro de Londres. Folheio ao acaso livros na seção de obras clássicas de uma livraria. De repente, um tapa nas costas me assusta. Viro-me. Ei-lo: Paulo Francis. Sorridente, diz que ficou satisfeito em me ver ali, porque eu estava na única “seção que presta”: a dos clássicos.
Fico pensando que fui salvo pelo gongo. Por puro acaso, estava na seção dos clássicos, entre gigantes da literatura universal. Minutos antes, estava folheando livros ilustrados sobre futebol – obras de peso intelectual zero.

Devo ter dado a Francis a impressão – errônea – de que era um freqüentador habitual da seção das obras-primas de todos os tempos. Como o equívoco era a meu favor, não me animei a corrigi-lo.
Um dia antes, Francis tinha repassado comigo uma possível lista de entrevistas que ele poderia fazer para a Globonews. Já tinha gravado uma com Martin Amis. Agora, faria com a escritora de romances policiais P. D. James. Animado, citei vários nomes de escritores acessíveis. Por que não Paul Johnson? Que tal J. G. Ballard – que tinha publicado há pouco um livro de ensaios? Diante deste nome, reagiu com moderação.
Ao notar meu entusiasmo na escalação de possíveis entrevistados (eu não dizia, mas, na verdade, estava saboreando ali a chance de discutir pautas com um dos meus ídolos jornalísticos), Francis fez o seguinte comentário, típico de um velho lobo certamente desiludido com o Estado Geral das Coisas:

– Você viu aquele filme ”Seven”? Você se lembra do que o personagem de Morgan Freeman diz no final do filme? Depois de citar uma frase de Ernest Hemingway – “O mundo é um belo lugar para viver; vale a pena lutar por ele” – Morgan Freeman diz o seguinte: “Concordo com a segunda parte”. Pelo jeito, você parece que concorda também....
Aquele foi o último encontro com Francis, o autoproclamado “lobo hidrófobo”.
A última frase que ele escreveu, no último livro que publicou (Trinta Anos Esta Noite), foi tristemente profética:
– “Nos esforçamos, contra a corrente, que nos traz incessantemente para o passado. Vemos a luz verde, o futuro orgiástico, que ano a ano reflui, sempre elusivo, sempre ao nosso alcance, intangível, até que no meio de uma frase nos dêem um ponto final...”
Enquanto o ponto final não vem, resta fazer o que jornalistas razoavelmente abelhudos fazem: tentar arrancar uma frase do ídolo de adolescência, como Paul McCartney; provocar historiadores politicamente incorretos como David Starkey ; homenagear silenciosamente um guru da profissão,como Paulo Francis; ouvir a palavra de um personagem histórico, como o promotor britânico do Tribunal de Nuremberg ou testemunhar cenas inesquecíveis, como a carruagem carregando o corpo da Princesa Diana sob o silêncio absoluto da multidão e o badalo compassado dos sinos.
Não é muito. Mas é tudo, para quem sempre se esforçou para cultivar o ensinamento de um mestre do Jornalismo, o grande repórter Joel Silveira:
- Nada mais triste do que ver um repórter sentado numa redação a olhar para o teclado, disponível e sem assunto, quando os assuntos, todos eles, estão lá fora enchendo as ruas.
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(*) Geneton Moraes Neto foi correspondente da Globonews em Londres de 1996 a 1998. Fez entrevistas para o programa “Milênio” entre 1997 a 2001.













Posted by geneton at 04:12 PM

outubro 11, 2006

NANOAUDIÊNCIAS: UM FENÔMENO SEM VOLTA ( E MAIS: UMA CONFISSÃO DE "FRACASSO" E OUTRA DE "SUCESSO", PARA NÃO DAR CHANCE AOS URUBUS....)

1. Há um novo conceito no ar: o das "nanoaudiências". Que bicho será este? A presença avassaladora da internet abalou o modelo que reinava, impávido, até outro dia: o dos meios de comunicação que atingiam audiências enormes. Hoje, já não é novidade, qualquer dono de blog ou de site virou "emissor" de informação.



Resultado: a audiência, antes compacta, agora se reparte em milhares, milhões de estilhaços. As megaaudiências se tornaram nanoaudiências. Nunca foi tão fácil veicular uma informação, não importa qual seja. É claro que a "grande imprensa" não vai deixar de existir. Mas nunca, jamais, em tempo algum, foi tão fácil subir em um banco, pegar um megafone virtual e gritar para quem quiser ouvir. É o que fazem os milhões de sites que clamam por um segundo de atenção dos navegadores do Planeta Internet.

Por excesso de pudor, números de audiência - ou de leitores - nem sempre são divulgados. A "etiqueta" diz que os números devem ser guardados no fundo da gaveta, longe de olhares bisbilhoteiros.

Mas quero recorrer a estes números "secretos" para constatar que a nanoaudiência de um site vagabundo como este não é nada desprezível. Por que "vagabundo" ? Não é falsa modéstia. Vossas excelências, os navegadores, poderão encontrar aqui entrevistas com grandes figuras, como Nélson Rodrigues ou Paulo Francis. Mas este site é totalmente "alternativo" : não é ligado a qualquer portal. Navega no mar da internet ao sabor do acaso. Eu me arriscaria a dizer que boa parte dos visitantes ancora aqui por puro acaso. Thank you, kids.

De qualquer maneira, fico tentado a fazer uma comparação entre dois produtos absolutamente diferentes - um livro e um site -, apenas para medir o poder de alcance de um e de outro . A tiragem normal de um livro no Brasil é de três mil exemplares. ( A propósito: quero fazer uma confissão de "fracasso" - e uma constatação de "sucesso". O livro que publiquei com a íntegra das entrevistas feitas para o Fantástico com quatro ex-presidentes brasileiros, o DOSSIÊ BRASÍLIA , vendeu cerca de trinta mil exemplares. Bateu em primeiro lugar nas listas dos mais vendidos. "Sucesso"! Já o DOSSIÊ MOSCOU, uma reportagem sobre a primeira eleição para presidente realizada na Rússia depois do fim da União Soviética, com depoimentos que lançam luzes sobre o fim da última grande utopia, a socialista, não atingiu a décima parte da venda de DOSSIÊ BRASÍLIA . "Fracasso" ! Em verdade,vos digo: creio que o DOSSIÊ MOSCOU foi a melhor reportagem que fiz - especialmente, a cobertura do que aconteceu com Mikail Gorbachev no dia histórico)

Que comparação - aleatória, eu sei - pode ser feita entre a tiragem dos livros e o acesso ao site?

Primeira: o número de visitantes mensais de um site como este, que passa até três meses sem ser atualizado, já é, por baixo, cinco ou seis vezes maior do que a tiragem média de um livro ( os famosos três mil exemplares):

Aos números, pois:

JUNHO: 17.160 visitantes
JULHO: 15.105
AGOSTO: 18.054
SETEMBRO: 17.791


"Sucesso" ou "fracasso"? Nem um nem outro. Quem quiser que acredite: o único e exclusivo objetivo deste site é deixar disponíveis, para eventuais visitantes, entrevistas e reportagens que estavam dispersas. De qualquer maneira, cito estes números para mostrar que as "nanoaudiências" do Planeta Internet não são tão desprezíveis assim.

Aos navegadores: obrigado pela visita. Aos trancos e barrancos, o site é mantido para vocês. Em breve, novidades. Divirtam-se. É melhor uma nanoaudiência na mão que dez megaaudiências voando.






Posted by geneton at 05:31 PM

outubro 05, 2006

O LUGAR EM QUE A HISTÓRIA FICA AO ALCANCE DA MÃO. É SÓ TECLAR

1. Um gesto absolutamente banal pode mudar o curso da História? Pode. Tenho a tentação de pensar que pode, ao ver um vídeo no Museu da Televisão e do Rádio, em Nova York: uma aeromoça diz que,no dia dez de setembro de 2001, estranhou a atitude de um suposto passageiro que, perto do balcão da companhia, fazia anotações enquanto observava a movimentação no aeroporto. "Se ele entrasse no avião, eu teria avisado ao comandante", diz. Mas o autor das anotações não embarcou ali. Desapareceu na multidão. Iria viver o último dia de anonimato.


Um dia depois, ele comandaria o grupo de sequestradores que cometeu o maior atentado da História. Quando viu as fotos dos sequestradores na TV, a aeromoça tomou um susto: o homem que ela vira no aeroporto era Mohammed Atta. E se ela tivesse levado adiante suas suspeitas? E se tivesse pedido a alguém que abordasse o observador? O que teria acontecido? Aos que acham que especulações assim não exercícios perfeitamente inúteis: a chamada "História Virtual", feita a partir de hipóteses, mobiliza exércitos de fãs. Um professor da Universidade de Oxford, Niall Ferguson, o historiador mais popular da Grã-Bretanha, fez um livro sobre o assunto. Imaginou o que teria acontecido se os fatos históricos tivessem tomado outros rumos. Diversão garantida. A realidade paralela pode ser tão fascinante quanto o que realmente acontece.

O Museu da Televisão e do Rádio pode ser uma decepção para quem espera encontrar, ali, vitrines multicoloridas ou máquinas maravilhosas. Tudo o que há são banalíssimos aparelhos de TV, devidamente conectados a fones de ouvido. O fascinante é o acervo: o forasteiro escolhe um assunto, digita o código do programa que quer ver, equipa-se com um fone de ouvido e começa a viajar diante dos monitores.

Ao lado, alguém ri alto com as tiradas do Agente 86, seriado que povoou as tardes de minha infância.

Minha porção catastrófica se manifesta. Por pura curiosidade, vejo o vídeo-tape do assassinato do senador Robert Kennedy, atingido em junho de 1968 pelas balas de um imigrante jordaniano no momento em que caminhava entre correligionários eufóricos, num hotel em Los Angeles. Tinha feito, minutos antes, um discurso de agradecimento pela vitória que acabara de conquistar na briga para ser indicado candidato do Partido Democrata à Presidência dos Estados Unidos. Sirhan Bishara Sirhan deu um tiro à queima-roupa na cabeça do senador. Kennedy provavelmente seria eleito presidente. A câmera começa a gravar segundos depois dos disparos. Pandemônio. Tumulto. O som mais impressionante é o grito de uma mulher. Horror puro. De quem terá sido?

Forasteiros que trocam o prazer de caminhar pelas ruas de Nova York pela aventura de explorar o
paraíso das imagens do Museu da Televisão e do Rádio não terão motivo para arrependimento.

Dou stop no depoimento da aeromoça, guardado para sempre nas prateleiras do Museu. Interrompo a exibição da cobertura do atentado ao senador que ia ser presidente.

As portas do Museu vão fechar já, já. Fim de expediente. Volto ao ano de 2006. Mas é bom saber que existe um lugar em que a visão da História fica ao alcance da mão. É só teclar um número. A tela cinza do monitor se ilumina daquela cor azulada. Vozes soterradas nos calendários ressurgem nos fones de ouvido.

Próxima catástrofe, por favor.




Posted by geneton at 07:36 PM

maio 12, 2006

MENINOS, EU VI!

Eis os personagens do livro que não foi escrito: Woody Allen, Mikhail Gorbachev, Margareth Thatcher, Paul McCartney, Yoko Ono, Princesa Diana.


Peço licença aos sócios do meu restritíssimo clube de leitores para escrever na primeira pessoa. Faço um passeio anárquico pelo Museu da Memória, em busca de personagens que cruzaram o caminho do repórter. Todos foram protagonistas de cenas de bastidores – que ficaram de fora das reportagens. Folheio mentalmente a minha Pequena Enciclopédia de Celebridades – um livro que jamais foi escrito. As imagens, nítidas, vão se sucedendo. Ei-las:

ALLEN,WOODY

A máquina de relações públicas da distribuidora encarregada de lançar um filme de Woody Allen oferece uma entrevista exclusiva com o ator e diretor, na suíte de um hotel plantado às margens do Hyde Park, em Londres. Tento ser britanicamente pontual: chego na hora. A assessora me leva para uma ante-sala. Vai embora. Um minuto depois, chega o astro. É igual ao que se vê no cinema: tímido, esfrega as mãos enquanto fala, olha para o chão, solta tiradas geniais. É pálido como um boneco de cera. Pergunto se ele admira algum brasileiro. Tenho certeza de que Woody Allen – fanático por esportes – vai citar Pelé ou Romário ou Ronaldinho. Quebro a cara. Allen se declara apaixonado por Machado de Assis. Ganhou de presente uma versão inglesa de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Lá pelas tantas, diz que precisa fazer um filme atrás do outro, para não olhar para a “nuvem negra” que paira vinte e quatro horas sobre seus ombros – a morte. Tento consolá-lo. Digo que os filmes que ele faz serão estudados daqui a 50 anos, nas cinematecas. Woody Allen responde que não quer a imortalidade no futuro. “Quero agora, já, no meu apartamento”. Infelizmente, não posso ajudar.

ONO,YOKO

Yoko Ono dá uma longa entrevista para falar sobre a exposição que fará em Brasília. São instalações de vanguarda – obras de arte que jamais serão degustadas pelo povaréu. O assessor (que também é namorado da viúva mais famosa do mundo) controla o tempo da entrevista. Fez-se um acordo prévio: nada de perguntas sobre vida pessoal. Deixo para o final uma pergunta sobre Lennon. Yoko Ono pousa a mão sobre minha perna, esboça um sorriso, diz que “numa próxima oportunidade” falará sobre o assunto. Gentilmente, dá por encerrada a entrevista. Não resisto à tentação de pedir um autógrafo. A única foto que encontrei mostra Yoko e John diante do Dakota – o prédio em que o ex-beatle foi assassinado na noite do dia 8 de dezembro de 1980. Quando vê a foto, Yoko suspira, baixinho, algo como God... (“Deus...”). Termina assinando. Por um instante, involuntariamente, devo ter trazido uma péssima lembrança à superviúva. Sorry about that.

GORBACHEV,MIKAIL

Pouquíssimos estadistas podem dizer que mudaram o mundo. Mikhail Sergueivich Gorbachev faz parte dessa confraria. Bem ou mal, ele deflagrou o processo de abertura política e econômica que virou a União Soviética de pernas para o ar. O mundo mudou a partir do dia em que Gorbachev pronunciou pela primeira vez as palavras glasnost e perestroika diante das muralhas do Kremlim.
Dizem que ele entende – e fala – perfeitamente o inglês. Mas, diante de repórteres estrangeiros, só fala russo. Faço a pergunta providencialmente traduzida por uma intérprete: “Os seus admiradores dizem que o senhor mudou o mundo”. Gorbatchev ouve com ar satisfeito. Quando a intérprete transmite a ele a segunda parte da pergunta – “mas seus detratores dizem que o senhor traiu os ideais do socialismo” – Gorbatchev franze a testa, como se estivesse fazendo um leve sinal de reprovação. Intimamente, espero pelo pior. Se estivesse de mau humor, Gorbatchev poderia acabar ali a breve entrevista. Mas não: prefere dar uma resposta aos detratores. Diz que a história, um dia, fará justiça aos que, como ele, apostaram na liberdade.
Tenho vontade de pronunciar um “absolutamente certo!” como complemento à resposta do homem, mas me contenho.

McCARTNEY,PAUL

O ex-beatle Paul McCartney, apontado pelo vetusto Daily Telegraph como o mais importante compositor de música popular do século vinte, vai dar uma coletiva no Royal Albert Hall, numa manhã gelada, em Londres, para falar sobre a peça clássica que estava lançando em disco. Faço uma combinação com o cinegrafista. Em vez de nos dirigirmos ao auditório que servirá de palco para a coletiva, ficaremos do lado de fora, próximos à entrada principal do Royal Albert Hall. Quem sabe, num golpe de sorte, não conseguimos uma declaração exclusiva do homem. Fãs capazes de qualquer sacrifício descobrem, não se sabe como, que Paul falará aos jornalistas. Lá estão elas, indiferentes ao frio de rachar, num canto da calçada, à espreita. De repente, noto que um magrelo vestido de preto começa a falar discretamente num walkie-talkie. Faço um sinal para o cinegrafista. A celebridade deve estar chegando. Um carrão preto, com vidros indevassáveis, se aproxima lentamente da entrada do prédio. Quando notam, as fãs se agitam. O carro pára. Quem desce do banco traseiro? Só podia ser: Sir Paul McCartney, recém-condecorado pela Rainha. Avanço em direção à presa, com o microfone em punho. Fãs soltam gritos. Os brutamontes – popularmente conhecidos como seguranças – entram em ação para afastar todo e qualquer intruso – eu, inclusive. Paul acena para a turba. A única declaração que consigo captar é um monossílado – Hi! – versão inglesa para “Olá!”

Em questão de segundos, ele desaparece dentro do prédio, cercado de seguranças por todos os lados. É uma luta inglória: enfrentar um daqueles brutamontes corresponde a desafiar Mike Tyson para um duelo, no meio da rua, numa manhã de inverno. Faltam-me proteínas para tanto.
Lá dentro, na coletiva, Paul aponta aleatoriamente para um ou outro jornalista – que, bafejado pela sorte, pode balbuciar uma pergunta. Supercelebridade é assim. O dedo indicador do beatle me desconhece solenemente. Fica para a próxima.
Além das declarações que o astro fez na coletiva, volto para a redação com a entrevista mais sucinta das tantas que tive a chance de tentar.
“Olá.”
E ponto final.

RAY, JAMES EARL

Depois de negociações via fax com a direção do presídio de segurança máxima, consigo uma entrevista com um dos assassinos mais célebres da história dos Estados Unidos – o homem que matou o pastor Martin Luther King. Chama-se James Earl Ray. Cumpria pena de prisão perpétua numa penitenciária em Memphis, Tennessee.
Uma pequena odisséia precede o encontro. Somos obrigados a fazer uma lista minuciosa de todo o equipamento que estamos conduzindo (fios, microfones, baterias). Depois, o guarda nos ordena que deixemos numa caixa todas as cédulas, moedas e talões de cheque que tivermos nos bolsos. O dinheiro é trancafiado num cofre. Vai ser devolvido na saída. Motivo: evitar que se faça qualquer pagamento ao prisioneiro em troca da entrevista. Depois, passamos por pelo menos cinco portões que isolam os detentos do resto do mundo. O próximo portão só se abre quando o anterior se fecha. Cercas eletrificadas completam o aparato. Penso comigo: é tecnicamente impossível escapar desse inferno. James Earl Ray chega para a entrevista mascando chicletes. Os olhos azulíssimos são espertos. O homem é articulado: fala bem, concatena com clareza suas idéias. Faço a pergunta que ele com certeza ouve há anos: você matou Martin Luther King? A resposta é sucinta: “Não”. Mas as provas são conclusivas: as impressões de James Earl Ray estavam no rifle usado para matar King em abril de 1968, na varanda de um hotel de Memphis.
Martin Luther King tinha um sonho: acabar com o preconceito racial. James Earl Ray tinha um rifle.
Termina a entrevista. Vacilo intimamente: devo ou não pedir um autógrafo ao assassino? Confesso que minha porção fútil venceu. Peço que ele autografe um livro sobre o assassinato.
James Earl Ray me deseja, por escrito, “os melhores votos”.
Resisti até hoje a vender o livro num desses leilões exóticos que povoam a Internet.

THATCHER, MARGARETH

A fila na noite de autógrafos é enorme. Margareth Thatcher, a Dama de Ferro, que entrou para a história política como a primeira mulher a governar a Grã-Bretanha, tinha sido aplaudida de pé, por pelo menos cinco minutos, pela platéia que lotara o anfiteatro no centro de Londres para ouvir suas perorações contra a excessiva intromissão do Estado na vida dos cidadãos. Encerrada a conferência, ela desaparece nos bastidores, provavelmente para irrigar a garganta fatigada por tanto discurso. Mas volta logo ao palco, para uma sessão de autógrafos. Cercada por agentes de segurança, ela troca cumprimentos formais com os leitores enquanto assina os exemplares da autobiografia. Quem consegue o autógrafo é gentilmente convocado por uma assessora a desaparecer do mapa o mais rápido possível, porque ali não é lugar de puxar conversa com a Dama de Ferro.
Penso com meus velhos botões: a hora do autógrafo pode ser, quem sabe, a chance ideal de arrancar uma minientrevista. Fora dali, Margareth Thatcher é tecnicamente inacessível, pelo menos para repórteres vindos do Brasil, esta república que, aos olhos dos ingleses, é um território quente, distante e exótico.
Chega a minha vez. Vista a um palmo de distância, Margareth Thatcher é um monumento à palidez. A maquiagem só acentua a brancura. Faz movimentos espaçados com a boca, como se estivesse mastigando ar (um espírito de porco diria que os movimentos lembram o de alguém desprovido de dentes).
Faço um pedido no instante em que ela saca a caneta para pingar o autógrafo no calhamaço: “Se Margareth Thatcher fosse definir Margareth Thatcher em uma só palavra, qual seria ela? A senhora se importaria de escrever esta palavra junto do autógrafo?”
Por um instante, os olhos azuis da Dama de Ferro me fitam, inquisidores. A fera dá a impressão de estar vasculhando mentalmente o dicionário em busca da palavra mágica. Mas a palavra mágica não vem. A Dama de Ferro diz: “Desculpe, mas não posso me definir em uma palavra apenas. Vou lhe dar o autógrafo. Muito obrigado. Boa noite”.
A mão estendida é sinal de que minha miniaudiência com Miss Thatcher estava encerrada. Dos males, o menor: volto para casa com duas frases no meu caderno de anotações.
É um avanço considerável, se comparado com o “olá!” de Sir Paul McCartney.

DIANA

Não há outro pensamento possível: fico ruminando sobre o absurdo da vida ao ver o caixão passar a dois passos de onde estou, numa alameda nas proximidades do Palácio de Buckingham, numa manhã de setembro. Há apenas uma semana, a Princesa Diana, linda, ilustrava a capa de uma revista numa foto deslumbrante em preto e branco. Agora, a Princesa é um corpo – invisível – desfilando diante de uma multidão de súditos em estado de choque. Crianças pregam nas árvores folhas de papel com mensagens e desenhos que a Princesa jamais verá. Os príncipes William e Harry caminham em companhia do pai, o Príncipe Charles, herdeiro direto do trono, logo atrás do caixão. De vez em quando, o Príncipe Charles faz movimentos quase imperceptíveis com a cabeça, como se agradecesse a presença da multidão. Cabisbaixos, seus dois filhos não tiram os olhos do chão.
A multidão não emite um ruído sequer. Só se ouvem dois ruídos. Um é o som do trote dos cavalos que transportam a carruagem fúnebre. O outro é o badalo compassado do sino da Catedral de Westminster. Com intervalos regulares, o sino enche a manhã de um som solene, triste, trágico.
A visão da multidão em silêncio, o som compassado do trote dos cavalos e o toque estranhamente assustador do sino da Catedral dão à cena ares de uma tragédia shakespeariana.
Perto dali, uma cena inacreditável: um bêbado trajando luto pronuncia palavras incompreensíveis diante da estátua de Charles Chaplin, na Leicester Square.
São onze da manhã. A conversa do bêbado com Carlitos completa a sucessão de cenas absurdas naquele setembro inesquecível.
Que segredos o bêbado terá confiado ao Vagabundo?

BEST, PETE

Não pode haver ninguém tão azarado sob o sol da sede do ex-Império Britânico. Durante dois anos, um baterista de Liverpool chamado Pete Best tocou com Paul McCartney, John Lennon e George Harrison num grupo recém-formado chamado The Beatles.
Um dia, o empresário dos Beatles chama Pete Best para avisar que, a partir daquele momento, o grupo terá outro baterista, um certo Ringo Starr.
Ironia das ironias: enquanto os Beatles conquistavam fama mundial, Pete Best amargava os dias como funcionário público numa agência de empregos de Liverpool. As tentativas de fazer uma carreira solo naufragaram. É lá que vou encontrá-lo, depois de uma primeira abordagem telefônica.
O ex-beatle me faz uma surpresa. Quando já estou na Inglaterra, ele diz que costuma cobrar um cachê por entrevistas – exatas 500 libras, o que corresponde a 800 dólares. Cumpro a exigência, para não perder a viagem.
Durante a entrevista, ele comete confidências sobre as farras homéricas que fez em companhia dos outros beatles, nas excursões a Hamburgo, na Alemanha, no início da carreira. Em companhia de Lennon, tentou roubar a carteira de um marinheiro na saída de um show num clube noturno. Fãs afoitas freqüentavam em sistema de rodízio as camas dos Quatro Cavaleiros de Liverpool, num alojamento nos fundos de um cinema decadente.
Terminada a entrevista, Pete Best convida-nos para tomar um chope num pub na Mathew Street – a ruela de Liverpool onde os Beatles fizeram suas primeiras apresentações, no célebre Cavern Club.
Lá pelas tantas, depois de inspecionar o ambiente com um olhar demorado, faz uma confissão: assim que soube que tinha sido dispensado do grupo, dirigiu-se exatamente a este pub, para tomar um porre homérico. Trinta e tantos anos depois, ele revive a cena, em companhia de um forasteiro sul-americano.
Meninos, eu vi: por um breve fim de tarde, um ex-beatle afogou suas mágoas em minha companhia, diante de copos de chope morno.
Assim caminha a humanidade.

TAGUE, JAMES

O assassinato do presidente John Kennedy, ao meio-dia e meia da sexta-feira 22 de novembro de 1963, teve uma vítima desconhecida: um passante – que só parou para ver a passagem da comitiva porque o trânsito estava engarrafado – foi ferido na bochecha pelo estilhaço de uma das balas disparadas pelo ex-fuzileiro naval Lee Oswald contra o presidente. Nome da vítima: James Tague. É citado no relatório oficial sobre a morte do Presidente.
Hoje, ele é comerciante de carros usados. Dá uma resposta afirmativa ao meu pedido de entrevista, feito por telefone. O encontro fica marcado para o único endereço que conheço em Dallas: o célebre Depósito de Livros Escolares do Texas. De uma janela, no sexto andar do Depósito de Livros, Lee Oswald esperou com um rifle nas mãos a passagem da comitiva presidencial.
Chego ao encontro na hora marcada. Como identificar James Tague?
Noto que um texano típico – devidamente paramentado com botas de cowboy – caminha de um lado para outro na calçada do Depósito de Livros. De vez em quando, me olha, como se quisesse adivinhar quem sou. Fico imaginando se aquele cowboy é o meu personagem.
Faço a pergunta: “Mister Tague?”
O cowboy estende a mão, abre o sorriso, diz que estava desconfiado de que eu era o tal repórter brasileiro que marcara o encontro por telefone.
Depois de apontar para a janela de onde saíram os tiros, caminha até uma cerca – que, segundo os crentes em teorias conspiratórias, serviu de esconderijo para o segundo atirador, jamais encontrado.
O cowboy vendedor de carros usados engrossa o coro dos que dizem que Lee Oswald foi o único assassino, mas deixa em aberto um pequeno espaço para a dúvida.
Quando pergunto se ele acha que um dia o “Crime do Século” será definitivamente esclarecido, o cowboy responde com uma palavra: “Não”.
Depois, troca cumprimentos, diz que precisa voltar ao trabalho e desaparece no começo da tarde de Dallas. Por um desses acasos que só acontecem uma vez num século, o anônimo cowboy texano foi testemunha e coadjuvante de um dos maiores crimes da história.

FRANCIS,PAULO

Sábado à tarde numa livraria em Piccadilly Circus, no centro de Londres. Folheio ao acaso livros na seção de obras clássicas de uma livraria. De repente, um tapa nas costas me assusta. Viro-me. Ei-lo: Paulo Francis. Sorridente, diz que ficou satisfeito em me ver ali, porque eu estava na única “seção que presta”: a dos clássicos.
Fico pensando que fui salvo pelo gongo. Por puro acaso, estava na seção dos clássicos, entre gigantes da literatura universal. Minutos antes, estava folheando livros ilustrados sobre futebol – obras de peso intelectual zero. Devo ter dado a Francis a impressão – errônea – de que era um freqüentador habitual da seção das obras-primas de todos os tempos. Como o equívoco era a meu favor, não me animei a corrigi-lo.
Um dia antes, Francis tinha repassado comigo uma possível lista de entrevistas que ele poderia fazer para a TV. Já tinha gravado uma com Martin Amis. Agora, faria com a escritora de romances policiais P. D. James. Animado, citei vários nomes de escritores acessíveis. Por que não fazer com Paul Johnson? Que tal J. G. Ballard – que tinha publicado há pouco um livro de ensaios? Diante deste nome, reagiu com moderação.
Ao notar meu entusiasmo na escalação de possíveis entrevistados (eu não dizia, mas, na verdade, estava saboreando ali a chance de discutir pautas com um dos meus ídolos jornalísticos), Francis fez o seguinte comentário, típico de um velho lobo certamente desiludido com o Estado Geral das Coisas:
– Você viu aquele filme Se7en? Você se lembra do que o personagem de Morgan Freeman diz no final do filme? Depois de citar uma frase de Ernest Hemingway – “O mundo é um belo lugar para viver; vale a pena lutar por ele” – Morgan Freeman diz o seguinte: “Concordo com a segunda parte”. Pelo jeito, você parece que concorda também...
Aquele foi o penúltimo encontro com Francis, o autoproclamado “lobo hidrófobo”.
A última frase que ele escreveu, no último livro que publicou (Trinta Anos Esta Noite), foi tristemente profética:
– Nos esforçamos, contra a corrente, que nos traz incessantemente para o passado. Vemos a luz verde, o futuro orgiástico, que ano a ano reflui, sempre elusivo, sempre ao nosso alcance, intangível, até que no meio de uma frase nos dêem um ponto final...

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abril 27, 2006

CINCO (OUTROS) MOTIVOS: POR QUE A HUMANIDADE É INVIÁVEL


1. ELIS REGINA CANTANDO COM VOZ ANASALADA "DOWN, DOWN, DOWN", NO REFRÃO DA INSUPORTABILÍSSIMA MÚSICA "ALÔ,ALÔ,MARCIANO".

ONDE FICA A SAÍDA, PELO AMOR DE DEUS? POR QUE NÃO AVISARAM ANTES QUE ESTE PLANETA É UMA IMENSA COLÔNIA PENAL? (COPYRIGHT: UM ASTRONAUTA CITADO PELO PROFETA PARAIBANO-PERNAMBUCANO AMIN STEPPLE) : "A TERRA É A COLÔNIA PENAL DO UNIVERSO".


2. LOCUTOR DE ANÚNCIO DE BANCO PRONUNCIANDO SLOGANS PUBLICITÁRIOS COM VOZ MELÍFLUA PARA SENSIBILIZAR O BOLSO DO CORRENTISTA.

(CALMA, ESTÔMAGO QUERIDO: NÃO PRECISA SE REVIRAR TANTO. VOCÊ NÃO VIU NADA AINDA).

3. ANÚNCIOS ENGRAÇADINHOS. A MÉDIA DE SALVAÇÃO É DE UM A CADA 500 MIL.

4. ADOLESCENTES QUE FAZEM AR ENTENDIADO DIANTE DE TUDO E DE TODOS, COMO SE O MERO MOVIMENTO DE MÚSCULOS DA FACE SERVISSE DE COMENTÁRIO SOBRE O ESTADO GERAL DAS COISAS.

NÃO SERVE.

TRATEM DE ARTICULAR UM COMENTÁRIO INTELIGÍVEL, POR FAVOR. NÃO VALE USAR ABREVIATURAS. VOLTEM AMANHÃ. O EXPEDIENTE JÁ FOI ENCERRADO.

5. VOU ME REPETIR, MAS NÃO CUSTA NADA: BRASILEIROS
FAZENDO BATUQUE, DANÇANDO SAMBA, FALANDO ALTO OU CANTANDO PAGODE FORA DO TERRITÓRIO NACIONAL.

VEXAME.




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fevereiro 23, 2006

ABRAM ALAS, CRIANÇAS. VAI COMEÇAR O GRANDE DESFILE DE NOMES

Conselho desinteressado de uma ruína quase cinquentenária (o locutor que vos fala): não levem a sério gente que, para parecer importante, vive arrotando suposta intimidade com personalidades importantes. São uns pulhas, na maioria dos casos. É melhor pedir a conta, dar uma gorjeta ao pianista, fechar a porta e ir embora em silêncio.



Mas, alto lá, há uma exceção tolerável: jornalistas podem, sim, cometer o pecado da enumeração dos nomes. Porque faz parte do trabalho jornalístico a convivência (acidental) com celebridades de todos os calibres.

Só existe um problema: o repórter que cai na ilusão de achar que faz parte do aquário dos peixes importantes pode pendurar as chuteiras, comprar um buquê de flores, acender uma vela, publicar um anúncio fúnebre e caminhar para o crematório, porque morreu para a profissão. Repórter de verdade não pode virar compadre - ou comadre - das fontes. Revogam-se a disposições em contrário. Ponto.

Se um dia me sobrar tempo, engenho e arte, eu vos prometo, crianças, contar em detalhes as cenas que vou repassando agora de memória:

vi a Dama de Ferro, a ex-primeira-ministra britânica Margareth Thatcher, me fitar com olhos gelidamente azuis para dizer que não, não iria atender ao pedido que eu fizera a ela: que tal se, num exercício de autoavaliação instantânea, ela escolhesse entre todas as palavras apenas uma, capaz de definí-la? Que tal se ela escrevesse esta palavra no espaço reservado à dedicatória, no livro que eu agora estendia para ela, numa longa fila de uma noite de autógrafos? Não. A Dama disse que não conseguiria se definir em apenas uma palavra.

vi de perto a cabeleira de um velho ídolo, Paul McCartney, o meu Beatle favorito: a juba tinha levado uma tintura, com certeza. O tom da pele do rosto era ligeiramente esquisito: tinha levado uma camada de pó, certamente. É assim. Não consegui articular uma pergunta. Os seguranças o cercaram. O homem foi levado para os bastidores do teatro. Dali a pouco, daria uma entrevista coletiva.

vi o ar contrito do homem que, para o bem e para o mal, mudou a história do Século XX - Mikail Gorbachev - , no momento em que ele entrou na sala de uma universidade em Moscou, para participar da primeira eleição presidencial direta da história da Rússia.

vi o Chico Buarque jovem e nervoso entornar um gole de uísque
nos bastidores do Teatro Santa Isabel, no Recife, em busca de coragem para encarar a platéia.

vi o Rei Roberto Carlos pedindo à nossa equipe que não, não gravasse imagens de uma santa que reinava em cima de uma pequena penteadeira no camarim.

vi Pelé caminhar anônimo pela Quinta Avenida, em Nova Iorque, por apenas dezesseis segundos - tempo suficiente para ser reconhecido por um africano e, em seguida, por uma multidão que causou um pequeno tumulto na calçada.

vi o ex-presidente Fernando Collor acompanhar nossa equipe até o automóvel, no pátio de uma estação de televisão em Maceió, num gesto que não lembrava em nada o presidente de ar empertigado dos tempos em que desfilava pela rampa do Palácio. Durante o caminho, foi falando com saudade da finada revista "Realidade".

vi Glauber Rocha meio inchado, com cara de sono, desfilar pelo saguão de um cineminha num subúrbio de Paris com uma cópia do último filme que fez, "A Idade da Terra". Queria mostrar a críticos franceses.

vi Caetano Veloso, recém-chegado do exílio londrino, dizer que convivia com os músicos, mas não era exatamente um músico - autoavaliação que abandonaria anos depois.

vi o poeta Ferreira Gullar ficar irritado durante uma entrevista porque julgou, equivocadamente, que eu o estava acusando de ter praticado o atroz "realismo socialista" em seus anos de engajamento político.

vi Paulo Francis se divertir feito criança com a história de que um embaixador brasileiro teria feito uma nova "opção sexual" depois de velho.

vi o rosto sereno do Carlos Drummond de Andrade morto : em vida, era o homem mais discreto do planeta. Inerte, no caixão, era bombardeado por flashs que espoucavam a um palmo do rosto do poeta. Fiquei pensando no absurdo da situação. O poeta pagava o preço da fama.

vi Ulysses Guimarães, à época comandante da oposição política ao regime militar, me soprar no ouvido uma frase que não sei se era uma queixa ou um cumprimento : "Você disparou o seu petardo!". O velho combatente de olhos azuis reclamava de que eu o "forçara" a se pronunciar sobre a morte de um operário nos porões do Exército, em São Paulo, num momento em que ele, raposa, ainda não tinha recebido informações concretas sobre o caso.


Dos fundos deste palanque imaginário, eu vos prometo que um dia, quem sabe, embalado pelas Musas da Memória , promoverei um desfile de todos estes personagens. Voltarei ao trabalho.

Repórter - afinal - existe para dividir com os leitores ( não importa que parcos) o que viu e ouviu.

Quase nunca o que ele viu e ouviu é importante. Mas tentar contar de uma maneira minimamente interessante o que foi visto e ouvido é tarefa para uma vida inteira. Pode até ser divertido. Funciona - na pior das hipóteses - como antídoto contra a besta da desolação, essa fera que vive deslizando as garras contra a porta da frente no meio da noite, para avisar que pode entrar na sala a qualquer momento.

Mãos à obra, então! O batuque dos teclados há de agitar a pasmaceira.

Mas, antes, peço licença para férias.

Vou ali e já volto.







Posted by geneton at 06:22 PM

fevereiro 17, 2006

O QUE É PIOR: O SEXAGENÁRIO SIMPÁTICO REQUEBRANDO PARA UM CURRAL VIP (QUÁ-QUÁ-QUÁ) , O IDIOTA VOX OU O MALA-MOR STING? CARTAS À ARQUIDIOCESE

O QUE É PIOR :

1. SEXAGENÁRIOS SIMPÁTICOS ( LEIA-SE MICK JAGGER, KEITH RICHARDS & CIA) REQUEBRANDO AO SOM DE "SATISFACTION" DIANTE DE UM CURRAL OCUPADO POR CONVIDADOS "VIPS"? ( BY THE WAY : VIPS PARA QUEM, CARA PÁLIDA? UM COMPRIMIDO ANTI-VÔMITO, URGENTE! ). O CIRCO ARMADO PARA A ESCÓRIA QUE POSA PARA "CARAS" & CIA É O FIM DA LINHA.
O HORROR. O HORROR. O HORROR.

OS ROLLING STONES SÃO ÓTIMOS,SIM - MAS EM DISCOS ANTIGOS, OUVIDOS EM CASA. EM SEUS MELHORES MOMENTOS, SÃO COMPARÁVEIS AOS BEATLES DA FASE PÓS-INFANTILÓIDE.



2. UM IDIOTA DE ÓCULOS COLORIDOS ( LEIA-SE BONO VOX) FALANDO PLATITUDES SOBRE A EXPLORAÇÃO DOS TERCEIRO-MUNDISTAS?
POR QUE A FIGURA NÃO VAI PROCURAR EMPREGO NUMA FÁBRICA DE ÓCULOS? AGRAVANTE: JAMAIS COMPÔS UMA CANÇÃO "ASSOVIÁVEL". NÃO É ESTA A FUNÇÃO DE ARTISTAS POPULARES?

3. UM MALA-MÓR - QUE EM TODA CARREIRA COMETEU APENAS UMA MÚSICA ESCUTÁVEL ("EVERY BREATH YOU TAKE") - AGINDO COMO SE FOSSE UMA GRANDE SUMIDADE EM ENTREVISTAS PROMOCIONAIS CRONOMETRADAS POR ASSESSORES? NOME: STING. OBJETIVO DA ENTREVISTA: VENDER UM LIVRO AUTOBIOGRÁFICO A CONSUMIDORES DESATENTOS.
AOS DESMEMORIADOS: STING É AQUELA ENTIDADE CANTANTE QUE ATAZANOU A PACIÊNCIA UNIVERSAL AO DESFILAR EM FÓRUNS INTERNACIONAIS EM COMPANHIA DAQUELE ÍNDIO DE BEIÇO ELÁSTICO. PERGUNTA-SE: POR QUE OS DOIS NÃO SE CASARAM E NÃO FORAM MORAR NUMA CASINHA DE SAPÊ, A TREZENTOS QUILÔMETROS DE OURICURI?

O QUE É PIOR? EU CRAVARIA AS TRÊS OPÇÕES.

POR VIA DAS DÚVIDAS, VIAJAREI PARA OUTRO PLANETA NESTE FIM DE SEMANA, PARA PROTEGER MEUS OUVIDOS DE COMENTÁRIOS SOBRE OS TRÊS SENHORES - O GRANDE ASSUNTO DOS PRÓXIMOS DIAS NA REPUBLIQUETA DO METALÚRGICO.

Posted by geneton at 03:02 PM | Comments (1)

fevereiro 08, 2006

PUBLICITÁRIOS FAZENDO TROCADILHOS INFAMES E ARROTANDO PRETENSÃO DESCABIDA? A PLATÉIA GRITA: "ESTOU FORA!"

Compareço diante deste tribunal para perguntar solenemente o seguinte: alguém na platéia por acaso conhece algum ser vivente que seja tão pretensioso quanto um publicitário? A resposta virá num uníssono capaz de abalar uma parede de dois metros de espessura : "Não!".





É óbvio que há publicitários que sabem perfeitamente que tudo o que devem fazer é apenas cometer duas frases engraçadinhas para tentar convencer donas de casa a gastar dinheiro no supermercado (ou jovens idiotizados a comprar o carrão do ano; ou senhores entediados a confiar seus caraminguás ao banco da esquina; ou velhinhas reumáticas a comprar presunto). Dá no mesmo. Os que sabem certamente não serão pretensiosos ou arrogantes. Tratarão de escrever o trocadilho, desligar o terminal de computador, pegar o elevador e ir tomar uma dose de uísque numa "happy hour" no centro da cidade (arhg!!!).

Mas há séculos a pretensão descabida desses trocadilhistas me causa urticária, provoca reviravoltas no estômago, me tira quatro minutos e meio de sono a cada dez anos.

Hoje, gostaria de fazer uma pergunta à meia dúzia de nevegadores internáuticos que visitam este terreno baldio. Sejam estupidamente sinceros: alguém já viu algo tão patético quanto publicitários que tentam dar ar de coisa séria às pecinhas que criam para jornais,rádios, TVs e outdoors ? Por que diabos precisam posar de gênios? Por que querem nos fazer crer que um filminho pretensamente engraçado de trinta segundos é uma obra de arte capaz de estufar de orgulho os peitos da cultura ocidental?

Faz tempo: uma vez, vi num programa de fim de noite na TV um desses seres viventes anunciando ao mundo que a agência que o empregava marcou época porque foi a primeira a mostrar a margarina se derretendo sobre o pão. Era algo assim. O jeito como a margarina tinha sido filmada era descrito como se fosse um plano concebido por Stanley Kubrick. Demorei trinta e cinco segundos até descobrir que não, eu não estava vendo um filme de horror.Não era um quadro do Zorra Total. Não era uma cena de "Apertem os Cintos". Era uma entrevista de verdade.

Depois, vi: um anúncio de um grande grupo de comunicação, publicado pela revista Imprensa, trazia, clara, indiscutível e cristalina, uma vírgula entre sujeito e verbo. Se não me falha a memória, era algo como "e o Estadão,continua....".

Um estudante secundário pode distribuir vírgulas entre sujeito e verbo com a desfaçatez de um bêbado que derrama o copo de cachaça sobre o vizinho de balcão. Um dia será corrigido pelo professor. Mas publicitário bem pago? Não, não, não. Não pode. Quanto a agência terá recebido para assassinar o idioma?

Basta olhar ao redor. Noventa por cento das peças publicitárias trazem um trocadilho infame. Todos os trocadilhos já foram feitos.
Mas os gênios insistem em cultivá-los. A propósito: falo como amador. Nunca entrei numa agência. Não pretendo entrar. Sou um mero observador (e consumidor involuntário das "peças" que povoam as páginas das revistas que leio ou os intervalos dos programas de TV).

Há uma praga ainda pior que a dos trocadilhos publicitários: é a tentativa de dar um tom "doce" ao ato de vender serviços e produtos. Banco vive de tomar dinheiro dos outros. Ponto. Mas o anúncio terminará com uma voz melíflua dizendo que você, querido correntista, deve amar o cofre-forte.

Não existe nada tão chato quando "defesa do consumidor". É um assunto importante, mas inapelavelmente chato. Quero declarar que a única coisa que posso fazer, como consumidor, é decretar um boicote pessoal tão inútil quanto patético contra essas imposturas. Fica, então, decidido que jamais, sob hipótese alguma, comprarei um presunto que é anunciado nos intervalos dos noticiários de rádio com uma voz irritante de uma "velhinha" querendo soar engraçada. A voz deve ser de alguma atriz desempregada. Ao final, um locutor que quer bancar o porteiro do céu diz o nome do presunto como se estivesse sussurando versos amorosos de Vinícius de Morais no ouvido de Charlotte Rampling ( não a sexagenária de hoje: a dos bons tempos). Patético, patético, patético. Declaro que este presunto fica para sempre banido de minha mesa - por todos os séculos e séculos, amém.

Mas a "casa caiu" definitivamente quando este locutor que vos fala foi convidado a participar de uma semana de comunicação promovida no campus da universidade Estácio de Sá, na Barra da Tijuca. Fui de bom grado.

Gosto de dizer a estudantes que o jornalismo pode, sim, ser uma atividade interessante. Eu me lembro de que, nos meus tempos de estudante, tinha de encarar professores entediados que viviam falando mal da profissão ou destilando mágoas e frustrações justamente diante de nós, ingênuos sonhadores. Não quero fazer este papel hoje diante dos candidatos a jornalista. Há os horrores de praxe, mas o jornalismo pode ter salvação como atividade profissional. Quem disse que não? Por que não injetar 5mg de entusiasmo em quem apostou no Jornalismo como meio de vida?

Quando chego lá, o que vejo, nos bastidores? Um zum-zum-zum, um constrangimento, um ataque de estrelice. Um publicitário convidado para a mesa batia o pé: dizia que não poderia falar menos de uma hora. "Fui convidado para fazer uma palestra. Chego aqui, vejo que convidaram outros palestrantes que nem conheço!. Só posso falar se for por uma hora: é o tempo que dura a apresentação que preparei".

Vou ser cem por cento sincero: não guardei o nome do conferencista. Não vem ao caso. O que vale não é o nome. É a situação. O gênio queria falar, na pior das hipóteses, por sessenta minutos. Parem as máquinas. Ergam as sobrancelhas.

Assim foi feito. Por mim, tudo bem. Que o convidado ilustre falasse duas horas. Procurei um lugar na platéia. Com certeza, iria aprender lições que me seriam úteis para o resto da vida.

Mas - desastre! - o que vi, meu Senhor do Bonfim? O publicitário - que,obviamente, envergava uma camisetinha preta bem justa -
passou uma hora discorrendo sobre a arte de vender produtos e serviços ao distinto público. Fez pelo menos uma piadinha de péssimo gosto: disse que a filmagem numa piscina poderia enfrentar problemas se a modelo ficasse mesntruada. Risos constrangidos. Lá pelas tantas, exibe um comercial. O que era aquilo? Uma tartatuga desenhada digitalmente fazia embaixada com a bola, para me convencer a beber uma cerveja gelada. Nem me lembro se era embaixada. Devia ser. O comercial foi exibido como se fosse o supra-sumo da criatividade universal.

De novo, soprei para os cinco botões de minha camisa a expressão de horror de Jacqueline Kennedy em Dallas: "Oh,no !".

Vou cair no lugar comum se disser que - obviamente - há as exceções de praxe: nem todo publicitário carrega nos ombros uma tonelada de pretensão descabida, nem todo publicitário passa oito horas por dia procurando um trocadilho infame, nem todo publicitário quer que o planeta acredite que suas pecinhas sobre bancos,margarinas e cervejas são obras de arte primorosas.

Vou ser cruelmente sincero: que eles saibam que estes rompantes pretensiosos provocam apenas crises incontroláveis de riso em quem sabe medir o tamanho das coisas.

Que continuem cobrando fortunas dolarizadas para imaginar uma tartaruga fazendo embaixadinha com uma bola.

Mas, em nome das capelas do Vaticano, em nome das mesquitas de Meca, em nome das sinagogas de Tel-Aviv, por favor, não queiram nunca, jamais, em tempo algum, fazer com que nós, consumidores indefesos, sejamos cúmplices do Festival de Imposturas Publicitárias.

( A tartaruguinha fazendo embaixada, obviamente, é só um exemplo entre milhares. Mas ilustra uma situação : é um acinte querer nos convencer de que um filmeco publicitário de uma tartaruga fazendo embaixada é o máximo. A constatação vale para a voz doce do locutor nos vendendo presunto. Ou para a imagem de velhinhos dançando e jogando travesseiros uns nos outros, num anúncio de banco. O que era aquilo?).

Fica definitivamente combinado: palestra de publicitário sobre tartaruguinha fazendo embaixada?

Eu estou fora, tu estás fora, ele está fora, nós estamos fora, vós estais fora, eles estão fora.

Já paguei, já pagamos nossos pecados.

Próxima impostura, por favor.





Posted by geneton at 12:44 PM

janeiro 30, 2006

GLAUBER ROCHA: O VISIONÁRIO DESEMBARCA NO SAGUÃO DE UMA SALA DE CINEMA NUM SÁBADO CINZENTO EM PARIS

Vasculho meu arremedo de arquivo. Descubro as anotações de um encontro com Glauber Rocha, um dos últimos artistas visionários brasileiros. Ano: 1981. Ei-lo:

Paris foi uma escala - demorada - da última navegação européia de Glauber Rocha. Volta o filme: é manhã de um dia chato de inverno, um sábado cinzento, no começo de 1981. Amigos de Glauber, críticos franceses e estudantes brasileiros de cinema em Paris vão chegando aos poucos a uma sala de projeção, lá perto de Republique, para uma sessão especial de "A Idade da Terra".

Glauber Rocha aparece com uma cópia de "A Idade da Terra" debaixo do braço, cara de sono, rosto abatido, meio gordo e com o pique de sempre: vai falando com cada um, esculhamba com um crítico "burro" do Jornal do Brasil, quer saber o nome, a ocupação, a procedência dos forasteiros que lhe são apresentados ali, no hall do cinema, pouco antes do início da projeção.

Anima-se quando sabe que nós - eu e o também brasileiro Marcos de Souza Mendes - somos estudantes de cinema. Aumenta o tom de voz, faz gestos largos com as mãos, chama a atenção dos franceses: "Olhem aí: são os jovens cineastas, é a juventude brasileira estudando cinema! Isso me interessa! Quero saber o que é que vocês vão achar do filme!". Os franceses olham para nós, o objeto do entusiasmo glauberiano. Procuro um lugar no chão para me esconder.

Depois, Glauber Rocha reclama de que a cor da cópia não é ideal, começa a falar francês com sotaque inconfundível de nordestino. "Je vais rester ici; j´attende un ami" - declama Glauber, diante da porta de entrada da sala, enquanto avisa que os espectadores já podem ocupar seus lugares. Em seguida, vai até a cabine, falar com o operador. O filme começa. Glauber sairá da sala umas duas vezes durante a projeção. Terminada a sessão, ele, que estava sentado três fileiras adiante, se vira para trás, olha para nós,estudantes:
"Como é? Fizeram as ligações?". O dedo indicador de Glauber toca no outro.

Lá fora, ele pergunta pela mulher, Paula, procura por ela no café ao lado, fala mal desses "filmes reacionários, com história", dá o toque de que "o cinema materializou o desejo de ser imagem e som da palavra".

A saúde de Glauber já era assunto de conversas ao pé do ouvido. O guerreiro não andava bem. Tinha passado uma noite vomitando, dormira durante a projeção de documentários brasileiros no cinema "Le Denfert". Pouco tempo depois, levantara vôo para Portugal, onde trabalharia num projeto. As más notícias não demoravam a chegar a Paris: falava-se de complicações cardíacas, coisas assim. A última palavra surgiu, enfim, na primeira página do "Le Monde" : "o cineasta brasileiro Glauber Rocha, um grande autor lírico e barroco", tinha morrido num dia de sábado no Rio de Janeiro. O "Liberation", jornalaço, deu uma página inteira, a televisão noticiou, as emissoras de rádio falavam em Glauber Rocha. O "Le Monde" escreve que ele ficará para as "gerações futuras" como um testemunho da "necessidade de mudar o mundo".
Profeta, revolucionário, inventor, feiticeiro, Glauber nem precisa das lágrimas de crocodilo de quem quis crucificá-lo em vida. O conselho que ele deu naquela manhã de um dia chato de inverno: estudar Eisenstein, entender Godard, comprar o "Cahiers du Cinema", ver filmes.

A última lembrança: "Você vem do Recife? Jomard Muniz de Brito é meu irmão, meu amigo".

Vi, num sábado cinzento, a fagulha de um visionário brilhar no saguão de uma sala de cinema em Paris. Glauber Rocha sonhava grandezas para o Brasil, quebrava os catecismos políticos, imaginava um destino épico para esta república ancorada na América do Sul.

Faz falta.




Posted by geneton at 05:09 PM

janeiro 18, 2006

OLHE-SE NO ESPELHO. REPITA EM VOZ BAIXA: "PATÉTICO, PATÉTICO, PATÉTICO". NÃO EXISTE MELHOR MANEIRA DE COMEÇAR O DIA

Joel Silveira é que conta: uma vez, estava na redação, diante da máquina de escrever, entregue à tarefa de ordenar com graça e leveza sujeitos, verbos e predicados num pedaço de papel em branco. Dedilhava o teclado da Remington jurássica com ar grave, como se estivesse descrevendo a volta de Cristo. De repente, Nélson Rodrigues pára diante de Joel, fica observando a cena em silêncio e pronuncia apenas uma palavra, antes de sumir do mapa:

- Patético!

Joel - que nunca foi fanático por Nélson Rodrigues - me conta a história com ar de quem, no fim das contas, décadas depois, terminou concordando com a exclamação rodriguiana.

Noventa e oito vírgula oito por cento dos jornalistas são exageradamente pretensiosos. Não falo da pretensão saudável de quem sonha em fazer algo importante. Falo da pretensão descabida.

Já vi em redações nulidades semi-analfabetas empinarem o nariz ou falarem de seus pretensos feitos jornalísticos como se estes fossem a Sétima Maravilha do Mundo. São lixo em estado bruto. Já vi sabichões destroçando o trabalho alheio com intervenções incompetentes. Já vi ególatras apunhalando pelas costas supostos concorrentes. Já vi criaturas de caráter tíbio negarem diante de monstros o que tinham dito meia-hora atrás.

Um dia, quando estiver autoexilado num bairro cinzento da Europa Ocidental, a dois passos de um bom crematório, entregue ao Grande Exercício do Silêncio Absoluto, darei nomes aos bois. Ou pelo menos as iniciais. Ou, na pior das hipóteses, vagas referências.

O andróide do filme Blade Runner diz: "Eu vi coisas em que vocês nunca acreditariam. Naves de ataque em chamas perto da borda de Orion. Vi a luz do farol cintilar no escuro na comporta Tannhauser. Todos estes momentos se perderão no tempo como lágrimas na chuva". (transcrevo a citação feita no prefácio de um belo livro: "Lágrimas na Chuva", escrito por Sérgio Faraco).

É por aí: o que não se conta se perde. Ponto.
A fascinação do Jornalismo é esta : a chance de contar o que -de outra forma-
estaria perdido. Salvar da perdição as histórias, palavras e cenas que a gente ouve de personagens anônimos ou famosos: eis o que me anima a fazer tantas entrevistas - em vez de ficar nos corredores das redações maldizendo os horrores da profissão. Dá trabalho. Sempre deu. Mas vale a pena. Faz de conta que vale.

O problema é que há lições primárias que nem todo jornalista se anima a seguir - por cegueira. A prudência recomenda que a gente ouça a voz da sabedoria - virtude que só se obtém com a experiência. É o caso de Joel Silveira, sábio em jornalismo. Ouçamos o que o autoproclamado dinossauro nos diz. A cena que Joel descreve deixa uma lição. O melhor antídoto contra o vírus da pretensão descabida é o seguinte: todo dia, logo pela manhã, encare o espelho e repita três vezes, em voz baixa:

- Patético, patético, patético.

Ou :

- Patética, patética, patética.

Cumprida esta tarefa, você estará pronto (ou pronta) para encarar saudavelmente o planeta, sem se julgar maior do que é nem cair na armadilha da pretensão descabida. A receita da felicidade profissional é simples assim.

Socorro! Acabo de me transformar num sub-consultor de autoajuda.

Mas esta veleidade só durou um parágrafo - o anterior. Declaro, aqui, encerrada minha carreira de conselheiro.

Apenas digo: crianças e dinossauros, nunca se esqueçam de repetir três vezes a palavra mágica diante do espelho.

Não existe nada melhor nem mais honesto.




Posted by geneton at 02:08 PM

janeiro 16, 2006

DÚVIDA DE UM LEIGO: POR QUE SERÁ QUE UMA SUPERMODELO COMO GISELE BUNDCHEN ANDA NA PASSARELA COMO SE FOSSE UM BONECO DO CARNAVAL DE OLINDA OU UMA MARIONETE DESCONTROLADA? CARTAS À REDAÇÃO

Dúvida de um leigo absoluto em matéria de desfiles de moda: em nome de todos os santos, alguém poderia esclarecer o que quer dizer aquele andar de Gisele Bundchen na passarela? O que é aquilo? Defeito físico? Falta de coordenação motora? Trauma de infância?

Não se discute aqui a beleza da chamada "super-modelo". Deve haver um fundo de razão no boato de que ela é a mulher mais bela do mundo. Pode ser. Deve ser. Parece simpática, além de tudo. O problema das celebridades é a obrigação de dar entrevistas.

Sou insuspeito para falar, porque desde que me entendo por gente vivo importunando a paciência alheia em busca de declarações que mereçam ir para o papel. Em verdade, vos digo: noventa por cento das celebridades - especialmente, as que não precisam cultuar os prazeres da leitura - passam a vida pronunciando obviedades. Podem-se incluir nesta lista modelos, jogadores de futebol, atrizes, atores, cantores etc.etc.

As modelos vivem a um milímetro do vexame quando abrem a boca. Faça-se uma pesquisa na imprensa nacional dos últimos dez anos. O nível das declarações de modelos como Gisele Bundchen é digno de um estudante secundarista relapso. Uma alma caridosa poderia dizer: mas quem disse que elas deveriam saber falar ? Basta que desfilem. Que assim seja.

Mas aí uma dúvida devastadora invade a alma dos leigos: em nome das vítimas do tsunami, alguém poderia explicar o que é que faz uma supermodelo multimilionária se mover numa passarela como se fosse um boneco do carnaval de Olinda? É verdade que ganha cachês de milhares de dólares para balançar o esqueleto como se fosse uma marionete descontrolada?

Jamais vi um desfile de moda. Faço, desde já, um juramento: pretendo morrer sem ver. Não me faz a menor falta. Assim como milhões de observadores, guardo para mim o que penso daquela troupe de estilistas de roupinha preta e cabelo arrepiado. Um amigo - vou logo avisando que culto, bem preparado, viajado e nem de longe preconceituoso - gosta de exclamar quando cruza com um desses seres: "Ah, meu Deus do céu, só de pensar que a mãe passou nove meses gestando esta peça...".

Em nome dos bons costumes, seres civilizados, como este rabiscador de irrelevâncias, não dizem em voz alta o que realmente acham do Estado Geral das Coisas. Uma das conquistas da civilização, aliás, é a capacidade de dissimular opiniões(*). Mas caio na tentação de citar o que disse o britânico Paul Johnson sobre os estilistas em resposta a uma pergunta que lhe fiz ( ver depoimento completo na seção Entrevistas) :

GMN : O senhor diz que a moda é uma conspiração de costureiros para ver até onde eles podem forçar as mulheres a fazer macaquices. A moda é um sintoma da decadência?

Paul Johnson : “Não há nada de novo nesse fenômeno.A “alta moda de Paris” existe desde 1850 : é um século e meio de vida. Os estilistas –principalmente porque,na maioria,são homossexuais - sempre transformam as mulheres em macacas. Acham que as mulheres aceitarão o que eles fazem".

O "politicamente incorreto" Paul Johnson - que vive dizendo com brilho o que tanta gente pensa mas não diz - pode ter matado a charada: por detestarem o sexo feminino, os estilistas querem, no fim das contas, transformar modelos em macacas nas passarelas. Ou alguém já viu alguém andar na rua com uma daquelas roupas ridículas? Aviso aos navegantes: não sou eu que estou dizendo. É Paul Johnson. Apenas estou concordando.

Ainda assim, resta a dúvida primal: em nome das chagas de Jesus Cristo, alguém pode dizer em português claro o que é que faz uma supermodelo tão bonita quanto Gisele Bundchen andar com um pé na frente do outro, como se estivesse querendo provar ao guarda de trânsito que não bebeu?

O que é aquilo? O que quer dizer? Deixo no ar minha dúvida. Não é só minha. É de milhões de telespectadores que, como eu, certamente se orgulham de jamais, em tempo algum, ter pousado as patas num desfile de moda. Never, never, never, por todos os séculos e séculos, amém. É só ver o nível mental, o elenco de interesses e a compulsão exibicionista dos que, com as exceções de praxe, fazem, frequentam e badalam este lamentável aglomerado de cabeças-de-vento.

"Fashion Week". Quá-quá-quá. Nós, aqui do extremo oposto da escala animal, agradecemos penhoradamente pelas boas risadas que estes convescotes nos proporcionam sempre que aparecem na TV. Quá-quá-quá. Nunca se fez tanto humorismo involuntário na face da Terra.

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(*)Por falar nas virtudes da discrição: não por acaso, o inglês típico - habitante de um terra reconhecidamente civilizada - é capaz de testemunhar as maiores aberrações sem externar qualquer sinal de espanto. Vi uma vez, no metrô de Londres, um homem entrar num vagão, num sábado à noite, vestido de freira. Diga-se que não era carnaval. Os passageiros, todos, fizeram de conta que não estava acontecendo nada de incomum. Ninguém levantou a vista dos tablóides. Somente este selvagem brasileiro se deu ao trabalho de dar uma olhada discreta para o homem-freira - que reagiu com um sorriso cúmplice. Eu queria ver se não estava tendo uma alucinação visual. Duas estações depois, o homem-freira sumiu na multidão. Não incomodou nem foi incomodado. A indiferença é o suprassumo da civilização).



Posted by geneton at 07:46 PM

janeiro 11, 2006

ALERTA CONTRA OS QUE ASSASSINAM AS "VIRTUDES DA CLAREZA" 2, A MISSÃO : QUASE 12.960 HORAS PERDIDAS EM PARIS

Senhores Jurados: Permitam-me um adendo ao exercício de tiro livre que fiz no texto anterior contra filósofos e semiólogos empulhadores (todos franceses) que atazanam a paciência da humanidade com suas elucubrações cem por cento ilegíveis.

Duas ou três anotações:

1. Nem tudo é empulhação e ilegibilidade na Rive Gauche. O "novo" filósofo Bernard-Henry Lévy deu uma entrevista brilhante ao programa "Conexão Roberto D´Ávila", reprisado por estes dias pela TV-E. Ao contrário de tantos de seus pares, BHL é claro, cristalino e compreensível.

Subintelectuais podem pensar que estas três virtudes (clareza, transparência, legibilidade) são meras armas de batalha do Jornalismo para conquistar a atenção do idiota médio. Não são. A clareza vale para todo mundo, em todas as áreas.

Lévy fala para o telespectador de TV: todo mundo entende quando ele diz que as utopias (pena!) resultaram em morte, opressão e destruição. Hoje, ele renega as utopias de sociedades perfeitas. Diz que o que deve nos mover é a esperança.

Descrita assim, a declaração de Bernard-Henry Lévy pode parecer piegas, uma construção mental comparável a mensagens criadas por publicitários (!!) para comerciais de fim-de-ano de supermercados e companhias aéreas. Mas estou simplificando: o que importa é que podem acusar Bernard-Henry Lévy de tudo - menos o de ser ridiculamente obscuro quando ocupa uma tribuna eletrônica.
Quem já se submeteu à tortura de encarar cinco minutos de entrevistas de filósofos e semiólogos franceses a TVs a cabo sabe do que falo.

O Planeta Terra seria um lugar feliz se, a cada vez que um dessas empulhações intelectuais levantasse a voz, um enorme coro se levantasse em todos os continentes para repetir a exclamação de horror que Jacqueline Kennedy fez ao ver os miolos do marido estilhaçados pelas balas de Lee Oswald em Dallas: "Oh,no !". De novo: "Oh,no !". Para sempre: "Oh,no!".

2. O cálculo é aproximado: devo ter passado 12.960 horas
em Paris - tempo irremediavelmente jogado na minha lata de lixo pessoal. 12.960 horas correspondem a um ano e meio.

Impressão duradoura: Paris poderia ser a cidade mais bonita do mundo, se não fosse habitada por franceses irritadiços e visitada por brasileiros que falam alto, cantam em restaurantes e,pior, fazem batucada quando se reúnem na rua. "O horror,o horror, o horror" - diria o personagem de "O Coração das Trevas". Nem todas as 12.960 horas foram desperdiçadas, no entanto.

Houve uma cena marcante: o dia em que tive a chance de ver, "ao vivo e a cores", uma performance de um brasileiro que sonhava com um Brasil original, grandioso, reluzente: Glauber Rocha.

Em breve, neste Jornal Quase Diário, a descrição da cena glauberiana.

Posted by geneton at 12:38 PM

janeiro 10, 2006

ALERTA CONTRA OS QUE ASSASSINAM AS "VIRTUDES DA CLAREZA"

Ninguém me contou, eu vi: não existe nada tão insuportável na face do planeta quanto intelectuais franceses cheios de caspa, com o cabelo oleoso, cachecol pendurado no ombro e pronúncia cheia de vícios horrorosos- como aqueles suspiros que disparam perdigotos rumo ao rosto de interlocutores indefesos. Jamais chegue a menos de um metro de um francês. Você será banhado por perdigotos voadores. Pausa para vômito. Parágrafo.

Passei um ano e meio à beira do Sena. Dezoito meses. Faço as contas: cerca de 540 dias e noites irremediavelmente jogados no lixo. Consegui uma vaga no DEA, Diplomas de Estudos Aprofundados em Cinema na Universidade de Paris 1, a celebérrima Sorbonne. O nome é pomposo. O curso é um festival de francesises inúteis : professores caspentos evocavam Platão para falar durante horas de uma cena perdida de um filme de Hitchock. Blá-blá-blá. Inutilidades. Coisa de sebosos entediados.

Ganhei um diploma por ter frequentado os seminários. Trouxe-o para o Brasil, como herança dos dias desperdiçados. Jamais usei este pedaço de papel cheio de carimbos e assinaturas. Não tive estômago para levar adiante, na Sorbonne, o projeto de tese, aprovado, sobre "Cinema & Subdesenvolvimento" . Francês adora ouvir bárbaros terceiro-mundistas desfilando primitivices. É o que fez o meu projeto ser solenemente aceito.


Mas pedi o boné antes de cair na tentação de levar a sério aquelas teses ininteligíveis, ilegíveis, inúteis. Preferi voltar a esta republiqueta ensolarada para me dedicar a outra atividade estupidamente ridícula ( mas um pouco menos inútil do que a de autor de sub-teses intelectualóides) : o jornalismo.

(Pausa. Profundo suspiro de desânimo, provocado por outro tipo de impostura - a que viceja nas redações: gente que diz "o óculos", gente que escreve "sombrancelha", gente que constrói frases com "pra mim ver", gente que acha que gratuito é "gratuíto", enfim, gente tecnicamente habilitada a varrer o terreiro de um sítio, mas não a manusear a língua, acha-se perfeitamente capaz de dizer aos senhores leitores, ouvintes e telespectadores o que acontece no planeta. Quá-quá-quá. A platéia se contorce de risos diante de tal impostura. Mas, como os impostores de ambos os sexos não têm o mínimo senso de autocrítica, continuam a despejar em nossos olhos e ouvidos o lixo que produzem consistemente)

Por falar em Paris, sou testemunha ocular e auditiva de uma verdade inapelável: a língua francesa só é bonita no cinema. Ao vivo e a cores, o francês falado é horrível. O pior é ver brasileiros macaqueando aquela desgraça falada ( só há uma cena mais ridícula do que brasileiro fazendo biquinho para imitar suspiro de francês: é a visão de selvagens tropicais cantando "ô-lê-lê-ô-lá-lá-pega no ganzê-pega no ganzá" dentro de ônibus de excursão ou em restaurantes no exterior).

Tomar banho é um sacrifício para o francês típico. Mas o problema não é o banho. É a ilegibilidade. Em "O Capelão do Diabo", livro lançado no Brasil, Richard Dawkins trata das imposturas intelectuais de "filósofos" rigorosamente incapazes de produzir durante toda a vida um mísero parágrafo legível. Noventa por cento dos impostores são franceses. Dawkins mata a charada: diz que estes grandes empulhadores escrevem difícil porque, se optassem por um estilo claro, revelariam ao mundo o enorme, o indizível, o estratosférico vazio de suas formulações.

Dawkins reproduz um parágrafo de Félix Guattari:

"Podemos ver claramente que não há nenhuma correspondência biunívoca entre relações significantes lineares ou de arquiescritura, dependendo do autor, e essa catálise maquínica multirreferenciial e multidimensional".

Pausa para vômito coletivo dos leitores.

Que tal esse espasmo de Gilles Deleuze:

"As singularidades-eventos correspondem a séries heterogêneas que são organizadas em um sistema que não é estável nem instável,mas sim metaestável, dotado de uma energia potencial na qual as diferenças entre as séries se distribuem".

Nova pausa para lançar detergente no salão. Pouparei vossos olhos indefesos: interromperei aqui a transcrição de outras aberrações estilísticas. Citado por Richard Dawkins no livro "O Capelão do Diabo", Peter Medawar acerta o alvo : em texto escrito há três décadas, diz que estava,em marcha, uma "campanha de difamação contra as virtudes da clareza".

Os ilegíveis, obscuros e caspentos filósofos franceses ocupam um lugar de honra no batalhão dos que destróem as virtudes da clareza em nome de uma profundidade inexistente. O que escrevem é rigorosamente inútil. É intraduzível. É nauseante. O pior é que sub-empulhadores (ou seja: estudantes recém-formados e professores incapazes de uma atividade realmente produtiva ) escrevem teses e teses e teses para incensá-los.

Os subprodutos dos empulhadores são tão ruins quanto as matrizes. Juro pelo Menino Jesus de Praga: nem faz tanto tempo, tentei ler num caderno de cultura um artigo que prometia fazer um balanço da literatura. Contaminado por semiologices, o texto era cem por cento ilegível. Ilegível. Ilegível. Desisti. Pensei em pedir à empresa que publica o jornal a devolução do dinheiro que gastei na banca. Se eu entrasse na justiça, ganharia. Mas não posso perder tempo. Tenho coisa mais importante para fazer: comprar uma Coca-Cola estupidamente gelada para beber depois do jantar.

Os guerreiros que combatem a clareza estão por toda parte. Vi outro dia um fotógrafo cego pontificando sobre enquadramento. É óbvio que falava em francês. Empulhação: é como se eu começasse a ditar regra sobre o bem-vestir.

Dou um conselho tão inútil quanto um cinzeiro numa motocicleta: em nome de todos os santos, pelo amor de Deus, não percam tempo com estes empulhadores.

Há uma maneira fácil de identificá-los: se forem franceses, são suspeitos. Suspeitíssimos.

Posted by geneton at 06:34 PM | Comments (1)

QUER SABER POR QUE A HUMANIDADE É CEM POR CENTO INVIÁVEL?

Pequenas provas cotidianas de que a humanidade é inviável: quarentões que dizem "podes crer". Cinquentões de bandana. Sessentões de rabo-de-cavalo. Setentões de cabelo pintado. Piores do que todos juntos: vintões ou trintões de arco (ou tiara ou diadema) no cabelo. Pausa para vômito incontrolável.

O chão já foi limpo. A lista segue: crianças correndo entre mesas de restaurante, sob o sorriso complacente de pais que se orgulham de ter passado adiante o DNA da estupidez. Idiotas que dizem "minto" para se corrigir no meio de uma frase. Gente que faz, no ar, sinal de aspas com os dedos. Peruas que exibem peitos inflados de silicone como se fossem um prodígio da natureza - quando são um atestado ambulante de imbecilidade aguda. Amebas motorizadas que avançam o sinal: panacas, panacas, panacas. Carioca imitando sotaque nordestino depois de passar uma semana nas terras além-Bahia para parecer "primitivo" e "brasileiro de raiz". Nova golfada. Dois comprimidos de Plasil.

A lista daria para encher cinqüenta volumes de uma enciclopédia. Farei um esforço para reunir - aos poucos - o maior número possível de provas científicas da inviabilidade deste aberração genética também conhecida como espécie humana. Um dia, apresentarei o rol de provas condenatórias ao desocupado que criou esta joça.

O meu amigo e guru Joel Silveira (ver entrevistas) disse uma vez que preferiria não participar de uma noite de autógrafos sugerida pela Editora para um dos dois livros que fizemos juntos - o "Nitroglicerina Pura". Motivo: "Não quero ir. Ela pode aparecer por lá". Perguntei : "Ela quem? ". E ele: "A espécie humana! Quero distância!".

Idem.

É óbvio que, nesta categoria, não incluímos os navegantes que se dão ao trabalho de aportar em sites vagabundos como este: são seres generosos que merecem zelo e atenção.

Então, welcome, strangers. Mas, por favor, demorem pouco. Falem baixo. Cuidado para não tropeçar: há um morto-vivo estendido no chão da sala. Not surprisingly, it´s me.

Posted by geneton at 04:23 PM

maio 31, 2005

ANTONIO CARLOS VILAÇA, GRANDE ESCRITOR

O que fica de um escritor ? A beleza das palavras escritas. Ponto. Parágrafo.

Todo o resto é desperdício, desencontro, extravio. Tomei um susto quando li hoje, na seção "obituário" do Globo, a notícia da morte de Antonio Carlos Vilaça. Tive pouco contato com ele. Depois que li "O Nariz do Morto", livro que garimpei num sebo, passei a admirá-lo. É um escritor que produziu pouco, mas fez um voto irrevogável de devoção à literatura. Vivia asceticamente. Que eu saiba, morava de favor numa sede do Pen Club, um caso único no mundo. Jovem, renunciou a tudo para se internar num mosteiro, em busca daquele silêncio que purifica, consola e enleva. Terminou voltando às turbulências da vida "civil".

Pensei em um dia gravar um longo depoimento com Antonio Carlos Vilaça, uma entrevista em que ele poderia, quem sabe, descrever seus descaminhos de escritor e crente. A entrevista, aceita, nunca foi gravada: os desperdícios, os desencontros, os extravios de sempre.

Mas, feitas as contas , o que fica é que o foi escrito. As entrevistas não gravadas guardarei no mausoléu dos projetos irrealizados.

Um conselho: procurem, nos sebos, nas calçadas, nas estantes empoeiradas, um exemplar de "O Nariz do Morto". Que belo texto ! A notícia da morte de Antônio Carlos Vilaça diz que ele tinha assinado há poucos dias um contrato para publicar um novo livro, pela Editora Civilização Brasileira. Que assim seja.

Enquanto o novo livro não vem, eis as palavras de um grande escritor, nessas linhas soltas de "O Nariz do Morto":

"Ó dias, ó noites, ó vermes, que perfurais em nós a essência nossa. Que essência ? Que vermes ? Ó países em nós soterrados, ó escombros, ó múmias, ó gigantes mutilados, terras absurdas e quietas, colinas, mausoléus ,incógnitas e nós, bichos da terra, pitorescos, à procura".

"A vida é numerosa. E então os sinos súbito anunciam em nós a morte,que virá. A morte vem.Cada dia, a morte vem".

"A fé religiosa como que me assaltou.Vi-me subjugado pelo entusiasmo. A vida de rapaz que amava as letras e sabia de cor os seus poetas preferidos,a vida simples, descuidada, solitária,tantas vezes,de um rapaz estudioso (e reto) ganhou esse frêmito novo e desconhecido, essa audácia, essa loucura, essa vibração absurda".

"Eu gostava das sublimidades.Eu queria as grandezas. Eu sonhava com alturas límpidas. Eu queria as nuvens. Muito menos, o duro chão dos homens".

"Ó paredes, dizei-me. "Eu quero a estrela da manhã !". Dizei-me o endereço dela. Ó sala capitular, ó claustros, ó antifonários com iluminuras, ó sinos brônzeos, estatuazinhas , capitéis, afrescos, casulas, pesadas estalas, pedras, faces, madeiras e ouro, tapetes, cálices, relicários , retábulos e móveis, crucifixos e virgens, falai ! Um sussuro que nos chegue. Que monólogo é este, dia e noite entretido ? Sombras, sombras, sussurai-me, segredai-me. Todo esse passado, esse peso, essa pátina, pureza, pecado".

"O homem morre para sempre. O abismo da morte não devolve ninguém. E então, lentamente, fui percebendo que só nos resta uma atitude, menos que atitude, uma postura - a tranquila dignidade de quem sabe e não se desespera".

"Ó interminável estrada, ó ruas do mundo, ó caminhos da vida, ó rio dos homens por onde incessantemnte rolamos como gloriosos destroços !".

"Ó caminhante sombrio e só ! Sempre sentiste o efêmero de tudo. Nunca pousaste, nem repousaste em nada. Nunca tiveste sossego. Fosto sempre um peregrino em perigo".

"Isto é apetecível, uma casa, com mulher e meninos, para a noite do homem. Nunca terás isto, ó incauto viajante, ó ser noturno, abandonado e trágico, nunca terás o limpo sossego dos homens. Não o terás, porque o recusas, ó louco, ó orgulhoso, ó só. Não conhecerás nunca a meiga tranquilidade dos serões sem agitação : viverás como um condenado, sem casa, entregue à nostalgia do paraíso absurdo, sem chave, sem nada. Caminharás sem fim. Nunca chegarás".

Posted by geneton at 11:22 PM

janeiro 19, 2005

DEVER DE CASA DE UM ALUNO DA ESCOLA DE JORNALISMO DA RUA FRANCISCO SÁ

Sou um projeto de ruína . Meu velocímetro profissional já registra três décadas de rodagem por redações. É um bocado. Quem mandou não estudar Medicina ? A hora de dizer “chega” vai se aproximando. Todo jornalista deveria mudar radicalmente de atividade depois de dez anos de exercício profissional. Somente assim não correria o risco de se habituar ao papel de figurante do espetáculo patético encenado em redações por gente que se considera cem vezes mais importante do que realmente é.

Não existe cena tão risível quanto o desfile de vaidades desprovidas de fundamento. Em nenhuma outra profissão há um abismo tão gigantesco entre pretensão e realidade. Ninguém me contou ; eu vi, com estes olhos que um dia o crematório de Golders Green há de comer : gente incapaz de pronunciar corretamente a palavra “gratuito”, gente que escreve exceção com dois “s”, gente que constrói frases como “para mim ver”, gente que acha que “sobrancelha” é “sombrancelha”, gente que jura que o substantivo óculos exige o artigo no singular, gente que comete pérolas como “fazem dez anos” – chorai, leitor, é esta a gente que, além de se julgar superior e competente, acha-se perfeitamente qualificada para descrever o que é que aconteceu ontem, o que acontece hoje, o que acontecerá amanhã, esta semana, este mês, este ano , no mundo . Quá, quá, quá. Pior : é gente que, a sério, exige remuneração superior à de médicos, engenheiros, nutricionistas, agrônomos, veterinários, biólogos e garis. Pausa para risos incontroláveis da platéia. Quá, quá, quá. De novo : quá, quá, quá.

É como se um cirurgião perfeitamente incapaz de manusear o instrumento de trabalho – um bisturi – saísse da sala de operações arrotando grandeza depois de cometer barbeiragens inomináveis no corpo do paciente. Falo com conhecimento de causa sobre imposturas ocorridas em redações . Conheço a raça. Orgulhosamente, faço parte do canil. Sou aquele terceiro vira-lata à esquerda, na penúltima fila. ( crianças : não se assustem com o vazamento de bílis. Feitas as contas, o Jornalismo pode valer a pena, sim. É a melhor profissão do mundo – para quem não consegue exercer tarefas realmente úteis à Humanidade. Os jornalistas podem ser, devem ser e, em geral , são benfeitores da sociedade, com as exceções de praxe. Ponto. Parágrafo ).
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Há séculos, ao comentar o resultado de uma pesquisa em que os jornalistas só conseguiam superar os ladrões de galinha num ranking de estima pública, Paulo Francis dizia que os ladrões de galinha deveriam protestar contra a injustiça. Bingo.
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Sinal dos tempos : três vezes por dia, sou visitado pela tentação de dar por encerrado meu paupérrimo espetáculo, apagar a luz da espelunca , pregar na porta um aviso de “saiu. não volta” e realizar, num subúrbio qualquer de uma cidade cinzenta, o sonho dourado de cultivar pelo resto da vida um silêncio irrevogável e benfazejo. “Ainda hei”. Só falta encontrar uma fonte financiadora. (tragédia : ela jamais aparecerá).
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Quando olho pelo retrovisor, faço um esforço para contabilizar um ganho palpável, concreto, indesmentível , em meio ao rosário de perdas, equívocos, tropeços e decepções com que fui brindado pelo exercício do Jornalismo. Vou tentar. Agora. Um, dois, três minutos de busca. Nada. O “yahoo” instalado no meu lóbulo central falha na tarefa. “Nenhum resultado encontrado” . Meus dois neurônios pedem tempo para vasculhar de novo as gavetas da memória. Como se fosse um treinador de basquete, peço tempo ao juiz. Quatro, cinco, seis minutos de busca. Nada. Eis que surge uma luz no fundo do poço. Ah, achei um ganho profissional !

Que é o seguinte : tenho tido a chance de fazer um belo curso intensivo de Jornalismo que já se arrasta por anos e anos. Começou em 1988 – quando conheci pessoalmente o velho lobo da imprensa Joel Silveira. Desde então, sou um privilegiado freqüentador da escola de Jornalismo que, sem placa na porta, sem autorização do ministério, sem quadro-negro na parede e sem lista de chamada, funciona num apartamento do sexto andar de um prédio da rua Francisco Sá, em Copacabana - o refúgio de Joel. Lá, envolto numa concha invisível, ele se protege do mundo exterior escondido atrás de barricadas feitas de aço e papel : estantes superpovoadas de livros. O telefone – e a TV - são as únicas pontes com o horror externo. Joel diz que tem uma “diversão predileta” : falar mal de uma comentarista televisiva toda vez que ela surge no vídeo. “Assim que ela aparece, eu digo : ah, mulher chata ! Vaca ! Pronto. Ganhei o dia“.

Há anos Joel deixou de andar na rua. Não “circula”. Não visita. Não faz questão de ser visitado : “Só se for para receber algum pagamento. Se aparecer alguém aqui em casa com um cheque, eu boto gravata e bermuda para receber o presente”. Fez a opção preferencial pelo isolamento. Não corre o menor risco de ser atingido pelos perdigotos ou pelo bafo de terceiros. Não sente falta da contaminação externa. Faz bem. É um felizardo. Deveria soltar fogos pela janela todo dia de manhã, para comemorar o sucesso do isolamento. Nem a Albânia, nos áureos tempos de solidão internacional, conseguiu se proteger melhor do mundo exterior.

Aos recém-chegados ao Planeta Gutenberg, devo informar que Joel Silveira (sergipano da safra de 1918) ficou famoso, ainda nos anos quarenta, como repórter dono de um texto reluzente - uma víbora capaz de verter veneno em forma de tinta quando escrevia sobre, por exemplo, as grã-finas de São Paulo. Assis Chateaubriand, o todo-poderoso dono de uma rede de jornais, logo notou o talento do repórter recém-chegado de Aracaju. Terminou despachando Joel para cobrir a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, em terras da Itália. Assim, Joel entrou para a história da imprensa brasileira como correspondente de guerra, além de repórter que imprimia uma marca própria aos textos que produzia, aos borbotões, para jornais e revistas. Humberto Mauro se enganou . Jornalismo (e não o cinema ) é cachoeira.

Se um noviço perguntasse ,a este aluno medíocre do Curso de Jornalismo da rua Francisco Sá , quais são as virtudes básicas do professor Joel , eu responderia na bucha. O mau jornalista – seja ele repórter, editor, dono de jornal ou seja lá o que for – é aquele que se deixa contaminar por uma doença estúpida, a Síndrome da Frigidez Editorial (SFE). Aos não iniciados no estudo das zoonoses das redações, diga-se que a SFE é uma praga que acomete jornalistas que, depois de anos e anos manuseando fatos extraordinários, passam a achar tudo “ordinário”, comum, banal, indigno de um mísero registro nas páginas dos jornais ou no quadrilátero brilhante dos aparelhos de TV. Transformam-se em derrubadores profissionais de matérias - especialistas em mandar para a lata de lixo as histórias apuradas por quem ainda não se contaminou com este vírus nocivíssimo . O horror, o horror, o horror. Sobre jornalistas que jogam notícia no lixo , tenho histórias que dariam para encher uma enciclopédia. Poderia exibir provas, se quisesse. Mas pouparei aqui a paciência do leitor.

Os jornalistas contaminados pelo vírus da SFE deveriam mudar de profissão com toda urgência. Mas não mudam. Passam o resto da vida destilando doses amazônicas de tédio sobre vítimas indefesas – em geral, repórteres que ainda não perderam o fogo. Aos oitenta e tantos anos, Joel Silveira é uma grande exceção a esta regra : nunca perdeu a chama interior que serve de combustível ao repórter.

Uma das grandes lições de Joel : um bom e inspirado repórter é perfeitamente capaz de escrever dez páginas sobre um encontro de minutos com uma figura histórica. É o que aconteceu com o repórter Joel Silveira ao descrever o “primeiro, único e desastrado” encontro que teve com o presidente Getúlio Vargas, no Palácio do Catete. Joel conseguiu uma audiência com o homem , na ilusão de que sairia da sala com uma entrevista. A raposa Getúlio Vargas pensou que o repórter estava ali para pedir um emprego. Nem uma coisa nem outra : Joel saiu do Palácio sem o emprego – que não queria – e sem a entrevista – com que sonhara. Um repórter burocrático seria incapaz de escrever um parágrafo de cinco linhas sobre a entrevista frustrada. Afinal, Getúlio se limitou a trocar com ele um punhado de frases bobas. Mas Joel escreveu um longo e brilhante texto que, retocado para o livro “Tempo de Contar”, termina assim, com a narrativa da frustração que sentiu ao deixar o palácio do presidente :

- Voltei ao boteco, a vários deles, durante horas amargando o fel da derrota, alisando a cara onde o chicote presidencial havia acertado em cheio. Lá para a meia-noite, entrei no Danúbio Azul, um bar que não existe mais numa Lapa que também não existe mais; e lá fiquei até que a manhã me fosse encontrar – uma das mais radiosas manhãs de abril já neste mundo surgidas, desde que existem mundo e manhãs de abril.

Pergunta-se : que jornal, que revista de hoje publicaria um texto escancaradamente autoral como este de Joel Silveira ? A resposta é um silêncio de rachar os tímpanos. O corvo de Edgar Alan Poe repete a cantilena fatal : “Never more, never more”. Nunca mais, crianças. Pobres de nós – leitores castigados com hectares e hectares e hectares de prosa que confunde narrativa jornalística com aridez vocabular e estilística.
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Joel segue desde o início da carreira o ensinamento que Albert Camus deixou em O Estrangeiro : lá pelas tantas, o personagem enjaulado numa cela diz que um homem que tivesse vivido um único dia teria recordações suficientes para cem anos. Os fiscais da saúde jornalística, se existissem, poderiam dormir tranqüilos quando fossem fazer um check –up em Joel : um grande repórter, como ele, é imune ao vírus da Síndrome da Frigidez Editorial (SFE).

Uma vez, numa entrevista , pedi a Joel que imaginasse uma cena : se fosse chefe de reportagem, que pautas ele gostaria de ver apuradas ? Sem titubear , ele desfiou a lista :

- Que tal o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva durante o governo militar ? Já se cavou um cova. Vamos cavar outras, então ! E a morte da figurinista Zuzu Angel num acidente que não entra na cabeça de ninguém ? E a explosão da bomba no Riocentro ? Qual foi a intenção verdadeira ? Era causar um massacre ? Ou dar um susto ? A morte de Juscelino ficou mal contada. A mim, não me convenceu. Eu não sou um juscelinista. Sou um leitor de jornal. E o atentado à OAB ? Quem mandou ? E a morte de Lamarca ? E a de Marighela - um sujeito astuto e conspirador, como ele era, ia sair idiotamente daquele jeito ? E aquele operário que morreu no DOI-CODI em São Paulo ? E a morte de Herzog - que não tinha motivo nenhum para se suicidar ? Isso tudo daria uma série fantástica.

Além de repórter que tira leite de pedra, Joel cultua o “prazer do texto”. O que ele escreve é uma mistura feliz de Jornalismo e Literatura. Por que não ? O brilho do texto sobre o desencontro com Getúlio Vargas é apenas um exemplo, numa montanha. Eis outro : uma reportagem sobre a rebelião popular ocorrida no fim dos anos quarenta na Colômbia termina com a descrição de uma visita ao Cemitério Central de Bogotá. Lá, o repórter Joel vê o corpo de um menino morto no tumulto :

- Os olhos vazios fixavam o céu de chumbo e as mãos de unhas sujas e compridas pendiam sobre a laje dura – como os remos inertes de um pequeno barco. O barco fora surpreendido pela tempestade, havia perdido o leme, mas ficara boiando sobre as águas, sem afundar. Foi a impressão que me deu aquele menino : a impressão de que não havia morrido de todo. Era o que diziam os olhos muito abertos ; era o que igualmente parecia dizer o sorriso leve que mal se denunciava nos lábios finos e sem cor (...). Depois, um funcionário qualquer aproximou-se, olhou por alguns segundos o menino morto, procurou sem achar alguma coisa que ele deveria trazer nos bolsos. Tentou em seguida fechar com os dedos os olhos abertos, mas não conseguiu. Abertos e limpos, os olhos do menino morto pareciam maravilhados com o que somente eles viam, com o que queriam ver para sempre.

Compare-se este texto com a mesmice reinante hoje nos jornais e revistas. A saída é chorar lágrimas de esguicho no meio-fio mais próximo.

Como se tantas lições não fossem suficientes, o professor Joel dá, aos raríssimos freqüentadores da faculdade informal da rua Francisco Sá, aulas e aulas e aulas de bom-humor. Tenho a honra de dizer que, nestes últimos anos, fui o único discípulo a freqüentar assiduamente o refúgio do dinossauro. Confirmei o que já suspeitava : somente os idiotas se levam a sério. Em todos estes anos de convivência, perdi a conta das cenas cômicas que testemunhei na escola do professor Joel.

Quando pingou o ponto final num livro que fizemos juntos – “Hitler/Stalin: O Pacto Maldito” -, Joel me ligou, eufórico, com a voz pastosa. Deu para notar que ele tinha irrigado as cordas vocais com doses escocesas de uísque. Fez-me um apelo em tons dramáticos : “Pelo amor de Deus, você sabe onde é que existe uma boa sarjeta aqui por perto ? Consegui terminar o texto ! Hoje quero beber até cair na sarjeta !”. Tempos depois, rompeu para sempre relações diplomáticas com as destilarias de uísque. Motivo oficial : já não tinha com quem conversar. Os amigos tinham morrido. “Todos !”. Passou a se auto-intitular “a maior solidão do Brasil”.
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Quando se internou no Hospital dos Servidores do Estado para uma cirurgia, passava horas sentado na cama observando os aviões que cruzavam o céu em direção ao Aeroporto Santos Dumont. Assim que cheguei para uma visita, Joel reclamou : “Quero ir embora. Não agüento mais ficar contando avião. Já contei dezoito hoje !”.

Dias depois, convocou-me para que me apresentasse imediatamente na rua Francisco Sá. Quando cheguei lá, Joel ,diante de uma garrafa de uísque pela metade, pegou o telefone para falar com um amigo que não via há anos. Do outro lado da linha, em Salvador, o amigo não deve ter entendido absolutamente nada. Joel se limitou a dizer a ele “ouça aí ! ouça aí !”. Em seguida, me fez ficar segurando o telefone junto ao alto-falante do velho toca-discos que amplificava a voz de Dorival Caymmi cantando “Peguei um Ita Norte”. O amigo teve de ouvir a música inteira por telefone. Quando a música acabou, Joel se despediu do ouvinte sem maiores explicações. “Passe bem !”.
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Quantas e quantas cenas o professor Silveira não me descreveu com um sorriso escancarado ? Uma das melhores : o dia em que o amigo Rubem Braga resistiu a um convite feito por Joel para que os dois fossem a um concerto de música clássica na Roma do pós-guerra. Joel insistiu : por que não ir ? Rubem Braga deu a explicação inesperada: “Não posso ir. Violino me dá tosse”. Joel insistiu, insistiu. Rubem Braga foi. O desastre anunciado se consumou . Assim que a violinista começou a tocar, o parceiro de Joel na noitada sinfônica teve um acesso de tosse incontrolável.

Aos freqüentadores do refúgio da Francisco Sá, Joel falará da oferta de emprego que recebeu de um assessor do presidente Jânio Quadros : ia ser nomeado para o conselho consultivo da Companhia Brasileira de Álcalis. Resposta de Joel à oferta :

- Aceito o convite ! Só quero tirar duas dúvidas. Primeira : quanto vou ganhar ? Segunda : o que é álcalis, pelo amor de Deus ? ”.

Lá pelas tantas, ele se recordará da cena surrealista protagonizada por ele e pelo gênio Nelson Rodrigues. Colegas de trabalho numa redação, sem nunca terem sido amigos íntimos, os dois cultivavam uma convivência meramente profissional . Um dia, Nelson Rodrigues estaciona diante da máquina de escrever que Joel Silveira batucava ferozmente. Não diz nada. Fica em silêncio observando a cena. Lá pelas tantas, o gênio da crônica exclama uma palavra :

- Patético !

E vai embora, sem dar maiores explicações.

Quando mostrou a Graciliano Ramos o texto de um conto que tinha escrito, Joel foi brincado com a mais radical e silenciosa resenha literária já cometida no Rio de Janeiro : Graciliano Ramos simplesmente fez picadinho do conto. Em silêncio , diante de um Joel boquiaberto , Graciliano Ramos desfez a folha em mil pedaços. As frases que o Joel iniciante considerava geniais viraram confete. O conto do Joel iniciante se perdeu para sempre.

Provocado, Joel será capaz de dar conselhos. Adora repetir o que ouviu de um gigante do jornalismo – Herbert Mathews, globe trotter do New York Times : o repórter precisa ter humildade e sorte.
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O Joel que se considera, além de “a maior solidão do Brasil”, o “último dinossauro” de nossa imprensa, é também o rei das implicâncias gratuitas. Como se fosse um franco atirador postado numa janela do sexto andar da Francisco Sá com um arsenal de petardos verbais na ponta da língua, ele adora fustigar inimigos gratuitos. Não tolera seres “ridículos” como alpinistas, turistas e tocadores de cavaquinho obesos. Recusa-se a ouvir uma nota sequer emitida pelo violão ou pela voz de João Gilberto. Diz que, se um dia fosse nomeado Imperador de Sergipe, baixaria um decreto proibindo que João Gilberto cantasse em terras sergipanas. ”Por chatice”.
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As investidas do repórter Joel Silveira podem ser saboreadas em volumes como “Tempo de Contar” ou na coletânea lançada em 2004 pela Companhia das Letras – “A Milésima Segunda Noite da Avenida Paulista”, leitura que deveria ser obrigatória tanto para os noviços tanto para as múmias das redações .

O Joel deste “Diário do Último Dinossauro” não é o Joel das grandes reportagens: é o autor de pequenas tiradas, impropérios, ataques e louvações. Os textos que aqui aparecem alimentaram o “Diário de uma Víbora” - a coluna que Joel mantém na revista pernambucana “Continente Multicultural” desde julho de 2001 ( há vida editorial fora dos dois extremos da Via Dutra ! ). Os verbetes venenosos despachados para a Continente – e aqui reunidos - foram coletados em várias fontes : anotações inéditas que Joel acumulou em pastas de plástico, fragmentos de livros como “Vinte Horas de Abril”, “A Guerrilha Noturna”, “O Presidente no Jardim” e “Você Nunca Será um Deles”.
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Um dia - eu vos prometo – pretendo reunir num livro os diálogos que tive com o mestre : longas sessões de entrevistas gravadas na escola informal da Francisco de Sá. São pelo menos seis , publicadas aos pedaços em jornais e revistas ou apresentadas , resumidamente, na TV. Lições que devem ser passadas adiante. “Vida aos outros legada” , como diria o Vate.
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Agora, crianças, favor fazer silêncio na sala : a maior solidão do Brasil pede a palavra. Do alto do refúgio onde se protege de nós todos , atrás de barricadas de papel e aço no sexto andar de um prédio da Francisco Sá , o “último dinossauro” vai disparar seus petardos venenosos neste “Diário”.
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Que ninguém se assuste : não existe guerra tão divertida. Joel não se leva a sério. Não nos leva. Não leva nada. Melhor assim.
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É diversão garantida. Você não vai conseguir parar de ler.

(*)Texto de apresentação do livro "Diário do Último Dinossauro", publicado pela Travessa dos Editores.
Pedidos :
www.travessadoseditores.com.br

Posted by geneton at 02:23 PM

janeiro 18, 2005

DESCULPE,WILLIAM BONNER.

Jornal velho só serve para embrulhar peixe.

Acabo de escrever uma mentira.

Quem disse que o destino de jornal velho é se tornar embrulho de peixe na feira livre pode até ter criado uma frase pretensamente espirituosa mas nunca pisou numa redação. Não faz a menor idéia do que seja o jornalismo.

Ao contrário do que acontece com as notícias de televisão - que se evaporam no ar em questão de segundos, o que se escreve em jornal fica guardado nos arquivos privados ou nas bibliotecas públicas.

A permanência da palavra escrita pode ser uma bênção (há reportagens, artigos, crônicas e entrevistas que, por serem documentos de uma época, merecerão um dia a graça de serem relidas pelos olhos misericordiosos de um pesquisador perdido na poeira das bibliotecas) ou um castigo (a coleção de textos jornalísticos que realmente merecem o esquecimento imediato daria para embrulhar trezentas toneladas de peixe por dia. Avante, ciobas, salmões, agulhas e cações do Brasil! Nossos textos vos esperam!).

Se jornal velho não serve apenas para embrulhar peixe, para que serve, então? Uma das definições mais felizes diz que o jornal é o primeiro rascunho da História. Bingo !

O repórter faz a primeira anotação sobre o que aconteceu diante de suas retinas presumivelmente atentas. O que o repórter registrou vai se tornar matéria-prima para quem, um dia, no futuro, tentar reconstituir um instante perdido no tempo. Palmas para o jornalismo impresso. Longa vida aos jornais e às revistas !

Mas.....as coisas não são tão simples quanto parecem. A era dos computadores acaba de criar um problema tanto para os jornalistas quanto para os historiadores. Que destino terá a formidável massa de informações produzida pelo jornalismo via Internet ? Quem estocará todos esses textos ? De que maneira esse material será consultado no futuro ?

A Internet só perde para os terrenos da Companhia de Limpeza Urbana como depositária de lixo em quantidades industriais. Nunca se escreveu tanta coisa inútil. Mas a rede mundial de computadores é também uma belíssima fonte de pesquisa, um banco de dados planetário como nunca se imaginou.

Nem tudo o que circula nas telas dos monitores deve ser condenado a desaparecer.

Um historiador inglês – John Vincent, autor do livro “Na Intelligent’s Person Guide to History” – soprou as trombetas do Apocalipse : disse que a era digital oferece uma terrível ameaça à História. Com uma pitada de exagero, ele lançou um sinal de alerta : disse que o computador pode condenar a História a desaparecer. Por quê ? O que faz a História é a permanência da palavra escrita. Se, com o onipresente computador, a palavra escrita torna-se volátil, então a História pode se evaporar também. Textos que circulam na Internet podem ser perder para sempre no buraco negro dos computadores.

Pergunta-se : Quem estocará essa formidável quantidade de informação ? Quem ordenará essa Babel digital, para futura pesquisa ? Onde estará a Biblioteca de Alexandria da Era da Internet – um super-banco de dados que reúne todo o conhecimento que circula nas telas iluminadas ? A dúvida – inquietante - fica no ar.

O problema da disponibilidade de uma informação para futura pesquisa já existia no caso da televisão. Agora, agiganta-se, na era do computador. Um artigo publicado em junho de 1992 pelo New York Times já dizia: “A televisão tem um toque efêmero. Os melhores programas raramente deixam marcas nos arquivos e bibliotecas. É mais difícil localizar o script de um programa visto por milhões de pessoas do que desenterrar um obscuro artigo de revista, lido apenas por milhares”.

Se o autor do artigo publicado pelo New York Times – um certo Karl E. Meyer – tivesse dito essas palavras num programa de TV ou num site na Internet suas elucubrações teriam desaparecido no ar. Mas suas palavras foram impressas. Podem – então - ser citadas textualmente, uma década depois, por este anônimo escriba. Assim caminha a humanidade : escrevendo em papel.

Há um problema em busca de uma solução. O que foi ao ar, ontem à noite, para milhões e milhões de espectadores em horário nobre ,no Jornal Nacional, não estará acessível nas bibliotecas. Vai sumir “na poeira da estrada”, como diria Paulinho da Viola. Já estas mal traçadas linhas estarão armazenadas daqui a um século numa Biblioteca. Desculpe, William Bonner. Desculpe, Fátima Bernardes. A culpa não é minha.

O que acontece é que o que sai na tevê (ou na tela do computador) não se transforma em objeto de consulta, em fonte de informação histórica, em material acessível aos pesquisadores. Só se transformará no dia em que uma sonhada Biblioteca Planetária Digital guardar para os pesquisadores do futuro as imagens e palavras que hoje se evaporam no ar ou, no máximo, ficam estocadas em arquivos privados.

A palavra impressa ainda é a campeã absoluta de permanência. Quem resolverá este descompasso?

Enquanto esse tumulto não se resolve, não existe nada melhor do que o papel para enviar mensagens ao futuro. As frases que escrevemos num pedaço de papel podem ser tortas e precárias, como estas, mas certamente ficarão flutuando em alguma prateleira de biblioteca – quem sabe, numa remota cidade do interior - na esperança de que alguém, um dia, passeie os olhos sobre elas, exatamente como aquelas garrafas que os náufragos jogam ao mar, em busca de um impossível destinatário.

Pelo menos por enquanto , as garrafas mais duradouras sem dúvida nenhuma são feitas de papel.

Não se inventou ainda nada melhor.

Posted by geneton at 07:21 PM

junho 08, 2004

CENAS DE ENCONTROS COM O ESCRITOR QUE SE ACHAVA UM GÊNIO.E ERA

Gilberto Freyre merece um monumento,pago pelos repórteres pernambucanos.A homenagem só não se concretiza por duas razões.Primeira : o homem já é incensado como o maior sociólogo já surgido na Terra de Vera Cruz.Não precisa de novos títulos.Segunda : onde é que repórteres mal pagos iriam desencavar dinheiro para financiar a construção do monumento ? Em todo caso,o monumento se justificaria,porque Freyre era um desses (raros) personagens em que os repórteres podiam apostar todas as fichas,sem medo de errar.Pule de dez : quem o procurava para uma entrevista voltava para a redação com uma declaração interessante -registrada no bloco de anotações ou preservada para a posteridade na fita cassete.Era tecnicamente impossível sair de mãos vazias de uma incursão pelo reino do Mestre de Apipucos.
Lá estava ele - repousado numa poltrona do Solar de Apipucos ou enfurnado no salão de tapete azul da Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais,pronto a ditar belas frases para os repórteres.Quando ditava uma declaração,metia na frase aqueles advérbios de modo surpreendentes;aqueles adjetivos que pareciam ter sido criados por ele.Gostava de discorrer sobre o "tempo tríbio" - um princípio tipicamente gilbertiano.O tempo não é só o presente.É uma interseção de passado,presente e futuro.

O MESTRE FALAVA
COMO ESCREVIA

O Solitário de Apipucos era um caso raríssimo de gente que fala como escreve.Quando transcreviam as declarações,os repórteres tinham a sensação de que ali estava um artigo do Mestre,escrito com todas as belas firulas de estilo que ele cultivava como poucos.Freyre era um dedicado jardineiro da Última Flor do Lácio.Como se não bastasse,fazia a alegria de editores com declarações que,hoje,seriam catalogadas no rol das crenças politicamente incorretas.Qualquer iniciado nos mistérios do jornalismo sabe que declaração politicamente incorreta sempre rende boa matéria.Um exemplo ? Gilberto Freyre dizia que a presença de analfabetos era saudável para a cultura brasileira.Porque só os analfabetos eram capazes de dar à cultura de um país um saudável toque primitivo.Enquanto o resto da humanidade dizia que o analfabetismo era um mal a ser erradicado,Freyre respondia que não,calma,não é bem assim.O analfabetismo eventualmente poderia ser saudável.Os militantes da Crença Politicamente Correta espumavam de raiva diante de tiradas como essa.Freyre parecia dizer,em resumo,que nada é tão simples quanto faziam parecer os esquemas mentais "politicamente corretos".

Eu,mero Coletor de Declarações Alheias,fui personagem de um incidente jornalístico com o Mestre de Apipucos.Procurei-o na sala da presidência da Fundação Joaquim Nabuco para uma entrevista,na semana em que ele comemorava setenta e sete anos de vida,em 1977.O Mestre andava ressabiado com a imprensa.Tinha pegado uma briga com a revista "Veja",por conta de inexatidões no texto de uma entrevista.Mas disse "sim" ao meu pedido.Estudante de Jornalismo,eu era repórter da sucursal de "O Estado de São Paulo".Fazia eventualmente entrevistas para o finado "Jornal da Cidade".

O GÊNIO INTERROMPE A
ENTREVISTA.QUERIA
CONSULTAR O DICIONÁRIO

Freyre me surpreendeu três vezes durante a entrevista.Primeiro,perguntou,textualmente : "Quais são os seus estudos ? ".Do alto dos meus vinte anos de idade,devo ter desapontado o Mestre ao informar que,àquela altura,meus estudos se concentravam no terceiro ano de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco.Em seguida,ao falar sobre o presidente americano Jimmy Carter,ele interrompeu a entrevista para pedir à secretária que trouxesse um exemplar do Dicionário do Aurélio.Depois de checar todos os significados da palavra "estonteado" ,viu que este era o adjetivo ideal para definir as atribulações do presidente diante da política internacional.Olímpico,indagou ao repórter : "Viu como uso o dicionário ? ".

Vi,sim.A lição ficou.Devo ter matutado,intimamente : se o Mestre de Apipucos consultava o Dicionário assim sem a menor cerimônia,diante de visitas,o mínimo que eu deveria fazer dali para frente seria pedir socorro ao Pai dos Burros sempre que tivesse a menor dúvida sobre o significado de uma palavra no meio de uma frase.Thank you,Master.

A terceira surpresa viria adiante.Fiz uma lista de personalidades que o Mestre deveria definir em uma frase.Perguntei como ele definiria o arcebispo de São Paulo,o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns - uma figura que,na época,frequentava quase que diariamente as páginas dos jornais,na condição de um dos porta-vozes da oposição ao regime militar.Freyre me devolveu a pergunta : "Quem é mesmo ? ".
Somente um marciano recém-pousado às margens do Capibaribe não saberia dizer quem era o arcebispo de São Paulo.Freyre fêz de conta que não sabia.Preferiu recorrer à ironia,com o ar mais inocente do mundo.Quem o visse fazer a pergunta pensaria que ele não sabia de verdade quem era Dom Paulo.

DESASTRE.O REPÓRTER OUVE MAL
A PALAVRA DE FREYRE

O desastre viria depois.Perguntei : "Qual o sabor destes 77 anos ? ".
O homem respondeu : "Eu quase não faço diferença entre 77 anos,67,57.Pela simples razão de que tenho uma tal saúde que preciso,a cada momento,dizer a mim mesmo: lembre-se de que é velho,porque não me sinto velho".

A causa do incidente em que me vi involuntariamente envolvido foi a última frase. Freyre jura que disse que não se sentia "velho". Ao transcrever a fita,entendi que ele tinha dito que não se sentia "bem". Assim a entrevista foi publicada : com a palavra "bem" no lugar de "velho".Vaidosíssimo,Freyre tremeu nas bases ao ler que teria declarado não estar se sentindo "bem".

A ira do Mestre de Apipucos desabou sobre os ombros deste Coletor de Declarações Alheias.Abro o "Diário de Pernambuco" do domingo seguinte à publicação da entrevista - primeiro de maio de 1977.Eis o que o Mestre escreve,logo no primeiro parágrafo : "Concedi há pouco a jovem jornalista que me pareceu -e é - inteligente e de algumas letras,a entrevista que com muito empenho me solicitou.Entrevista gravada.Mas a gravação não é garantia absoluta de que o entrevistador apresente as palavras do entrevistado na sua exata e desejável pureza.Acontece a resposta do entrevistado à primeira pergunta desse simpático entrevistador não se apresentar de todo exato.(...)O que mostra que o tradutor de gravações,como outros tradutores,pode ser um traidor.Inexatidão que me faz pensar na força de preconceitos sobre os próprios jovens inteligentes.Um desses preconceitos o de a velhice ser fatalmente uma fase da vida de achaques e de dissabores".

Freyre dedicou todo o artigo ao tema.Citou o exemplo de Picasso("criativo e saudável" depois dos noventa),Pablo Casals,Bertrand Russel.
Partiu da suposição - equivocada - de que eu,jovem,alimentava preconceitos contra velhos.Terminou dizendo que tinha ânimo de sobra para "viver,escrever,pintar,ler,beber um pouco de vinho,saborear uns tantos quitutes,ir a teatros".

Tudo o que aconteceu,na verdade,foi a troca de uma palavra na transcrição da entrevista.Voltei a ouvir a fita.De novo,entendi que ele tinha dito que não se sentia "bem".Mas preferi acreditar no que ele dizia no artigo.Gilberto Freyre deve ter dito mesmo que não se sentia "velho".Pensei com meus botões : um desastre acaba de se consumar.Eu,repórter,acabara de perder para sempre um excelente entrevistado.Tive a tentação de concordar de uma vez por todas com o que dizia Carlos Drummond de Andrade : não adianta,a vida é um "sistema de erros",um "vácuo atormentado",um "teatro de injustiças e ferocidades".

O INTELECTUAL MAIS VAIDOSO DO BRASIL
DIZ QUE É O "ÚNICO GÊNIO VIVO"


Resisti à tentação de escrever um artigo em resposta ao Mestre.O meu senso de ridículo me salvou.Quem era eu,o Famoso Anônimo,para peitar o Mestre de Apipucos ? Quem era eu,mero Coletor de Declarações Alheias,para desdizer o Autor de Frases Geniais ? Tomei uma providência longe dos olhos dos leitores.Fiz uma carta pessoal ao Mestre.Disse a ele que considerava estúpido qualquer preconceito contra velhos.Era fã de carteirinha de Bertrand Russel.Deixei a carta na ante-sala da presidência da Fundação Joaquim Nabuco.Zarpei.Bye bye.

Passei a temer,intimamente,o dia em que fosse escalado para uma nova entrevista com o mestre Gilberto Freyre.O dia chegaria,cedo ou tarde.Chegou antes do que eu esperava ; a chefia de reportagem de O Estado de S.Paulo pedia que a sucursal do Recife ouvisse Freyre sobre a censura.Eu não podia fugir da tarefa.Lá fui eu,o cordeiro,para o matadouro.Freyre estava participando de uma reunião do Conselho Estadual de Cultura,num casarão antigo,ali,em frente ao Colégio Nóbrega.Fiquei na ante-sala,à espera de que o concílio dos intelectuais se encerrasse.Era o momento de abordar o Mestre de Apipucos.

Ei-lo : vestia um terno escuro.Andava ligeiramente vergado.Intimamente,esperei que ele se desvencilhasse com um muchocho do repórter que lhe dera tanta dor de cabeça.Ou me desse uma bronca pública diante de seus pares.Que nada.A reação do Mestre foi surpreendente.Deu-me um abraço apertado.Disse-me ao pé do ouvido : "Estou fazendo a melhor impressão de você !".O acordo de paz foi firmado ali.Como vampiro em busca de sangue,voltei a importunar o Mestre de Apipucos repetidas vezes.Queria declarações bombásticas.É o que todo repórter quer,quando procura uma celebridade.Não existem santos nesse metier.Guardo,em meus arquivos implacáveis,as gravações das entrevistas.Numa,ele confessou : tinha uma avó que morreu certa de que ele,o neto,era "débil mental".Freyre chegou aos oito anos "sem saber ler ou escrever".

Como "penetra"(ou,para usar um eufemismo,repórter),participei da festa dos oitenta e três anos de Gilberto Freyre,no Solar de Apipucos,no dia 15 de março de 1983.Recém-empossado,o governador Roberto Magalhães foi render homenagens ao mais ilustre dos pernambucanos.Freyre segurava uma taça de licor
(devia ser de pitanga).Resolvi tirar uma velha dúvida.Por que será que ele era tão vaidoso ? Todo mundo em Pernambuco comentava que não existia ninguém tão vaidoso quanto o Mestre de Apipucos,mas ninguém o abordava para perguntar,sem meias palavras,qual o motivo de tanta vaidade.

Freyre me respondeu,também sem meias palavras : "Eu me considero um gênio". O repórter soltou fogos,intimamente,para comemorar a colheita de tal declaração.Adiante,embalado pelo ambiente de festa,Freyre diria que não existia nenhum gênio brasileiro vivo,comparável a ele.Diante da insistência,citou dois mortos : Aleijadinho e Villa-Lobos.

Deve ter sido nossa última entrevista.A declaração de Freyre volta e meia é repetida.Ficou.Se houvesse justiça no mundo,nós,repórteres,deveríamos financiar a construção de um monumento ao Mestre de Apipucos.Poucos entrevistados terão produzido tantas declarações originais com tanta frequência.

O monumento teria o estilo das esculturas de Aleijadinho.Se fosse inaugurado ao som de uma Bachiana de Villa-Lobos,a festa estaria completa.Os três gênios - escolhidos a dedo pelo próprio Freyre - finalmente ficariam juntos por um momento.

Posted by geneton at 07:58 PM

abril 29, 2004

CENA LONDRINA : RUBEM FONSECA SE TRANSFORMA EM DEFENSOR PÚBLICO DE CHICO BUARQUE

LONDRES - O escritor Chico Buarque de Hollanda recebeu ,em Londres,um julgamento em dose dupla (primeiro,verbal;depois,por escrito) de um dos mais bem sucedidos autores brasileiros - Rubem Fonseca,o recluso autor de sucessos como ''A Grande Arte'' e ''Agosto''.
O cenário não poderia ser mais londrino : às margens do Rio Tamisa,no Royal Festival Hall,num salão de onde se podia avistar,através das grandes vidraças,a imponência do Big Ben,numa noite clara deste fim de primavera britânico. Os escritores Rubem Fonseca,Chico Buarque,João Gilberto Noll e Patrícia Melo participaram de uma sessão de leitura de trechos de seus livros. Seguida de um rápido debate com o público,a sessão foi promovida para marcar o lançamento da tradução inglesa de obras de Fonseca(''The Lost Manuscript''/''Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos),Noll(''Hotel Atlantico''),Patricia Mello(''The Killer''/''O Matador'') e Chico Buarque(''Benjamin'' e ''Turbulence'').
Diante de uma platéia que superlotou o auditório de uns cento e cinquenta lugares,Rubem Fonseca,o escritor que jamais dá entrevistas,assumiu o papel de defensor público das virtudes literárias de Chico Buarque. A reação de Fonseca foi causada pela pergunta deste correspondente - que quis saber o que é que Chico Buarque tinha a dizer aos críticos que o consideram uma espécie de ''intruso'' entre os escritores.
Bem-humorado,Chico Buarque disse que se limitaria a traduzir para o inglês a pergunta,feita em português,porque Rubem Fonseca é que iria responder. Fonseca aceitou a missão,na hora.Depois de dar uma baforada num charuto,disse,em inglês :
-Quero dizer que Chico Buarque sempre foi um escritor - a vida inteira.E é um poeta.Noventa e nove por cento dos críticos elogiaram os livros de Chico.Somente um crítico o tratou como um ''outsider''.Somente um ! Nós,escritores,consideramos Chico Buarque um escritor.Em nome de todos os escritores,quero dizer que temos orgulho de ter Chico Buarque entre nós !

O rápido discurso de Fonseca foi saudado por demorados aplausos da platéia.Célebre não apenas pela sucesso de seus contos e romances,mas também pelo horror que devota a entrevistas, Fonseca ofereceu uma surpresa à plateia que foi ver e ouvir os quatro autores brasileiros em Londres. Quem esperava ver um autor sisudo descobriu que,quando sai da ostra,o arredio Fonseca é um orador extremamente simpático e bem-humorado,capaz de arrancar risos e aplausos da platéia em meio à leitura. Ao ler,em inglês,um conto sobre um escritor que provoca paixões mortais nas amantes, Fonseca demonstrou possuir habilidades de ator,através de pausas,inflexões,silêncios e gestos que prenderam a atenção dos espectadores.
A leitura do conto de Fonseca se estendeu por quase meia hora,mas ninguém reclamou da demora.Pelo contrário. Sentado na primeira fila,Chico Buarque nem piscava,totalmente absorvido pelo espetáculo de Fonseca. Habituado a encarar grandes platéias em seus shows de musica,desta vez o tímido Chico se transformou no mais atento espectador de um inesperado show man : Rubem Fonseca,justamente o escritor que passa a vida evitando todo e qualquer contato com o público - pelo menos através da imprensa.
Vestindo um paleto marron claro,sem gravata,com barba branca e grisalha e cabeleira rala,Rubem Fonseca terminou se mostrando o mais desenvolto entre os autores na hora de fazer uma performance no palco improvisado. Terminada a leitura de trechos das obras de cada um,os autores enfrentaram uma sessão de autografos. Rubem Fonseca aproveitou a chance para dar por escrito,ao autor da pergunta sobre a reação dos críticos aos livros de Chico Buarque,um veredito de cinco palavras,datado e assinado(''Rubem Fonseca -June,1997''):

- Chico é um grande escritor.

Sentado ao lado de Chico Buarque,a quem mostrou a frase que acabara de escrever num exemplar da edição inglesa de ''Estorvo'',Rubem Fonseca estava sorridente,mas não escondia uma ponta de irritação com a citação aos críticos que questionaram o sucesso literário de Chico :

- ''Qual é,oh cara ?'' - disse a este correspondente.

Se depender da critica britânica,Rubem Fonseca não terá nenhum motivo para se preocupar com o amigo : ''Estorvo'' mereceu elogios dos críticos de jornais importantes como The Times (''A qualidade da prosa efetivamente exprime a desorientação de uma sociedade no abismo da anarquia'') e ''Independent''(''A técnica narrativa é tao imprevisível quanto um trecho de uma improvisação de jazz'').


(1997)

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abril 15, 2004

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE : "O JORNALISMO É UMA FORMA DE LITERATURA"

Atenção,pesquisadores de curiosidades zoológico-poéticas : o apartamento 701 do prédio número 60 da rua conselheiro Lafayette,em Copacabana,era palco diário de uma cena esquisita. Lá,um urso polar adorava falar ao telefone.
O autointitulado “urso polar” chamava-se Carlos Drummond de Andrade. Desde que virou uma quase unanamidade nacional, Drummond ergueu em torno de si uma couraça para se proteger das investidas do mundo exterior. Era o exemplo acabado do mineiro arredio. Usava uma suposta timidez – desmentida por amigos íntimos – para manter longe de si,na medida do possível,as incoveniências da celebridade,descritas nos versos amargos do poema “Apelo a Meus Dessemelhantes em Favor da Paz” :

“Ah,não me tragam originais
para ler,para corrigir,para louvar
sobretudo,para louvar (....)

Respeitem a fera.Triste,sem presas,é fera(...)

Vocês,garotos de colégio,não perguntem ao poeta
quando nasceu.
Ele não nasceu.
Não vai nascer mais.
Desistiu de nascer quando viu que o esperavam garotos de colégio de lápis em punho
com professores na retaguardada comandando :

cacem o urso polar,
tragam-no vivo para fazer uma conferência(...).


Durante décadas,Drummond fugiu dos pedidos de entrevista.Preferia repetir a resposta-padrão : tudo o que tinha a dizer estava em seus poemas e crônicas. Mas mantinha um flanco aberto : o telefone. Amigos chegaram a definir Drummond como um “ser telefônico”. Ziraldo escreveu que Drummond era “ao telefone,um derramado,com uma voz entre rouca e afunilada,meio tênue e fina,com a respiração difícil como quem tem desvio de septo”.

O “urso polar” cultivava esta pequena esquisitice : sempre que podia,fugia do contato pessoal,mas se mostrava surpreendentemente acessível a investidas telefônicas de intrusos como,por exemplo,este locutor-que-vos fala.

Um dos editores do Jornal da Globo,cultivei,pelos idos de 1986,o hábito de incomodar o poeta pelo telefone,em busca de declarações que eram transformadas,no ar,em frases que exibiam a assinatura de Drummond. O poeta jamais se esquivou de fazer rápidos comentários.A uma pergunta sobre o que pensava de uma reunião de professores de países de língua portuguesa em Lisboa para discutir uma proposta de unificação ortográfica,Drummond – tido como um dos maiores poetas já produzidos pela língua portuguesa – deu uma resposta tipicamente drummondiana :

- “Considero-me um usuário,não o proprietário da língua.Não sou filólogo,não sou professor,não sou gramático.Sou um leigo em língua portuguesa”.

Tive a chance de entrevistar outro gigante da poesia brasileira,o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto,sobre a idiossincrasia telefônica de Drummond :

- “Era uma coisa engraçada : pessoalmente,ele falava menos” – constatava Cabral. “Mas tinha uma conversa longuíssima ao telefone. Quer dizer : quanto mais longe a pessoa, mais afetuoso ele era. Tenho a impressão de que ele não gostava era do contato físico”.

O telefone terminou se transformando no caminho das pedras para a obtenção daquela que seria uma das maiores entrevistas já concedidas por Drummond. Em julho de 1987,Drummond respondeu a setenta e seis perguntas que lhe fiz por telefone,em duas sessões.Transcrita,a gravação da entrevista rendeu cerca de duas mil linhas datilografadas.

As palavras do urso polar ficam. Recolho um possível decálogo de nossa entrevista :

1.”Não tenho a menor pretensão de ser eterno.Pelo contrário : tenho a impressão de que daqui a vinte anos – e eu já estarei no cemitério São João Batista – ninguém vai falar de mim,graças a Deus.O que eu quero é paz”.


2.”A solidão em si é muito relativa.Uma pessoa que tem hábitos intelectuais ou artísticos ,uma pessoa que gosta de música,uma pessoa que gosta de ler nunca está solitária,nunca está sozinha.Terá sempre uma companhia : a imensa companhia de todos os artistas,todos os escritores que ela ama,ao longo dos séculos”.

3.”Não fiz nada organizado.Não tive um projeto de vida literária.As coisas foram acontecendo ao sabor da inspiração e do acaso.Não houve nenhuma programação.Por outro lado,não tendo tido nenhuma ambição literária,fui poeta pelo desejo e pela necessidade de exprimir sensações e emoções que me perturbavam o espírito e me causavam angústia.Fiz da minha poesia um sofá de analista.É esta a minha definição do meu fazer poético”.

4.”A popularidade nada tem a ver com a poesia.A popularidade pode acontecer.Mas um grande poeta pode também passar despercebido”.

5.”Tive apenas o desejo de exprimir minhas emoções.Eu sentia necessidade de que eles se soltassem ; era um problema mais de ordem psicológica do que de outra natureza”.

6.”O jornalismo é uma forma de literatura.Eu,pelo menos,convivi – e mil escritores conviveram- com uma forma de jornalismo que me parece muito afeiçoada à criação literária : a crônica”.

7.”O que lamento é que as novas gerações já não tenham os estímulos intelectuais que havia até trinta ou quarenta anos passados.As pessoas que sabiam escrever a língua se destacavam na literatura e nas artes em geral.Hoje em dia,há escritores premiados que não conhecem a língua natal”.

8.”Sou uma pessoa terrivelmente corajosa,porque não espero nada de coisa nenhuma”.

9.”Considero-me agnóstico.Sou uma pessoa que não tem capacidade intelectual e competência para resolver o problema infinito que é se existe ou não existe uma divindade”.

10.”Minha motivação foi esta : tentar resolver,através de versos,problemas existenciais internos.São problemas de angústia,incompreensão e inadaptação ao mundo”.

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(*) Geneton Moraes Neto é autor de “Dossiê Drummond” (Editora Globo),livro que traz a íntegra da entrevista de Carlos Drummond de Andrade,além de depoimentos de 45 personalidades brasileiras sobre o poeta.

Posted by geneton at 12:56 AM

março 16, 2004

JOÃO CABRAL DE MELO NETO E O REPÓRTER : UM FESTIVAL DE VEXAMES,DESENCONTROS E CONFUSÕES


Já se disse que o melhor jornal é aquele que jamais chega ao conhecimento do leitor. O que acontece nos bastidores de uma reportagem pode ser tão interessante quanto o que sai nas páginas dos jornais. Se os jornais publicassem tudo o que se fala numa redação(ou, pelo menos, tudo o que os repórteres vêem mas não escrevem), nossa imprensa certamente não mereceria o julgamento que um dia Paulo Francis fez :
- “Nossa imprensa : acadêmica, empolada, previsível, chata. Meu Deus, como é chata”.
Ponto. Parágrafo.
Minha pequena coleção de entrevistas com o super-poeta João Cabral de Melo Neto foi marcada por desencontros, vexames, incidentes e mal-entendidos - sem maior gravidade, mas suficientes para fazer ruborizar qualquer tímido que se preze.


Vexame 1. Cenário : saguão do Aeroporto Internacional dos Guararapes. Ano : 1973. Dou meus primeiros passos como repórter. O chefe de reportagem me despacha para o Aeroporto. Missão : cobrir a chegada do mais ilustre dos poetas pernambucanos. O diplomata João Cabral vivia no exterior, na época. Lá fomos nós, em busca da celebridade . O único problema é que o fotógrafo não sabia que João Cabral era pernambucano. Assim que o poeta desembarca, o fotógrafo o convoca a posar em frente a um painel turístico que mostrava uma imensa foto do Recife. A pose em frente ao painel provaria que o poeta esteve na cidade...Pouco à vontade ,o poeta concorda em posar. Lá pelas tantas, o fotógrafo quer saber se o poeta por acaso já conhecia a capital. João Cabral responde com algum som inaudível.

Vexame 2. João Cabral aceita receber o repórter na casa do irmão, à beira-mar, em Olinda. Horário da entrevista : onze da manhã. O repórter chega vinte minutos atrasado. Formalíssimo, João Cabral nem parece estar de férias. Aparece no portão metido numa impecável camisa de manga comprida abotoada até a gola. Primeira frase que pronuncia : “Você chegou com uma pontualidade nada britânica...”. O repórter quase estreante procura, em vão, um buraco no chão para se esconder. Não encontra. Entre mortos e feridos, todos se salvam : a entrevista segue adiante.

Vexame 3. De volta ao Brasil depois de se aposentar da carreira diplomática , João Cabral escolhe o Rio de Janeiro como endereço . O repórter que, anos antes, cometera o pecado de chegar com uma “pontualidade nada britânica”, telefona em busca de uma nova entrevista. Quem sabe, agora consiga fazer uma entrevista sem incidentes. João Cabral se desculpa : “Vamos marcar outra hora... Minha mulher morreu ontem”. Já não tão estreante, o repórter procura de novo um buraco no chão para se esconder – em vão. Um silêncio que parece durar uma eternidade se instala nos dois lados da linha telefônica. O que dizer numa situação dessas ? Nada. Meus pêsames. Desculpe. Eu sinto muito. Socorro !

Vexame 4. O homem marca a entrevista : vai receber o repórter em casa - um apartamento na Praia do Flamengo . Por coincidência , o jornal O Globo marca, para a mesmíssima hora, uma sessão de fotos de João Cabral com Ferreira Gullar . Os dois poetas aguardam a chegada do fotógrafo do jornal. Aperto a campainha . “Pode entrar” . Cabral e Gullar vão para a janela do apartamento . A vista, ao fundo, é bela. Fazem pose. Ficam olhando para as minhas mãos, à espera de que eu saque a máquina fotográfica . Pensam que eu sou o fotógrafo que estavam esperando. Mas não tenho máquina nenhuma . Carrego apenas meu gravador . “Não quer fazer a foto agora ? “.Dois dos maiores poetas brasileiros estavam ali,diante de mim,à espera da impossível foto. Não, não quero, não sei , não posso fazer. Deve ter havido algum engano. Nunca fui fotógrafo em minha vida. Um buraco no chão, pelo amor de Deus !
Desfeito o equívoco, os dois desistem de esperar pelo clique de minha máquina inexistente. Cinco minutos depois, o fotógrafo (o verdadeiro) desembarca no apartamento. Os dois voltam a posar na janela. Livre da tarefa, João Cabral finalmente dá a entrevista pedida pelo locutor-que-vos-fala.
Lá pelas tantas, diz :
“A coisa simples que quero fazer com minha poesia não é uma coisa boba. O simples que almejo é chegar a uma forma que os outros entendam. Consigo raramente. É difícil traduzir as coisas de que falo de uma maneira acessível a todo mundo. Minha luta é esta : tentar exprimir uma coisa mais complexa na linguagem mais simples possível. Confesso que geralmente eu fracasso”.

O poeta – um dos maiores que o Brasil já teve – confessava que o gosto do fracasso não lhe era estranho. Devo ter pensado, com meus botões : fracasso ? Se depender do meu histórico de fracassos nos bastidores das entrevistas com João Cabral, sou mestre nesse assunto.


(2002)







Posted by geneton at 02:47 PM

março 12, 2004

CARTA AOS MENINOS QUE CORREM ATRÁS DO ÔNIBUS DA SELEÇÃO BRASILEIRA

O autor da melhor definição já escrita sobre futebol é um ilustríssimo desconhecido. Seja lá quem for, merece ser entronizado quem resumiu em apenas doze palavras esta paixão tão avassaladoramente brasileira:
- Das coisas menos importantes da vida, o futebol é a mais importante...

Noventa e cinco por cento dos brasileiros devem ser adeptos desse mandamento.Os cinco por cento restantes não nasceram ainda.

Quero fazer uma confissão: eu estava banhado de suor no exato momento em que descobri que "das coisas menos importantes da vida, o futebol é a mais importante". Não, eu não estava disputando uma final de campeonato. Como um celerado, eu corria desembestadamente atrás do ônibus da seleção brasileira, na avenida Rosa e Silva, no Recife, no já remoto ano de 1969. Em minhas mãos, carregava uma folha de papel em branco. Não estava à procura de nenhuma declaração, não esperava por nenhuma entrevista. Nem sonhava em ser repórter. O que eu queria - como, provavelmente, todo menino brasileiro apaixonado por futebol - era um autógrafo de um dos meus ídolos. Fui a pé de minha casa até o estádio do Náutico, na avenida Rosa e Silva. Uma multidão de torcedores esperava pela chegada da seleção, para o treino. Lá vem o ônibus. Tumulto. Gritaria. Empurrões. Eu me lembro de ter visto Tostão e Clodoaldo acenando na janela. Ou terá sido Gérson? Quem sabe, Jairzinho.Não importa: os craques dos meus times de botão estavam ali, materializados, a dois palmos de distância.

O treino ia ser fechado. Mas eram tantos os torcedores correndo atrás do ônibus que a Federação resolveu abrir os portões do estádio. Aquele punhado de fanáticos teve, então, o privilégio de assistir a um treino da seleção que, meses depois, entraria para a história do futebol mundial nos gramados do México como o melhor time de futebol de todos os tempos.

O que diabos eu estava fazendo na arquibancada do estádio dos Aflitos, na manhã de um dia de semana?

Aos doze anos de idade, eu estava descobrindo que o futebol é a mais importante das coisas menos importantes da vida. Dizem que a gente só guarda na memória rostos, datas e nomes que, por um ou outro motivo, nos são realmente importantes.O trator dos neurônios soterra o resto. Pois bem: meu professor de desenho no Colégio São Luís - que Deus o perdoe - passou o ano tentando me fazer entender que "o quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos". Eu passei o ano preocupado com outro problema: o Sport Clube do Recife, afinal de contas, ia ou não barrar a caminhada do Náutico rumo ao título de heptacampeão pernambucano? O meu time de botão ia ou não ganhar o dificílimo campeonato que a gente organizava na rua Dom Manoel da Costa, no bairro da Torre?

Enquanto o professor - com cara de zagueiro alemão - tentava me familiarizar com o fantástico mundo da geometria, eu ficava pensando com meus botões: quem é hipotenusa? O que significa cateto? Onde fica a saída, pelo amor de Deus? Cadê o meu timaço de botão?

Hoje, 33 anos depois, declaro-me formalmente incapaz de explicar o que significa a soma dos quadrados dos catetos. Mas sei de cor a escalação do time do Sport: Miltão; Baixa, Bibiu, Gílson e Altair; Válter e Vadinho; Dema, Zezinho, Acelino e Fernando Lima. Não preciso consultar nenhum jornal antigo para recitar de trás pra frente a escalação do meu time de botão - o Palmeiras de 1968: Perez; Scalera, Baldochi, Minuca e Ferrari; Dudu e Ademir da Guia, Gildo, Sevílio, Tupãzinho e Rinaldo. Eis uma prova matemática dessa verdade fundamental: das coisas menos importantes da vida, o futebol é a mais importante.Se não fosse, eu não teria guardado tantos nomes.

O meu exercício de memória, obviamente, não vale nada. Mas o que é a vida, se não uma coleção de gloriosas inutilidades? Sou igualmente capaz de recitar o meu time de botão do Botafogo de 1969: Cao, Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Valtencir; Carlos Roberto e Gérson; Rogério, Roberto, Jairzinho e Paulo César. É pouco? Lá vai o time do Santos: Cláudio, Carlos Alberto, Ramos Delgado, Joel e Rildo; Clodoaldo e Negreiros; Manoel Maria, Toninho, Pelé e Edu. Minha memória sepultou no cemitério dos esquecimentos todo o palavrório que meu professor mobilizou na inglória missão de me apresentar aos mistérios dos catetos e hipotenusas. Não tive coragem de dizer a ele, mas, desde o primeiro dia de aula, eu tinha certeza absoluta de que o futebol era mais importante do que a soma dos quadrados dos catetos. Não me perguntem por quê. Eu era um menino brasileiro. Não se deve pedir explicação a nenhum menino brasileiro apaixonado por futebol.

Esquecido das hipotenusas, guardei na memória duas cenas do dia em que corri desembestado atrás do ônibus da seleção brasileira. Clodoaldo saiu de campo chorando, machucado. Termina o treino. Nós, os desocupados meninos do Brasil que saímos de casa numa manhã de dia de semana para correr atrás do ônibus da seleção, tentávamos agora vislumbrar por uma fresta numa das paredes do estádio nossos craques se preparando para ir embora. Parecia filme de Fellini. Nós nos revezávamos no posto de observação. Cada um podia olhar por cinco, dez segundos o que estava acontecendo no vestiário dos nossos deuses. Quando chegou minha vez, o que vi? Clara, nítida, diante de mim, a imagem do Rei Pelé ensaboado da cabeça aos pés.O Rei estava nu.

Quando os jogadores voltaram para o ônibus, pararam para saciar nossa fome de autógrafos. Devo ter guardado em algum lugar esta relíquia. Onde estará este meu pequeno tesouro, pessoal e intransferível? Acabo de achar em meio a velhos papéis. Lá estão os autógrafos de Tostão, Rivelino, Brito, entre outros que terminaram ficando no caminho, na odisséia rumo ao México - como Paulo Borges,ponta-direita do Corinthians. A seleção que foi treinar no campo dos Aflitos trazia as estrelas que reluziriam na campanha do México: Félix, Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza, Clodoaldo, Gérson, Jairzinho,Tostão e Pelé. Quando o ônibus partiu, repetiu-se a gritaria, o tumulto, a vibração, os acenos. Nova correria atrás do ônibus.

O que terá acontecido naquele remoto ano na vida do menino brasileiro apaixonado por futebol? O meu professor de desenho me reprovou, é claro. Meu pai me deu uma bronca de dimensões bíblicas: disse que eu passaria os próximos meses proibido de ir ao estádio. O meu time do Palmeiras perdeu o campeonato da rua Dom Manoel da Costa na penúltima rodada. O juiz com certeza deve ter roubado. O Santa Cruz - tragédia - venceu o campeonato pernambucano. O Sport ficou a ver navios, na Ilha do Retiro.

O menino brasileiro - um entre milhões - aprendeu ali que a vida é feita também de derrotas, fracassos, reprovações. Mas é também feita de lembranças que só aparentemente são desimportantes. Minha paixão pelo escrete deve ter começado ali, na corrida atrás daquele ônibus.

Então, dou um conselho aos meninos brasileiros: corram atrás do ônibus da seleção, se tiverem a chance. Ou do carro de bombeiros no desfile da vitória. Quantas lembranças, quantas paixões pelo escrete não surgirão entre esses meninos que correrão, desembestados, com uma folha de papel em branco nas mãos?

Da matéria dessas lembranças se alimenta a mais bonita, a mais avassaladora, a mais incondicional paixão de um povo por uma instituição nacional: a do brasileiro pela seleção.


(2002)

Posted by geneton at 06:37 PM

MENINOS,EU VI !

Eis os personagens do livro que não foi escrito: Woody Allen, Mikhail Gorbachev, Margareth Thatcher, Paul McCartney, Yoko Ono, Princesa Diana.


Peço licença aos sócios do meu restritíssimo clube de leitores para escrever na primeira pessoa. Faço um passeio anárquico pelo Museu da Memória, em busca de personagens que cruzaram o caminho do repórter. Todos foram protagonistas de cenas de bastidores – que ficaram de fora das reportagens. Folheio mentalmente a minha Pequena Enciclopédia de Celebridades – um livro que jamais foi escrito. As imagens, nítidas, vão se sucedendo. Ei-las:

ALLEN,WOODY

A máquina de relações públicas da distribuidora encarregada de lançar um filme de Woody Allen oferece uma entrevista exclusiva com o ator e diretor, na suíte de um hotel plantado às margens do Hyde Park, em Londres. Tento ser britanicamente pontual: chego na hora. A assessora me leva para uma ante-sala. Vai embora. Um minuto depois, chega o astro. É igual ao que se vê no cinema: tímido, esfrega as mãos enquanto fala, olha para o chão, solta tiradas geniais. É pálido como um boneco de cera. Pergunto se ele admira algum brasileiro. Tenho certeza de que Woody Allen – fanático por esportes – vai citar Pelé ou Romário ou Ronaldinho. Quebro a cara. Allen se declara apaixonado por Machado de Assis. Ganhou de presente uma versão inglesa de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Lá pelas tantas, diz que precisa fazer um filme atrás do outro, para não olhar para a “nuvem negra” que paira vinte e quatro horas sobre seus ombros – a morte. Tento consolá-lo. Digo que os filmes que ele faz serão estudados daqui a 50 anos, nas cinematecas. Woody Allen responde que não quer a imortalidade no futuro. “Quero agora, já, no meu apartamento”. Infelizmente, não posso ajudar.

ONO,YOKO

Yoko Ono dá uma longa entrevista para falar sobre a exposição que fará em Brasília. São instalações de vanguarda – obras de arte que jamais serão degustadas pelo povaréu. O assessor (que também é namorado da viúva mais famosa do mundo) controla o tempo da entrevista. Fez-se um acordo prévio: nada de perguntas sobre vida pessoal. Deixo para o final uma pergunta sobre Lennon. Yoko Ono pousa a mão sobre minha perna, esboça um sorriso, diz que “numa próxima oportunidade” falará sobre o assunto. Gentilmente, dá por encerrada a entrevista. Não resisto à tentação de pedir um autógrafo. A única foto que encontrei mostra Yoko e John diante do Dakota – o prédio em que o ex-beatle foi assassinado na noite do dia 8 de dezembro de 1980. Quando vê a foto, Yoko suspira, baixinho, algo como God... (“Deus...”). Termina assinando. Por um instante, involuntariamente, devo ter trazido uma péssima lembrança à superviúva. Sorry about that.

GORBACHEV,MIKAIL

Pouquíssimos estadistas podem dizer que mudaram o mundo. Mikhail Sergueivich Gorbachev faz parte dessa confraria. Bem ou mal, ele deflagrou o processo de abertura política e econômica que virou a União Soviética de pernas para o ar. O mundo mudou a partir do dia em que Gorbachev pronunciou pela primeira vez as palavras glasnost e perestroika diante das muralhas do Kremlim.
Dizem que ele entende – e fala – perfeitamente o inglês. Mas, diante de repórteres estrangeiros, só fala russo. Faço a pergunta providencialmente traduzida por uma intérprete: “Os seus admiradores dizem que o senhor mudou o mundo”. Gorbatchev ouve com ar satisfeito. Quando a intérprete transmite a ele a segunda parte da pergunta – “mas seus detratores dizem que o senhor traiu os ideais do socialismo” – Gorbatchev franze a testa, como se estivesse fazendo um leve sinal de reprovação. Intimamente, espero pelo pior. Se estivesse de mau humor, Gorbatchev poderia acabar ali a breve entrevista. Mas não: prefere dar uma resposta aos detratores. Diz que a história, um dia, fará justiça aos que, como ele, apostaram na liberdade.
Tenho vontade de pronunciar um “absolutamente certo!” como complemento à resposta do homem, mas me contenho.

McCARTNEY,PAUL

O ex-beatle Paul McCartney, apontado pelo vetusto Daily Telegraph como o mais importante compositor de música popular do século vinte, vai dar uma coletiva no Royal Albert Hall, numa manhã gelada, em Londres, para falar sobre a peça clássica que estava lançando em disco. Faço uma combinação com o cinegrafista. Em vez de nos dirigirmos ao auditório que servirá de palco para a coletiva, ficaremos do lado de fora, próximos à entrada principal do Royal Albert Hall. Quem sabe, num golpe de sorte, não conseguimos uma declaração exclusiva do homem. Fãs capazes de qualquer sacrifício descobrem, não se sabe como, que Paul falará aos jornalistas. Lá estão elas, indiferentes ao frio de rachar, num canto da calçada, à espreita. De repente, noto que um magrelo vestido de preto começa a falar discretamente num walkie-talkie. Faço um sinal para o cinegrafista. A celebridade deve estar chegando. Um carrão preto, com vidros indevassáveis, se aproxima lentamente da entrada do prédio. Quando notam, as fãs se agitam. O carro pára. Quem desce do banco traseiro? Só podia ser: Sir Paul McCartney, recém-condecorado pela Rainha. Avanço em direção à presa, com o microfone em punho. Fãs soltam gritos. Os brutamontes – popularmente conhecidos como seguranças – entram em ação para afastar todo e qualquer intruso – eu, inclusive. Paul acena para a turba. A única declaração que consigo captar é um monossílado – Hi! – versão inglesa para “Olá!”

Em questão de segundos, ele desaparece dentro do prédio, cercado de seguranças por todos os lados. É uma luta inglória: enfrentar um daqueles brutamontes corresponde a desafiar Mike Tyson para um duelo, no meio da rua, numa manhã de inverno. Faltam-me proteínas para tanto.
Lá dentro, na coletiva, Paul aponta aleatoriamente para um ou outro jornalista – que, bafejado pela sorte, pode balbuciar uma pergunta. Supercelebridade é assim. O dedo indicador do beatle me desconhece solenemente. Fica para a próxima.
Além das declarações que o astro fez na coletiva, volto para a redação com a entrevista mais sucinta das tantas que tive a chance de tentar.
“Olá.”
E ponto final.

RAY, JAMES EARL

Depois de negociações via fax com a direção do presídio de segurança máxima, consigo uma entrevista com um dos assassinos mais célebres da história dos Estados Unidos – o homem que matou o pastor Martin Luther King. Chama-se James Earl Ray. Cumpria pena de prisão perpétua numa penitenciária em Memphis, Tennessee.
Uma pequena odisséia precede o encontro. Somos obrigados a fazer uma lista minuciosa de todo o equipamento que estamos conduzindo (fios, microfones, baterias). Depois, o guarda nos ordena que deixemos numa caixa todas as cédulas, moedas e talões de cheque que tivermos nos bolsos. O dinheiro é trancafiado num cofre. Vai ser devolvido na saída. Motivo: evitar que se faça qualquer pagamento ao prisioneiro em troca da entrevista. Depois, passamos por pelo menos cinco portões que isolam os detentos do resto do mundo. O próximo portão só se abre quando o anterior se fecha. Cercas eletrificadas completam o aparato. Penso comigo: é tecnicamente impossível escapar desse inferno. James Earl Ray chega para a entrevista mascando chicletes. Os olhos azulíssimos são espertos. O homem é articulado: fala bem, concatena com clareza suas idéias. Faço a pergunta que ele com certeza ouve há anos: você matou Martin Luther King? A resposta é sucinta: “Não”. Mas as provas são conclusivas: as impressões de James Earl Ray estavam no rifle usado para matar King em abril de 1968, na varanda de um hotel de Memphis.
Martin Luther King tinha um sonho: acabar com o preconceito racial. James Earl Ray tinha um rifle.
Termina a entrevista. Vacilo intimamente: devo ou não pedir um autógrafo ao assassino? Confesso que minha porção fútil venceu. Peço que ele autografe um livro sobre o assassinato.
James Earl Ray me deseja, por escrito, “os melhores votos”.
Resisti até hoje a vender o livro num desses leilões exóticos que povoam a Internet.

THATCHER, MARGARETH

A fila na noite de autógrafos é enorme. Margareth Thatcher, a Dama de Ferro, que entrou para a história política como a primeira mulher a governar a Grã-Bretanha, tinha sido aplaudida de pé, por pelo menos cinco minutos, pela platéia que lotara o anfiteatro no centro de Londres para ouvir suas perorações contra a excessiva intromissão do Estado na vida dos cidadãos. Encerrada a conferência, ela desaparece nos bastidores, provavelmente para irrigar a garganta fatigada por tanto discurso. Mas volta logo ao palco, para uma sessão de autógrafos. Cercada por agentes de segurança, ela troca cumprimentos formais com os leitores enquanto assina os exemplares da autobiografia. Quem consegue o autógrafo é gentilmente convocado por uma assessora a desaparecer do mapa o mais rápido possível, porque ali não é lugar de puxar conversa com a Dama de Ferro.
Penso com meus velhos botões: a hora do autógrafo pode ser, quem sabe, a chance ideal de arrancar uma minientrevista. Fora dali, Margareth Thatcher é tecnicamente inacessível, pelo menos para repórteres vindos do Brasil, esta república que, aos olhos dos ingleses, é um território quente, distante e exótico.
Chega a minha vez. Vista a um palmo de distância, Margareth Thatcher é um monumento à palidez. A maquiagem só acentua a brancura. Faz movimentos espaçados com a boca, como se estivesse mastigando ar (um espírito de porco diria que os movimentos lembram o de alguém desprovido de dentes).
Faço um pedido no instante em que ela saca a caneta para pingar o autógrafo no calhamaço: “Se Margareth Thatcher fosse definir Margareth Thatcher em uma só palavra, qual seria ela? A senhora se importaria de escrever esta palavra junto do autógrafo?”
Por um instante, os olhos azuis da Dama de Ferro me fitam, inquisidores. A fera dá a impressão de estar vasculhando mentalmente o dicionário em busca da palavra mágica. Mas a palavra mágica não vem. A Dama de Ferro diz: “Desculpe, mas não posso me definir em uma palavra apenas. Vou lhe dar o autógrafo. Muito obrigado. Boa noite”.
A mão estendida é sinal de que minha miniaudiência com Miss Thatcher estava encerrada. Dos males, o menor: volto para casa com duas frases no meu caderno de anotações.
É um avanço considerável, se comparado com o “olá!” de Sir Paul McCartney.

DIANA

Não há outro pensamento possível: fico ruminando sobre o absurdo da vida ao ver o caixão passar a dois passos de onde estou, numa alameda nas proximidades do Palácio de Buckingham, numa manhã de setembro. Há apenas uma semana, a Princesa Diana, linda, ilustrava a capa de uma revista numa foto deslumbrante em preto e branco. Agora, a Princesa é um corpo – invisível – desfilando diante de uma multidão de súditos em estado de choque. Crianças pregam nas árvores folhas de papel com mensagens e desenhos que a Princesa jamais verá. Os príncipes William e Harry caminham em companhia do pai, o Príncipe Charles, herdeiro direto do trono, logo atrás do caixão. De vez em quando, o Príncipe Charles faz movimentos quase imperceptíveis com a cabeça, como se agradecesse a presença da multidão. Cabisbaixos, seus dois filhos não tiram os olhos do chão.
A multidão não emite um ruído sequer. Só se ouvem dois ruídos. Um é o som do trote dos cavalos que transportam a carruagem fúnebre. O outro é o badalo compassado do sino da Catedral de Westminster. Com intervalos regulares, o sino enche a manhã de um som solene, triste, trágico.
A visão da multidão em silêncio, o som compassado do trote dos cavalos e o toque estranhamente assustador do sino da Catedral dão à cena ares de uma tragédia shakespeariana.
Perto dali, uma cena inacreditável: um bêbado trajando luto pronuncia palavras incompreensíveis diante da estátua de Charles Chaplin, na Leicester Square.
São onze da manhã. A conversa do bêbado com Carlitos completa a sucessão de cenas absurdas naquele setembro inesquecível.
Que segredos o bêbado terá confiado ao Vagabundo?

BEST, PETE

Não pode haver ninguém tão azarado sob o sol da sede do ex-Império Britânico. Durante dois anos, um baterista de Liverpool chamado Pete Best tocou com Paul McCartney, John Lennon e George Harrison num grupo recém-formado chamado The Beatles.
Um dia, o empresário dos Beatles chama Pete Best para avisar que, a partir daquele momento, o grupo terá outro baterista, um certo Ringo Starr.
Ironia das ironias: enquanto os Beatles conquistavam fama mundial, Pete Best amargava os dias como funcionário público numa agência de empregos de Liverpool. As tentativas de fazer uma carreira solo naufragaram. É lá que vou encontrá-lo, depois de uma primeira abordagem telefônica.
O ex-beatle me faz uma surpresa. Quando já estou na Inglaterra, ele diz que costuma cobrar um cachê por entrevistas – exatas 500 libras, o que corresponde a 800 dólares. Cumpro a exigência, para não perder a viagem.
Durante a entrevista, ele comete confidências sobre as farras homéricas que fez em companhia dos outros beatles, nas excursões a Hamburgo, na Alemanha, no início da carreira. Em companhia de Lennon, tentou roubar a carteira de um marinheiro na saída de um show num clube noturno. Fãs afoitas freqüentavam em sistema de rodízio as camas dos Quatro Cavaleiros de Liverpool, num alojamento nos fundos de um cinema decadente.
Terminada a entrevista, Pete Best convida-nos para tomar um chope num pub na Mathew Street – a ruela de Liverpool onde os Beatles fizeram suas primeiras apresentações, no célebre Cavern Club.
Lá pelas tantas, depois de inspecionar o ambiente com um olhar demorado, faz uma confissão: assim que soube que tinha sido dispensado do grupo, dirigiu-se exatamente a este pub, para tomar um porre homérico. Trinta e tantos anos depois, ele revive a cena, em companhia de um forasteiro sul-americano.
Meninos, eu vi: por um breve fim de tarde, um ex-beatle afogou suas mágoas em minha companhia, diante de copos de chope morno.
Assim caminha a humanidade.

TAGUE, JAMES

O assassinato do presidente John Kennedy, ao meio-dia e meia da sexta-feira 22 de novembro de 1963, teve uma vítima desconhecida: um passante – que só parou para ver a passagem da comitiva porque o trânsito estava engarrafado – foi ferido na bochecha pelo estilhaço de uma das balas disparadas pelo ex-fuzileiro naval Lee Oswald contra o presidente. Nome da vítima: James Tague. É citado no relatório oficial sobre a morte do Presidente.
Hoje, ele é comerciante de carros usados. Dá uma resposta afirmativa ao meu pedido de entrevista, feito por telefone. O encontro fica marcado para o único endereço que conheço em Dallas: o célebre Depósito de Livros Escolares do Texas. De uma janela, no sexto andar do Depósito de Livros, Lee Oswald esperou com um rifle nas mãos a passagem da comitiva presidencial.
Chego ao encontro na hora marcada. Como identificar James Tague?
Noto que um texano típico – devidamente paramentado com botas de cowboy – caminha de um lado para outro na calçada do Depósito de Livros. De vez em quando, me olha, como se quisesse adivinhar quem sou. Fico imaginando se aquele cowboy é o meu personagem.
Faço a pergunta: “Mister Tague?”
O cowboy estende a mão, abre o sorriso, diz que estava desconfiado de que eu era o tal repórter brasileiro que marcara o encontro por telefone.
Depois de apontar para a janela de onde saíram os tiros, caminha até uma cerca – que, segundo os crentes em teorias conspiratórias, serviu de esconderijo para o segundo atirador, jamais encontrado.
O cowboy vendedor de carros usados engrossa o coro dos que dizem que Lee Oswald foi o único assassino, mas deixa em aberto um pequeno espaço para a dúvida.
Quando pergunto se ele acha que um dia o “Crime do Século” será definitivamente esclarecido, o cowboy responde com uma palavra: “Não”.
Depois, troca cumprimentos, diz que precisa voltar ao trabalho e desaparece no começo da tarde de Dallas. Por um desses acasos que só acontecem uma vez num século, o anônimo cowboy texano foi testemunha e coadjuvante de um dos maiores crimes da história.

FRANCIS,PAULO

Sábado à tarde numa livraria em Piccadilly Circus, no centro de Londres. Folheio ao acaso livros na seção de obras clássicas de uma livraria. De repente, um tapa nas costas me assusta. Viro-me. Ei-lo: Paulo Francis. Sorridente, diz que ficou satisfeito em me ver ali, porque eu estava na única “seção que presta”: a dos clássicos.
Fico pensando que fui salvo pelo gongo. Por puro acaso, estava na seção dos clássicos, entre gigantes da literatura universal. Minutos antes, estava folheando livros ilustrados sobre futebol – obras de peso intelectual zero. Devo ter dado a Francis a impressão – errônea – de que era um freqüentador habitual da seção das obras-primas de todos os tempos. Como o equívoco era a meu favor, não me animei a corrigi-lo.
Um dia antes, Francis tinha repassado comigo uma possível lista de entrevistas que ele poderia fazer para a TV. Já tinha gravado uma com Martin Amis. Agora, faria com a escritora de romances policiais P. D. James. Animado, citei vários nomes de escritores acessíveis. Por que não fazer com Paul Johnson? Que tal J. G. Ballard – que tinha publicado há pouco um livro de ensaios? Diante deste nome, reagiu com moderação.
Ao notar meu entusiasmo na escalação de possíveis entrevistados (eu não dizia, mas, na verdade, estava saboreando ali a chance de discutir pautas com um dos meus ídolos jornalísticos), Francis fez o seguinte comentário, típico de um velho lobo certamente desiludido com o Estado Geral das Coisas:
– Você viu aquele filme Se7en? Você se lembra do que o personagem de Morgan Freeman diz no final do filme? Depois de citar uma frase de Ernest Hemingway – “O mundo é um belo lugar para viver; vale a pena lutar por ele” – Morgan Freeman diz o seguinte: “Concordo com a segunda parte”. Pelo jeito, você parece que concorda também...
Aquele foi o penúltimo encontro com Francis, o autoproclamado “lobo hidrófobo”.
A última frase que ele escreveu, no último livro que publicou (Trinta Anos Esta Noite), foi tristemente profética:
– Nos esforçamos, contra a corrente, que nos traz incessantemente para o passado. Vemos a luz verde, o futuro orgiástico, que ano a ano reflui, sempre elusivo, sempre ao nosso alcance, intangível, até que no meio de uma frase nos dêem um ponto final...

Posted by geneton at 11:23 AM